cirurgia bariátrica – como o psiquismo significa esse corte - BVS-Psi

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PRG
CURSO DE PSICOLOGIA / HABILITAÇÃO PSICÓLOGO
TRABALHO DE FINAL DE CURSO
CIRURGIA BARIÁTRICA – COMO O PSIQUISMO
SIGNIFICA ESSE CORTE NO CORPO?
Adriana Aparecida de Andrade e Silva
Trabalho apresentado ao Curso
de Psicologia da Universidade
Católica de Brasília como parte
dos requisitos necessários à
obtenção do título de Psicólogo.
Orientadora:
Profa. Dra. Viviane Neves Legnani
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira
Brasília, 2006
1
RESUMO
CIRURGIA BARIÁTRICA – COMO O PSIQUISMO SIGNIFICA ESSE CORTE NO
CORPO?
Aluna: Adriana Aparecida de Andrade e Silva.
Orientadora: Profa. Dra.Viviane Neves Legnani.
A obesidade é uma doença multifatorial que atualmente vem assumindo proporções
epidêmicas e acarretando grandes conseqüências para qualidade de vida das pessoas. Muitos
obesos mórbidos optam por um procedimento radical: a redução de estômago. Este trabalho
objetivou compreender como os indivíduos submetidos a essa cirurgia significam e elaboram
as mudanças geradas pelo procedimento cirúrgico. Para tal, foram realizadas entrevistas semiestruturas com oito pacientes submetidos à cirurgia, com tempo de operados que variou de um
ano e seis meses a quatro anos e seis meses. Também foram entrevistados três profissionais
que trabalham com esse segmento: um cirurgião, uma nutricionista e uma psicóloga. A análise
dos dados se deu a partir dos conhecimentos da psicanálise, numa abordagem qualitativa. A
discussão dos dados foi feita em torno de três eixos: 1) A eleição do “alimento” como objeto
privilegiado: obesidade e suas implicações nas relações familiares e sociais; 2) A opção pela
cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais; 3) A dificuldade em fazer a
troca de objeto de investimento após a cirurgia: implicações do corte no corpo e no
psiquismo. Os resultados corroboram a visão de que o psíquico e o orgânico não são campos
separados, assim, a mudança produzida, em qualquer um deles, causa mudanças em ambos.
Observou-se que a cirurgia traz muitos benefícios relacionados à saúde e à qualidade de vida
dos pacientes, mas, ao ocasionar a perda do objeto privilegiado, esse acontecimento, necessita
de ser simbolizado. Destacou-se, nas considerações finais, a importância do profissional de
psicologia, nas equipes interdisciplinares voltadas para esses pacientes.
Palavras-chave: Obesidade mórbida. Cirurgia bariátrica. Psicanálise.
2
Parecer do professor orientador
O trabalho de conclusão de curso, apresentado por Adriana Aparecida de Andrade e
Silva, ao Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília como um dos requisitos
necessários à obtenção do título de Psicólogo, traz para o campo de investigação da Psicologia
questões críticas e reflexivas relativas à dicotomia mente-corpo, uma vez que se propõe a
analisar as implicações subjetivas decorrentes de uma Cirurgia Bariátrica para os portadores
de obesidade mórbida.
Inicialmente, a autora tece considerações sobre o que é ser portador dessa
problemática no contexto contemporâneo, o qual se ancora de forma rígida ao ideal de beleza
e boa forma, demonstrando o “lugar mágico” que a tal cirurgia pode vir a ocupar para esses
sujeitos caso seja tomada como uma solução rápida e eficaz para se adequar a esses padrões.
O foco central da pesquisa incide, no entanto, sobre as questões subjetivas que
envolvem o posicionamento subjetivo dos pacientes após a cirurgia. Tendo como referência as
sistematizações da psicanálise, a autora destaca a relação compulsiva que o sujeito obeso pode
ter com o objeto alimento, muitas vezes semelhante a outros comportamentos de adicção.
Assim, questiona como essa relação terá chances de ser redimensionada, com um corte que
incide no corpo, sem que haja uma intervenção psicológica que possibilite ao sujeito fazer
outros investimentos objetais.
A sistematização da autora perpassa as áreas da Psicologia da Saúde e da Psicologia
Clínica, destacando, no final, tanto a importância de um trabalho interdisciplinar junto a esses
pacientes, quanto a especificidade da intervenção psicológica nessas equipes no pré cirúrgico e após a cirurgia. Contribui, dessa forma, ao demonstrar a importância de se
ultrapassar um modelo de intervenção calcado em ações individuais e desarticulado das
atuações dos outros profissionais, modelo que ainda é recorrente na formação dos
profissionais da área da saúde e que dificulta uma assistência global aos pacientes.
Professora Doutora Viviane Neves Legnani.
Curso de Psicologia - Universidade Católica de Brasília.
Março, 2007.
3
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................
01
1. APRESENTAÇÃO.......................................................................................................
05
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................
07
2.1.
Obesidade ..........................................................................................................
07
2.2.
Cirurgia Bariátrica .............................................................................................
12
2.3.
Questões psicológicas subjacentes a problemática da obesidade .....................
17
2.3.1. Psicopatologias e comportamento alimentar em uma perspectiva
cognitivista ......................................................................................................
18
2.3.2. A importância do acompanhamento psicológico.........................................
23
2.4.
A constituição do sujeito e de seus sintomas em uma visão psicanalítica ........
27
2.4.1. A subjetividade a partir do outro..................................................................
28
2.4.2. A imagem do corpo......................................................................................
37
2.5.
Psicanálise e obesidade......................................................................................
40
3. METODOLOGIA........................................................................................................
46
3.1.
A Escolha Metodológica....................................................................................
46
3.2.
Objetivos............................................................................................................
47
3.2.1. Objetivo geral ..............................................................................................
47
3.2.2. Objetivos específicos....................................................................................
47
3.3.
Participantes.......................................................................................................
47
3.4.
Instrumentos.......................................................................................................
48
3.5.
Procedimentos para coleta de dados..................................................................
48
3.6.
Procedimentos para análise dos dados...............................................................
49
4. RESULTADOS.............................................................................................................
51
4
5. DISCUSSÃO.................................................................................................................
64
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................
82
REFERÊNCIAS ................................................................................................................
84
APÊNDICES.......................................................................................................................
88
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Pacientes...................
88
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Profissionais..............
89
APÊNDICE C – Ficha de dados pessoais.....................................................................
90
APÊNDICE D – Roteiro para Entrevista com pacientes submetidos à cirurgia
bariátrica
91
APÊNDICE E – Roteiro para entrevista com os profissionais que atendem obesos
mórbidos para cirurgia bariátrica...................................................................................
92
5
1. APRESENTAÇÃO
A obesidade é uma doença multifatorial que atualmente vem assumindo proporções
epidêmicas, acarretando grandes conseqüências para qualidade de vida das pessoas. É um
quadro de grande complexidade e a ineficácia dos diversos tipos de tratamentos disponíveis,
principalmente no que diz respeito à manutenção da perda peso, ocasiona grande sofrimento
aos obesos mórbidos, levando muitos a optar por um procedimento mais radical: a redução de
estômago, por meio da cirurgia bariátrica.
Dentre os múltiplos fatores que determinam a obesidade mórbida acreditamos que
estão aqueles relacionados com a psicodinâmica do indivíduo. E, por isso, independente do
corte no corpo e conseqüente perda significativa de peso nos questionamos sobre o que
também muda na subjetividade desse paciente, o qual passa a ser um ex-obeso mórbido.
Questionamo-nos, então, sobre as estratégias encontradas por esse sujeito para privilegiar
outro objeto que não seja o alimento em excesso.
Há relatos de pacientes que sabotam literalmente seu tratamento introduzindo outras
formas de alimentação, às vezes, extremamente calóricas, após a cirurgia. Perguntamo-nos se
esses pacientes seriam preparados para esse recomeço e se estariam suficientemente
conscientes de que esse procedimento cirúrgico é apenas o começo do tratamento, o qual
exigirá de todos que tenham uma postura ativa no pós-cirúrgico, até o final de suas vidas.
O interesse por esse tema se deu em decorrência do aumento dos casos de obesidade
mórbida e da opção muito freqüente, nos dias atuais, pelas cirurgias bariátricas, além da
experiência de atendimento na clínica de um caso de obesidade mórbida, vivenciado com
muito sofrimento pela paciente, e ainda, pela convivência com pessoas obesas e ex-obesas
submetidas à cirurgia bariátrica com sucesso e com insucessos.
6
Esta pesquisa pretende contribuir na compreensão dos aspectos psicológicos
relacionados à obesidade, reafirmando a posição de alguns autores quanto ao papel da cirurgia
bariátrica como um instrumento do tratamento da obesidade e não como uma solução
definitiva. Buscou-se também compreender como os indivíduos submetidos à cirurgia de
redução do estômago significam as mudanças possibilitadas pelo procedimento cirúrgico. E
ainda, destacar a necessidade de um trabalho multidisciplinar no tratamento dessa patologia.
O trabalho monográfico aqui apresentado se organizou da seguinte forma:
primeiramente expôs-se a pesquisa bibliográfica que norteou as discussões dos dados obtidos
na pesquisa de campo. Foram abordados os seguintes assuntos: obesidade, cirurgia bariátrica,
questões psicológicas subjacentes à problemática da obesidade, a constituição do sujeito numa
visão psicanalítica e psicanálise e obesidade. A seguir apresentou-se a metodologia utilizada e
os objetivos desse estudo. Finalmente, foram apresentados os resultados, discussões e as
considerações finais desse estudo, seguidas, pelas referências bibliográficas.
7
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. OBESIDADE
O que é a obesidade? De acordo com Gilman (2004), embora existam conjuntos de
definições médicas contemporâneas sobre a obesidade, e que essas definições mudem de uma
cultura para outra com o passar do tempo, ela é mais que um índice de massa corpórea
(peso/altura2). O excesso de peso corporal é uma condição que sempre acompanhou a história
da humanidade e foi avaliado diferentemente de acordo com cada período histórico e cultural.
Durante muito tempo o ganho de peso, acúmulo de gordura representou saúde e prosperidade.
Contrariamente hoje é considerado uma doença crônica que afeta todas as faixas etárias, sem
distinção de nível sócio-econômico e, como apontado por Almeida et al (2005), tem sido
considerada uma condição estigmatizada pela sociedade e associada á características
negativas e preconceituosas.
Wajner (2000 apud PÍCOLLI, 2005, p.11), levanta a possibilidade de que a obesidade
seja a enfermidade metabólica mais antiga que se conhece. Segundo a autora, “pinturas e
estatuas em pedra com mais de 20 mil anos já representavam figuras de mulheres obesas. As
mesmas evidências de obesidade foram vistas em múmias egípcias e pinturas em porcelana da
era pré-cristã [...]”. Ainda ressalta que a primeira monografia médica sobre o tema obesidade
destacou ser esta uma doença relacionada a distúrbios de caráter e foi escrita no século XVII.
Atualmente a obesidade representa uma doença universal de prevalência crescente e
que vem adquirindo proporções alarmantemente epidêmicas nas sociedades modernas.
Doença crônica, como já foi dito, multifatorial que de um modo geral pode ser caracterizada
pelo excesso ou acúmulo anormal de tecido adiposo no organismo, resultando em prejuízo
8
para o mesmo (ADES; KERBAUY, 2002; CONSENSO LATINO AMERICANO DE
OBESIDADE, 1998; MANCINI, 2004).
A Organização Mundial da Saúde (OMS), classifica a obesidade considerando o
Índice de Massa Corpórea (IMC) e baseando-se no risco de mortalidade independente do sexo
e idade. O IMC é calculado dividindo-se o peso do individuo por sua altura ao quadrado
(COUTINHO; BENCHIMOL, 2004).
O quadro abaixo apresenta a classificação do peso de acordo com o IMC e o
respectivo risco de comorbidez em adultos:
Quadro 1 - Classificação do peso de acordo com o IMC e risco de comorbidez em adultos
Classificação
IMC (kg/m2)
Risco de comorbidez
Baixo Peso
< 18.5
Baixo
Normal
18.5 a 24.9
Baixo
Sobrepeso
25.0 a 29.9
Aumentado
Obesidade Grau I
30.0 a 34.9
Moderado
Obesidade Grau II
35.0 a 39.9
Grave
Obesidade Grau III
>40.0
Muito Grave
(mórbida)
Fonte: Coutinho; Benchimol (2004, p. 14).
De acordo com a OMS, a obesidade mórbida é uma versão patológica da obesidade,
classificada, como já descrito acima, por um IMC maior ou igual a 40Kg/m2, considerada por
vários autores uma doença multifatorial com conseqüências nefastas para saúde e qualidade
de vida dos indivíduos (ADES; KERBAUY, 2002; ALMEIDA; LOUREIRO; SANTOS,
2002;
CAPITÃO;
TELLO,
2006;
CATANEO;
CARVALHO;
COUTINHO; BENCHIMOL, 2004; TRAVADO et al., 2004).
GALINDO,
2005;
9
Segundo Campagnolo et al. (2005), existe uma série de mecanismos envolvidos na
composição do peso corpóreo e da distribuição de gordura, a saber: mecanismos neurológicos,
metabólicos, hormonais e psicológicos. Numa linha mais biológica, Halpern (2004), admite
que a fisiopatologia da obesidade não está ainda totalmente esclarecida, mas sugere que as
principais razões para um indivíduo tornar-se obeso sejam: 1) Comer mais (particularmente
gorduras); 2) Queimar menos calorias; 3) Fazer gorduras mais facilmente; e 4) Oxidar menos
gorduras.
Ainda que seja clássica a noção de que os obesos ingerem mais calorias do que os não
obesos, não há consenso entre os diversos autores que pesquisam o assunto. Halpern (2004)
aponta duas razões básicas para essa discordância: “a heterogeneidade dos grupos estudados
(a obesidade é síndrome) e a dúvida quanto aos métodos utilizados para investigar a ingestão
calórica”. Contudo, acredita-se que existe uma tendência a uma maior ingestão de alimentos
gordurosos pela população de obesos em relação aos não obesos. O autor aponta também que
esta ingestão pode estar associada há um aumento no consumo de doces e álcool formando
uma tríade – gordura, açúcar e álcool, colaboradora decisiva para o crescente aumento da
obesidade no mundo.
Além do que se come, o como se come, ou seja, o hábito alimentar, é um fator de
suma importância na gênese da obesidade. Para Halpern (2004) um hábito alimentar
compulsivo, pode estar intimamente associado à tendência de ganhar peso. E tal hábito poderá
ser determinado tanto por fatores psíquicos quanto por questões neuroendócrinas, visto que,
como ressalta Morley (1987 apud HALPERN, 2004) a regulação da fome e da saciedade é
feita por mediadores: nutrientes, hormônios e neurotransmissores.
Quanto à hipótese de indivíduos obesos queimar menos calorias, Halpern (2004)
conclui que há uma diferença da atividade física de indivíduo para indivíduo, como também
há uma variabilidade genética no processo de queima calórica. No que diz respeito à formação
10
de gorduras (adipogênese), atividade que depende da enzima lípase lipoprotéica (ALLP), o
que pode ocorrer é a elevação dos níveis desta enzima em alguns obesos, justificando até os
casos em que indivíduos emagrecidos voltam a engordar.
Outro fator importante para
variação na deposição de tecido adiposo é a oxidação de gordura. O que o autor sugere é a
existência de uma tendência genética à oxidação, maior ou menor, de gorduras e que
indivíduos com menor oxidação estejam mais predispostos à obesidade.
O que se pode perceber nessas sistematizações é que a obesidade é uma patologia
muito complexa, na qual múltiplos fatores etiológicos, inclusive genéticos, podem atuar
isoladamente ou em conjunto. Capitão e Tello (2006) discutem, no entanto, que os fatores
endógenos são responsáveis por apenas 1% da obesidade. Em grande parte ela está
relacionada diretamente ao estilo de vida do indivíduo, com a sua inatividade física, com a
ingestão excessiva de dietas hipercalóricas e aos estressores psicossociais, responsáveis por
comportamentos auto-destrutivos em relação à saúde.
A obesidade predispõe o individuo a várias comorbidades que influenciam
negativamente sua qualidade de vida e a põe em risco. As principais manifestações clínicas
que acometem os obesos são: hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, apnéia
do sono, doenças articulares, câncer, incontinência urinária, infertilidade, impotência,
depressão, problemas sociais, sexuais entre outras (CAMPAGNOLO et al., 2005, CAPITÃO;
TELLO, 2006, COUTINHO; BENCHIMOL, 2004).
A Organização Mundial da Saúde – OMS considera a obesidade como um problema
de saúde pública que tende a aumentar nos países industrializados. É uma doença que atinge
crianças, adolescentes e adultos mundialmente (CATANEO; CARVALHO; GALINDO,
2005). Segundo Russo (1997 apud CAMPAGNOLO et al., 2005), a obesidade atualmente
atinge 1/3 da população Ocidental.
11
Nos Estados Unidos a alimentação desregrada e a vida sedentária contribuem para
aproximadamente 300.000 mortes por ano. Ades e Kerbauy (2002) assinalam que na
Alemanha e na Inglaterra a realidade é muito próxima da americana. E mais, a obesidade
deixou de ser exclusividade dos paises desenvolvidos ou do mundo ocidental. Hoje, em paises
da América Latina, segundo a Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade é
provável que 200.000 pessoas morram anualmente em decorrência da obesidade e suas
comorbidades (1998 apud ADES; KERBAUY, 2002).
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE 2002-2003 (BRASIL, 2004)
mostrou que os brasileiros não estão se alimentando corretamente. Segundo a pesquisa, são
38,8 milhões de pessoas com 20 anos ou mais de idade que estão acima do peso, o que
significa 40,6% da população total do país. E, dentro deste grupo, 10,5 milhões são obesos.
Ades e Kerbauy (2002) relatam que no Brasil cinco em cada cem crianças de até 14 anos têm
peso excessivo.
Na nossa sociedade ser “gordo” pode significar preguiça, descuido, falta de
determinação e controle dos impulsos, o que acarreta aos obesos ou aos indivíduos com
sobrepeso um grande sofrimento.
A maioria dos indivíduos obesos mórbidos traz uma
história de inúmeras tentativas de redução do peso, orientadas ou não por técnicos de saúde,
em grande parte trata-se de dietas e/ou uso de fármacos. Mesmo havendo inicialmente uma
perda de peso, na maioria dos casos, esta não é mantida e os pacientes recuperam em pouco
tempo o peso perdido. Essa é uma realidade vivenciada por quase todos os obesos mórbidos.
Considerando a importância e a variedade das comorbidades relacionadas à obesidade,
principalmente à obesidade mórbida (Grau III) fica explicita a necessidade de uma abordagem
clínica completa no tratamento desses pacientes. Como ressalta Coutinho e Benchimol (2004,
p.16), “a maior morbidade e mortalidade da obesidade grau III deve-se às condições
associadas”, ou seja, ela é fator de risco para patologias mais graves. Segundo Malheiros e
12
Freitas Jr. (2004, p. 16), a ocorrência de óbito devido a complicações da obesidade é a
segunda causa de óbito por causas evitáveis nos Estados Unidos.
Apesar dos inúmeros tratamentos existentes para obesidade, bem como as várias dietas
indicadas e as constantes informações oferecidas pela mídia, a prevalência dessa patologia só
vem crescendo nas últimas décadas. Levando os especialistas, em casos de obesidade
mórbida, a indicarem a cirurgia bariátrica como único tratamento eficaz em longo prazo,
devido à baixa qualidade de vida e ao alto risco de mortalidade desses pacientes
(COUTINHO; BENCHIMOL, 2004; TRAVADO et al., 2004).
2.2. CIRURGIA BARIÁTRICA
O tratamento clínico da obesidade é complexo, pois, segundo Cabral (2004) não se
trata tão somente do emagrecimento, mas principalmente da manutenção da perda de peso.
Esta é quase impossível nos casos de indivíduos obesos mórbidos, ou grandes obesos como
denominado pela autora. A recuperação do peso é um dos grandes temores do paciente obeso.
No entanto, a redução do peso através de dieta, atividade física, tratamento medicamentoso
“desencadeia alterações compensatórias no apetite e no gasto energético fazendo com que a
manutenção de uma perda superior a 5% a 10% do peso seja muitas vezes improvável no
grande obeso.” (BRAY, 2000 apud CABRAL, 2004, p. 35).
As dificuldades em fazer um tratamento clínico que seja efetivo levam, muitas vezes,
os pacientes a perderem a motivação de viver, pois, como descrevem Nasser e Elias (2004)
trata-se, quase sempre, de indivíduos obesos desde a infância, que são desde cedo obrigados a
passar por vários tipos de restrições e tratamentos, inclusive medicamentosos. Entram na
adolescência e na vida adulta e o problema persiste. E esse histórico de vários anos lidando
13
com a obesidade, com emagrecimentos conseguidos, mas não mantidos, geram muitas
frustrações, levando o paciente a sentir que é praticamente impossível a perda de peso.
Além da dificuldade de emagrecer e manter o peso, o paciente obeso ainda tem que
lidar com as várias comorbidades que surgem em decorrência da obesidade, além de todas as
questões sociais, estéticas e culturais. Convive ainda com o alto risco de mortalidade, que de
acordo com Nasser e Elias (2004), é 12 vezes maior nessa população do que na população em
geral.
Segundo estes últimos autores, o tratamento cirúrgico da obesidade surgiu na década
de 50, e ambos ressaltam que dessa época até os dias atuais as técnicas foram sendo
aperfeiçoadas e, devido aos bons resultados, as chamadas “cirurgias bariátricas” estão sendo
mais divulgadas e aceitas, tanto no meio médico, quanto entre os pacientes.
Entretanto, vem acontecendo que muitos pacientes, segundo alguns autores, estão
encarando a cirurgia bariátrica como uma “tábua de salvação”. Nela e no cirurgião são
depositadas todas as expectativas e esperanças, levando a uma crença excessiva e irrealista no
“milagre cirúrgico”. Desta forma, os pacientes assumem uma posição passiva diante do
tratamento. Quando isso acontece, podem até colocar em risco o êxito do tratamento, pois,
não se implicam no processo pós-cirúrgico, que requer forte adesão do paciente
(FRANQUES, 2004; MATIELLI et al., 2004; NASSER; ELLIAS, 2004; TRAVADO et al.,
2004).
Segundo Nasser e Elias (2004), vem ocorrendo também grande procura pelo
tratamento cirúrgico por pacientes com sobrepeso e graus moderados de obesidade, com
objetivo de aliviar dificuldades existenciais. Tal fato é assinalado por esses autores como uma
condição insuficiente e até descabida para realização de um procedimento cirúrgico, visto que
não se têm operações ideais e sem risco.
14
Diante deste quadro, surgiu à necessidade de elaborar diretrizes para indicação correta
do procedimento cirúrgico no tratamento da obesidade. De acordo com Nasser e Elias (2004),
as diretrizes utilizadas no Brasil partiram de consensos elaborados nos Estados Unidos sobre a
gravidade da obesidade e os critérios de aplicação de seu tratamento cirúrgico. Esses
consensos foram posteriormente referendados pela Federação Internacional para a Cirurgia da
Obesidade (IFSO) e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCB) e inclui, entre
outros, os seguintes parâmetros: grau de obesidade acentuado, resistência a tratamento clínico;
presença de doenças associadas; - risco cirúrgico aceitável; capacidade do paciente de
compreender as implicações da operação.
Conforme já apontado, o grau de obesidade é indicativo de cirurgia, quando maior que
40 Kg/m2. Porém, se aceita um IMC de 35 Kg/m2 quando existir comorbidez associada de
importância clínica, nesses casos também se considera cabível a aplicação do tratamento
cirúrgico (BRASIL, 2000; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005; NASSER;
ELIAS, 2004; SEGAL; FANDINO, 2002).
Quanto ao risco cirúrgico, deve-se ponderar a gravidade de cada caso, devido ao ato
cirúrgico-anestésico. Sendo, em muitos casos, necessária uma preparação pré-operatória,
visando minimizar os riscos de complicações perioperatórias graves (NASSER; ELIAS,
2004).
A capacidade do paciente em compreender as implicações do tratamento cirúrgico é
muito importante e indispensável. Rasera Jr. e Shiraga (2004, p. 47) afirmam que o dever de
informar o paciente “é imperativo como requisito prévio para o seu consentimento”. Nasser e
Elias (2004) ressaltam que as informações sobre tratamento e decisões do paciente relativas à
cirurgia, devem ser sempre documentadas, através de alguma forma de consentimento
informado. Complementando, Rasera Jr. e Shiraga (2004) discutem que o Consentimento
Informado, ou seja, um documento escrito, funciona como uma forma de orientar os pacientes
15
sobre o procedimento aos quais serão submetidos e as mudanças no estilo de vida, de forma
objetiva e direta.
No Brasil, o Ministério da Saúde ao reconhecer a obesidade como um problema de
saúde pública em crescimento, assim como a importância para os obesos mórbidos do
tratamento cirúrgico, incluiu a gastroplastia entre os procedimentos oferecidos pelo Sistema
Único de Saúde – SUS (BRASIL, 2000). E, por meio da Portaria 196/2000 – MS, apontou os
critérios clínicos para indicação da cirurgia:
a - Paciente portador de obesidade de grandes proporções, de duração
superior a 02 (dois) anos, com Índice de Massa Corpórea - IMC superior a
40 kg/m² e resistente aos tratamentos conservadores (dietoterapêuticos,
psicoterápicos, medicamentosos, por exercícios físicos) realizados,
continuamente, há pelo menos 02 (dois) anos.
b - Pacientes obesos com IMC superior a 35 kg/m², portadores de doença
crônica associada (diabetes, hipertensão, artropatias, hérnias de disco,
apnéia do sono) cuja situação clínica é agravada pelo quadro de obesidade.
(BRASIL, 2000).
De acordo, com Pareja e Pilla (2004), didaticamente, as cirurgias para o tratamento da
obesidade mórbida podem ser divididas da seguinte forma, baseando-se nos seus princípios de
funcionamento em cirurgias: restritivas; disarbotivas e mistas.
Cirurgias restritivas são técnicas que reduzem o volume de alimento sólido que o
paciente conseguirá ingerir nas refeições. E, ao comer menos alimentos sólidos e pastosos, se
espera um conseqüente emagrecimento do paciente. No entanto, o resultado dependerá da
colaboração do paciente, já que alimentos líquidos poderão ser ingeridos quase no mesmo
volume que antes da operação. Contudo, se estes alimentos líquidos forem altamente calóricos
poderão atrapalhar ou até impedir a perda de peso (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
CIRURGIA BARIÁTRICA - SBCB, 2006). As técnicas restritivas aceitas pelo Conselho
Federal de Medicina, de acordo com a Resolução 1.766/05, são as seguintes: Balão
Intragástrico, Gastroplastia Vertical Bandada ou Cirurgia de Mason e
Ajustável.
Banda Gástrica
16
As cirurgias disabsortivas são técnicas que possibilitam ao paciente comer
normalmente, no entanto desviam uma boa parte do caminho que os alimentos têm que
percorrer, fazendo um “curto circuito” levando a uma absorção menor dos nutrientes (SBCB,
2006). Tais cirurgias (Payne ou Bypass jejuno-jejunal) estão proscritas, de acordo com a
Resolução do Conselho Federal de Medicina (1.766/05), considerando-se a alta incidência de
complicações metabólicas e nutricionais em longo prazo.
Já as cirurgias mistas são as técnicas que associam restrição e disabsorção em maior
ou menor grau do intestino, dependendo da técnica empregada e da extensão do intestino
delgado excluído do trânsito alimentar (SBCB, 2006).
Os tipos de cirurgias mistas aceitas pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução
1.766/05) com maior componente restritivo são: Cirurgia de Fobi; Cirurgia de Capella;
Cirurgia de Wittgrove e Clark. Estas cirurgias, além da restrição mecânica representada pela
bolsa gástrica de 30 a 50 ml, restringem a alimentação por meio de um mecanismo funcional
do tipo Dumping (mal-estar provocado pela ingestão de alimentos líquidos ou pastosos
hipercalóricos) e, ainda, pela exclusão da maior parte do estômago do trânsito alimentar. Com
isso, o hormônio ghrelina, que aumenta o apetite e é produzido no estômago sob estímulo da
chegada do alimento, tem sua produção minimizada. Pode-se acrescentar um anel estreitando
a passagem pelo reservatório antes da saída da bolsa para a alça jejunal – o que retarda o
esvaziamento para sólidos, aumentando ainda mais a eficácia dos procedimentos
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005).
As cirurgias mistas com maior componente disabsortivo são: cirurgia de Scopinaro e
cirurgia de Duodenal-Switch. As vantagens desses procedimentos são: não há restrição de
alimentos a serem ingeridos; muito eficazes em relação à perda de peso e manutenção em
longo prazo; reservatório gástrico completamente acessível aos métodos de investigação
radiológicas e endoscópicas. Contudo os sujeitos submetidos a esses procedimentos
17
apresentam complicações nutricionais e metabólicas de difícil controle; maior chance de
haver deficiência de vitamina B12, cálcio, e ferro; maior chance de haver desmineralização
óssea; alta incidência de úlcera de boca anastomótica; aumento do número de evacuações
diárias, com fezes e flatos muito fétidos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005).
Dentre os novos procedimentos relacionados à cirurgia de obesidade, garantidos pelo
SUS, a portaria 196/2000 no seu artigo 3º-d também garante ao paciente um tratamento mais
humanizado e multidisciplinar composta por endocrinologistas, nutricionistas, intensivistas,
disioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais.
Em 2003, foram realizadas 1.813 cirurgias bariátricas pelo SUS, em 2004 o número
chegou a 2.014 e até abril de 2005 foram realizados quase mil procedimentos (SBCB, 2006).
2.3. QUESTÕES PSICOLÓGICAS SUBJACENTES A PROBLEMÁTICA DA
OBESIDADE
Vários autores, dentro de uma perspectiva da psiquiatria, acreditam que há alta
prevalência de conflitos psicológicos em indivíduos obesos. Segal e Fandino (2002, p. 288)
afirmam que, em populações que procuram tratamento há um aumento expressivo da
prevalência de psicopatologias, mesmo em obesos graus I e II. Pacientes obesos, grau III,
apresentam mais “sintomas de transtorno de personalidade bordeline, maior freqüência de
transtorno de compulsão alimentar periódica e quadros depressivos mais graves”.
Cordás (2004) discute, no entanto, que diante das evidências atuais não há razões para
que a obesidade seja colocada como resultado direto de distúrbios psicológicos. Esse autor
acredita que as conseqüências psicológicas da obesidade estão relacionadas com o estigma e
com o preconceito, e ainda, afirma que quanto maior o IMC mais problemas psicológicos.
Embora, existam divergências quanto ao momento de interferência dos aspectos psicológicos
18
na obesidade, se na origem, na manutenção ou relacionados às conseqüências dessa patologia,
existe uma certa concordância quanto à presença desses aspectos na obesidade e a necessidade
de serem identificados e trabalhados, como uma das dimensões do tratamento da obesidade.
Travado et al. (2004, p.534), por sua vez, ao mencionarem vários estudos, apontam as
seguintes alterações psicopatológicas relacionadas à obesidade: depressão, ansiedade,
compulsão para comer (binge-eating), como também:
[...] distorção da imagem corporal, baixa auto-estima, sentimentos de rejeição
e exclusão social, problemas funcionais e físicos, história de abuso sexual,
perdas parentais precoces, história familiar de abuso de álcool, ideação
suicida, problemas familiares/conjugais, sentimentos de vergonha e auto
culpabilização, agressividade/revolta, insatisfação com a vida, isolamento
social, absentismo, psicossomatismo, entre outros.
Sob a ótica do conhecimento psicológico, é importante destacar que o obeso é visto
como um ser bio-psicossocial e espiritual, e que essas dimensões não são independentes, isto
é, elas se entrelaçam e se refletem mutuamente. Sendo assim, é importante não reduzir essas
variáveis ou apresentá-las de forma simplistas e exclusivas, já que se trata, como mencionado,
várias vezes nesse trabalho, de uma doença multifatorial.
2.3.1. Psicopatologias e comportamento alimentar em uma perspectiva cognitivista
O cognitivismo desenvolveu-se nos EUA a partir da década de 50 do séc. XX, apoiado
no avanço das neurociências. Equivale os processos psíquicos aos processos neurais e exclui,
de seu postulados, a temática da subjetividade.
Marchesini (2004, p.25), dentro de uma concepção cognitivista, alerta que dentre as
perspectivas propostas para compreender a obesidade e outras doenças que deixam no corpo
sua manifestação máxima, haveria a exigência de um novo conceito do que seria o psiquismo.
Essa autora apresenta um novo conceito de psiquismo que está correlacionado com uma
19
perspectiva biológica, ou como ela mesma descreve “com o funcionamento complexo e sutil
da estrutura cerebral e de suas funções eletroquímicas”.
De acordo com essa visão, o psiquismo seria produto das “circuitarias neurais” do
cérebro. Este sofreria alterações em seu funcionamento, através de mediadores químicos, os
neurotransmissores. Assim, depois de ocorrida a sinapse, apresenta-se de forma observável o
seu produto, que poder ser: “sentimentos, pensamentos, desejos, capacidade de atenção e
concentração, controle dos comportamentos de comer e beber, regulação do sono e do
controle de dormir, atração e comportamento sexual, etc., em suas diferentes tonalidade e
formas” (MARCHESINI, 2004, p. 25). Ou seja, qualquer desarranjo no funcionamento desses
neurotransmissores pode resultar em estados cerebrais e mentais alterados (DEL NERO, 1997
apud MARCHESINI, 2004).
A fome, ou, mais especificamente, o impulso de comer, são mecanismos que
envolvem circuitos neurais complexos, que vem se tornando objeto de estudo de
neurocientistas, na tentativa de compreender a homeostase alimentar, como também explicar a
persistência de compulsões alimentares, em indivíduos que se submetem a cirurgias
bariátricas. Assim, fica evidente que não basta agir sobre o órgão responsivo, ou seja, o
estômago, para mudar o padrão alimentar, antes é preciso alterar a química do cérebro.
De acordo com Marchesini (2004, p.27), ao atribuirmos as questões externas às
responsabilidades pelos nossos comportamentos, negamos algo que é inerente ao ser humano
que é a sua capacidade adaptativa. A espécie humana conta com programações específicas e
organizações internas para adaptar-se ao meio e suas variações. Desta forma, ao problematizar
o ato de comer aponta que este é afetado pelas mesmas substâncias químicas no cérebro que
regulam o estado emocional:
20
[...] a falta de serotonina que está na base de alguns quadros emocionais
impele o indivíduo à ingestão alimentar impulsiva e seletiva para os
carboidratos, que faz o cérebro liberar L-triptofano (precursor da serotonina).
A serotonina que se encontra alterada em indivíduos depressivos e ansiosos
requisita via ato alimentar, que o próprio cérebro se medique pelo impulso a
comer, na tentativa de regular seu quadro afetivo.
Nessa visão, nosso cérebro é sábio. Os comedores compulsivos tentam com episódios
de
hiperfagia
se
“automedicarem”
e
assim
corrigirem
seus
níveis
baixos
de
neurotransmissores. Porém, ao comer em excesso, o individuo tem sensações de incomodo,
seguida de sentimentos de culpa e arrependimento, que segundo Marchesini (2004) acabam
reforçando “um ciclo já instalado de deprimir e comer”. Esse seria um tipo de comportamento
que leva ao Transtorno de Compulsão Periódica ou Binge-eating, em que a qualquer sinal de
esvaziamento gástrico o individuo recomeça a ciclo, até que já não tenha mais sentimento de
culpa e coma sem qualquer atitude crítica.
Desse modo, alguns indivíduos obesos ficam sem comer com grande facilidade, mas
não conseguem comer com moderação. Segundo Marchesini (2004, p. 26), o mecanismo é
muito similar ao do alcoolismo: “a comida abre o apetite e inicia um ciclo de ingestão
alimentar descontrolada e voraz que só pára quando a pessoa esta empanzinada ou passando
mal de tanto comer”.
Segundo Cordas (2004, p. 74), os critérios para compreensão do Transtorno do Comer
Compulsivo – TCC, são: a presença de episódios bulímicos recorrentes, sensação de falta de
controle sobre a ingestão durante o episódio; ou quando os episódios bulímicos estejam
associados, no mínimo, a três dos seguintes:
Comer muito rapidamente do que o habitual; - Comer até se sentir
desconfortavelmente cheio; Comer grandes quantidades de comida quando
não está fisicamente com fome; - Comer sozinho por se sentir envergonhado
pela quantidade que se come; - Sentir-se mal a respeito de si, deprimido ou
muito culpado após comer assim.
21
Esse autor ainda chama atenção para o fato que os pacientes com o Transtorno do
Comer Compulsivo (TCC) têm maior freqüência de recaídas após tratamentos para perder
peso, maior comorbidez com depressão, abuso de álcool e drogas, transtornos de
personalidade e insatisfação com a imagem corporal quando comparados com os obesoscontrole.
Marchesini (2004) aponta uma dinâmica de funcionamento geralmente apresentada
por esses indivíduos quando submetidos à cirurgia bariátrica: nos primeiros oito a dez meses
após a cirurgia, em que o paciente está numa perda progressiva de peso, há um certo controle
do mecanismo compulsivo da ingestão alimentar. Esse controle, segundo a autora, é mantido
por vários componentes, que vai desde o temor da ruptura dos pontos cirúrgicos ao medo de
voltar a engordar. No entanto, devido ao emagrecimento rápido há um abandono em massa
das orientações prescritas quanto à suplementação dietética e à busca de ajuda psicológica.
Esse quadro de funcionamento só vai ser revisto quando o paciente se assusta com a queda de
cabelos, principalmente as mulheres, o déficit de zinco, anemia com sensação de cansaço e
desânimo, déficit da absorção de proteínas e perda da motivação.
Ressalta a autora, que a ingestão alimentar compulsiva pode estar mascarando uma
depressão, ou seja, em alguns indivíduos ela pode se apresentar dentre os sintomas todos da
depressão, como sintoma solitário, ou aparentemente solitário.
Já a agitação apresentada por muitos indivíduos com obesidade ou ansiedade, como é
chamada por eles próprios, e que funciona como fator determinante para comer enquanto se
está ocioso, suscita “a hipótese de que além da depressão, essas pessoas apresentem um
componente psíquico menos diagnosticado: a hipomania1.” (MARCHESINI, 2004, p. 28).
1
“Hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve, com uma breve duração, menos de
uma semana. Caracterizado pela mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade,
reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono,
aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e
impaciência.” (MORENO; MORENO; RATZKE, 2005).
22
O quadro de hipomania, segundo a autora, predispõem o indivíduo a uma outra faceta:
“humor irritável e explosivo, comportamento compulsivo fazendo com que o ato anteceda o
pensamento, como ocorre na ingestão alimentar exagerada, bem como nos demais
comportamento em que o controle se encontra prejudicado.” (MARCHESINI, 2004, p. 28).
A conclusão apresentada pela autora, é que a grande maioria dos pacientes tem um
quadro Bipolar do tipo II (hipomania se alternando com depressão) ou Misto (hipomania
mesclando-se com depressão).
Marchesini (2004, p. 30) relata também que, nas suas experiências com obesos
mórbidos em preparação para cirurgia, foi possível observar características apresentadas por
alguns estudiosos da obesidade. Como a seletividade na escolha dos alimentos, tanto no que
diz respeito a uma questão de gênero, em que mulheres preferem o doce e o público
masculino a bebida alcoólica com alimentos ricos em gorduras. Quanto à questão de ser o
alimento imprescindível diferentemente de outros produtos que causam compulsão, adicção:
“pode-se evitar o primeiro gole, mas não a primeira garfada”; e o próprio prazer envolvido no
ato de comer, que implicam na sua repetição. A autora chama atenção para o fato de que esses
mecanismos de seletividade, do prazer e conseqüente repetição “parece envolver a via
mesocorticolimbica (mesencéfalo, sistema límbico e córtex), a mesma via em que atuam as
drogas com potencial de abuso, como a nicotina, a cocaína e os opiáceos.” (NETTO, 1998
apud MARCHESINI, 2004, p. 30).
Todos esses esclarecimentos são importantes tanto para o paciente, como para os
outros profissionais da equipe multidisplinar que atuam junto aos cirurgiões bariátricos,
demonstrando que, “o bisturi do cirurgião não é varinha de condão” (MARCHESINI, 2004).
E ainda que, ao reduzirmos a capacidade gástrica, mexemos na quantidade alimentar que o
cérebro
do
paciente
estava
programado.
A
autora
indica
nesse
momento
a
23
psicofarmacoterapia, na busca de um novo equilíbrio: “Que não mais a comida seja o teu
remédio, mas que o teu remédio seja o teu remédio!” (MARCHESINI, 2004, p. 31).
Outro padrão alimentar seria o do chamado “roedor perpétuo” que dá preferência para
alimentos mais acessíveis, do tipo industrializado e que contenha mais gordura e carboidrato,
o principal, nesse padrão, é que o alimento possa ser ingerido imediatamente.
2.3.2. A importância do acompanhamento psicológico
No tratamento da obesidade a capacidade de um controle da ingestão alimentar é ainda
visto com preconceito pelo próprio obeso, por muitos profissionais da saúde, educadores e por
psicoterapeutas. Freqüentemente os obesos carregam a culpa e a responsabilidade de sua
obesidade, o que lhes acarretam, em uma sociedade que supervaloriza a magreza, julgamentos
sociais negativos em relação ao seu estado: feios, relaxados, preguiçosos, incompetentes e etc.
Contudo, longe de ser uma fraqueza de caráter a obesidade é uma doença que afeta o homem
nos seus aspectos físico, psíquico e social (FRANQUES, 2004).
Dentre as multideterminações da obesidade, se apresentam com muita freqüência os
fatores psicológicos e emocionais. Os pacientes obesos mórbidos que chegam para cirurgia
bariátrica, em sua imensa maioria trazem alterações emocionais que “podem estar presentes
entre os fatores determinantes, na obesidade exógena (reativa), ou entre as conseqüências na
obesidade endógena ou de desenvolvimento [...]” (FRANQUES, 2004, p. 76).
A obesidade reativa é aquela desencadeada por situações que provocaram mudanças
ou desequilíbrios emocionais, tendo cada aspecto um significado particular para cada caso
(menarca, casamento, nascimento de filhos, de perda como morte de pessoas próximas...)
(FRANQUES, 2004, p. 76). Segundo essa autora são pessoas com grandes dificuldades de
elaboração psíquica de certos estados emocionais, com dificuldades em tolerar frustrações e
24
“ao comer compensa-se, esta desestabilização psicológica, restabelecendo-se o (pseudo)
equilíbrio interno”.
Nesse sentido, a cirurgia bariátrica impediria essa estratégia de aliviar tensões internas
e por mais que alguns indivíduos relatem que deixaram de sentir a ansiedade e compulsão que
sentiam antes da cirurgia, a dificuldade de lidar com as emoções permanecem. A autora
mencionada acima ressalta que se essas dificuldades não forem tratadas adequadamente a
tendência é que outras estratégias sejam encontradas e provavelmente que outro círculo
vicioso se estruture e se lance mão de outras saídas.
Na obesidade endógena geralmente a pessoa apresenta excesso de peso desde o inicio
da vida “e tende a vivenciar e a confundir os mais variados desejos como necessidade de
alimento. Seu emocional é abalado pelas dificuldades, limitações e sofrimento de ser obeso.”
(FRANQUES, 2004, p. 76).
De acordo com Faria (2006), os serviços de psicologia oferecidos aos pacientes de
cirurgia bariátrica podem e devem incluir os seguintes aspectos: avaliação psicológica inicial;
suporte psicológico intra-hospitalar; acompanhamento pós-operatório em longo prazo; grupo
de apoio e reunião com os pacientes. Ainda salienta que, para oferecer esse suporte
psicológico de qualidade, é necessário que o psicólogo trabalhe lado a lado com a equipe
multidisciplinar e dedique uma boa parte da sua prática clínica ao atendimento de pacientes
bariátricos.
Para Marchesini (2004, p. 30), a psicoterapia nos casos de obesidade é um exercício de
persistência, contudo, do seu ponto de vista, o papel da psicoterapia vem sendo aplicado de
modo errôneo há muitas décadas, pois, segundo ela:
[...] psicoterapia não emagrece e isso deve ficar claro para aqueles que nos
procuram. A psicoterapia não muda qualquer característica genética [...]. O
papel do psicoterapeuta junto a questão da obesidade é muito mais artístico
que cientifico [...] pois, em última instancia, cabe a ele transformar opinião e,
de certo modo, isto é uma forma de criar”.
25
Nesta perspectiva, destaca que faz-se necessário uma mudança de visão do mundo via
informação que produzirá a aceitação de um novo paradigma que possibilite ousar um novo
caminho, que poderá ser “a cirurgia, tratamento psicofarmacológico quando necessário, o
acompanhamento dietético, o reforço e o estudo contínuo de todos esses fatores para o
exercício da persistência.” (MARCHESINI, 2004, p. 30).
Franques (2004) ressalta a importância da avaliação psicológica e do trabalho
psicológico pré-operatório no prognóstico e na aderência do paciente ao tratamento pósoperatório. Além da avaliação a continuidade do tratamento e a psicoterapia são indicadas a
praticamente todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Essa autora levanta alguns
aspectos que surgem após a cirurgia e que necessitam de um adequado tratamento psicológico
para o bom êxito do tratamento cirúrgico. Esses aspectos serão apresentados de forma
esquemática, no quadro 2 abaixo, seguindo uma ordem cronológica dos acontecimentos:
Quadro 2 – Aspectos que se apresentam após a cirurgia que devem ser considerados no
tratamento psicológico
PERCURSO DO PACIENTE
ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO
- Período pós-cirúrgico imediato: paciente
debilitado (estresse cirúrgico), fase de
recuperação, dor, desconforto, adaptação à
dieta
liquida,
perda
de
autonomia
momentânea, expectativas, ansiedade e O acompanhamento psicológico é voltado
insegurança,
tudo
contribuiu
para geralmente para a adaptação aos novos
desestabilização psicológica e não há um hábitos.
resultado visível quanto ao emagrecimento.
- Após 30 dias de dieta líquida segue-se a
adaptação à dieta sólida e novamente
inseguranças, medo de “intalar”.
26
- Após três meses – fase da “lua-de-mel”
com a cirurgia, o emagrecimento começa a Nesse período muitos pacientes desaparecem
ser notado por todos (elogios), aumento da da psicoterapia por não sentirem necessidade.
disposição e do bem-estar, paciente investe Nesse momento estão se sentido tão bem
mais em si.
como nunca antes: auto-suficientes, auto-
- Após 6 a 8 meses – perda de peso em estima elevada e, às vezes, eufóricos.
torno de 30%. Tudo é novidade (cruzar Quando persistem, a psicoterapia trabalha a
pernas, caminhar sem ficar ofegante, nova imagem corporal e as repercussões dela
comprar roupas em lojas comuns, etc., etc.). na personalidade do indivíduo.
- O corpo até então “ignorado” passa a estar
em evidência e se torna alvo de observações Conflitos básicos emergem e se não forem
e elogios. Dificuldades emocionais que tratados o paciente começa a se boicotar para
estavam encobertas pela gordura tendem a evitar sofrimento.
surgir.
Fase de grandes mudanças, multiplicidade Requer nova aprendizagem social.
de opções. Passa de uma posição passiva A exposição a determinadas situações de que
para uma postura mais participante e ativa antes era protegido pela obesidade gera
na
vida.
Expõe-se
mais
emocionalmente
física
e ansiedade
e
angústia.
Adaptações
nos
(sexualidade, relacionamentos familiares, afetivos, sexuais
competitividade, etc)
e profissionais.
- Em torno de um ano – o peso se estabiliza. Nesse momento a depressão pode se instalar,
Todos
já
se
acostumarão
com
o pois, o objetivo foi alcançado, mas, nem
significativo emagrecimento, diminuem os todos
elogios, tudo entra numa rotina.
os
magicamente
problemas
foram
(relações
resolvidos
interpessoais
conflituosas, problemas profissionais).
Fonte: Franques (2004, p. 78).
27
2.4. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E DE SEUS SINTOMAS EM UMA VISÃO
PSICANALÍTICA.
Numa visão psicanalítica o sujeito não tem uma origem, ele se constitui como tal.
Segundo Lajonquière (1993) ele se constitui graças a duas “encruzilhadas estruturais” que, na
teoria lacaniana, são chamadas de estádio do espelho e complexo de Édipo. Esses mesmos
caminhos conduzem os sujeitos a posicionamentos subjetivos diferenciados, assim como
conduzem a formas diferentes de lidar com os objetos da cultura. Nesse sentido, discutiremos
esse processo para aprofundarmos os mecanismos subjetivos que estão envolvidos nos
quadros de obesidade.
Para Dolto (1984, p. 64) o ser humano é uma fonte de desejo desde a sua concepção e
a mudança do desejo se dá por meio das castrações simboligênicas. Tais castrações são
implantadoras do humano, ou seja, tem efeitos humanizantes, mas podem conduzir tanto à
sublimação como podem “desembocar em uma perversão, em um recalcamento de saída
neurótica”.
A seguir se fará uma apresentação desse percurso constituinte da subjetividade.
Inicialmente será demonstrado o itinerário que vai da falta às escolhas objetais, se discutirá
como a subjetividade se constitui a partir do outro. Seguido pela apresentação das castrações
simboligênicas: umbilical, oral e anal, as quais têm efeitos importantes na estruturação do
sujeito. Depois, segue-se, uma exposição das encruzilhadas estruturais: do estádio do espelho
e do complexo de Édipo. Finalmente, será abordada brevemente a formação da imagem
corporal.
28
2.4.1. A subjetividade a partir do outro
Antes de nascer o sujeito já é objeto do discurso, do desejo e das fantasias de seus
pais, que também são, segundo Lajonquière (1993), assujeitados às “estruturas lingüísticas, e
histórico-sociais”. Sendo assim, ressalta-se que embora a concepção seja a união entre um
espermatozóide e um óvulo, este não é um fato natural, mas, um acontecimento legislado.
Com efeito, o encontro sexual entre o macho e a fêmea da espécie humana
está regulado (regulamentado) pela lei universal da proibição do incesto que
estabelece as alianças possíveis e impossíveis entre, agora sim, homem e
mulher. (LAJONQUIÈRE, 1993, p.151).
Quando se pensa na gênese de um indivíduo comumente se reporta a um
desenvolvimento que se inicia na vida intra-uterina. Contudo, a mãe desse individuo não
funciona como uma “tábula rasa”, pelo contrário “ela está habitada pela lei, pelo desejo, pela
linguagem ou, simplesmente pela lei da linguagem” (LAJONQUIÈRE, 1993). Assim, a
mulher pode esperar um filho “ansiosa, desejante, enlouquecida” por motivações diversas,
como para “vendê-lo, presenteá-lo, cuidá-lo...”.
O autor ressalta que o filho esperado é “o produto de um campo de desejos
contraditórios e de fantasias ambivalentes radicalmente inconscientes” (LAJONQUIÈRE,
1993, p. 153). Ao nascer ou, mesmo antes disso, a criança “já é objeto do desejo do Outro”.
Outro com letra maiúscula para representar, de acordo com a psicanálise, àquele que tem a
função de introduzir a criança no contexto simbólico. “A criança nasce à vida, mas para
sustentar-se nela deve ser ratificada como vivo, como um sujeito, pelos outros, pelo desejo
historicizado desses outros no interior de um ordenamento simbólico, em resumo, no campo
do Outro.” (LANJOQUIÈRE, 1993, p.155).
Lanjoquière (1993) explica que, num estado de desamparo o recém-nascido
experimenta uma necessidade. Tal necessidade coloca o organismo num estado de tensão, que
29
pode ameaçar sua integridade. Nesse momento, o até então organismo grita, e a mãe (ou
qualquer outro), indo de encontro à criança, transforma “essa manifestação initencional”
numa demanda de alimento. Ao ser atendida a criança passa de um estado de inanição a uma
“satisfação completa”, o grito se faz demanda e o gesto do adulto é significante, pois, “põem
ordem” onde só havia indiferenciação. “Aí onde nada havia, a primeira experiência ou vivência de
satisfação inscreve a diferença entre o ‘nada’ e o ‘tudo’. A marca deixada toma forma de um traço
mnêmico que faz às vezes de pedra fundacional de todo aparelho psíquico.” (LAJONQUIÈRE, 1993,
p.155).
Continuando, tal “necessidade” do recém-nascido reaparece outra vez, com uma
diferença, o grito da criança é agora o significante de uma demanda de alimento que exige a
repetição daquela experiência primeira de satisfação, uma “presença incondicional”. O outro
não responde na mesma medida da vez anterior, ou seja, demora, exagera, oferece menos,
etc., não é bem o que se lhe demanda. Dessa forma entre uma e outra reposta a demanda da
criança,
[...] cai um resto, uma diferença, que deixa para sempre o sujeito com uma
FALTA. O fato de ‘estar em falta’ chama-se DESEJO (Wunsch) e o objeto
que o causa com sua falta chama-se em Freud, a coisa (das Ding) e, em Lacan,
objeto “a” (l’objet petit a). Reencontrá-lo não seria outra coisa que usufruir
uma satisfação equivalente a originária [...]. (LAJONQUIÈRE, 1993, p.156).
É importante ressaltar que essa experiência originária de satisfação completa tem um
caráter mítico e não factual. Ou seja, o adulto nunca responde ao pedido da criança dessa
forma completa, incondicionalmente, pois, não lhe é possível, porque, o que o organismo
necessita, o objeto da necessidade perdeu-se “na origem”. De acordo com Lajonquière (1993,
p. 157), “nunca temos na origem uma Necessidade a partir da qual surja o desejo, mas, pelo
contrário, temos um desejo a respeito do qual os que nascem já se encontram em posição de
objeto”.
30
Assim, o bebê ao nascer, como já foi dito acima tem um lugar demarcado, desde não
se sabe quando, pelo discurso, pelo desejo e pelas fantasias dos outros, dos seus genitores.
Dolto (1984) assinala que o nascimento de uma criança se deve ao encontro de três
desejos: desejo de uma mãe, desejo de um pai, desejo de um sujeito de se encarnar num
corpo. Sendo assim, o desejo do recém-nascido não é um desejo de um objeto natural passível
de ser encontrado, mas sim, o objeto do desejo é o desejo do outro ou poderíamos dizer que o
nosso objeto de desejo é realizar o desejo do outro.
Na verdade, o termo desejo remete ao fato de que o sujeito está em falta ou que ao
lidar com a falta se vê impulsionado a encontrar ou reencontrar o objeto originalmente
perdido. Seja qual for o objeto que lhe ofereçam, ou que ele produza com suas mãos ou com
suas palavras sempre estará marcado por um menos, há sempre algo ainda para se conquistar.
No processo de constituição da subjetividade ocorrem determinadas situações que
foram denominadas por Dolto (1984) de castrações simboligênicas. A autora apresenta uma
noção de castração como uma proibição que se opõe a uma satisfação antes conhecida, mas
que teve que ser ultrapassada, deslocada:
[...] é um processo que se realiza em um ser humano, quando outro ser
humano lhe significa que a realização de seu desejo, sob a forma que gostaria
de lhe conceder, é proibida pela Lei. Este significado passa pela linguagem,
seja ela gestual, mímica ou verbal. (DOLTO, 1984, p. 62).
É importante ressaltar que a “verbalização do proibido” referente a determinado desejo
da criança será mais suportável para a mesma, se ela souber que o adulto também é marcado,
tanto quanto ela, por esta proibição. Trata-se de uma proibição que impulsiona o sujeito
desejante na potência de seu desejo, pois este fará laço social por estar submetido à Lei
(DOLTO, 1984).
Ledoux (1995) ao comentar o conceito de castração concebido por Dolto, diz que a
castração ao interditar certas realizações do desejo, obriga e libera as pulsões para outros
31
meios, outros encontros, abandonando-se um modo de satisfação até então experimentado
para se asceder a um tipo de gozo mais elaborado.
Dessa forma a primeira separação é o corte do cordão umbilical no nível do real e
funciona como uma verdadeira castração. No nascimento há uma grande mudança. Essa
mudança é marcada pela saída do sujeito de um meio liquido, onde tudo era recebido de
forma “passiva”, para um meio aéreo, no qual o sujeito experimenta a separação do corpo da
mãe, o aparecimento da respiração pulmonar, o funcionamento do intestino, a submissão à
força da gravidade, etc. Trata-se de uma saída difícil, pois, “[...] deixar a placenta, deixar o
envoltório, isto é deixar a oxigenação passiva, a nutrição passiva e, ao mesmo tempo, a
segurança do corpo inteiro é realmente sair de um estado vital, o único estado conhecido – é
morrer.” (DOLTO, 1985 apud LEDOUX, 1995).
Explica Dolto (1984, p. 72) que estas são transformações fundamentais, pois:
[...] a cesura umbilical origina o esquema corporal nos limite do invólucro que
é a pele. A imagem do corpo, oriunda parcialmente nos ritmos, calor,
sonoridade, percepções fetais, se vê modificada pela variação brusca dessas
percepções.
Essa experiência servirá de prefiguração para todas as outras castrações futuras. A
perda de todas essas percepções conhecidas na vida intra-uterina e o surgir de novas
percepções é o que é chamado de “trauma do nascimento”. É a linguagem, que simbolizará a
castração do nascimento (ou umbilical), ou seja, essa linguagem deverá repetitivamente
marcar a audição do bebê “[...] como o efeito de seu ser no impacto emocional de seus pais,
ao nível das sílabas sonoras, das modulações e dos afetos que ele percebe de maneira
intuitiva.” (DOLTO, 1984, p. 75).
Aponta-se, então, duas fontes de vitalidade simbolígena que promove a castração
umbilical: a primeira seria a do “impacto orgânico do nascimento no equilíbrio da saúde
psicossomática da mãe, e neste sentido, do casal de cônjuges em sua relação genital”
32
(DOLTO, 1984, p. 76) Por exemplo, a morte ou morbidez da mãe, decepção dos pais com o
sexo ou aparência da criança, que a marca e liga o seu viver a uma culpa. A segunda fonte
seria a do “impacto afetivo que a viabilidade da criança traz, com mais ou menos narcisismo,
a cada um dos dois genitores” (DOLTO, 1984, p. 76). Esse segundo impacto poderá conduzir
os genitores a dotarem a criança com as características de sua emoção do momento, e assim, a
introduzirão na vida como portadora do sentido que ela teve para eles naquele momento.
A castração oral corresponde ao desmame:
[...] significa a privação imposta ao bebê daquilo, que para ele, é o
canibalismo em relação à mãe: significa o desmame, e também o impedimento
de ele consumir aquilo que seria um veneno mortífero para seu corpo, ou seja,
a proibição de comer o que não seria alimentar, o que seria perigoso para a
saúde e para a vida. (DOLTO, 1984, p. 79).
Quando essa castração é sensatamente feita, resulta no desejo e na possibilidade de
falar, na descoberta de novos meios de se comunicar, em prazeres diferentes, mas isso implica
também que a mãe aceite a separação do corpo a corpo com o bebê e que ela seja capaz de se
comunicar com seu filho de outra forma que não lhe dando alimento. É importante, que essa
mãe também permita que a criança seja tão feliz nos braços de outros quanto no seu, que a
criança possa entrar na expressão “linguageira” com outros e não só com ela (DOLTO, 1984).
Desse modo, a criança se separa do objeto parcial que é o seio da mãe, se separa do
seu primeiro alimento láctil, para assim, se abrir para uma alimentação variada e sólida. Nesse
momento, ou antes do desmame, a criança já começa a alcançar determinados objetos com a
mão e levá-los até a boca, nessas circunstâncias a mãe deve nomear para a criança esses
objetos, ou seja, dar-lhe palavras que significam o que ela sente no tato. É assim que a
linguagem se torna simbólica da relação corpo a corpo. Por isso, deve–se cuidar para que esse
“desmame não intervenha numa relação vazia de palavras.” (LEDOUX, 1995, p. 218).
33
O efeito simbolígeno da castração oral é a introdução da criança na relação com o
outro, enquanto separada da presença absolutamente necessária da mãe. Sendo assim, a
criança a partir da possibilidade de comunicação esboçada na relação com os pais, passará a
desenvolvê-la com os outros (DOLTO, 1984).
Em relação à castração anal, Dolto (1984) distingue duas acepções para esse termo.A
primeira seria como um segundo desmame, ou seja, separação da criança que agora se tornou
capaz de motricidade voluntária e ágil, da ajuda materna para tudo. É conquistar autonomia
relacionada à alimentação, ao vestir-se, a higiene, o deitar-se, etc. A segunda relaciona-se com
a proibição expressa a criança de qualquer agir prejudicial a outrem. Mas é importante que os
pais não façam essa proibição como adestramento, mas, como pessoas que também estão
castradas analmente em relação à criança, ou seja, que não a prejudicam, que não a tratam
como objeto, enfim, que signifiquem em palavras o exemplo que dão.
Ledoux (1995, p. 220), extraiu das castrações simboligênicas de Fraçoise Dolto, as
condições para que realmente elas sejam simboligênicas:
a) o esquema corporal da criança deve estar em condições de suportá-las;
b) é necessário que o adulto que impõe a castração seja movido pela
tolerância, pelo respeito e pelo amor casto, e que possa servir de exemplo
e tornar seu poder e seu saber acessíveis à criança, um dia; c) o desejo
deve ser reconhecido e valorizado; d) essas castrações, sempre conflitivas,
precisam de palavras.
Em suma, as formulações de Dolto mostram que o processo de diferenciação do
sujeito se faz a partir de cortes que lhe possibilitam a se ver como UM. Na teoria lacaniana
essa mesma concepção está presente, como veremos a seguir.
No “estádio do espelho” esse sujeito assujeitado ao discurso do Outro, que tudo o
nomeia, que o designa, se tornará um UM, um indivíduo. Em termos psicanalíticos, segundo
Lajonquière (1193, p. 194), é o encontro do sujeito com a ordem simbólica. Nesse encontro, o
que está em jogo é a constituição do EU, é um “processo de identificação que possibilita ao
34
sujeito funcionar como um num sistema de intercâmbios com a mãe, o pai, ou, simplesmente
os outros”.
Essa experiência, de acordo com Lajonquière (1993, p. 165) é marcada por três
momentos: no primeiro a criança “brinca com o ser sorridente que vê ante seus olhos, brinca a
olhá-lo e a ser olhada por esses olhos abertos na superfície espelhada [...] reina uma total
confusão um-outro”. No segundo momento, a criança “descobre que o outro do espelho não é
um ser real, mas só uma imagem: não tenta agarrá-lo. Agora distingue entre ‘imagem do
outro’ e ‘realidade do outro’”. Por fim, no terceiro momento, a criança “compreende
repentinamente que não só se trata de uma imagem, mas que essa imagem é precisamente a
sua. [...] marca a ‘transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem.’”
(LACAN, 1949 apud LAJONQUIÈRE, 1993 p. 165).
Assim, o espelho instala uma tensão entre a imagem unificada e a, ainda insuficiência
sensório-motora da criança, proporcionando ao sujeito uma antecipação do que será. Contudo,
essa promessa só se articula se um adulto mediatizar a relação com o espelho. Segundo
Lajonquière (1993) é o adulto que dirá ao bebê que aquela gestalt que aparece no espelho e
que é semelhante a dos outros é a sua. A identificação é uma história a três:
[...] a imagem refletida, o sujeito em questão, e o olhar de um terceiro. [...] isto
nos diz simplesmente que o sujeito não pode outorgar-se a si mesmo a
identificação [...] mas, ao contrário, precisa de um semelhante que o reconheça
como sendo Um. [...] a imagem não faz outra coisa que recobrir o lugar vazio
do objeto. Esta imagem é uma forma, produto de um recorte que o outro
realiza. A mãe recorta com o gume de suas palavras, de seus sorrisos, de suas
mãos, sobre um horizonte de indeterminação, o filho de seus desejos. [...] Ao
nomeá-lo estarão lhe dizendo ‘você é isso´, assim como outrora sua mãe lhe
disse frente a superfície polida do espelho ao reconhecê-lo como sendo Um.
(LAJONQUIÈRE, 1993, p. 168).
Desse modo, essa imagem refletida no espelho que representará o sujeito frente aos
outros, e a si mesmo, não chega a ser uma síntese de seu ser, mas ao outorgar ao sujeito uma
unicidade, também o submerge num desconhecimento de si mesmo. A linguagem provê ao
35
sujeito um nome que o salva da dispersão, mas, por outro lado, o aliena num nome que o
representa como sendo Um (LAJONQUIÈRE, 1993).
De acordo com Lajonquière (1993, p. 173) a função do corte que se articula no estádio
do espelho implica pôr em inter(jogo) aquilo que Lacan chamou de três registros: real,
simbólico e imaginário. O real seria uma pura indiferenciação, impossível de ser apreendida,
aquilo que não tem fissuras, não está marcado, simplesmente é. O simbólico é o que fura,
recorta o real devido a uma ordem e graças a seus cortantes elementos constitutivos (os
significantes). Ou seja, ele demarca e assim, possibilita que o real possa ser apreendido por
partes, possa ser conhecido. “O simbólico é autônomo no sentido de que podemos e devemos
considerá-lo em si mesmo e isolar suas próprias leis de funcionamento ou composição
(condensação e deslocamento) independentemente dos outros dois registros”. O registro do
Imaginário é a objetivação do real, ou seja, é o efeito da operação de recorte, de perfuração,
que o simbólico realiza sobre o real. “O real está além dos sentidos, enquanto que o
imaginário é, pelo contrário, o real simbolizado”.
Na teoria lacaniana o complexo de Édipo é produto da articulação de três tempos,
como descritos a seguir:
No primeiro tempo, segundo Lajonquière (1993, p. 207) a relação mãe-filho é
inicialmente uma relação onde dois desejos se preenchem reciprocamente, ou seja, “todos
desejam o desejo do outro como desejante”. Mas, segundo o autor, tudo que se oferece de fato
a outro que também está imerso na ordem do discurso e que também tem uma falta
irreparável, acaba se revelando pouco. E é justamente isso que o sujeito descobre no primeiro
tempo do Édipo, “já que a castração diz à criança que ela não obtura, como imaginariamente
acreditava, o desejo da mãe”.
No segundo tempo, o da Castração, o pai aparece como um “pai interditor” porque
priva a mãe do falo-filho, e frustra a criança indicando-a que não pode dispor
36
incondicionalmente da mãe. O pai se coloca entre mãe=falo=filho na medida que reclama
seus direitos de posse sobre a mãe. Ou seja, “o pai (ou um outro que assuma a função paterna)
passa a rivalizar com o filho pelo desejo materno.” (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 208).
Segundo Lajonquière (1993, p. 209) nesse momento “o infantil descobre a dimensão
essencial que estrutura o desejo: o desejo de cada um está submetido à lei do desejo do outro”.
Assim, essa mãe ao não esgotar seu desejo no desejo de filho e ao olhar para o pai e desejá-lo,
“investe a palavra do pai em valor de lei” e que o filho, ao procurar a mãe, “dá de cara com o
pai, com a lei do pai” e experimenta não ser tudo para essa mãe.
No terceiro e último tempo do Édipo, “[...] a outrora rivalidade fálica, que havia se
instalado entre o pai e o filho chega a seu fim, já que este reconhece ao primeiro os atributos
fálicos com os quais a mãe o investe, ainda que não sejam propriamente o falo.”
(LAJONQUIÈRE, 1993 p. 212).
A criança reconhece que não é o falo da mãe e que o pai, aquele que ela pensava ser o
detentor do falo, pois, atraía a mãe, também não o tem, mas apenas seus atributos. Nesse
sentido, o terceiro tempo é também chamado de privação no qual a criança, reconhece a
castração do pai,
[...] o que implica na transformação do pai onipotente em pai potente: o pai
não tem o falo, mas tem alguma coisa com valor de dom. O agente da privação
é o pai imaginário: aquele com quem lidamos o tempo todo e com quem
estabelecemos rivalidades. Trata-se, portanto, do pai idealizado, que se torna o
pára-raio dos ciúmes, do amor e do ódio. A falta se inscreve no registro do real
porque aponta para o impossível. O objeto se situa no nível do simbólico
porque a privação se caracteriza pela conversão do falo imaginário em falo
simbólico. (JORGE; FERREIRA, 2005, p. 54).
É interessante ressaltar que nesse tempo do Édipo a criança deduz que o pai está
castrado e que outras coisas além do pai podem prender o desejo da mãe e, portanto,
credenciar-se para “preencher” sua falta. É o Falo (a falta) que faz com que esses outros
objetos “da psicopatológica vida cotidiana venham a ocupar o lugar, no limite sempre
37
vacante, do objeto primordial perdido ou se preferirmos, que se pareçam com ele”
(LANJONQUIÈRE, 1993, p. 215).
Depois de passar pelo Édipo o sujeito começa a vagar entre esses objetos, à procura do
objeto que a “bem / dita castração levou consigo, quando pôs fim à célula narcisismo / mãefálica”. Concluímos com o autor que o que possibilita ao sujeito, a partir da articulação do
drama do Édipo, encontrar uma posição subjetiva particular que o define como tal, é a
castração. E que ainda, é no desfecho do complexo de Édipo que se dá o jogo das
identificações:
O menino bem como a menina renunciam a ser o falo, mas, ao passo que o
primeiro identifica-se com o pai para passar a deter um pênis, que usará como
seu pai, a menina aliena-se na dialética do Ter não-tendo, ou seja, identifica-se
com a mãe que, embora não-tem, sabe procurá-lo na forma de substitutos.
(LAJONQUIÈRE, 1993, p. 216).
2.4.2. A Imagem do Corpo
De acordo com Dolto (1984, p. 15) a imagem do corpo é peculiar a cada um, pois está
relacionada ao sujeito e à sua história. E essa imagem do corpo ao contrário do esquema
corporal é inconsciente, podendo se tornar consciente quando associada à linguagem. Sendo
assim, “a imagem do corpo é a síntese viva de nossas experiências emocionais: interhumanas, repetitivamente vividas através das sensações erógenas eletivas, arcaicas ou atuais”.
A imagem inconsciente do corpo é estruturada pelo “teor da relação inter-psíquica
com o outro, sobretudo a mãe, e é deste fato que a imagem do corpo é testemunha.” (DOLTO,
1984, p. 21). Segundo a autora não há nenhuma solidão humana que não seja acompanhada de
uma memorização de um contato passado com um outro antropomorfizado, ou real. Ela
conclui que é na imagem do corpo, suporte do narcisismo, “que o tempo se cruza com o
espaço, e que o passado inconsciente ressoa na relação presente” (DOLTO, 1984, p. 15).
38
São essas relações que levará a criança a se estruturar como ser humano. E na vida
adulta são as introjeções dessas relações humanas que permitirão uma relação positiva
narcísica consigo mesma, ou seja, uma relação na qual o sujeito se coloca aberto para travar
experiências com o outro e com o mundo que o circunda.
Dolto (1984) define três aspectos dinâmicos de uma mesma imagem do corpo:
imagem de base, imagem funcional, imagem erógena.
A imagem de base é definida por essa autora como aquilo que permite ao sujeito
sentir-se numa “mesmice de ser”, ou seja, em uma continuidade narcísica, em uma
continuidade espaço-temporal que permanece e vai se preenchendo desde o nascimento. A
imagem de base é constitutiva daquilo que Dolto (1984, p. 38) chama de “narcisismo
primordial”, que pode ser entendido, como “o narcisismo do sujeito enquanto sujeito do
desejo de viver, preexistir a sua concepção”.
Sempre que a imagem de base é ameaçada surge logo uma representação, um
fantasma, que ameaça a própria vida e a reação a tal perigo “por um fantasma de perseguição
visceral, umbilical, respiratório, oral, anal – rebentar, explodir também, conforme o momento
traumático sentido como o primeiro em sua história” (DOLTO, 1984, p. 39).
Sendo assim, cada estágio vem a modificar as representações que a criança pode ter de
sua imagem de base. A primeira imagem de base é a respiratória-olfativa-auditiva. A segunda
é a oral, que compreende a primeira, respiratória-olfativa-auditiva, e também toda zona bucal,
faringo-laringe que se associa à imagem do ventre, a representação do cheio e do vazio do
estômago. A terceira imagem de base é a anal, acrescenta as duas primeiras o funcionamento
de retenção ou de expulsão da parte inferior do tubo digestivo, e também a bacia, uma
representação tátil das nádegas e do períneo.
A imagem funcional, segundo Dolto (1984, p. 43) é uma imagem “estênica de um
sujeito que visa à realização de seu desejo. O que passa pela mediação de uma demanda
39
localizada no esquema corporal, em um lugar erógeno, onde se faz sentir a falta específica”. A
autora chama atenção para se compreender que “a elaboração da imagem funcional realiza,
com respeito ao acionamento das zonas erógenas, um enriquecimento de possibilidades
relacionais com o outro”.
A imagem erógena está associada à determinada imagem funcional do corpo, ou seja,
ligada ao lugar onde se focaliza o prazer ou o desprazer erótico na relação com o outro. “Sua
representação é referida a círculos, formas ovais, côncavas, bolas, palpos, traços e buracos,
imaginados como dotados de intenções emissoras ativas ou receptoras passivas, com fins
agradáveis ou desagradáveis.” (DOLTO, 1984, p.44).
Por fim, é importante descrever como estes três componentes da imagem do corpo se
transpõem, se modificam, se metabolizam considerando as situações a serem enfrentadas pelo
sujeito e as limitações que ele encontra, principalmente sob a forma das castrações
simboligênicas que lhe são impostas, assegurando sua coesão narcísica. Para isto seria
necessário:
1) que a imagem funcional permita uma utilização adaptada do esquema
corporal; 2) que a imagem erógena abra ao sujeito o caminho de um
prazer partilhado, humanizante naquilo que tem valor simbólico e pode ser
expresso não apenas através de mímica e agir, mas com palavras ditas por
outrem, memorizadas na situação pela criança que as utilizará com
conhecimento de causa quando vier a falar. (DOLTO, 1984, p. 44).
A autora denomina de imagem dinâmica a “síntese viva, em constante devir” dessas
três imagens do corpo, ligadas entre si através das pulsões de vida. A imagem dinâmica do
corpo seria o “desejo de ser e de perseverar em um advir [...] a imagem que expressa em cada
um o Sendo, o sujeito em desejância” (DOLTO, 1984, p. 44). Por ser essa imagem sempre um
desejo em busca de um novo objeto, ela é completamente contraditória ao auto-erotismo, pois
ele apenas serviria para encobrir a ausência do objeto real adequado ao desejo. Por exemplo, a
criança que cada vez experimenta:
40
[...] um impulso libidinal na ausência do objeto, contenta-se com essa
transferência, denominada auto-erótica, para um objeto parcial, seu punho, seu
polegar (...) uma parte de seu corpo se torna o suporte ilusório do artifício do
outro. Ela entra assim em um sintoma compulsivo de estilo obsessivo, onde
seu desejo se utiliza da imagem do corpo, funciona por funcionar. (DOLTO,
1984, p. 46-47).
Podemos pensar também essa questão quando o sujeito elege e privilegia um objeto de
satisfação para si, como a questão do alimento no caso da obesidade.
2.5. PSICANÁLISE E OBESIDADE
Com certeza se pode afirmar que dependendo de como o sujeito se estruture como tal,
como foi visto acima, no percurso da constituição de sua subjetividade, isso determinará sua
forma de estar no mundo e de estabelecer uma posição frente à falta do Outro. Ou segundo
Lajonquière (1992) o destino do sujeito, enquanto sujeito do desejo, dependerá das
possibilidades de ser “arrancado da célula narcisismo / mãe fálica” ao mesmo tempo em que o
corte não deve lhe impossibilitar levar consigo a quantidade de energia necessária para
investir nas coisas que o rodeiam, nos objetos. Quando isso se faz pela via do impossível temse um modo sintomático de se estar no mundo e de se posicionar diante da vida. Assim, pode
se intuir que muitos casos de obesidade mórbida sejam respostas aos dramas da constituição
desse sujeito. Dramas estes que se iniciaram talvez antes do seu nascimento, não se sabe ao
certo quando.
É nesse sentido, que a psicanálise se interessa pelas doenças, como a obesidade, numa
perspectiva de sua relação com a subjetividade.
Lacan já destacava como um “truque
formidável” a “fuga nas doenças impossíveis” (Zucchi, 2002, p. 03). Truque que seria absurdo
numa perspectiva médica, pois se pensaria “em fugir das e não nas doenças”. A autora
complementa esse pensamento dizendo que a estratégia de refugiar-se na doença,
41
“pressupõem um corpo para o qual o adoecer advenha como função, e não como disfunção tal
como preconiza uma certa racionalidade hegemônica na medicina”.
A autora alerta que é precipitado tentar incluir numa concepção estrutural, na qual
“neurose, psicose e perversão estão formalmente distinguidas” as condutas como “as
toxicomanias, as compulsões – especialmente as que envolvem o corpo: cirurgias plásticas em
excesso, ginásticas, ingestão de anabolizantes, bem como as bulimias e anorexias, as
depressões e pânicos” (ZUCCHI, 2002, p. 15). Esses sintomas são considerados por essa
autora como do âmbito das patologias do narcisismo.
Comenta a autora, que no contexto contemporâneo além do declínio da função
paterna, temos o gozo como pólo de orientação para essas questões clínicas atuais, que
também são chamadas de novos sintomas da clínica psicanalítica:
[...] as depressões, compulsões, adições, pânicos – a função da palavra e do
sentido ficam subsumidos à presença maciça do corpo. As queixas são quase
sempre corporais. A procura do analista se dá, em geral, em função de uma
experiência corporal limite [...]. (ZUCHI, 2002, p. 17).
Contudo, não se trata de sintomas novos, pois sempre estiveram presentes na literatura
psicanalítica. O que há de novo é a sua dimensão na cultura – “seu caráter quase epidêmico”,
como se observa na problemática da obesidade.
A literatura científica confirma o caráter epidêmico da obesidade não só em países
industrializadas, mas especialmente neles e, uma alta prevalência de seu surgimento na
infância. Recalcati (2002, p. 65) sugere que isso acontece devido a um “Outro que sufoca todo
apelo do sujeito através da oferta de objetos”. Sendo assim, a obesidade indicaria uma posição
de “passividade do sujeito que não está em condições de promover nenhuma forma de
desmame dessa oferta ilimitada e asfixiante do Outro”.
42
O autor interpreta ainda que a obesidade se apresenta como um paradigma clínico da
civilização contemporânea, no qual a queda do simbólico parece corresponder a um
incremento progressivo ao consumo do objeto, sem nenhum adiamento do vazio:
[...] o discurso social atual sustenta a necessidade de uma saturação do vazio
ou, mais exatamente a saturação do vazio como modalidade de supressão da
falta e do desejo. A obesidade é o fenômeno psicopatológico que, talvez mais
que todos, ilustra os efeitos devastadores dessa saturação: o corpo é reduzido a
um mero receptáculo de objetos. (RECALCATI, 2002, p. 63).
O autor ao falar das transformações na cultura contemporânea, destaca também que o
Outro contemporâneo deixou cair seu poder histórico de interdição, fato que sustenta hoje a
lei perversa do gozo ao alcance das mãos. Acrescenta ainda que, o discurso capitalista se
sustenta no fato de não suprir apenas a falta, mas continuamente gerar novas “pseudo-faltas”
que alimentam um ciclo do consumo, gerando o esquecimento do simbólico e um
descontrolado anseio por objetos. Tudo isso só reforça a idéia da obesidade como produto da
sociedade contemporânea e o obeso sente-se como aquele que não tem que lidar com a falta,
já que o objeto compensatório está sempre à mão. “Na época do discurso capitalista o que
mais conta não é a ligação com o Outro – a espera do signo da sua fala – mas, antes, a inveja
do gozo do Outro, o sofrimento do ser excluído do gozo, não do signo.” (RECALCATI, 2002,
p. 63).
Sendo assim, a angustia da obesidade é uma angústia de sufocamento, produzida não
só pelo peso do próprio corpo, pois se trata de uma angústia decorrente de uma presença em
excesso do objeto, “é angustia do demasiado cheio, [...] uma vez que nesse excesso de
presença, nesse excesso de objeto, o sujeito acaba por se sentir engolido.” (RECALCATI,
2002, p. 64).
43
Nessa visão, talvez o mais grave seja o fato do sujeito contemporâneo, que sofre com a
obesidade, identificar literalmente o vazio da sua vida como o vazio do estômago, tornandose, “uma máquina de gozo”.
O autor ao falar do excesso de fome presente na obesidade destaca que não há um
limite que diferencie a fome humana da fome animal: “Quando esse limite se escreve, ele
nunca é um dado da natureza, mas um efeito da ação do simbólico, da ordenação simbólica
que barra o corpo animal e o apego do homem à matéria originária do alimento-mãe.”
(RECALCATI, 2002, p. 52).
Ao comparar a posição da obesidade e da bulimia no que diz respeito à fome, o autor
afirma que são experiências pulsionais semelhantes, no entanto, elas se diferenciam no eixo
da alienação / separação do Outro: “A bulimia é uma alienação que preserva, no momento do
vômito, a possibilidade de uma separação do outro. Na bulimia, de fato, alienação e separação
convivem. Contrariamente, na obesidade há somente alienação.” (RECALCATI, 2002, p. 59).
Todas essas questões tornariam o corpo obeso em um “corpo sem fala”. É como se a
fala, a capacidade de simbolização encontrasse uma barreira, um ponto de resistência,
[...] alguma coisa que não se pode mentalizar porque não é, de fato, um evento
de linguagem, mas sim um evento somático que investe o real do corpo. Essa
dificuldade de acesso ao metabolismo simbólico precede fundamentalmente a
dificuldade do metabolismo fisiológico. (RECALCATI, 2002, p. 55).
Assim, a irrupção de gozo excessivo produz a neutralização da expressão do que se
passa no corpo devido à falta de recursos simbólicos suficientes. Um recurso defensivo nesses
casos é a percepção do sujeito obeso que descreve seu corpo como “algo de fora”, separado
dele mesmo.
Essa estranheza é reforçada, pelo fato de ser difícil para o obeso mover-se, de alcançar
algumas zonas do seu corpo, de perceber os extensos confins da própria imagem corporal.
Essa separação pode produzir uma fantasia de um corpo “virtual, narcisista, idealizado, uma
44
espécie de um eu ideal totalmente desencarnado no qual o sujeito obeso se refugia.”
(RECALCATI, 2002, p. 57).
Em alguns casos, o sujeito obeso demanda não o desejo do Outro, mas exibi-se,
capturando o olhar do outro e lhe causando angústia. Nesse sentido, se revela um “traço
perverso: o sujeito se torna objeto que causa angústia no Outro.” (RECALCATI, 2002, p. 54).
A obesidade em si não define uma estrutura, por exemplo, no caso da neurose, o
corpo gordo pode ser usado subjetivamente como uma modalidade de interrogação histérica
do desejo do outro. Por exemplo, uma postura radical que leva uma mulher a um ganho de
peso progressivo, como conseqüência da “decisão de não querer reduzir o próprio ser a um
puro objeto do gozo fálico do homem.” (RECALCATI, 2002, p. 54).
A obesidade pode também se configurar como uma defesa contra a depressão. A
sensação permanente do vazio, típica da obesidade e de outros distúrbios de alimentação deve
ser reportada ao “caráter enigmático da perda do objeto, tal como Freud a especifica: o sujeito
melancólico vive dramaticamente a experiência da perda do objeto sem saber qual objeto está
verdadeiramente em jogo.” (RECALCATI, 2002, p. 67). Sendo assim, é que o objeto alimento
é consumido indiscriminadamente no lugar do objeto perdido. É um “objeto-analgésico, em
condições de tratar daquela espécie de nostalgia melancólica indeterminada que pode afligir o
sujeito obeso.” (RECALCATI, 2002, p. 67).
A recusa à perda do objeto perdido primordial pode ser a recusa do trauma do
desmame. O sujeito obeso evita “a angustia relativa ao encontro com o desejo do Outro,
construindo um verdadeiro e próprio universo no qual todo o gozo fica concentrado no objetoalimento.” (RECALCATI, 2002, p. 69).
Desse modo, não sendo possível a recusa ao individuo obeso, seu corpo se transforma
na própria recusa. A obesidade seria a impossibilidade de separação, impossibilidade de
recusa. De acordo com o autor há uma impossibilidade de recusar o “objeto-alimento”, o
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dever de dizer sempre ‘sim!’. Nesse sentido, a obesidade lembra uma posição de passividade,
em que o sujeito obeso não consegue promover um desmame “da oferta ilimitada e asfixiante
do outro.” (RECALCATI, 2002).
46
3. METODOLOGIA
3.1. A Escolha Metodológica
A proposta metodológica adotada nesse estudo ancorou-se em uma abordagem
qualitativa. Trata-se de um estudo teórico-clínico que busca apreender a experiência subjetiva
de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica, por meio de uma escuta atenta e da análise de
sentidos de seus discursos. Aponta Lo Bianco (2003, p. 121) a necessidade de fazer valer, nos
procedimentos da pesquisa analítica, a descoberta de:
[...] um cotidiano aparentemente simples e prosaico, feito de sonhos, lapsos,
sustos e angústia. Cotidiano que não se deixa apreender, a não ser pela
psicanálise, dessas formações apresentadas pelo inconsciente, que nesse
século provaram ser a matéria-prima tanto da investigação psicanalítica quanto
da realidade que constitui o sujeito.
A pesquisa psicanalítica tem na abordagem clínica seu apoio principal, ressalta a
autora que é “na referência ao material clínico que a pesquisa ganha seu colorido, sua
vivacidade e, acima de tudo, sua originalidade em relação às pesquisas desenvolvidas em
outros campos.” (LO BIANCO, 2003, p. 120).
De acordo com Legnani (2003) sob a ótica da psicanálise, as falas, os relatos dos
participantes possibilitam uma significação, um sentido, construído sempre em uma relação
intersubjetiva com um outro, daquilo que foi vivido pelo sujeito e pôde ser ali mediatizado
pela linguagem.
Assim, nesta pesquisa, a produção de conhecimento se ancorou numa escuta das
vivências de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica. Também se deteve na escuta dos
profissionais de várias áreas que atendem esse segmento que busca no procedimento cirúrgico
o tratamento para obesidade mórbida. Na escuta desses profissionais se privilegiou, entre
47
outras questões, suas percepções quanto à relação dos pacientes obesos mórbidos com a
obesidade, com a alimentação e suas principais queixas antes e depois do procedimento
cirúrgico.
3.2. Objetivos
3.2.1. Objetivo geral:
Compreender as mudanças subjetivas dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia
bariátrica.
3.2.2. Objetivos específicos
1 – Identificar e analisar qual o enfoque do atendimento pré-cirúrgico;
2 – Identificar e analisar qual a queixa psicológica mais recorrente dos sujeitos após a
cirurgia;
3 – Identificar e analisar a capacidade dos pacientes em fazer novos investimentos objetais,
considerando a perda do objeto que era a alimentação excessiva.
3.3. Participantes
Participaram desse estudo oito pacientes ex-obesos mórbidos submetidos à cirurgia
bariátrica e três profissionais que atendem esse público, sendo uma psicóloga, um cirurgião e
uma nutricionista.
48
Os pacientes entrevistados apresentavam um tempo de operado que variou de um ano
e seis meses a quatro anos e seis meses. Com idades entre 27 e 44 anos. Sendo quatro homens
e quatro mulheres. Quanto à escolaridade, três participantes possuíam nível superior
completo, dois tinham pós-graduação, dois participantes o ensino médio completo e um
participante tinha mestrado. Com relação ao estado civil dos pacientes entrevistados, cinco
deles eram casados, dois solteiros e um separado.
3.4. Instrumentos
Visando acessar a subjetividade dos participantes, foi utilizada uma entrevista clínica
semi-estruturada, de acordo com roteiros em anexo (Anexos D e E). Esta entrevista foi
aplicada tanto aos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, quanto aos profissionais
participantes que atendem essa população.
Os recursos instrumentais utilizados foram um gravador portátil, fitas K7, fichas para
coleta dos dados pessoais (Anexo C), o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (Anexos
A e B).
Os locais utilizados para as entrevistas foram bem variados: locais de trabalho dos
participantes, CEFPA – Centro de Formação em Psicologia Aplicada, num evento sobre
Cirurgia Bariátrica (Realizado no Parque da Cidade).
3.5. Procedimentos para coleta de dados
ƒ Primeiramente foram contactados e entrevistados quatro profissionais de equipes que
atendem pacientes para cirurgia bariátrica.
49
ƒ Foi solicitado a uma das clínicas que realiza cirurgia bariátrica a indicação de contatos
de pacientes operados. Foram indicados seis pacientes, desses apenas três se
voluntariaram a participar da pesquisa. Os outros cinco pacientes que compuseram a
amostra foram indicados aleatoriamente por pessoas que tinham conhecimento da
pesquisa.
ƒ O primeiro contato com o participante foi feito por telefone, nessa ocasião foi
explicado brevemente os objetivos do estudo, o caráter voluntário da participação. Em
seguida foi realizado o agendamento da entrevista.
ƒ No início da entrevista todos os participantes leram e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexos I e II). Imediatamente após, procederamse as entrevistas clínicas semi estruturadas. Tais entrevistas foram realizadas
individualmente e duraram em média 45 minutos, todas foram gravadas e transcritas
em seguida.
3.6. Procedimentos para análise dos dados
O procedimento utilizado para análise dos dados foi a técnica Análise de Conteúdo
Temático como concebida por Turato (2003, p. 442), a saber: “procurar nas expressões
verbais, os temas gerais recorrentes que fazem a sua aparição no interior de vários conteúdos
mais concretos”. Desta forma, seguiu-se como indicado pelo autor um percurso bastante
intuitivo e foram realizadas também algumas adaptações pela pesquisadora à técnica. Após a
gravação, transcrição do material discursivo produzido nas entrevistas, procedeu-se à
sistematização do mesmo, caracterizado pelas seguintes etapas:
A. Leitura flutuante das entrevistas - a primeira abordagem do material coletado
consistiu, como sugere Turato (2003) nas chamadas leituras flutuantes. Tal atenção
50
flutuante deve ser entendida como um modo psicanalítico de escutar, o qual não
privilegiou a priori qualquer elemento do discurso.
B. Criação de categorias maiores que se mantiveram coincidentes ao eixo temático do
roteiro que norteou as entrevistas;
C. Subcategorias que abrigaram falas dos participantes.
51
4. RESULTADOS
Os participantes desse estudo apresentavam à época da cirurgia um índice de massa
corpórea - IMC que variava de 38 kg/m2 a 64 kg/m2, como apresentados no Figura 1. Apenas
um participante estava com IMC abaixo de 40 kg/m2, mas apresentava mais de cinco
comorbidades além do quadro de obesidade.
K g /m 2
IMC à época da cirurgia
70
60
50
40
30
20
10
0
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Participantes
Figura 1 – Índice de massa corpórea – IMC (kg/m2) dos participantes à época da cirurgia.
Abaixo, a tabela 1 mostra os problemas de saúde apresentados por cada um dos
pacientes participantes desse estudo antes da cirurgia. E na tabela 2 estão apresentados os
problemas de saúde que ainda persistem ou que adquiriram depois da cirurgia.
52
Tabela 1 Doenças apresentadas pelos pacientes antes da cirurgia
Pacientes
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
P8
Hipertensão
Hipertensão
Hipertensão
Hipertensão
Hipertensão
Hipertensão
Hipertensão
Coluna
Articulação
Apnéia
Gordura
Apnéia
Articulação
Apnéia
Articulação
Diabete
fígado
Doenças
antes
s
Probl.
Colesterol
Hiperglicem
Ansiedade
Gordura
Locomoção
alto
ia
alta
fígado
Apnéia
Coluna
Alteração
Alteração
Diabetes
sono
sono
Dislipidemia
da
cirurgia
Colesterol
Gordura
Má
alto
fígado
circulação
Ansiedade
Problema
Depressão
alta
nos rins
Dislipidemia
Pancreatite
Tabela 2 Doenças apresentadas pelos pacientes depois da cirurgia
Pacientes
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
P8
Hipertensão
Nenhuma
Cálculo
Anemia
Nenhuma
Nenhuma
Anemia
Anemia
Leve
Renal
Apnéia
Anemia de
Leve
Ferro
Desnutrição
Desnutrição
Ansiedade
Dieta Hiper
alta
calórica
Doenças
depois
da
cirurgia
Desnutrição
53
Os dados obtidos a partir das entrevistas estão apresentados nos quadros abaixo,
sistematizados em eixos temáticos e categorias.
ESCUTA DOS PACIENTES
1. PROCESSO DE GANHO DE PESO
Pacientes
Quando criança
Obesidade Mórbida
P1
“[...] era uma criança um
pouco fofinha [...]”
“Começou na adolescência
e não parou mais [...]”
P2
“Sempre fui uma criança
gordinha [...]”
P3
“[...] fui um bebê
maisena [...]”
P4
“Eu acho que já nasci
obesa, já nasci gorda
[...]”
P5
“Sempre fui gordinho
desde pequeno.”
“Alcancei obesidade
mórbida na adolescência
[...]”
“[...] .esse excesso de peso
foi durante a gravidez,
quando tive gêmeos e fiz
diabetes gestacional [...]”
“ Não pude ter filhos... fiz
esterectomia (26 anos), fui
engordando [...] chegou um
ponto que já eu não tinha
mais nem vontade de viver
[...]”
Desde a adolescência.
P6
“Eu nunca fui uma
criança magra.”
P7
“Eu fui uma criança
redondinha, mas, não
chegava a ser obesa.”
P8
“[...] desde pequenininha
eu fui gordinha [...]”
“[...] depois dos 23 anos
voltei a ter um ganho
acentuado de peso até
chegar aos 32 anos com
140kg.”
“[...] .engravidei ganhei
neném engordei 22kg,
tinha perdido 10kg
engravidei de novo e aí
pronto acabou [...]”
“[...] começou na minha
gravidez, na minha
primeira gravidez, tem 14
anos.”
Familiares
“casos graves como o meu
eu não me recordo [...]
minha irmã operou [...]”
“Tem pessoas gordinhas,
mas não tem casos tão
graves quanto o meu [...]”
“A minha mãe é obesa, o
meu pai não é, mas a
família dele é, na verdade
eu tenho a genética dos dois
[...]”
“Tenho uma família que
tem um histórico de
obesidade mesmo.”
“Tenho familiares com prédisposição [...] agora a
família do meu pai é obesa.
Tenho uma irmã com
obesidade grau II [...]”
“A família do meu pai tem
problemas de obesidade.”
54
2. SIGNIFICADO DA OBESIDADE
DOENÇA
“[...] é uma doença
incontrolável [...]” (P2).
“[...] é uma doença,
como é o alcoolismo,
como outras doenças
compulsivas, a gente não
consegue é muito triste.”
(P3).
“[...] O problema
começou a me preocupar
quando começou a afetar
minha saúde, minha
pressão tava alta, meu
joelho tava com
problemas já, aí eu tomei
atitude né [...]” (P5).
UMA PARTE
ESTRANHA DE MIM
UMA RESTRIÇÃO
“[...] como foi uma vida
inteira, ela virou uma parte
de mim, parte da imagem
corporal, parte da minha
preocupação diária é uma
coisa que faz parte de mim
e que é ao mesmo tempo
uma parte de mim que
fosse como um tumor [...]”
(P1) .
“A obesidade é uma desgraça
[...]” (P2).
“[...] ela (como se a
obesidade fosse algo fora)
me deixou muito
deprimida, muito
angustiada porque também
ela atingiu a minha saúde
[...]” (P3).
“Depois que eu emagreci que eu
fui vendo: - Nossa! Eu deixava de
fazer tal coisa porque eu estava
gorda! Não sei o que eu fiz se eu
neguei se eu bloqueei, o que eu fiz,
eu convivia bem com minha
obesidade.” (P7).
“Não é um processo fácil (...) você
sofre restrição de toda natureza,
questões de relacionamento,
restrições físicas mesmo de querer
fazer as coisas e não ter condições
de fazer... Sempre tive vontade de
praticar esportes radicais.” (P6).
“Até a cirurgia a obesidade não
significava nada. Eu achava que
era feliz... antes da minha segunda
gravidez eu comecei a ter
problemas de saúde... eu fiquei
diabética, não conseguia tomar
banho sozinha, não conseguia
caminhar [...]” (P8).
55
3. PERCEPÇÃO DA REAÇÃO DOS FAMILIARES E AMIGOS AO LONGO DO
PROCESSO DE GANHO DE PESO
CONTROLADORES
AVACALHADORES
ACOLHEDORES
E A MÃE?
“[...] minha mãe
falava, minha vó
falava que eu
precisava me
cuidar, minha
sogra, meu tio,
todo mundo falava,
mas ele (esposo)
nunca nem
demonstrava e
também depois que
eu emagreci, nem
fala, pra ele é
indiferente, tanto
como era, como
está agora [...]”
(P3).
“[...] na adolescência
tem gozação, aquela
coisa toda, de certa
forma eu administrei
bem apesar de ter
ficado chateado
várias vezes. Mas
administrei bem
porque nunca entrei
numa depressão,
ficar doente, ficar
mal, sempre fui muito
caseiro, talvez, por
causa da obesidade
[...]” (P1).
“[...] acho que
as pessoas que
eram amigas
foram se
acostumando
comigo e acaram
diluindo o
problema [...]”
(P1).
“[...] minha mãe depois de
uma certa idade começou
uma briga comigo por
causa do ganho de peso
[...]” (P2).
“O gordo sempre
cria duas pessoas,
uma engraçada, que
conta história e faz
todo mundo rir, para
mascarar a
obesidade dele. Todo
gordo sempre tem um
apelido... Quando o
chamam pelo apelido
estão se referindo ao
cara engraçado, que
diverte todo mundo.
Na convivência com
os amigos tudo bem,
mas, quando você
chega num lugar
estranho você
começa a ficar
constrangido [...]”
(P2).
“[...] outros
aprenderam a
conviver comigo
dessa forma, não
me cobravam
nada [...]” (P4).
“Lá em casa assim a coisa
sempre foi muito regrada,
minha mãe evita fazer
coisas muito calóricas,
tudo light [...] desde de
pequeno, desde que eu me
entendo por gente[...]”
(P5).
“Minha mãe se
incomodava muito, quando
eu falei pra ela que eu ia
“Tinha aquelas
fazer a cirurgia acho que
gracinhas de
ela ficou mais feliz do que
menino assim,
eu, porque minha mãe é
meu apelido era
uma pessoa extremamente
gordinho, mas
assim, normal na vaidosa... e a filha não era
verdade. Como eu dentro desse padrão, isso
convivia bem com incomodava muito a ela
[...] ela estava mais
a questão da
eufórica do que eu, mas,
obesidade a
buscando essa filha
comunidade
também aceitava magra.” (P7).
numa boa.
“Quando eu era mais
Sempre saí, o
problema é que a jovem minha mãe brigava
muito tal, mas, depois não,
maioria das
por que ela viu que não
pessoas tem
tinha jeito eu falava, eu
problema de se
gosto de comer, eu vou
mostrar.” (P5).
comer e ninguém tem nada
com isso [...]” (P8).
56
4. PERCEPÇÃO DA VISÃO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO À OBESIDADE E AO
OBESO
FORA DO PADRÃO
PRECONCEITUOSA
“O obeso não é bem aceito [...] não está
no estereotipo da boa aparência, que as
pessoas exigem até no emprego, a visão
que as pessoas tem do obeso é que ele é
uma pessoa descontrolada, desregrada,
insana em relação ao alimento,
compulsiva, louca, que se mata, comete
orgias alimentares, que quer comer até
morrer [...]” (P1).
“[...] não tem lugar pro gordo [...] fui
selecionado para um emprego e me dispensaram
porque eu era gordo [...] a gente não cabe na
poltrona do avião [...]” (P2).
“O mundo não é feito, os móveis, os
carros, os aviões, os ônibus nada é feito
para contemplar esse tipo de gente, são
feitos para contemplar um padrão.
Qualquer coisa que não cabe nesse
padrão está fora. O obeso está fora do
padrão do momento atual dessa
sociedade, se o padrão dessa sociedade
está certo ou errado é outra questão, mas
que o obeso da fora desse, está.” (P6).
“A sociedade é muito cruel [...] a gente não
cabe na cadeira, na poltrona do avião, tem medo
de entalar na roleta do ônibus, entra numa loja e
a vendedora já pergunta: é pra você?. Sapato
você vai experimentar, a moça já fica: aí meu
deus! Vai alargar, vai arrebentar o sapato!”
(P3).
“As pessoas acham que o gordo é gordo porque
é preguiçoso”. (P6).
“Ainda tem muito da idéia de que a obesidade é
falta de vergonha, falta de esforço, preguiça,
ainda tem muito isso, acho que pouca gente vê a
obesidade como doença [...] tem mudado, mas
ainda tem muito preconceito, muita
discriminação, e a gente vê pelo ambiente físico
[...] de uma forma muito velada, aquela coisa
assim de seu rosto é bonito, né, sua mulher tem
um rosto bonito [...] então, fica sempre no não
dito [...]”(P7).
57
5. RELAÇÃO COM A COMIDA
ANTES DA CIRURGIA
INTERESSE SAZONAL /
FUGA
INTERESSE
INCONTROLÁVEL /
VÍCIO
“[...] sou aquele ansioso que
fica pensando, remoendo as
coisas, e na comida de certa
forma eu desconto, eu como,
tem gente que se droga, tem
gente faz outra coisa, eu
como [...] o tempo todo
estava ansioso porque estava
gordo, aí comia porque
estava ansioso e era um ciclo
[...] A comida sempre foi
também uma fuga, um
mecanismo perigoso.” (P1).
“[...] infelizmente a
cirurgia não opera a
cabeça só opera o
estomago, é difícil você
administrar isso [...] antes
era assim, eu era comedor
de volume, a comida pra
mim sempre foi uma coisa
meio inconsciente, eu nem
via, quando já via, já tinha
comido [...]” (P1).
“Antes da cirurgia eu só
pensava em comer [...]”
(P2).
“Sempre fui muito ansiosa e
a gente acaba jogando isso
pra alguma coisa e eu jogava “Eu sou comedora de
volume noturna e até hoje
pra a comida [...]” (P4).
sou comedora de volume
noturna. De dia eu não
“[...] talvez a questão da
como nada, mas de 7 horas
freqüência fosse um pouco
da noite até 4:30 da
maior, mas mesmo assim,
manhã, eu tenho muita
[...] é mais uma questão
genética mesmo. Eu não era insônia, eu sou uma
comedora noturna,
comedor de volume
principalmente hoje mais
diariamente não.” (P5).
de doce e sou uma fumante
“Não me percebia comedora inveterada.” (P8).
de volume [...] talvez, talvez
essa coisa de ficar ansiosa,
eu acho que muito mais num
momento de estar ociosa.”
(P7).
PRAZER
“[...] a comida era minha
fuga, minha namorada [...]”
(P2).
“Eu era comedora de volume.
Eu comia sempre, adorava
beliscar. Eu comia muito,
toda hora, eu sentia aquele
prazer em come [...] Eu
sempre gostei muito de
cozinhar [...] minha mesa é
sempre cheia nunca tem
pouca coisa é muita coisa.”
(P4).
“[...] era uma relação de
quantidade, me agradava, me
trazia prazer, aquela
sensação, então quando
comia, comia bem, comia
bastante mesmo. [...] nunca
tive distúrbios alimentares do
tipo: ah, eu comi fiquei
arrependido fui lá e vomitei
[...] comia por que era bom
comer.” (P6).
“[...] tudo nosso (família)
sempre teve muita comida eu
acho que isso favoreceu
muito não estar buscando
outras fontes prazerosas de
estar junto dessa família, e
ainda hoje é dessa forma,
né?” (P7).
58
DEPOIS DA CIRURGIA
INTERESSE SAZONAL /
FUGA
DESENCANTO
MEDO
“[...] hoje é uma coisa sazonal,
eu sinto, eu sei que tem épocas
que eu estou comendo porque
eu tô ansiosa, tem épocas que
eu tô comendo besteira direto,
eu sei isso, e eu tento gerenciar
isso. Então é muito [...] mas em
geral eu consigo um controle
razoável [...] Hoje quando eu
estou ociosa minha tendência é
ir buscar a comida, eu acho que
sempre foi assim.” (P7).
“[...] eu perdi aquele
prazer. Perdi aquela
vontade [...] Parece assim,
que eu desliguei um botão
na cabeça, aquela coisa
que eu tinha com a comida,
de vontade de comer,
depois que eu fiz a cirurgia
parece que eu desliguei
aquilo, eu como [...]” (P3).
“Hoje eu tenho medo de
comer [...] se senão souber
comer dói, dói, dói demais. É
uma dor que se ela durar 10
minutos ela me mata [...]
isso quando não tem o
dumping [...]” (P4).
“São fases também, tem épocas
que eu não vomito e tem épocas
que eu vomito todo dia. Eu
estou numa fase que eu vomito
tudo, até água eu estou
vomitando. Eu achei que eu
estava com um problema de
cabeça com medo de engordar
[...] aí fiz uma endoscopia
descobri que estava com uma
ulcera grande”. (P8).
“[...] eu perdi uma
referência, fiquei assim
sem pai e sem mãe depois
que eu operei [...] o social
da gente sempre está
atrelado a comida [...] A
nossa vida gira em torno
de comida [...]” (P3).
“Hoje, lido mal com a
comida, eu estou tentando
trabalhar isso, eu não sei se
eu tenho medo de comer e
engordar, mas a comida não
me faz bem, eu como e passo
mal. Talvez pelo fato de eu
comer e passar tão mal eu
não gosto de comer. Eu
passo o meu dia procurando
o alimento que não vai me
fazer mal.” (P8).
59
6. OPÇÃO PELA CIRURGIA
ÚNICA SAÍDA
UMA ALTERNATIVA
“[...] um acontecimento que foi
decisivo para cirurgia foi ficar
preso numa roleta de ônibus e
ter que ir para empresa de
ônibus para retirarem a roleta
[...] perder a oportunidade de
um emprego devido ao meu
tamanho [...]” (P2).
“[...] procurei um
cirurgião plástico [...] ele
disse: pois é, tenta
emagrecer [...] E a partir
daí é que eu comecei
pensar na cirurgia como
uma alternativa [...] Se eu
tivesse que desistir eu teria
desistido, mas eu estava
bem convicta [...] Não
sabia o tanto que eu sei
hoje.” (P7).
“[...] eu fui com a cara e a
coragem, eu passei por cima
como um trator, eu estava
decidida, a cirurgia era uma
obsessão[...]” (P4).
SOBREVIDA / SAÚDE
“Eu troquei algumas coisas
por vários anos de vida, eu
troquei excesso de comida
por vários anos de vida, eu
troquei a bebida por vários
anos de vida... vários
excessos por vários anos de
vida”. (P6).
7. O QUE REPRESENTOU A CIRURGIA
SOBREVIDA / SAÚDE
“[...] melhora na saúde,
melhora na locomoção, em
vários aspectos, foi importante
porque significou viver mais
tempo [...] ganhei sobrevida
[...].” (P1).
“. A questão da minha saúde
está 100%, minha pressão
nunca mais subiu, meu joelho
eu não sinto mais [...]” (P5).
“O principal [...] muitos anos
de vida mais mesmo, por que do
jeito que eu estava com certeza
eu morreria cedo mesmo, eu
não chegaria aos 50 anos de
idade [...]” (P6).
“Minha saúde está muito bem.
Eu tenho bastante disposição,
eu faço coisas demais [...]”
(P7).
ESCOLHA ACERTADA
UM MARCO
“[...] foi uma escolha acertada
e essa é minha recomendação
para quem vem me perguntar
se deve fazer [...] mas, com um
profissional responsável [...]
tem que ter cabeça para
suportar o pós-cirúrgico. [...]
no pós fiz um quadro
(depressivo) porque não sabia
que no pós eu ia passar cinco
dias sem ingerir nada,
nenhuma gota de água.” (P3).
“[...] foi um marco na
minha vida [...] foi tudo
de bom [...] mais
expectativa de vida
[...].Existe um “P” antes
da cirurgia e um “P”
depois [...]” (P2).
“[...] eu falo assim: Poxa! O
pessoal reclama do resultado
da cirurgia e mesmo com a
anemia [...] eu faço muito, se
eu não tivesse eu não sei como
é que ia ser, eu me sinto
bastante produtiva. Eu não
tinha uma expectativa estética,
eu estou satisfeita [...]” (P 7).
“A cirurgia foi algo
muito importante em
minha vida, um divisor
antes e depois dela. Ela
correspondeu às
expectativas, com
exceção ao fato de
comer, a minha comida
hoje é pouquinha e bem
pastosa ou liquida e com
isso estou tendo
problema de anemia
[...]” (P4).
60
8. COMO SE SENTE HOJE
Paciente
TEMPO
DE
OPERADO
BENEFÍCIOS C/
CIRURGIA
PREJUÍZOS C/ A
CIRURGIA
INTERESSES
ANTERIORES
INTERESSES
ATUAIS
P1
4 anos
9 na saúde;
9 na auto-estima;
9 na relação
conjugal;
9 na vida sexual;
9 mais disposição
para acompanhar
a filha;
9 em vários
aspectos da
qualidade de vida.
9 uma espécie de
“prazer” em comer
e vomitar;
9 “desnutrição, a
queda de cabelo, o
que é mínimo,
ínfimo perto da
positividade que a
cirurgia trouxe”
9 não vir
acompanhada com
mudança de
hábitos;
9 comer: “Um
ano antes da
cirurgia o meu
único interesse era
operar e alcançar
sobrevida. Cinco
meses antes não
pensava mais nada,
só comer e
operar.”
9 Trabalho;
9 conseguir lidar
melhor com os
problemas
fisiológicos,
nutricionais
adquiridos com a
cirurgia;
9 conseguir lidar
melhor com a
ansiedade;
9 conquistar um
futuro melhor;
9 talvez
experimentar a
Psicoterapia;
9 estudar.
P2
2 anos e 8
meses
9 vida social;
9 ser aceito;
9 facilidade de
conquistar as
coisas;
9 mais disposição
para o trabalho;
9 não ser
reconhecido (só no
começo que dar
susto nas pessoas é
bom...);
9 separação da
esposa;
9 trabalhar sem
depender de
alguém,
9 conseguir fazer
coisas simples:
sentar no chão,
secar o pé, cortar a
unha do pé...
9 deixar de
mendigar carinho e
afeto.
9 viver tudo que eu
deixei de viver.
P3
4 anos
9 na auto-estima;
9 saúde;
9 facilidade para
comprar roupas;
prazer (“... não é
assim que o prazer
da vida fosse
comer, mas ficou
uma coisa faltando,
no começo era
pior... eu já tive
algumas coisas de
depressão...”)
9 culinária;
9 trabalhos
manuais;
9 vivencia uma
grande procura,
está fazendo de
tudo um pouco,
mas falta algo.
(“..., está faltando
alguma coisa, é um
prazer que ficou
faltando.”)
P4
1 ano e 6
meses
9 qualidade de
vida;
9 melhora na autoestima;
9 poder comprar
roupas mais
bonitas;
9 conseguir lavar
o pé;
9 fazer a higiene
íntima;
9 pré-cirúrgico
(“... os dois
primeiros meses
foram cruéis... no
início até comi
escondido, senti
muita dor...”);
alimentação
(“minha única
queixa em relação
a cirurgia é a
alimentação.”)
9 comer;
9 estar integrada a
vida de sociedade,
fazer amizades.
9 variados
interesses:
9 cuidar do filho
(“adotei um filho
[...] ele preenche
tudo na minha
vida)
61
Paciente
TEMPO
DE
OPERADO
P5
2 anos
P6
2 anos e 4
meses
P7
4 anos e 6
meses
P8
2 anos e 4
meses
BENEFÍCIOS C/
CIRURGIA
PREJUÍZOS C/ A
CIRURGIA
INTERESSES
ANTERIORES
INTERESSES
ATUAIS
9 melhora fisica;
9 ficar mais
“bonitinho”
9 saúde;
9 melhora na autoestima;
9 vida sentimental,
relacional deu um
salto;
9 melhora na vida
sexual;
9 mais disposto e
produtividade.
9 saúde;
9 conseguir subir
na balança;
9 diposição;
9 produtividade;
9 não conseguir
comer tanto;
9 variados
9 os interesses se
mantêm.
9 desconforto com
determinados tipos
de alimento;
9 ciúme do
cônjuge;
9 família;
9 livros;
9 natureza;
9 os mesmos
interesses
anteriores só que
ampliados:
Família, livros,
natureza.
9 uma anemia que
eu não tinha;
9 o medo se vão
surgir novas
dificuldades mais
adiante, ninguém
sabe responder;
9 medo de
engordar;
9 como será na
menopausa?
9 casar;
9 continuar
estudando;
9 fazer o
consultório dar
certo;
9 ter uma casa.
9 me acho linda;
9 aceita pela
sociedade;
9 mais seletiva;
9 gosto pelo
estudo;
9 não sou
saudável;
9 problemas
psicológicos;
9 cobrança
porque não come;
9 falta alguma
coisa que você não
sabe o que è;
9 depressão;
9 troca da comida
por compras.
9 Comer;
9 continuar
casada;
9 realização
profissional;
9 terminar de
construir a casa;
9 ganhar mais
dinheiro;
9 continuar
estudando;
9 ser menos
dependente da
família de origem.
9 viver;
9 estudar;
trabalhar;
9 criar meus filhos;
9 fazer novos
amigos;
9 viver tudo que eu
nunca vivi.
62
PROFISSIONAIS
Do material colhido a partir das entrevistas com os profissionais foi feito um recorte
em dois temas: o atendimento no pré-cirúrgico e as principais queixas no pós-cirúrgico.
ATENDIMENTO NO PRÉ-CIRURGICO:
CIRURGIÃO:
NUTRICIONISTA:
PSICÓLOGA:
“A gente procura
antes da cirurgia
conscientizar as
pessoas que
querem ser
operados o quão
é importante
fazer esse
acompanhamento
pós-operatório
[...]
Principalmente o
acompanhamento
com a equipe da
nutrição é
fundamental. A
pessoa tem que
vir no mínimo,
depois de dois
anos de cirurgia,
quatro vezes por
ano ao
consultório da
nutricionista. E
tem que ser
nutricionista que
esteja
acostumado com
acompanhamento
de cirurgia
bariátrica [...]”
“[...] no começo, como
pela redução gástrica
muitas pessoas perdem
peso mesmo, criou se
esse mito de que a
cirurgia ia resolver a
obesidade sem nenhum,
nenhuma contribuição do
paciente e o que a gente
viu que na prática não é
assim. O paciente tem
que contribuir, é papel
dele, ele não é vitima da
obesidade, ele é uma
pessoa que tem uma
doença, que tem um
tratamento e que o
tratamento exige dele um
empenho para ele ter um
resultado [...] Já no
começo eu desmistifico,
meu papel atualmente é
desmistificar. Que é a
hora que o paciente está
mais receptivo, porque
ele encontrou uma saída
[...] É sempre é uma
coisa fácil, eles vêm
buscando essa pílula da
beleza, da felicidade.
Não é bem assim não, é
um instrumento, tem o
seu custo.”
“[...] na maioria das vezes, eles já vêm para
psicologia só para ter a avaliação, porque é
uma condição pré-operatória. Então, assim,
não tem, na verdade, uma demanda interna
para essa busca, buscam porque é
obrigatório e sem isso eles não vão fazer a
cirurgia [...] eu sou um pouco terrorista
porque eu acho que essa fase da avaliação
ela é também um pouco didática, então as
pessoas, muitas vêm com uma expectativa
muita grande – ‘Ah! Então eu vou fazer a
cirurgia, vou ficar magro e vou ficar lindo!’
O que não é real. Então, muita gente vem com
essa expectativa muito grande de que vou
resolver minha vida e o que vai mudar é que
eu vou comer pouco, não é isso. Isso é o que
muda menos, a quantidade de comida, porque
aos poucos, com um determinado tempo, você
aprende, estabiliza uma quantidade e vive
bem com aquilo. O que eu tento estar
mostrando muito para as pessoas é isso que
outras mudanças podem surgir com essa
decisão, com o tirar essa coisa da obesidade
da vida dela [...] muita gente vem ainda com
muitos mitos, muita fantasia, assim a luz no
fim do túnel. Aí a gente tenta ‘baixar a bola’,
’ botar o pé no chão’ para que essa opção
seja de fato, a opção para a vida toda. E tenta
estar sensibilizando da necessidade de um
acompanhamento no pós.”
63
PRINCIPAIS QUEIXAS NO PÓS-CIRÚRGICO:
CIRURGIÃO:
NUTRICIONISTA:
PSICÓLOGA:
Perda de peso
insuficiente – “[...] a
gente orienta que
normalmente o resultado
dessa cirurgia, em longo
prazo, a pessoa perde em
torno de 70% do excesso
de peso. Então, tem
aqueles pacientes que se
queixam de ter perdido
uma quantidade
insuficiente de pesos [...]
esses pacientes eles
podem resolver esse
problema através de uma
mudança de postura com
relação a hábitos
alimentares, práticas de
atividade física, eles
respondem
universalmente quando
seguem essas
orientações, claro que a
gente não pode obrigar
todo mundo a fazer
isso.”
Fome – “[...]é que
quando ele avança um
pouco ou come mais
rápido, extrapola ele
vomita, então tem
paciente que realmente se
queixa de fome [...] o meu
papel diante desse
problema: eu estudei a
melhor maneira de comer,
quanto tempo o paciente
deveria gastar, como
picar carnes, como picar
o alimento, então na
verdade é um trabalho da
formiguinha, incansável.”
Insatisfação com a nova imagem – “[...] imagem que
não é bonita ainda porque é flácida [...], então ‘eu me
olho no espelho eu estou feia’, [...] geralmente dizem
‘quando eu era gorda eu era gordinha socadinha [...]”
Vômito – “nessa cirurgia
é a queixa mais
freqüente.”
Não perder peso suficiente – “[...] continuam gordos,
apesar de não ter um IMC de 40, mas estão numa
obesidade grau 2, e que algumas pessoas perguntam:
Você não vai fazer cirurgia? Você já fez a cirurgia? E
que aí vai no médico e o médico diz: -‘ Não sei o que
está acontecendo. Você está comendo errado’. E, aí
vem toda aquela coisa da culpa do gordo.”
Perda exagerada de peso
“O paciente que perdeu
peso demais, que quer e
tem necessidade de
ganhar algum peso, ou o
paciente que perdeu
muita massa muscular,
esse paciente também
através da orientação
nutricional e atividade
física pode ganhar peso,
ganhar massa
muscular.”
Carências nutricionais –
“As mais comuns são:
falta de proteína e perda
de muita massa
muscular, isso se corrige
suplementando a
alimentação [...] Ou
então, o paciente que tem
anemia, ou deficiência
de ferro, alguns
problemas de déficits de
vitaminas do Complexo
B.”
Dumping – “convivem
bem, tem uns que sentem
e vão levando.”
Ficar abaixo do peso ideal – “[...] fiquei muito magra
e estou feia, eu não queria ter ficado tão magra, isso
gera uma angustia [...] ter que fazer uma dieta
hipercalórica. E você imagina o conflito na cabeça
dessa pessoa que a vida inteira lutou para emagrecer
[...]”
Medo de voltar a engordar – “[...] eu vou fazer essa
dieta hipercalórica e se eu não conseguir frear [...] se
isso descambar de novo, é uma angustia estar magro
para o operado.”
Dificuldade de parar de
beliscar – “eu substituo
essas beliscadas por
coisas protéicas que dão
mais saciedade, mas, às
vezes, o paciente tem
aquela, que é dele, não é
da cirurgia, é dele, aquela
fuga naquele alimento,
naquela coisa, que às
vezes é um biscoito,
então, ele tem dificuldade
de parar.”
Relações interpessoais – “[...] e aí emagreceu, já fez
plástica, está gatinha, e [...] não consigo me
relacionar”, “meu casamento continua horrível”,
casos extra-conjugais que geram muitos problemas e
aí percebe que a obesidade não era o que gerava o
problema desse casamento.”
Cirurgia plástica – “eles
ficam muito angustiado,
em geral o paciente só se
sente satisfeito, a grande
maioria depois da
primeira plástica. Ter um
excesso de pele, às vezes,
atrapalha a parte sexual
[...] Então, muitas vezes,
eu tenho que segurar, às
vezes, ele ainda não está
preparado [...]”
Lidar com as mudanças – “[...] as pessoas apesar de
dizerem que fariam de novo porque ficou curado de
uma outra doença, muitos falam assim: ‘se eu soubesse
que tinha essa coisa emocional eu não sei se eu tinha
feito’, ‘eu não sabia que isso ia doer tanto’, ‘eu não
sabia que o emocional era tanto na minha história’,
‘eu nunca tive contato com ele’ [...] tem uma mudança
intrínseca nesse sujeito, que é um sujeito que aprende
a se descobrir depois de 30 anos, e que é um
descobrimento mais sofrido porque tem toda uma
história de vida por trás disso aí. Têm alguns que
conseguem elaborar e serem felizes.”
“o ciúme” do
companheiro;
Baixa de libido - “é uma queixa que está ficando
freqüente e o esperado é o contrário.”
Alimentação –“ voltando a comer de novo e
desenfreado que “o que é que eu faço? [...] “eu acho
que estou ficando ansioso de novo?”
64
6. DISCUSSÃO
Diante dos dados obtidos e visando compreender as mudanças na dinâmica subjetiva dos
indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica a discussão dos referidos dados se dará dentro de
três eixos:
1. A eleição do “alimento” como objeto privilegiado: a obesidade e suas implicações
nas relações familiares e sociais.
2. A opção pela cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais.
3. A dificuldade em fazer a troca de objeto após a cirurgia: implicações do corte no
corpo e no psiquismo.
Antes, porém, é importante relembrar que os dados serão analisados a partir dos
conhecimentos da psicanálise.
Apresentamos no referencial teórico duas linhas de conhecimento que concebem
diferentemente as questões que se inserem na problemática da obesidade. Para a psicologia
cognitivista haveria um indivíduo em desequilíbrio, mas, por ser portador de uma capacidade
interna adaptativa, conta com programações específicas e internas para adaptar-se ao meio e
as suas variações. Nesse sentido, como vimos, o indivíduo ao comer em excesso poderia estar
se automedicando, buscando um equilíbrio cerebral, para conseqüentemente alcançar um
equilíbrio emocional.
Conforme destacamos, essa visão exclui de suas sistematizações a temática da
subjetividade. Nesse sentido, acreditamos que tal visão reduz muito todas as questões que
envolvem o sujeito com essa problemática.
Sob uma ótica psicanalista, questiona-se, portanto, acerca do que gerou esse tipo de
funcionamento subjetivo. Ou seja, o que levou o sujeito a essa estratégia de buscar o alimento
como se fosse uma adicção. Legnani ( 2003) destaca que o corpo em psicanálise é sempre
65
atravessado pela linguagem, pelo simbólico e que, dessa forma, pode - se inferir
que as
sinapses também são atravessadas pela cultura, pelas castrações simbólicas. Rompe-se,
portanto, com a noção de causalidade sem que haja a exclusão do biológico, este é pensado
como uma esfera que também faz parte do humano. Poderíamos afirmar, então, que o ato de
comer em excesso não seria apenas uma questão adaptativa do cérebro, mas estaria marcado,
também, por questões subjetivas e vice e versa.
1 – A eleição do “alimento” como objeto privilegiado: a obesidade e suas implicações nas
relações familiares e sociais.
Todos os participantes foram unânimes em dizer que desde a infância foram crianças
acima do peso. É interessante observar as expressões utilizadas pelos pacientes para ilustrar
tal situação: “sempre fui uma criança fofinha”, “gordinha”, “bebê maisena”, “redondinha”.
Expressões que parecem denotar uma marca do discurso dos outros próximos. Ou seja, os
sujeitos foram cunhados nesse lugar dentro da dinâmica da família e a partir daí começaram a
se reconhecer nesta imagem, neste “espelho”.
Outro aspecto relevante quanto ao início da obesidade na infância remete ao fato, já
alertado por Recalcati (2002), em que a obesidade indica uma posição de passividade do
sujeito que se encontra sem condições de promover qualquer forma de desmame da oferta
ilimitada e asfixiante do Outro. Trata-se de uma postura em que não é possível recusar. Existe
principalmente uma impossibilidade de recusar “o objeto alimento”, como foi visto na teoria,
seria o dever de dizer sempre sim. O que fica claro no fala de um paciente pós-cirúrgico,
trazida pela psicóloga:
66
“[...] as pessoas estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou
tão passivo, porque hoje eu não falo só sim.”
A relação dos pacientes com o objeto alimento, a forma como lidavam com ele antes e
até depois da cirurgia, denuncia algo mais que uma fome constante e intensa, fala-se de uma
relação privilegiada com esse objeto, que ora é de fuga:
“na comida de certa forma eu desconto, eu como, tem gente que
se droga, tem gente que faz outra coisa, eu como.” (P1); “A
comida era um escape [...]” (P 3).
O alimento assume o lugar de um objeto imprescindível, de um interesse
incontrolável, uma espécie de vício e o indivíduo se vê impossibilitado de promover o
“desmame”. Impulsionado também pelo discurso contemporâneo que se sustenta no fato de
tentar suprir sempre todas as faltas, como pode se observar na fala dos pacientes:
“[...] é difícil você administrar isso [...] antes era assim, eu era
comedor de volume, a comida pra mim sempre foi uma coisa meio
inconsciente, eu nem via, quando já via, já tinha comido [...]” (P1).
“[...] quando você viu você já comeu, você não consegue se controlar é
como um cigarro, é como álcool, a comida também é um vicio, as
pessoas não encaram assim, mas é um vicio [...]
perceber [...]” (P3).
eu comia sem
67
A relação com o objeto alimento se caracteriza também na fala dos pacientes como
uma relação prazerosa, uma referência na vida.
“A comida era uma fonte de prazer eu percebi isso quando eu operei
[...] Até hoje eu tô assim sem outra fonte, procurando uma outra fonte
de prazer [...]” (P3).
“[...] me agradava, me trazia prazer, aquela sensação, então quando
comia, comia bem, comia bastante mesmo.” (P6).
Essa relação parece indicar que o objeto real compensa o que o indivíduo não teve
como acessar no nível simbólico. Ou seja, trata-se de uma posição subjetiva, na qual o sujeito
ao receber as castrações simbólicas, não conseguiu redimensionar sua frustração e por isso se
atém fixamente a um único objeto de prazer.
Muitos dos participantes significaram a obesidade como restrição, outros como doença
geradora de doenças, outros como algo fora deles, virtual, mas que mata. Podemos inferir que
o indivíduo obeso experimenta uma sensação de sufocamento pelo peso do próprio corpo,
como expressa esse paciente:
“[...] a obesidade é a cruz que você carrega [...] coisa dificílima de
lidar, complicadíssima de lidar [...] ela virou uma parte de mim, parte
da imagem corporal, parte da minha preocupação diária é uma coisa
que faz parte de mim e que é ao mesmo tempo uma parte de mim que
fosse como um tumor, faz parte de você, mas está te matando aos
poucos [...] mas, ainda é uma coisa pulsante em mim [...]” (P1).
68
E esse estado gera uma angústia, que não da falta do objeto, mas, pelo contrário, é
devido ao excesso de objeto. Seria a angústia do “demasiado cheio”. Descreve a paciente,
“É tão difícil de falar isso, porque é tão ruim, tão ruim, eu sentia tudo,
sabe não tinha prazer, aquele prazer de sair, de viver, ela (obesidade)
me deixou muito deprimida, muito angustiada porque também ela
atingiu a minha saúde [...] eu tinha medo de morrer dormindo, podia
ter um AVC, podia ter um enfarto, meu marido não dormia com medo
que eu morresse dormindo.” (P4).
Quanto à reação dos familiares e amigos ao longo do processo de ganho de peso e a
vida em sociedade, os pacientes participantes desse estudo, de uma forma geral, fazem alusão
à angústia gerada no outro pelo seu corpo, que se manifestava ora sob a forma de um controle
externo:
“Eu falo assim que a minha obesidade incomodava muito mais as
pessoas do que a mim, tipo assim: Nossa! Você não tem vontade de
emagrecer; Ah! Eu conheço não sei quem, não sei aonde que faz dieta
tal [...]” (P7).
Ora sob a forma de avacalhações, que irritavam, machucavam,
“[...] ficavam com umas brincadeiras bobinhas que chateiam [...] até
mesmo o marido de vez em quando jogava uma piadinha, por mais que
fosse de brincadeira machucava [...]” (P4).
69
Outros se mostravam acolhedores, até pela convivência, pelo parentesco:
“Os familiares e os amigos eles convivem com você sempre, toda
aquela situação se torna uma situação natural, não vê com a gravidade
que a coisa realmente é, ou pelo menos não transparecem isso, né. Só
que a coisa toma proporções que é grave [...]” (P6).
Dentre o pacientes, apenas um não fez referência à mãe ao trazer o histórico da
convivência com a obesidade. A mãe foi apontada algumas vezes como aquela que se sente
responsável pela obesidade do filho, que quer ajudar, que deseja mais do que o filho a seu
emagrecimento. Uma mãe que se coloca como co-dependente da problemática e parece ver
nesse filho um objeto que gera angústia. Como relata um paciente:
“[...] a minha mãe acabou criando uma paranóia por causa disso
(minha obesidade), ela perseguia [...] levava num médico, levava num
outro, ficava louca. É como se ela tivesse um sentimento de culpa [...].
Ela não tem sobrepeso porque ela se cuida muito, ela tem uma
tendência enorme, mas ela se cuida demais hoje, ela é muito
controlada, ela não se conforma. Bom, ela acha que infelizmente a
gente teve esse problema [...]” (P1).
O sentimento de exclusão também comparece de forma contundente diante dos
padrões rígidos de beleza que assolam o nosso contexto:
70
“A sociedade cobra muito, a beleza de certa forma pesa mais do que
qualquer outro aspecto. Hoje (depois da cirurgia) as pessoas só
elogiam, às vezes, passam perto e não me reconhece.” (P4).
“[...] ainda mais na sociedade atual em que o padrão de beleza é muito
rígido e qualquer coisa que fuja disso é muito mal visto. Então hoje em
dia a pessoa ser gordo é estar totalmente fora do contexto, se as
pessoas sofrem porque tem um nariz um pouco grande, tem a orelha um
pouco deslocada, porque tem uma bolsinha de gordura debaixo do
olho, imagina a pessoa que sofre de obesidade mórbida.” (P6).
Outra questão que perpassa a relação sujeito obeso e a sociedade é o preconceito no
que tange às diferenças:
“O gordo é sempre o engraçado, é o que tem o rosto ‘tão bonito’, é o
preguiçoso, é o que não emagrece porque não quer, não tem força de
vontade. Isso é muito triste!” (P3).
“[...] o pior preconceito não é o racial é com o gordo, porque você não
tem cadeira para sentar, você não tem um cinema, um avião, as
pessoas na rua não falam olha o preto na fila, não, é o gordo na fila,
olha aquele gordo, olha que ridículo. Aí você se fecha numa mentira
achando que está tudo bem.” (P8).
71
2 – A opção pela cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais
Os pacientes participantes desse estudo diferiram do que foi encontrado na literatura.
Geralmente a cirurgia é encarada como “a solução”, “a luz no fim do túnel”, marcada com
uma esperança meio mágica. No grupo de pacientes entrevistados observou-se uma espécie de
esperança no tratamento, mas nada fantasioso, a maioria estava bem informada quanto aos
procedimentos e as condições pré e pós-cirúrgicas. Mesmo assim nada se compara, eles
reconhecem, com a experiência pessoal de mal estar que enfrentam no pós-cirúrgico. Apenas
duas pacientes, que passaram por uma técnica de vídeo-cirurgia, se queixaram de não terem
sido suficientemente informadas e preparadas para enfrentar o pós-cirúrgico. Uma delas relata
ter entrado num quadro depressivo devido a tantas mudanças de uma só vez, e mudanças que
geravam sofrimento.
‘[...] é muito bonito o que eles colocam no papel quanto ao programa
da cirurgia, do preparo psicológico do controle pós-operatório até três
anos da cirurgia, no papel. Mas aquilo não foi cumprido, pelo menos
no meu caso, conheço pessoas em situação pior que a minha, que não
tinham o mínimo de condições psicológicas e depois fazem
barbaridades [...] mas, no pós-operatório fiz um quadro depressivo
porque não sabia que eu ia passar 5 dias sem ingerir nada, nenhuma
gota de água.” (P3).
O pensamento de que a cirurgia é a “tábua de salvação” predispõem os pacientes,
segundo os profissionais entrevistados, a assumirem uma postura de passividade diante do
72
tratamento cirúrgico. Um dos pacientes reconheceu que não perdeu mais peso porque não se
predispôs a isso, não mudou hábitos, não assumiu o tratamento ainda:
“[...] talvez as pessoas me olhem hoje e ainda estou obeso, não me
viram antes, eu cheguei a um IMC 64 Kg/m2 perdi 80kg, atualmente
tenho 105Kg tenho 1,61m. Tirei 80 Kg das costas, do corpo e ainda
não está ideal tenho que emagrecer mais. Mas eu posso falar que esses
os 80 Kg que perdi foi a cirurgia que me ajudou a perder, eu não fiz
por onde perder. Se eu tivesse feito mais já teria perdido mais.” (P1).
Como pôde ser observado nas duas tabelas que mostram as doenças apresentadas
pelos participantes, antes e depois da cirurgia, eles se encontravam com a saúde bastante
comprometida, sem perspectivas de sobrevida e com várias tentativas de emagrecimento
frustradas. Nesse contexto, para alguns a opção pela cirurgia apareceu como única saída, em
um momento de vida extremamente crítico:
“A cirurgia significou pra mim um caminho assim, sem opção: Ou você
faz ou você morre, não tem opção.” (P1).
“Eu não tinha mais vida, os meus filhos não tinham mais vida e eu
tomei a decisão mesmo, quando não consegui lavar a minha bunda
tomando banho.” (P8).
“[...] chegou um ponto que eu comecei a perceber assim que era uma
coisa de saúde, eu precisava emagrecer, era jovem e tava com aquela
73
obesidade, tinha dois filhos pequenos. Eu não estava conseguido
emagrecer com dieta [...]” (P3).
Para outros a cirurgia surgiu como uma alternativa a mais, diante de tantas outras, já
experimentadas, que não produziram efeitos duradouros:
“(a opção pela cirurgia) surgiu depois de tentar várias coisas antes,
dieta com remédio, dieta sem remédio, acho que eu tomei 80% dos
remédios que existem aí.” (P5).
Nos atendimentos pré-cirúrgicos, os profissionais entrevistados foram unânimes
em dizer que o foco principal é desmistificar as expectativas irrealistas dos pacientes em
relação à cirurgia:
“Já no começo eu desmistifico, meu papel atualmente é desmistificar.
Que é a hora que o paciente está mais receptivo, porque ele encontrou
uma saída [...] E sempre é uma coisa fácil, eles vêm buscando essa
pílula da beleza, da felicidade. Não é bem assim não, é um instrumento,
tem o seu custo.” (Nutricionista).
“A gente procura, antes da cirurgia, conscientizar as pessoas que
querem ser operados o quão é importante fazer esse acompanhamento
pós-operatório [...].” (Cirurgião).
74
“[...] muita gente vem com essa expectativa muito grande de que vou
resolver minha vida e o que vai mudar é que eu vou comer pouco, não é
isso [...] muita gente vem ainda com muitos mitos, muita fantasia, assim
a luz no fim do túnel. Aí a gente tenta ‘baixar a bola’, ’ botar o pé no
chão’ para que essa opção seja de fato, a opção para a vida toda. E
tenta estar sensibilizando da necessidade de um acompanhamento no
pós.” (Psicóloga).
Os pacientes entrevistados que tinham um tempo de operado que variava de um ano e
seis meses à quatro anos e seis meses de cirurgia foram unânimes em dizer que a cirurgia
representou sobrevida, saúde, uma escolha acertada, um marco na vida. Eles ressaltaram
muitos benefícios com a cirurgia, como está apresentado no item 8 dos resultados.
Para alguns pacientes os problemas decorrentes da cirurgia são mínimos diante de
todos os problemas de saúde que tinham antes, que vinham convivendo a anos, e relatam que
aprendem a lidar bem com isso, são disciplinados. Para outros, talvez até devido à falta de
informações relativas à cirurgia e ao pós-cirúrgico se vêem surpreendidos por uma
desagradável novidade.
“[...] desnutrição, a queda de cabelo, o que é mínimo, ínfimo perto da
positividade que a cirurgia trouxe.” (P1).
“[...] uma anemia que eu não tinha; o medo se vão surgir novas
dificuldades mais adiante, ninguém sabe responder.” (P7).
“[...] não sou saudável; tenho problemas psicológicos.” (P8).
75
Outro ponto mencionado entre as perdas depois da cirurgia é em relação à
alimentação, por mais que já tivessem ouvido sobre as mudanças relativas a alimentação por
parte dos profissionais, dos colegas operados, foi e está sendo para esses pacientes algo difícil
de lidar, ainda mais que, quase todos relataram que comer era um dos seus interesses, quando
não o único antes da cirurgia. Ou seja, não foi possível identificar, a partir das respostas dos
entrevistados, se o fato de a cirurgia ter se constituído como a única possibilidade diante de
morte proporcionou-lhes uma postura menos nostálgica em relação ao “objeto - alimento”.
“Perdi o prazer [...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas
ficou uma coisa faltando, no começo era pior [...]” (P3); “minha única
queixa em relação a cirurgia é a alimentação.” (P4); “não conseguir
comer tanto.” (P5); “sinto desconforto com determinados tipos de
alimento.” (P6).
3- A dificuldade em fazer a troca após a cirurgia: implicações do corte no corpo e no
psiquismo.
Retomando o conceito de castração de Dolto, que pressupõe uma proibição que se
opõe a uma satisfação antes conhecida, mas que teve que ser ultrapassada, deslocada,
podemos supor que a cirurgia de redução do estômago não funciona como uma castração
simbólica, mas sim uma que é feita no real do corpo do paciente. Mesmo assim, verificamos
junto aos entrevistados, que este corte pode encaminhar o sujeito para um processo de
sublimação, de troca de objeto, mas esse não será um caminho fácil, será tortuoso e dependerá
de uma escuta clínica para que essa possibilidade ocorra.
76
Como foi visto, na obesidade existe “a falta da falta”, há um corpo sem fala, “devido
ao demasiado cheio de gozo que o marca”. A cirurgia além de todos os benefícios
proporcionados ao sujeito, ocasiona ao mesmo “freqüentar” uma nova posição, na qual algo
falta. Esta posição pode vir a desembocar numa posição desejante que possibilite ao sujeito
transitar entre vários objetos e abandonar o objeto privilegiado que era o alimento em
excesso:
“[...] hoje eu como, mas não é a mesma coisa, hoje eu tenho outros
interesses [...]” (P2).
“[...] não vejo o não poder comer como perda simplesmente é até
qualidade de vida.” (P5).
Ou simplesmente eleger um novo e único objeto absoluto, ou ainda, permanecer
veladamente com o mesmo:
“Tem outras coisas que são mais graves você troca a compulsão da
comida, você tem que trocar por alguma outra coisa, eu troquei por
compras, tive um problema seriíssimo que agora que eu estou
conseguindo me recuperar de tantas dividas que eu fiz.” (P8).
“[...] hoje, tenho um defeito maior [...] vômito [...] acabei
desenvolvendo um mecanismo de alívio, e esse alivio acaba virando
meio prazeroso no encher e no esvaziar. Em determinadas épocas que
eu tô com isso mais acentuado e sei que está relacionado à ansiedade...
77
Até hoje nos momentos de ansiedade recorro à alimentação, não
ganhei outro hábito [...]” (P1).
“[...] adotei um filho [...] ele preenche tudo na minha vida, [...], eu
estou sempre com ele, tudo que eu vejo é pra ele, é uma criatura que
veio para encher a minha vida de felicidade de alegria, de prazer, de
tudo”. (P4).
Em outras palavras: a castração como descrita por Dolto é um processo de mudança
em um ser humano, quando outro ser humano lhe significa que a realização de seu desejo, sob
a forma que gostaria de lhe conceder, é proibida por uma Lei que irá lhe possibilitar uma vida
humana cheia de “altos e baixos”, mas uma vida em que se têm escolhas.
Ao nos referirmos à cirurgia de redução de estômago como uma castração, a
comparamos com a mais radical de todas elas que o ser humano terá que vivenciar: a
castração umbilical, na qual, ocorre também um corte no real do corpo, que corresponde a
retirada da criança da passividade da vida intra-uterina, a separação do corpo da mãe, a saída
de um estado vital, único e conhecido, no qual se tem certezas.
Mesmo assim, o que torna a castração umbilical simbolígena é a linguagem, a qual
deverá marcar repetidamente a audição do bebê e lhe mostrará o efeito que o seu ser causa no
campo desejante dos pais. Ou seja, é a linguagem que simboliza também essa castração e
impulsiona o bebê na potência de seu desejo.
A suposta castração realizada na “redução do estômago”, a partir do corte no real do
corpo torna imediatamente “impossível”, ao custo da própria vida, a satisfação do desejo do
consumo excessivo de alimento. O que coloca o sujeito operado numa situação que “exige” o
abandono daquela forma de satisfação até ali conhecida, possibilitando-lhe que ele possa
78
passar a um tipo de gozo mais elaborado, com outros e variados objetos da cultura. Mas,
como nas outras castrações essa interdição só será positiva se for simbolizada. Ou seja,
quando for possibilitado ao sujeito significar sua experiência, o que sente, o que se passa com
ele:
“A cirurgia correspondeu todas as minhas expectativas, muito além do
que eu imaginava, eu achei que eu ia perder 30kg, 40kg, eu achei que
eu ia ser menos gorda, e não uma completa magra. Eu nunca imaginei
na minha vida que eu fosse ter um IMC quase abaixo do normal. É
realmente uma coisa milagrosa, porém, tem que ser uma coisa bastante
consciente. O principal depois da cirurgia não são só as vitaminas para
manter a sua saúde, é o psicólogo, e aí você larga o psicólogo porque é
caro, porque tem que pagar, porque é bobagem, porque agora eu estou
magra, estou feliz, não tem mais problema, mas, se você não tem o
psicólogo você vai ficar louco.” (P8).
Pela fala desses pacientes é como se com o passar do tempo, ao se perceber
impossibilitado de ter o objeto-alimento, o sujeito fosse sendo remetido ao vazio do objeto
primeiro que ele não consegue fazer ser o objeto primordial perdido:
“[...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas ficou uma
coisa faltando, no começo era pior... eu já tive algumas coisas de
depressão [...] depois da cirurgia eu perdi aquele prazer, eu não tinha
mais vontade de ir ao supermercado porque eu não sabia o que eu ia
comprar. Eu perdi assim [...] não tenho vontade de comer nada, não sei
o que escolher. Perdi aquela vontade [...] Parece assim, que eu
79
desliguei um botão na cabeça, aquela coisa que eu tinha com a comida,
de vontade de comer, depois que eu fiz a cirurgia parece que eu
desliguei aquilo, eu como [...] mas, não tenho mais prazer [...]” (P3).
“falta alguma coisa que você não sabe o que è.” (P8).
Numa visão psicanalítica não se trata só de informar, mas dar palavras, ajudar a
nomear as sensações do antes, do vazio, de agora, respeitar e valorizar o desejo. Esse sujeito
terá que fazer um luto. Há uma melhora da saúde, da auto-estima, da vida social, da qualidade
de vida, mas não se pode negar que houve também uma perda que precisa ser significada.
Foi possível perceber, talvez até devido à diferença do tempo de operado de uns
pacientes para outros, que alguns estão num processo de busca de significação, simbolização
dessa vivência, dessa castração. Como os casos dos que estão em psicoterapia individual ou
em grupo.
Têm alguns que buscam simbolizar esse acontecimento colocando-se como agentes de
informação em reuniões de preparação para cirurgia bariátrica, reuniões de discussão de temas
que envolvem pessoas operadas, falando incansavelmente a outros de suas experiências, das
suas dificuldade e conflitos após a cirurgia.
A psicóloga entrevistada ilustra o aspecto do processo de elaboração desse luto, que se
apresenta por um posicionamento diferente na vida:
“Tem muita gente que você fala eu não acredito que você está falando
isso. Hoje conseguem sentar e falar das suas angustias, falarem dos
seus problemas falarem do que incomoda e resolver o seu problema.
Antes não sentiam segurança ou firmeza para estar fazendo isso. Assim,
80
tem coisas fantásticas, que surgem: ‘quando eu fiz a opção para
cirurgia eu sabia que eu podia passar por tudo isso e as pessoas
estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou tão passivo,
porque hoje eu não falo só sim.’” (Psicóloga).
São inegáveis os benefícios da cirurgia, como a melhora na saúde e na perspectiva de
vida. Mas ainda assim existem algumas queixas importantes apontadas pelos pacientes e pelos
profissionais da equipe de cirurgia bariátrica: vômito, desconforto com determinados tipos de
alimentos, questão da quantidade de comida, voltar a comer muito, beliscar, a fome, dumping,
déficits nutricionais, medo de voltar a engordar, perda de peso insuficiente ou exagerada,
troca da comida por outros hábitos, questões psicológicas, problemas nas relações
interpessoais, ciúmes, separação conjugal, não vir acompanhada da mudança de hábitos, falta
de um prazer, um vazio, depressão, mudanças bruscas no contorno do corpo, no peso, a
urgência das plásticas, o não ser reconhecido, baixa da libido.
Tais queixas, tão diversas, vêm direcionadas a uma equipe interdisciplinar, e não a um
único profissional. Esse aspecto da interdisciplinaridade necessita ser reconhecido e
administrado tanto no sentido de que a equipe conheça determinadas áreas do conhecimento,
para assim, orientar e encaminhar os pacientes. Como também na compreensão de que é
pretensioso e ineficaz recorrer a apenas uma disciplina quando se trata de lidar com o ser
humano.
As queixas apresentadas pelos pacientes parecem indicar que eles estão em processos
diferentes ou em momentos diferentes de um mesmo processo, pois algumas sugerem um
progredir na elaboração do luto ocasionado pela cirurgia, outras a descoberta de que a
obesidade não era o problema, mas apenas parte dele, conseqüência dele, ou mesmo uma
defesa contra determinado conflito e tem aquelas queixas que denunciam uma acomodação.
81
Na verdade, não se trata de uma situação fácil de ser enfrentada, ela vem carregada de
muitas mudanças, boas e ruins, o que não significa como discutimos anteriormente, que seja
impossível uma elaboração de outra forma. Nesse sentido, ressaltamos mais uma vez a
importância de um trabalho interdisciplinar não só no pré-cirúrgico, mas igualmente no póscirúrgico.
82
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada pessoa tem uma história, que se iniciou, não se sabe quando no desejo de
outros... E, desde esse “não se sabe quando” começou a se constituir como sujeito. É
importante ressaltar que não se está falando aqui de um sujeito passivo, mas de um sujeito que
na medida das possibilidades encontra várias estratégias para o seu “ser”.
Nesse sentido, é que se pode compreender que determinadas formas de se estar no
mundo, de se estabelecer relações, de se eleger os objetos, ou privilegiar um objeto, não diz só
de um hoje, mas de uma história, na qual a doença, o sintoma adveio como defesa, como
refúgio, como melhor estratégia possível. Dessa forma, focar o sintoma, ou até paralisá-lo não
significa “curá-lo”, como nos casos de obesidade mórbida.
É importante ressaltar, que nesse estudo, não se está negando a presença das questões
orgânicas. A visão que se têm é de que o psíquico e o orgânico não são campos separados,
sendo assim, as mudanças produzidas em qualquer um deles produz mudanças em ambos.
Por isso, ao comparar a cirurgia bariátrica a uma castração e a alimentação excessiva a
uma espécie de adicção, insistimos que ela seja significada, simbolizada. Para não se correr o
risco de que o sintoma encontre outra forma de vir à tona, outra adicção.
Na cirurgia bariátrica, o sujeito ao perder o objeto de satisfação privilegiado, que era a
alimentação excessiva, e ao ficar numa posição de falta, têm uma nova possibilidade de dirigir
a energia que era investida nesse objeto para outros meios, outros encontros. Mas essa
capacidade de novos investimentos pode tomar uma forma tanto construtiva como destrutiva.
Nesse sentido, que salientamos a importância do acompanhamento psicológico após a
cirurgia.
O profissional da psicologia, como integrante da equipe interdisciplinar estará
auxiliando os sujeitos que passaram pela cirurgia, num processo de simbolização, ou seja, de
83
re-significação, de re-qualificação do que sentem, de suas angústias, de seus desejos, enfim,
de sua forma de estar no mundo e de viver.
O trabalho interdisciplinar, como o realizado pela equipe entrevistada se mostra útil no
sentido de conscientizar o paciente de que o tratamento será para o resto da sua vida, bem
como pra retirar o caráter mágico da cirurgia.
Acreditamos que o papel do psicólogo, na equipe interdisciplinar, além do processo de
avaliação para cirurgia seria o de gerar demanda, respaldado pela equipe, para um
acompanhamento psicológico no pós-cirúrgico. O que poderia acontecer durante os
atendimentos no pré-cirúrgico, como também nas reuniões informativas sobre a cirurgia,
realizadas periodicamente pelas equipes de Cirurgia Bariátrica.
Por ser a obesidade uma doença que está tomando caráter epidêmico não só em países
industrializadas, mas especialmente neles e com alta prevalência de seu surgimento na
infância, e devido a grande procura das cirurgias bariátricas acredita-se que sejam relevantes
maiores discussões interdisciplinares em torno desse assunto, por meio, de fóruns, simpósios,
etc., em que a problemática da obesidade possa ser tratada, tendo em vista o resgate da
subjetividade. Considerando também a necessidade de discussões em torno desse novo
procedimento, que é a cirurgia bariátrica, que pode vir a trazer, sem dúvidas, muitos
benefícios para a qualidade de vida do paciente.
84
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88
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido pacientes
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa na área de
Psicologia intitulada “Cirurgia Bariátrica – como a psique significa esse corte no corpo?”.
Este estudo está sendo conduzido pela graduanda em psicologia da Universidade Católica de
Brasília Adriana Aparecida de Andrade e Silva, orientada pela Profa. Dra. Viviane Legnani.
Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender as mudanças na dinâmica
subjetiva dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica.
Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua experiência profissional
junto a pacientes obesos mórbidos em processo de preparação e pós-cirurgia bariátrica, por
meio de uma entrevista. Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada
e o que disser será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária
e se o senhor (a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos
em sigilo.
Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará
também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos
impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica,
garantindo a sua privacidade em todo o processo.
Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi
este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006.
_____________________________________
Assinatura do(a) participante
_____________________________________
Adriana Ap. de Andrade e Silva
Graduanda em Psicologia ([email protected])
89
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido – profissionais
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa na área de
Psicologia intitulada “Cirurgia Bariátrica – como a psique significa esse corte no corpo?”.
Este estudo está sendo conduzido pela graduanda em psicologia da Universidade Católica de
Brasília Adriana Aparecida de Andrade e Silva, orientada pela Profa. Dra. Viviane Legnani.
Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender as mudanças na dinâmica
subjetiva dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica.
Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua convivência com a
obesidade, sua experiência referente ao processo de preparação e sobre sua situação após a
cirurgia bariátrica, por meio de uma entrevista.
Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada e o que disser
será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária e se o senhor
(a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos em sigilo.
Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará
também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos
impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica,
garantindo a sua privacidade em todo o processo.
Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi
este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006.
__________________________________________
Assinatura do(a) participante
__________________________________________
Adriana Ap. de Andrade e Silva
Graduanda em Psicologia ([email protected])
90
APÊNDICE C – Ficha de dados pessoais
DADOS PESSOAIS
Entrevistado:____
Idade: ______
Tempo de Cirurgia:___________
Estado Civil:________________________
Escolaridade:___________________________________
Profissão:______________________________________
Problemas de saúde:
Antes:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Depois:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Interesses:
Anteriores:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Atuais:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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APÊNDICE D - Roteiro para entrevista com pacientes submetidos à cirurgia bariátrica
9 Processo de ganho de peso;
9 Significado da obesidade;
9 Reação dos familiares e amigos ao longo do processo de ganho de peso;
9 A sociedade x obesidade e obeso;
9 Relação com a comida;
9 Cirurgia Bariátrica;
9 Situação atual (ganhos e perdas)
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APÊNDICE E - Roteiro para entrevista com os profissionais que atendem obesos
mórbidos para cirurgia bariátrica
9 Percepção da relação do obeso mórbido com a obesidade;
9 Percepção da relação do obeso mórbido com a comida;
9 Principais queixas do paciente nas consultas do pré-cirúrgico;
9 Principais queixas do paciente no pós-cirúrgico;
9 Dificuldades encontradas pela equipe no acompanhamento desses pacientes.
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