UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PRG CURSO DE PSICOLOGIA / HABILITAÇÃO PSICÓLOGO TRABALHO DE FINAL DE CURSO CIRURGIA BARIÁTRICA – COMO O PSIQUISMO SIGNIFICA ESSE CORTE NO CORPO? Adriana Aparecida de Andrade e Silva Trabalho apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Psicólogo. Orientadora: Profa. Dra. Viviane Neves Legnani Banca Examinadora: Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira Brasília, 2006 1 RESUMO CIRURGIA BARIÁTRICA – COMO O PSIQUISMO SIGNIFICA ESSE CORTE NO CORPO? Aluna: Adriana Aparecida de Andrade e Silva. Orientadora: Profa. Dra.Viviane Neves Legnani. A obesidade é uma doença multifatorial que atualmente vem assumindo proporções epidêmicas e acarretando grandes conseqüências para qualidade de vida das pessoas. Muitos obesos mórbidos optam por um procedimento radical: a redução de estômago. Este trabalho objetivou compreender como os indivíduos submetidos a essa cirurgia significam e elaboram as mudanças geradas pelo procedimento cirúrgico. Para tal, foram realizadas entrevistas semiestruturas com oito pacientes submetidos à cirurgia, com tempo de operados que variou de um ano e seis meses a quatro anos e seis meses. Também foram entrevistados três profissionais que trabalham com esse segmento: um cirurgião, uma nutricionista e uma psicóloga. A análise dos dados se deu a partir dos conhecimentos da psicanálise, numa abordagem qualitativa. A discussão dos dados foi feita em torno de três eixos: 1) A eleição do “alimento” como objeto privilegiado: obesidade e suas implicações nas relações familiares e sociais; 2) A opção pela cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais; 3) A dificuldade em fazer a troca de objeto de investimento após a cirurgia: implicações do corte no corpo e no psiquismo. Os resultados corroboram a visão de que o psíquico e o orgânico não são campos separados, assim, a mudança produzida, em qualquer um deles, causa mudanças em ambos. Observou-se que a cirurgia traz muitos benefícios relacionados à saúde e à qualidade de vida dos pacientes, mas, ao ocasionar a perda do objeto privilegiado, esse acontecimento, necessita de ser simbolizado. Destacou-se, nas considerações finais, a importância do profissional de psicologia, nas equipes interdisciplinares voltadas para esses pacientes. Palavras-chave: Obesidade mórbida. Cirurgia bariátrica. Psicanálise. 2 Parecer do professor orientador O trabalho de conclusão de curso, apresentado por Adriana Aparecida de Andrade e Silva, ao Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília como um dos requisitos necessários à obtenção do título de Psicólogo, traz para o campo de investigação da Psicologia questões críticas e reflexivas relativas à dicotomia mente-corpo, uma vez que se propõe a analisar as implicações subjetivas decorrentes de uma Cirurgia Bariátrica para os portadores de obesidade mórbida. Inicialmente, a autora tece considerações sobre o que é ser portador dessa problemática no contexto contemporâneo, o qual se ancora de forma rígida ao ideal de beleza e boa forma, demonstrando o “lugar mágico” que a tal cirurgia pode vir a ocupar para esses sujeitos caso seja tomada como uma solução rápida e eficaz para se adequar a esses padrões. O foco central da pesquisa incide, no entanto, sobre as questões subjetivas que envolvem o posicionamento subjetivo dos pacientes após a cirurgia. Tendo como referência as sistematizações da psicanálise, a autora destaca a relação compulsiva que o sujeito obeso pode ter com o objeto alimento, muitas vezes semelhante a outros comportamentos de adicção. Assim, questiona como essa relação terá chances de ser redimensionada, com um corte que incide no corpo, sem que haja uma intervenção psicológica que possibilite ao sujeito fazer outros investimentos objetais. A sistematização da autora perpassa as áreas da Psicologia da Saúde e da Psicologia Clínica, destacando, no final, tanto a importância de um trabalho interdisciplinar junto a esses pacientes, quanto a especificidade da intervenção psicológica nessas equipes no pré cirúrgico e após a cirurgia. Contribui, dessa forma, ao demonstrar a importância de se ultrapassar um modelo de intervenção calcado em ações individuais e desarticulado das atuações dos outros profissionais, modelo que ainda é recorrente na formação dos profissionais da área da saúde e que dificulta uma assistência global aos pacientes. Professora Doutora Viviane Neves Legnani. Curso de Psicologia - Universidade Católica de Brasília. Março, 2007. 3 SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................................ 01 1. APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 05 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 07 2.1. Obesidade .......................................................................................................... 07 2.2. Cirurgia Bariátrica ............................................................................................. 12 2.3. Questões psicológicas subjacentes a problemática da obesidade ..................... 17 2.3.1. Psicopatologias e comportamento alimentar em uma perspectiva cognitivista ...................................................................................................... 18 2.3.2. A importância do acompanhamento psicológico......................................... 23 2.4. A constituição do sujeito e de seus sintomas em uma visão psicanalítica ........ 27 2.4.1. A subjetividade a partir do outro.................................................................. 28 2.4.2. A imagem do corpo...................................................................................... 37 2.5. Psicanálise e obesidade...................................................................................... 40 3. METODOLOGIA........................................................................................................ 46 3.1. A Escolha Metodológica.................................................................................... 46 3.2. Objetivos............................................................................................................ 47 3.2.1. Objetivo geral .............................................................................................. 47 3.2.2. Objetivos específicos.................................................................................... 47 3.3. Participantes....................................................................................................... 47 3.4. Instrumentos....................................................................................................... 48 3.5. Procedimentos para coleta de dados.................................................................. 48 3.6. Procedimentos para análise dos dados............................................................... 49 4. RESULTADOS............................................................................................................. 51 4 5. DISCUSSÃO................................................................................................................. 64 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 82 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 84 APÊNDICES....................................................................................................................... 88 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Pacientes................... 88 APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Profissionais.............. 89 APÊNDICE C – Ficha de dados pessoais..................................................................... 90 APÊNDICE D – Roteiro para Entrevista com pacientes submetidos à cirurgia bariátrica 91 APÊNDICE E – Roteiro para entrevista com os profissionais que atendem obesos mórbidos para cirurgia bariátrica................................................................................... 92 5 1. APRESENTAÇÃO A obesidade é uma doença multifatorial que atualmente vem assumindo proporções epidêmicas, acarretando grandes conseqüências para qualidade de vida das pessoas. É um quadro de grande complexidade e a ineficácia dos diversos tipos de tratamentos disponíveis, principalmente no que diz respeito à manutenção da perda peso, ocasiona grande sofrimento aos obesos mórbidos, levando muitos a optar por um procedimento mais radical: a redução de estômago, por meio da cirurgia bariátrica. Dentre os múltiplos fatores que determinam a obesidade mórbida acreditamos que estão aqueles relacionados com a psicodinâmica do indivíduo. E, por isso, independente do corte no corpo e conseqüente perda significativa de peso nos questionamos sobre o que também muda na subjetividade desse paciente, o qual passa a ser um ex-obeso mórbido. Questionamo-nos, então, sobre as estratégias encontradas por esse sujeito para privilegiar outro objeto que não seja o alimento em excesso. Há relatos de pacientes que sabotam literalmente seu tratamento introduzindo outras formas de alimentação, às vezes, extremamente calóricas, após a cirurgia. Perguntamo-nos se esses pacientes seriam preparados para esse recomeço e se estariam suficientemente conscientes de que esse procedimento cirúrgico é apenas o começo do tratamento, o qual exigirá de todos que tenham uma postura ativa no pós-cirúrgico, até o final de suas vidas. O interesse por esse tema se deu em decorrência do aumento dos casos de obesidade mórbida e da opção muito freqüente, nos dias atuais, pelas cirurgias bariátricas, além da experiência de atendimento na clínica de um caso de obesidade mórbida, vivenciado com muito sofrimento pela paciente, e ainda, pela convivência com pessoas obesas e ex-obesas submetidas à cirurgia bariátrica com sucesso e com insucessos. 6 Esta pesquisa pretende contribuir na compreensão dos aspectos psicológicos relacionados à obesidade, reafirmando a posição de alguns autores quanto ao papel da cirurgia bariátrica como um instrumento do tratamento da obesidade e não como uma solução definitiva. Buscou-se também compreender como os indivíduos submetidos à cirurgia de redução do estômago significam as mudanças possibilitadas pelo procedimento cirúrgico. E ainda, destacar a necessidade de um trabalho multidisciplinar no tratamento dessa patologia. O trabalho monográfico aqui apresentado se organizou da seguinte forma: primeiramente expôs-se a pesquisa bibliográfica que norteou as discussões dos dados obtidos na pesquisa de campo. Foram abordados os seguintes assuntos: obesidade, cirurgia bariátrica, questões psicológicas subjacentes à problemática da obesidade, a constituição do sujeito numa visão psicanalítica e psicanálise e obesidade. A seguir apresentou-se a metodologia utilizada e os objetivos desse estudo. Finalmente, foram apresentados os resultados, discussões e as considerações finais desse estudo, seguidas, pelas referências bibliográficas. 7 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. OBESIDADE O que é a obesidade? De acordo com Gilman (2004), embora existam conjuntos de definições médicas contemporâneas sobre a obesidade, e que essas definições mudem de uma cultura para outra com o passar do tempo, ela é mais que um índice de massa corpórea (peso/altura2). O excesso de peso corporal é uma condição que sempre acompanhou a história da humanidade e foi avaliado diferentemente de acordo com cada período histórico e cultural. Durante muito tempo o ganho de peso, acúmulo de gordura representou saúde e prosperidade. Contrariamente hoje é considerado uma doença crônica que afeta todas as faixas etárias, sem distinção de nível sócio-econômico e, como apontado por Almeida et al (2005), tem sido considerada uma condição estigmatizada pela sociedade e associada á características negativas e preconceituosas. Wajner (2000 apud PÍCOLLI, 2005, p.11), levanta a possibilidade de que a obesidade seja a enfermidade metabólica mais antiga que se conhece. Segundo a autora, “pinturas e estatuas em pedra com mais de 20 mil anos já representavam figuras de mulheres obesas. As mesmas evidências de obesidade foram vistas em múmias egípcias e pinturas em porcelana da era pré-cristã [...]”. Ainda ressalta que a primeira monografia médica sobre o tema obesidade destacou ser esta uma doença relacionada a distúrbios de caráter e foi escrita no século XVII. Atualmente a obesidade representa uma doença universal de prevalência crescente e que vem adquirindo proporções alarmantemente epidêmicas nas sociedades modernas. Doença crônica, como já foi dito, multifatorial que de um modo geral pode ser caracterizada pelo excesso ou acúmulo anormal de tecido adiposo no organismo, resultando em prejuízo 8 para o mesmo (ADES; KERBAUY, 2002; CONSENSO LATINO AMERICANO DE OBESIDADE, 1998; MANCINI, 2004). A Organização Mundial da Saúde (OMS), classifica a obesidade considerando o Índice de Massa Corpórea (IMC) e baseando-se no risco de mortalidade independente do sexo e idade. O IMC é calculado dividindo-se o peso do individuo por sua altura ao quadrado (COUTINHO; BENCHIMOL, 2004). O quadro abaixo apresenta a classificação do peso de acordo com o IMC e o respectivo risco de comorbidez em adultos: Quadro 1 - Classificação do peso de acordo com o IMC e risco de comorbidez em adultos Classificação IMC (kg/m2) Risco de comorbidez Baixo Peso < 18.5 Baixo Normal 18.5 a 24.9 Baixo Sobrepeso 25.0 a 29.9 Aumentado Obesidade Grau I 30.0 a 34.9 Moderado Obesidade Grau II 35.0 a 39.9 Grave Obesidade Grau III >40.0 Muito Grave (mórbida) Fonte: Coutinho; Benchimol (2004, p. 14). De acordo com a OMS, a obesidade mórbida é uma versão patológica da obesidade, classificada, como já descrito acima, por um IMC maior ou igual a 40Kg/m2, considerada por vários autores uma doença multifatorial com conseqüências nefastas para saúde e qualidade de vida dos indivíduos (ADES; KERBAUY, 2002; ALMEIDA; LOUREIRO; SANTOS, 2002; CAPITÃO; TELLO, 2006; CATANEO; CARVALHO; COUTINHO; BENCHIMOL, 2004; TRAVADO et al., 2004). GALINDO, 2005; 9 Segundo Campagnolo et al. (2005), existe uma série de mecanismos envolvidos na composição do peso corpóreo e da distribuição de gordura, a saber: mecanismos neurológicos, metabólicos, hormonais e psicológicos. Numa linha mais biológica, Halpern (2004), admite que a fisiopatologia da obesidade não está ainda totalmente esclarecida, mas sugere que as principais razões para um indivíduo tornar-se obeso sejam: 1) Comer mais (particularmente gorduras); 2) Queimar menos calorias; 3) Fazer gorduras mais facilmente; e 4) Oxidar menos gorduras. Ainda que seja clássica a noção de que os obesos ingerem mais calorias do que os não obesos, não há consenso entre os diversos autores que pesquisam o assunto. Halpern (2004) aponta duas razões básicas para essa discordância: “a heterogeneidade dos grupos estudados (a obesidade é síndrome) e a dúvida quanto aos métodos utilizados para investigar a ingestão calórica”. Contudo, acredita-se que existe uma tendência a uma maior ingestão de alimentos gordurosos pela população de obesos em relação aos não obesos. O autor aponta também que esta ingestão pode estar associada há um aumento no consumo de doces e álcool formando uma tríade – gordura, açúcar e álcool, colaboradora decisiva para o crescente aumento da obesidade no mundo. Além do que se come, o como se come, ou seja, o hábito alimentar, é um fator de suma importância na gênese da obesidade. Para Halpern (2004) um hábito alimentar compulsivo, pode estar intimamente associado à tendência de ganhar peso. E tal hábito poderá ser determinado tanto por fatores psíquicos quanto por questões neuroendócrinas, visto que, como ressalta Morley (1987 apud HALPERN, 2004) a regulação da fome e da saciedade é feita por mediadores: nutrientes, hormônios e neurotransmissores. Quanto à hipótese de indivíduos obesos queimar menos calorias, Halpern (2004) conclui que há uma diferença da atividade física de indivíduo para indivíduo, como também há uma variabilidade genética no processo de queima calórica. No que diz respeito à formação 10 de gorduras (adipogênese), atividade que depende da enzima lípase lipoprotéica (ALLP), o que pode ocorrer é a elevação dos níveis desta enzima em alguns obesos, justificando até os casos em que indivíduos emagrecidos voltam a engordar. Outro fator importante para variação na deposição de tecido adiposo é a oxidação de gordura. O que o autor sugere é a existência de uma tendência genética à oxidação, maior ou menor, de gorduras e que indivíduos com menor oxidação estejam mais predispostos à obesidade. O que se pode perceber nessas sistematizações é que a obesidade é uma patologia muito complexa, na qual múltiplos fatores etiológicos, inclusive genéticos, podem atuar isoladamente ou em conjunto. Capitão e Tello (2006) discutem, no entanto, que os fatores endógenos são responsáveis por apenas 1% da obesidade. Em grande parte ela está relacionada diretamente ao estilo de vida do indivíduo, com a sua inatividade física, com a ingestão excessiva de dietas hipercalóricas e aos estressores psicossociais, responsáveis por comportamentos auto-destrutivos em relação à saúde. A obesidade predispõe o individuo a várias comorbidades que influenciam negativamente sua qualidade de vida e a põe em risco. As principais manifestações clínicas que acometem os obesos são: hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, apnéia do sono, doenças articulares, câncer, incontinência urinária, infertilidade, impotência, depressão, problemas sociais, sexuais entre outras (CAMPAGNOLO et al., 2005, CAPITÃO; TELLO, 2006, COUTINHO; BENCHIMOL, 2004). A Organização Mundial da Saúde – OMS considera a obesidade como um problema de saúde pública que tende a aumentar nos países industrializados. É uma doença que atinge crianças, adolescentes e adultos mundialmente (CATANEO; CARVALHO; GALINDO, 2005). Segundo Russo (1997 apud CAMPAGNOLO et al., 2005), a obesidade atualmente atinge 1/3 da população Ocidental. 11 Nos Estados Unidos a alimentação desregrada e a vida sedentária contribuem para aproximadamente 300.000 mortes por ano. Ades e Kerbauy (2002) assinalam que na Alemanha e na Inglaterra a realidade é muito próxima da americana. E mais, a obesidade deixou de ser exclusividade dos paises desenvolvidos ou do mundo ocidental. Hoje, em paises da América Latina, segundo a Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade é provável que 200.000 pessoas morram anualmente em decorrência da obesidade e suas comorbidades (1998 apud ADES; KERBAUY, 2002). A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE 2002-2003 (BRASIL, 2004) mostrou que os brasileiros não estão se alimentando corretamente. Segundo a pesquisa, são 38,8 milhões de pessoas com 20 anos ou mais de idade que estão acima do peso, o que significa 40,6% da população total do país. E, dentro deste grupo, 10,5 milhões são obesos. Ades e Kerbauy (2002) relatam que no Brasil cinco em cada cem crianças de até 14 anos têm peso excessivo. Na nossa sociedade ser “gordo” pode significar preguiça, descuido, falta de determinação e controle dos impulsos, o que acarreta aos obesos ou aos indivíduos com sobrepeso um grande sofrimento. A maioria dos indivíduos obesos mórbidos traz uma história de inúmeras tentativas de redução do peso, orientadas ou não por técnicos de saúde, em grande parte trata-se de dietas e/ou uso de fármacos. Mesmo havendo inicialmente uma perda de peso, na maioria dos casos, esta não é mantida e os pacientes recuperam em pouco tempo o peso perdido. Essa é uma realidade vivenciada por quase todos os obesos mórbidos. Considerando a importância e a variedade das comorbidades relacionadas à obesidade, principalmente à obesidade mórbida (Grau III) fica explicita a necessidade de uma abordagem clínica completa no tratamento desses pacientes. Como ressalta Coutinho e Benchimol (2004, p.16), “a maior morbidade e mortalidade da obesidade grau III deve-se às condições associadas”, ou seja, ela é fator de risco para patologias mais graves. Segundo Malheiros e 12 Freitas Jr. (2004, p. 16), a ocorrência de óbito devido a complicações da obesidade é a segunda causa de óbito por causas evitáveis nos Estados Unidos. Apesar dos inúmeros tratamentos existentes para obesidade, bem como as várias dietas indicadas e as constantes informações oferecidas pela mídia, a prevalência dessa patologia só vem crescendo nas últimas décadas. Levando os especialistas, em casos de obesidade mórbida, a indicarem a cirurgia bariátrica como único tratamento eficaz em longo prazo, devido à baixa qualidade de vida e ao alto risco de mortalidade desses pacientes (COUTINHO; BENCHIMOL, 2004; TRAVADO et al., 2004). 2.2. CIRURGIA BARIÁTRICA O tratamento clínico da obesidade é complexo, pois, segundo Cabral (2004) não se trata tão somente do emagrecimento, mas principalmente da manutenção da perda de peso. Esta é quase impossível nos casos de indivíduos obesos mórbidos, ou grandes obesos como denominado pela autora. A recuperação do peso é um dos grandes temores do paciente obeso. No entanto, a redução do peso através de dieta, atividade física, tratamento medicamentoso “desencadeia alterações compensatórias no apetite e no gasto energético fazendo com que a manutenção de uma perda superior a 5% a 10% do peso seja muitas vezes improvável no grande obeso.” (BRAY, 2000 apud CABRAL, 2004, p. 35). As dificuldades em fazer um tratamento clínico que seja efetivo levam, muitas vezes, os pacientes a perderem a motivação de viver, pois, como descrevem Nasser e Elias (2004) trata-se, quase sempre, de indivíduos obesos desde a infância, que são desde cedo obrigados a passar por vários tipos de restrições e tratamentos, inclusive medicamentosos. Entram na adolescência e na vida adulta e o problema persiste. E esse histórico de vários anos lidando 13 com a obesidade, com emagrecimentos conseguidos, mas não mantidos, geram muitas frustrações, levando o paciente a sentir que é praticamente impossível a perda de peso. Além da dificuldade de emagrecer e manter o peso, o paciente obeso ainda tem que lidar com as várias comorbidades que surgem em decorrência da obesidade, além de todas as questões sociais, estéticas e culturais. Convive ainda com o alto risco de mortalidade, que de acordo com Nasser e Elias (2004), é 12 vezes maior nessa população do que na população em geral. Segundo estes últimos autores, o tratamento cirúrgico da obesidade surgiu na década de 50, e ambos ressaltam que dessa época até os dias atuais as técnicas foram sendo aperfeiçoadas e, devido aos bons resultados, as chamadas “cirurgias bariátricas” estão sendo mais divulgadas e aceitas, tanto no meio médico, quanto entre os pacientes. Entretanto, vem acontecendo que muitos pacientes, segundo alguns autores, estão encarando a cirurgia bariátrica como uma “tábua de salvação”. Nela e no cirurgião são depositadas todas as expectativas e esperanças, levando a uma crença excessiva e irrealista no “milagre cirúrgico”. Desta forma, os pacientes assumem uma posição passiva diante do tratamento. Quando isso acontece, podem até colocar em risco o êxito do tratamento, pois, não se implicam no processo pós-cirúrgico, que requer forte adesão do paciente (FRANQUES, 2004; MATIELLI et al., 2004; NASSER; ELLIAS, 2004; TRAVADO et al., 2004). Segundo Nasser e Elias (2004), vem ocorrendo também grande procura pelo tratamento cirúrgico por pacientes com sobrepeso e graus moderados de obesidade, com objetivo de aliviar dificuldades existenciais. Tal fato é assinalado por esses autores como uma condição insuficiente e até descabida para realização de um procedimento cirúrgico, visto que não se têm operações ideais e sem risco. 14 Diante deste quadro, surgiu à necessidade de elaborar diretrizes para indicação correta do procedimento cirúrgico no tratamento da obesidade. De acordo com Nasser e Elias (2004), as diretrizes utilizadas no Brasil partiram de consensos elaborados nos Estados Unidos sobre a gravidade da obesidade e os critérios de aplicação de seu tratamento cirúrgico. Esses consensos foram posteriormente referendados pela Federação Internacional para a Cirurgia da Obesidade (IFSO) e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCB) e inclui, entre outros, os seguintes parâmetros: grau de obesidade acentuado, resistência a tratamento clínico; presença de doenças associadas; - risco cirúrgico aceitável; capacidade do paciente de compreender as implicações da operação. Conforme já apontado, o grau de obesidade é indicativo de cirurgia, quando maior que 40 Kg/m2. Porém, se aceita um IMC de 35 Kg/m2 quando existir comorbidez associada de importância clínica, nesses casos também se considera cabível a aplicação do tratamento cirúrgico (BRASIL, 2000; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005; NASSER; ELIAS, 2004; SEGAL; FANDINO, 2002). Quanto ao risco cirúrgico, deve-se ponderar a gravidade de cada caso, devido ao ato cirúrgico-anestésico. Sendo, em muitos casos, necessária uma preparação pré-operatória, visando minimizar os riscos de complicações perioperatórias graves (NASSER; ELIAS, 2004). A capacidade do paciente em compreender as implicações do tratamento cirúrgico é muito importante e indispensável. Rasera Jr. e Shiraga (2004, p. 47) afirmam que o dever de informar o paciente “é imperativo como requisito prévio para o seu consentimento”. Nasser e Elias (2004) ressaltam que as informações sobre tratamento e decisões do paciente relativas à cirurgia, devem ser sempre documentadas, através de alguma forma de consentimento informado. Complementando, Rasera Jr. e Shiraga (2004) discutem que o Consentimento Informado, ou seja, um documento escrito, funciona como uma forma de orientar os pacientes 15 sobre o procedimento aos quais serão submetidos e as mudanças no estilo de vida, de forma objetiva e direta. No Brasil, o Ministério da Saúde ao reconhecer a obesidade como um problema de saúde pública em crescimento, assim como a importância para os obesos mórbidos do tratamento cirúrgico, incluiu a gastroplastia entre os procedimentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde – SUS (BRASIL, 2000). E, por meio da Portaria 196/2000 – MS, apontou os critérios clínicos para indicação da cirurgia: a - Paciente portador de obesidade de grandes proporções, de duração superior a 02 (dois) anos, com Índice de Massa Corpórea - IMC superior a 40 kg/m² e resistente aos tratamentos conservadores (dietoterapêuticos, psicoterápicos, medicamentosos, por exercícios físicos) realizados, continuamente, há pelo menos 02 (dois) anos. b - Pacientes obesos com IMC superior a 35 kg/m², portadores de doença crônica associada (diabetes, hipertensão, artropatias, hérnias de disco, apnéia do sono) cuja situação clínica é agravada pelo quadro de obesidade. (BRASIL, 2000). De acordo, com Pareja e Pilla (2004), didaticamente, as cirurgias para o tratamento da obesidade mórbida podem ser divididas da seguinte forma, baseando-se nos seus princípios de funcionamento em cirurgias: restritivas; disarbotivas e mistas. Cirurgias restritivas são técnicas que reduzem o volume de alimento sólido que o paciente conseguirá ingerir nas refeições. E, ao comer menos alimentos sólidos e pastosos, se espera um conseqüente emagrecimento do paciente. No entanto, o resultado dependerá da colaboração do paciente, já que alimentos líquidos poderão ser ingeridos quase no mesmo volume que antes da operação. Contudo, se estes alimentos líquidos forem altamente calóricos poderão atrapalhar ou até impedir a perda de peso (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA - SBCB, 2006). As técnicas restritivas aceitas pelo Conselho Federal de Medicina, de acordo com a Resolução 1.766/05, são as seguintes: Balão Intragástrico, Gastroplastia Vertical Bandada ou Cirurgia de Mason e Ajustável. Banda Gástrica 16 As cirurgias disabsortivas são técnicas que possibilitam ao paciente comer normalmente, no entanto desviam uma boa parte do caminho que os alimentos têm que percorrer, fazendo um “curto circuito” levando a uma absorção menor dos nutrientes (SBCB, 2006). Tais cirurgias (Payne ou Bypass jejuno-jejunal) estão proscritas, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina (1.766/05), considerando-se a alta incidência de complicações metabólicas e nutricionais em longo prazo. Já as cirurgias mistas são as técnicas que associam restrição e disabsorção em maior ou menor grau do intestino, dependendo da técnica empregada e da extensão do intestino delgado excluído do trânsito alimentar (SBCB, 2006). Os tipos de cirurgias mistas aceitas pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.766/05) com maior componente restritivo são: Cirurgia de Fobi; Cirurgia de Capella; Cirurgia de Wittgrove e Clark. Estas cirurgias, além da restrição mecânica representada pela bolsa gástrica de 30 a 50 ml, restringem a alimentação por meio de um mecanismo funcional do tipo Dumping (mal-estar provocado pela ingestão de alimentos líquidos ou pastosos hipercalóricos) e, ainda, pela exclusão da maior parte do estômago do trânsito alimentar. Com isso, o hormônio ghrelina, que aumenta o apetite e é produzido no estômago sob estímulo da chegada do alimento, tem sua produção minimizada. Pode-se acrescentar um anel estreitando a passagem pelo reservatório antes da saída da bolsa para a alça jejunal – o que retarda o esvaziamento para sólidos, aumentando ainda mais a eficácia dos procedimentos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005). As cirurgias mistas com maior componente disabsortivo são: cirurgia de Scopinaro e cirurgia de Duodenal-Switch. As vantagens desses procedimentos são: não há restrição de alimentos a serem ingeridos; muito eficazes em relação à perda de peso e manutenção em longo prazo; reservatório gástrico completamente acessível aos métodos de investigação radiológicas e endoscópicas. Contudo os sujeitos submetidos a esses procedimentos 17 apresentam complicações nutricionais e metabólicas de difícil controle; maior chance de haver deficiência de vitamina B12, cálcio, e ferro; maior chance de haver desmineralização óssea; alta incidência de úlcera de boca anastomótica; aumento do número de evacuações diárias, com fezes e flatos muito fétidos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005). Dentre os novos procedimentos relacionados à cirurgia de obesidade, garantidos pelo SUS, a portaria 196/2000 no seu artigo 3º-d também garante ao paciente um tratamento mais humanizado e multidisciplinar composta por endocrinologistas, nutricionistas, intensivistas, disioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais. Em 2003, foram realizadas 1.813 cirurgias bariátricas pelo SUS, em 2004 o número chegou a 2.014 e até abril de 2005 foram realizados quase mil procedimentos (SBCB, 2006). 2.3. QUESTÕES PSICOLÓGICAS SUBJACENTES A PROBLEMÁTICA DA OBESIDADE Vários autores, dentro de uma perspectiva da psiquiatria, acreditam que há alta prevalência de conflitos psicológicos em indivíduos obesos. Segal e Fandino (2002, p. 288) afirmam que, em populações que procuram tratamento há um aumento expressivo da prevalência de psicopatologias, mesmo em obesos graus I e II. Pacientes obesos, grau III, apresentam mais “sintomas de transtorno de personalidade bordeline, maior freqüência de transtorno de compulsão alimentar periódica e quadros depressivos mais graves”. Cordás (2004) discute, no entanto, que diante das evidências atuais não há razões para que a obesidade seja colocada como resultado direto de distúrbios psicológicos. Esse autor acredita que as conseqüências psicológicas da obesidade estão relacionadas com o estigma e com o preconceito, e ainda, afirma que quanto maior o IMC mais problemas psicológicos. Embora, existam divergências quanto ao momento de interferência dos aspectos psicológicos 18 na obesidade, se na origem, na manutenção ou relacionados às conseqüências dessa patologia, existe uma certa concordância quanto à presença desses aspectos na obesidade e a necessidade de serem identificados e trabalhados, como uma das dimensões do tratamento da obesidade. Travado et al. (2004, p.534), por sua vez, ao mencionarem vários estudos, apontam as seguintes alterações psicopatológicas relacionadas à obesidade: depressão, ansiedade, compulsão para comer (binge-eating), como também: [...] distorção da imagem corporal, baixa auto-estima, sentimentos de rejeição e exclusão social, problemas funcionais e físicos, história de abuso sexual, perdas parentais precoces, história familiar de abuso de álcool, ideação suicida, problemas familiares/conjugais, sentimentos de vergonha e auto culpabilização, agressividade/revolta, insatisfação com a vida, isolamento social, absentismo, psicossomatismo, entre outros. Sob a ótica do conhecimento psicológico, é importante destacar que o obeso é visto como um ser bio-psicossocial e espiritual, e que essas dimensões não são independentes, isto é, elas se entrelaçam e se refletem mutuamente. Sendo assim, é importante não reduzir essas variáveis ou apresentá-las de forma simplistas e exclusivas, já que se trata, como mencionado, várias vezes nesse trabalho, de uma doença multifatorial. 2.3.1. Psicopatologias e comportamento alimentar em uma perspectiva cognitivista O cognitivismo desenvolveu-se nos EUA a partir da década de 50 do séc. XX, apoiado no avanço das neurociências. Equivale os processos psíquicos aos processos neurais e exclui, de seu postulados, a temática da subjetividade. Marchesini (2004, p.25), dentro de uma concepção cognitivista, alerta que dentre as perspectivas propostas para compreender a obesidade e outras doenças que deixam no corpo sua manifestação máxima, haveria a exigência de um novo conceito do que seria o psiquismo. Essa autora apresenta um novo conceito de psiquismo que está correlacionado com uma 19 perspectiva biológica, ou como ela mesma descreve “com o funcionamento complexo e sutil da estrutura cerebral e de suas funções eletroquímicas”. De acordo com essa visão, o psiquismo seria produto das “circuitarias neurais” do cérebro. Este sofreria alterações em seu funcionamento, através de mediadores químicos, os neurotransmissores. Assim, depois de ocorrida a sinapse, apresenta-se de forma observável o seu produto, que poder ser: “sentimentos, pensamentos, desejos, capacidade de atenção e concentração, controle dos comportamentos de comer e beber, regulação do sono e do controle de dormir, atração e comportamento sexual, etc., em suas diferentes tonalidade e formas” (MARCHESINI, 2004, p. 25). Ou seja, qualquer desarranjo no funcionamento desses neurotransmissores pode resultar em estados cerebrais e mentais alterados (DEL NERO, 1997 apud MARCHESINI, 2004). A fome, ou, mais especificamente, o impulso de comer, são mecanismos que envolvem circuitos neurais complexos, que vem se tornando objeto de estudo de neurocientistas, na tentativa de compreender a homeostase alimentar, como também explicar a persistência de compulsões alimentares, em indivíduos que se submetem a cirurgias bariátricas. Assim, fica evidente que não basta agir sobre o órgão responsivo, ou seja, o estômago, para mudar o padrão alimentar, antes é preciso alterar a química do cérebro. De acordo com Marchesini (2004, p.27), ao atribuirmos as questões externas às responsabilidades pelos nossos comportamentos, negamos algo que é inerente ao ser humano que é a sua capacidade adaptativa. A espécie humana conta com programações específicas e organizações internas para adaptar-se ao meio e suas variações. Desta forma, ao problematizar o ato de comer aponta que este é afetado pelas mesmas substâncias químicas no cérebro que regulam o estado emocional: 20 [...] a falta de serotonina que está na base de alguns quadros emocionais impele o indivíduo à ingestão alimentar impulsiva e seletiva para os carboidratos, que faz o cérebro liberar L-triptofano (precursor da serotonina). A serotonina que se encontra alterada em indivíduos depressivos e ansiosos requisita via ato alimentar, que o próprio cérebro se medique pelo impulso a comer, na tentativa de regular seu quadro afetivo. Nessa visão, nosso cérebro é sábio. Os comedores compulsivos tentam com episódios de hiperfagia se “automedicarem” e assim corrigirem seus níveis baixos de neurotransmissores. Porém, ao comer em excesso, o individuo tem sensações de incomodo, seguida de sentimentos de culpa e arrependimento, que segundo Marchesini (2004) acabam reforçando “um ciclo já instalado de deprimir e comer”. Esse seria um tipo de comportamento que leva ao Transtorno de Compulsão Periódica ou Binge-eating, em que a qualquer sinal de esvaziamento gástrico o individuo recomeça a ciclo, até que já não tenha mais sentimento de culpa e coma sem qualquer atitude crítica. Desse modo, alguns indivíduos obesos ficam sem comer com grande facilidade, mas não conseguem comer com moderação. Segundo Marchesini (2004, p. 26), o mecanismo é muito similar ao do alcoolismo: “a comida abre o apetite e inicia um ciclo de ingestão alimentar descontrolada e voraz que só pára quando a pessoa esta empanzinada ou passando mal de tanto comer”. Segundo Cordas (2004, p. 74), os critérios para compreensão do Transtorno do Comer Compulsivo – TCC, são: a presença de episódios bulímicos recorrentes, sensação de falta de controle sobre a ingestão durante o episódio; ou quando os episódios bulímicos estejam associados, no mínimo, a três dos seguintes: Comer muito rapidamente do que o habitual; - Comer até se sentir desconfortavelmente cheio; Comer grandes quantidades de comida quando não está fisicamente com fome; - Comer sozinho por se sentir envergonhado pela quantidade que se come; - Sentir-se mal a respeito de si, deprimido ou muito culpado após comer assim. 21 Esse autor ainda chama atenção para o fato que os pacientes com o Transtorno do Comer Compulsivo (TCC) têm maior freqüência de recaídas após tratamentos para perder peso, maior comorbidez com depressão, abuso de álcool e drogas, transtornos de personalidade e insatisfação com a imagem corporal quando comparados com os obesoscontrole. Marchesini (2004) aponta uma dinâmica de funcionamento geralmente apresentada por esses indivíduos quando submetidos à cirurgia bariátrica: nos primeiros oito a dez meses após a cirurgia, em que o paciente está numa perda progressiva de peso, há um certo controle do mecanismo compulsivo da ingestão alimentar. Esse controle, segundo a autora, é mantido por vários componentes, que vai desde o temor da ruptura dos pontos cirúrgicos ao medo de voltar a engordar. No entanto, devido ao emagrecimento rápido há um abandono em massa das orientações prescritas quanto à suplementação dietética e à busca de ajuda psicológica. Esse quadro de funcionamento só vai ser revisto quando o paciente se assusta com a queda de cabelos, principalmente as mulheres, o déficit de zinco, anemia com sensação de cansaço e desânimo, déficit da absorção de proteínas e perda da motivação. Ressalta a autora, que a ingestão alimentar compulsiva pode estar mascarando uma depressão, ou seja, em alguns indivíduos ela pode se apresentar dentre os sintomas todos da depressão, como sintoma solitário, ou aparentemente solitário. Já a agitação apresentada por muitos indivíduos com obesidade ou ansiedade, como é chamada por eles próprios, e que funciona como fator determinante para comer enquanto se está ocioso, suscita “a hipótese de que além da depressão, essas pessoas apresentem um componente psíquico menos diagnosticado: a hipomania1.” (MARCHESINI, 2004, p. 28). 1 “Hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve, com uma breve duração, menos de uma semana. Caracterizado pela mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e impaciência.” (MORENO; MORENO; RATZKE, 2005). 22 O quadro de hipomania, segundo a autora, predispõem o indivíduo a uma outra faceta: “humor irritável e explosivo, comportamento compulsivo fazendo com que o ato anteceda o pensamento, como ocorre na ingestão alimentar exagerada, bem como nos demais comportamento em que o controle se encontra prejudicado.” (MARCHESINI, 2004, p. 28). A conclusão apresentada pela autora, é que a grande maioria dos pacientes tem um quadro Bipolar do tipo II (hipomania se alternando com depressão) ou Misto (hipomania mesclando-se com depressão). Marchesini (2004, p. 30) relata também que, nas suas experiências com obesos mórbidos em preparação para cirurgia, foi possível observar características apresentadas por alguns estudiosos da obesidade. Como a seletividade na escolha dos alimentos, tanto no que diz respeito a uma questão de gênero, em que mulheres preferem o doce e o público masculino a bebida alcoólica com alimentos ricos em gorduras. Quanto à questão de ser o alimento imprescindível diferentemente de outros produtos que causam compulsão, adicção: “pode-se evitar o primeiro gole, mas não a primeira garfada”; e o próprio prazer envolvido no ato de comer, que implicam na sua repetição. A autora chama atenção para o fato de que esses mecanismos de seletividade, do prazer e conseqüente repetição “parece envolver a via mesocorticolimbica (mesencéfalo, sistema límbico e córtex), a mesma via em que atuam as drogas com potencial de abuso, como a nicotina, a cocaína e os opiáceos.” (NETTO, 1998 apud MARCHESINI, 2004, p. 30). Todos esses esclarecimentos são importantes tanto para o paciente, como para os outros profissionais da equipe multidisplinar que atuam junto aos cirurgiões bariátricos, demonstrando que, “o bisturi do cirurgião não é varinha de condão” (MARCHESINI, 2004). E ainda que, ao reduzirmos a capacidade gástrica, mexemos na quantidade alimentar que o cérebro do paciente estava programado. A autora indica nesse momento a 23 psicofarmacoterapia, na busca de um novo equilíbrio: “Que não mais a comida seja o teu remédio, mas que o teu remédio seja o teu remédio!” (MARCHESINI, 2004, p. 31). Outro padrão alimentar seria o do chamado “roedor perpétuo” que dá preferência para alimentos mais acessíveis, do tipo industrializado e que contenha mais gordura e carboidrato, o principal, nesse padrão, é que o alimento possa ser ingerido imediatamente. 2.3.2. A importância do acompanhamento psicológico No tratamento da obesidade a capacidade de um controle da ingestão alimentar é ainda visto com preconceito pelo próprio obeso, por muitos profissionais da saúde, educadores e por psicoterapeutas. Freqüentemente os obesos carregam a culpa e a responsabilidade de sua obesidade, o que lhes acarretam, em uma sociedade que supervaloriza a magreza, julgamentos sociais negativos em relação ao seu estado: feios, relaxados, preguiçosos, incompetentes e etc. Contudo, longe de ser uma fraqueza de caráter a obesidade é uma doença que afeta o homem nos seus aspectos físico, psíquico e social (FRANQUES, 2004). Dentre as multideterminações da obesidade, se apresentam com muita freqüência os fatores psicológicos e emocionais. Os pacientes obesos mórbidos que chegam para cirurgia bariátrica, em sua imensa maioria trazem alterações emocionais que “podem estar presentes entre os fatores determinantes, na obesidade exógena (reativa), ou entre as conseqüências na obesidade endógena ou de desenvolvimento [...]” (FRANQUES, 2004, p. 76). A obesidade reativa é aquela desencadeada por situações que provocaram mudanças ou desequilíbrios emocionais, tendo cada aspecto um significado particular para cada caso (menarca, casamento, nascimento de filhos, de perda como morte de pessoas próximas...) (FRANQUES, 2004, p. 76). Segundo essa autora são pessoas com grandes dificuldades de elaboração psíquica de certos estados emocionais, com dificuldades em tolerar frustrações e 24 “ao comer compensa-se, esta desestabilização psicológica, restabelecendo-se o (pseudo) equilíbrio interno”. Nesse sentido, a cirurgia bariátrica impediria essa estratégia de aliviar tensões internas e por mais que alguns indivíduos relatem que deixaram de sentir a ansiedade e compulsão que sentiam antes da cirurgia, a dificuldade de lidar com as emoções permanecem. A autora mencionada acima ressalta que se essas dificuldades não forem tratadas adequadamente a tendência é que outras estratégias sejam encontradas e provavelmente que outro círculo vicioso se estruture e se lance mão de outras saídas. Na obesidade endógena geralmente a pessoa apresenta excesso de peso desde o inicio da vida “e tende a vivenciar e a confundir os mais variados desejos como necessidade de alimento. Seu emocional é abalado pelas dificuldades, limitações e sofrimento de ser obeso.” (FRANQUES, 2004, p. 76). De acordo com Faria (2006), os serviços de psicologia oferecidos aos pacientes de cirurgia bariátrica podem e devem incluir os seguintes aspectos: avaliação psicológica inicial; suporte psicológico intra-hospitalar; acompanhamento pós-operatório em longo prazo; grupo de apoio e reunião com os pacientes. Ainda salienta que, para oferecer esse suporte psicológico de qualidade, é necessário que o psicólogo trabalhe lado a lado com a equipe multidisciplinar e dedique uma boa parte da sua prática clínica ao atendimento de pacientes bariátricos. Para Marchesini (2004, p. 30), a psicoterapia nos casos de obesidade é um exercício de persistência, contudo, do seu ponto de vista, o papel da psicoterapia vem sendo aplicado de modo errôneo há muitas décadas, pois, segundo ela: [...] psicoterapia não emagrece e isso deve ficar claro para aqueles que nos procuram. A psicoterapia não muda qualquer característica genética [...]. O papel do psicoterapeuta junto a questão da obesidade é muito mais artístico que cientifico [...] pois, em última instancia, cabe a ele transformar opinião e, de certo modo, isto é uma forma de criar”. 25 Nesta perspectiva, destaca que faz-se necessário uma mudança de visão do mundo via informação que produzirá a aceitação de um novo paradigma que possibilite ousar um novo caminho, que poderá ser “a cirurgia, tratamento psicofarmacológico quando necessário, o acompanhamento dietético, o reforço e o estudo contínuo de todos esses fatores para o exercício da persistência.” (MARCHESINI, 2004, p. 30). Franques (2004) ressalta a importância da avaliação psicológica e do trabalho psicológico pré-operatório no prognóstico e na aderência do paciente ao tratamento pósoperatório. Além da avaliação a continuidade do tratamento e a psicoterapia são indicadas a praticamente todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Essa autora levanta alguns aspectos que surgem após a cirurgia e que necessitam de um adequado tratamento psicológico para o bom êxito do tratamento cirúrgico. Esses aspectos serão apresentados de forma esquemática, no quadro 2 abaixo, seguindo uma ordem cronológica dos acontecimentos: Quadro 2 – Aspectos que se apresentam após a cirurgia que devem ser considerados no tratamento psicológico PERCURSO DO PACIENTE ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO - Período pós-cirúrgico imediato: paciente debilitado (estresse cirúrgico), fase de recuperação, dor, desconforto, adaptação à dieta liquida, perda de autonomia momentânea, expectativas, ansiedade e O acompanhamento psicológico é voltado insegurança, tudo contribuiu para geralmente para a adaptação aos novos desestabilização psicológica e não há um hábitos. resultado visível quanto ao emagrecimento. - Após 30 dias de dieta líquida segue-se a adaptação à dieta sólida e novamente inseguranças, medo de “intalar”. 26 - Após três meses – fase da “lua-de-mel” com a cirurgia, o emagrecimento começa a Nesse período muitos pacientes desaparecem ser notado por todos (elogios), aumento da da psicoterapia por não sentirem necessidade. disposição e do bem-estar, paciente investe Nesse momento estão se sentido tão bem mais em si. como nunca antes: auto-suficientes, auto- - Após 6 a 8 meses – perda de peso em estima elevada e, às vezes, eufóricos. torno de 30%. Tudo é novidade (cruzar Quando persistem, a psicoterapia trabalha a pernas, caminhar sem ficar ofegante, nova imagem corporal e as repercussões dela comprar roupas em lojas comuns, etc., etc.). na personalidade do indivíduo. - O corpo até então “ignorado” passa a estar em evidência e se torna alvo de observações Conflitos básicos emergem e se não forem e elogios. Dificuldades emocionais que tratados o paciente começa a se boicotar para estavam encobertas pela gordura tendem a evitar sofrimento. surgir. Fase de grandes mudanças, multiplicidade Requer nova aprendizagem social. de opções. Passa de uma posição passiva A exposição a determinadas situações de que para uma postura mais participante e ativa antes era protegido pela obesidade gera na vida. Expõe-se mais emocionalmente física e ansiedade e angústia. Adaptações nos (sexualidade, relacionamentos familiares, afetivos, sexuais competitividade, etc) e profissionais. - Em torno de um ano – o peso se estabiliza. Nesse momento a depressão pode se instalar, Todos já se acostumarão com o pois, o objetivo foi alcançado, mas, nem significativo emagrecimento, diminuem os todos elogios, tudo entra numa rotina. os magicamente problemas foram (relações resolvidos interpessoais conflituosas, problemas profissionais). Fonte: Franques (2004, p. 78). 27 2.4. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E DE SEUS SINTOMAS EM UMA VISÃO PSICANALÍTICA. Numa visão psicanalítica o sujeito não tem uma origem, ele se constitui como tal. Segundo Lajonquière (1993) ele se constitui graças a duas “encruzilhadas estruturais” que, na teoria lacaniana, são chamadas de estádio do espelho e complexo de Édipo. Esses mesmos caminhos conduzem os sujeitos a posicionamentos subjetivos diferenciados, assim como conduzem a formas diferentes de lidar com os objetos da cultura. Nesse sentido, discutiremos esse processo para aprofundarmos os mecanismos subjetivos que estão envolvidos nos quadros de obesidade. Para Dolto (1984, p. 64) o ser humano é uma fonte de desejo desde a sua concepção e a mudança do desejo se dá por meio das castrações simboligênicas. Tais castrações são implantadoras do humano, ou seja, tem efeitos humanizantes, mas podem conduzir tanto à sublimação como podem “desembocar em uma perversão, em um recalcamento de saída neurótica”. A seguir se fará uma apresentação desse percurso constituinte da subjetividade. Inicialmente será demonstrado o itinerário que vai da falta às escolhas objetais, se discutirá como a subjetividade se constitui a partir do outro. Seguido pela apresentação das castrações simboligênicas: umbilical, oral e anal, as quais têm efeitos importantes na estruturação do sujeito. Depois, segue-se, uma exposição das encruzilhadas estruturais: do estádio do espelho e do complexo de Édipo. Finalmente, será abordada brevemente a formação da imagem corporal. 28 2.4.1. A subjetividade a partir do outro Antes de nascer o sujeito já é objeto do discurso, do desejo e das fantasias de seus pais, que também são, segundo Lajonquière (1993), assujeitados às “estruturas lingüísticas, e histórico-sociais”. Sendo assim, ressalta-se que embora a concepção seja a união entre um espermatozóide e um óvulo, este não é um fato natural, mas, um acontecimento legislado. Com efeito, o encontro sexual entre o macho e a fêmea da espécie humana está regulado (regulamentado) pela lei universal da proibição do incesto que estabelece as alianças possíveis e impossíveis entre, agora sim, homem e mulher. (LAJONQUIÈRE, 1993, p.151). Quando se pensa na gênese de um indivíduo comumente se reporta a um desenvolvimento que se inicia na vida intra-uterina. Contudo, a mãe desse individuo não funciona como uma “tábula rasa”, pelo contrário “ela está habitada pela lei, pelo desejo, pela linguagem ou, simplesmente pela lei da linguagem” (LAJONQUIÈRE, 1993). Assim, a mulher pode esperar um filho “ansiosa, desejante, enlouquecida” por motivações diversas, como para “vendê-lo, presenteá-lo, cuidá-lo...”. O autor ressalta que o filho esperado é “o produto de um campo de desejos contraditórios e de fantasias ambivalentes radicalmente inconscientes” (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 153). Ao nascer ou, mesmo antes disso, a criança “já é objeto do desejo do Outro”. Outro com letra maiúscula para representar, de acordo com a psicanálise, àquele que tem a função de introduzir a criança no contexto simbólico. “A criança nasce à vida, mas para sustentar-se nela deve ser ratificada como vivo, como um sujeito, pelos outros, pelo desejo historicizado desses outros no interior de um ordenamento simbólico, em resumo, no campo do Outro.” (LANJOQUIÈRE, 1993, p.155). Lanjoquière (1993) explica que, num estado de desamparo o recém-nascido experimenta uma necessidade. Tal necessidade coloca o organismo num estado de tensão, que 29 pode ameaçar sua integridade. Nesse momento, o até então organismo grita, e a mãe (ou qualquer outro), indo de encontro à criança, transforma “essa manifestação initencional” numa demanda de alimento. Ao ser atendida a criança passa de um estado de inanição a uma “satisfação completa”, o grito se faz demanda e o gesto do adulto é significante, pois, “põem ordem” onde só havia indiferenciação. “Aí onde nada havia, a primeira experiência ou vivência de satisfação inscreve a diferença entre o ‘nada’ e o ‘tudo’. A marca deixada toma forma de um traço mnêmico que faz às vezes de pedra fundacional de todo aparelho psíquico.” (LAJONQUIÈRE, 1993, p.155). Continuando, tal “necessidade” do recém-nascido reaparece outra vez, com uma diferença, o grito da criança é agora o significante de uma demanda de alimento que exige a repetição daquela experiência primeira de satisfação, uma “presença incondicional”. O outro não responde na mesma medida da vez anterior, ou seja, demora, exagera, oferece menos, etc., não é bem o que se lhe demanda. Dessa forma entre uma e outra reposta a demanda da criança, [...] cai um resto, uma diferença, que deixa para sempre o sujeito com uma FALTA. O fato de ‘estar em falta’ chama-se DESEJO (Wunsch) e o objeto que o causa com sua falta chama-se em Freud, a coisa (das Ding) e, em Lacan, objeto “a” (l’objet petit a). Reencontrá-lo não seria outra coisa que usufruir uma satisfação equivalente a originária [...]. (LAJONQUIÈRE, 1993, p.156). É importante ressaltar que essa experiência originária de satisfação completa tem um caráter mítico e não factual. Ou seja, o adulto nunca responde ao pedido da criança dessa forma completa, incondicionalmente, pois, não lhe é possível, porque, o que o organismo necessita, o objeto da necessidade perdeu-se “na origem”. De acordo com Lajonquière (1993, p. 157), “nunca temos na origem uma Necessidade a partir da qual surja o desejo, mas, pelo contrário, temos um desejo a respeito do qual os que nascem já se encontram em posição de objeto”. 30 Assim, o bebê ao nascer, como já foi dito acima tem um lugar demarcado, desde não se sabe quando, pelo discurso, pelo desejo e pelas fantasias dos outros, dos seus genitores. Dolto (1984) assinala que o nascimento de uma criança se deve ao encontro de três desejos: desejo de uma mãe, desejo de um pai, desejo de um sujeito de se encarnar num corpo. Sendo assim, o desejo do recém-nascido não é um desejo de um objeto natural passível de ser encontrado, mas sim, o objeto do desejo é o desejo do outro ou poderíamos dizer que o nosso objeto de desejo é realizar o desejo do outro. Na verdade, o termo desejo remete ao fato de que o sujeito está em falta ou que ao lidar com a falta se vê impulsionado a encontrar ou reencontrar o objeto originalmente perdido. Seja qual for o objeto que lhe ofereçam, ou que ele produza com suas mãos ou com suas palavras sempre estará marcado por um menos, há sempre algo ainda para se conquistar. No processo de constituição da subjetividade ocorrem determinadas situações que foram denominadas por Dolto (1984) de castrações simboligênicas. A autora apresenta uma noção de castração como uma proibição que se opõe a uma satisfação antes conhecida, mas que teve que ser ultrapassada, deslocada: [...] é um processo que se realiza em um ser humano, quando outro ser humano lhe significa que a realização de seu desejo, sob a forma que gostaria de lhe conceder, é proibida pela Lei. Este significado passa pela linguagem, seja ela gestual, mímica ou verbal. (DOLTO, 1984, p. 62). É importante ressaltar que a “verbalização do proibido” referente a determinado desejo da criança será mais suportável para a mesma, se ela souber que o adulto também é marcado, tanto quanto ela, por esta proibição. Trata-se de uma proibição que impulsiona o sujeito desejante na potência de seu desejo, pois este fará laço social por estar submetido à Lei (DOLTO, 1984). Ledoux (1995) ao comentar o conceito de castração concebido por Dolto, diz que a castração ao interditar certas realizações do desejo, obriga e libera as pulsões para outros 31 meios, outros encontros, abandonando-se um modo de satisfação até então experimentado para se asceder a um tipo de gozo mais elaborado. Dessa forma a primeira separação é o corte do cordão umbilical no nível do real e funciona como uma verdadeira castração. No nascimento há uma grande mudança. Essa mudança é marcada pela saída do sujeito de um meio liquido, onde tudo era recebido de forma “passiva”, para um meio aéreo, no qual o sujeito experimenta a separação do corpo da mãe, o aparecimento da respiração pulmonar, o funcionamento do intestino, a submissão à força da gravidade, etc. Trata-se de uma saída difícil, pois, “[...] deixar a placenta, deixar o envoltório, isto é deixar a oxigenação passiva, a nutrição passiva e, ao mesmo tempo, a segurança do corpo inteiro é realmente sair de um estado vital, o único estado conhecido – é morrer.” (DOLTO, 1985 apud LEDOUX, 1995). Explica Dolto (1984, p. 72) que estas são transformações fundamentais, pois: [...] a cesura umbilical origina o esquema corporal nos limite do invólucro que é a pele. A imagem do corpo, oriunda parcialmente nos ritmos, calor, sonoridade, percepções fetais, se vê modificada pela variação brusca dessas percepções. Essa experiência servirá de prefiguração para todas as outras castrações futuras. A perda de todas essas percepções conhecidas na vida intra-uterina e o surgir de novas percepções é o que é chamado de “trauma do nascimento”. É a linguagem, que simbolizará a castração do nascimento (ou umbilical), ou seja, essa linguagem deverá repetitivamente marcar a audição do bebê “[...] como o efeito de seu ser no impacto emocional de seus pais, ao nível das sílabas sonoras, das modulações e dos afetos que ele percebe de maneira intuitiva.” (DOLTO, 1984, p. 75). Aponta-se, então, duas fontes de vitalidade simbolígena que promove a castração umbilical: a primeira seria a do “impacto orgânico do nascimento no equilíbrio da saúde psicossomática da mãe, e neste sentido, do casal de cônjuges em sua relação genital” 32 (DOLTO, 1984, p. 76) Por exemplo, a morte ou morbidez da mãe, decepção dos pais com o sexo ou aparência da criança, que a marca e liga o seu viver a uma culpa. A segunda fonte seria a do “impacto afetivo que a viabilidade da criança traz, com mais ou menos narcisismo, a cada um dos dois genitores” (DOLTO, 1984, p. 76). Esse segundo impacto poderá conduzir os genitores a dotarem a criança com as características de sua emoção do momento, e assim, a introduzirão na vida como portadora do sentido que ela teve para eles naquele momento. A castração oral corresponde ao desmame: [...] significa a privação imposta ao bebê daquilo, que para ele, é o canibalismo em relação à mãe: significa o desmame, e também o impedimento de ele consumir aquilo que seria um veneno mortífero para seu corpo, ou seja, a proibição de comer o que não seria alimentar, o que seria perigoso para a saúde e para a vida. (DOLTO, 1984, p. 79). Quando essa castração é sensatamente feita, resulta no desejo e na possibilidade de falar, na descoberta de novos meios de se comunicar, em prazeres diferentes, mas isso implica também que a mãe aceite a separação do corpo a corpo com o bebê e que ela seja capaz de se comunicar com seu filho de outra forma que não lhe dando alimento. É importante, que essa mãe também permita que a criança seja tão feliz nos braços de outros quanto no seu, que a criança possa entrar na expressão “linguageira” com outros e não só com ela (DOLTO, 1984). Desse modo, a criança se separa do objeto parcial que é o seio da mãe, se separa do seu primeiro alimento láctil, para assim, se abrir para uma alimentação variada e sólida. Nesse momento, ou antes do desmame, a criança já começa a alcançar determinados objetos com a mão e levá-los até a boca, nessas circunstâncias a mãe deve nomear para a criança esses objetos, ou seja, dar-lhe palavras que significam o que ela sente no tato. É assim que a linguagem se torna simbólica da relação corpo a corpo. Por isso, deve–se cuidar para que esse “desmame não intervenha numa relação vazia de palavras.” (LEDOUX, 1995, p. 218). 33 O efeito simbolígeno da castração oral é a introdução da criança na relação com o outro, enquanto separada da presença absolutamente necessária da mãe. Sendo assim, a criança a partir da possibilidade de comunicação esboçada na relação com os pais, passará a desenvolvê-la com os outros (DOLTO, 1984). Em relação à castração anal, Dolto (1984) distingue duas acepções para esse termo.A primeira seria como um segundo desmame, ou seja, separação da criança que agora se tornou capaz de motricidade voluntária e ágil, da ajuda materna para tudo. É conquistar autonomia relacionada à alimentação, ao vestir-se, a higiene, o deitar-se, etc. A segunda relaciona-se com a proibição expressa a criança de qualquer agir prejudicial a outrem. Mas é importante que os pais não façam essa proibição como adestramento, mas, como pessoas que também estão castradas analmente em relação à criança, ou seja, que não a prejudicam, que não a tratam como objeto, enfim, que signifiquem em palavras o exemplo que dão. Ledoux (1995, p. 220), extraiu das castrações simboligênicas de Fraçoise Dolto, as condições para que realmente elas sejam simboligênicas: a) o esquema corporal da criança deve estar em condições de suportá-las; b) é necessário que o adulto que impõe a castração seja movido pela tolerância, pelo respeito e pelo amor casto, e que possa servir de exemplo e tornar seu poder e seu saber acessíveis à criança, um dia; c) o desejo deve ser reconhecido e valorizado; d) essas castrações, sempre conflitivas, precisam de palavras. Em suma, as formulações de Dolto mostram que o processo de diferenciação do sujeito se faz a partir de cortes que lhe possibilitam a se ver como UM. Na teoria lacaniana essa mesma concepção está presente, como veremos a seguir. No “estádio do espelho” esse sujeito assujeitado ao discurso do Outro, que tudo o nomeia, que o designa, se tornará um UM, um indivíduo. Em termos psicanalíticos, segundo Lajonquière (1193, p. 194), é o encontro do sujeito com a ordem simbólica. Nesse encontro, o que está em jogo é a constituição do EU, é um “processo de identificação que possibilita ao 34 sujeito funcionar como um num sistema de intercâmbios com a mãe, o pai, ou, simplesmente os outros”. Essa experiência, de acordo com Lajonquière (1993, p. 165) é marcada por três momentos: no primeiro a criança “brinca com o ser sorridente que vê ante seus olhos, brinca a olhá-lo e a ser olhada por esses olhos abertos na superfície espelhada [...] reina uma total confusão um-outro”. No segundo momento, a criança “descobre que o outro do espelho não é um ser real, mas só uma imagem: não tenta agarrá-lo. Agora distingue entre ‘imagem do outro’ e ‘realidade do outro’”. Por fim, no terceiro momento, a criança “compreende repentinamente que não só se trata de uma imagem, mas que essa imagem é precisamente a sua. [...] marca a ‘transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem.’” (LACAN, 1949 apud LAJONQUIÈRE, 1993 p. 165). Assim, o espelho instala uma tensão entre a imagem unificada e a, ainda insuficiência sensório-motora da criança, proporcionando ao sujeito uma antecipação do que será. Contudo, essa promessa só se articula se um adulto mediatizar a relação com o espelho. Segundo Lajonquière (1993) é o adulto que dirá ao bebê que aquela gestalt que aparece no espelho e que é semelhante a dos outros é a sua. A identificação é uma história a três: [...] a imagem refletida, o sujeito em questão, e o olhar de um terceiro. [...] isto nos diz simplesmente que o sujeito não pode outorgar-se a si mesmo a identificação [...] mas, ao contrário, precisa de um semelhante que o reconheça como sendo Um. [...] a imagem não faz outra coisa que recobrir o lugar vazio do objeto. Esta imagem é uma forma, produto de um recorte que o outro realiza. A mãe recorta com o gume de suas palavras, de seus sorrisos, de suas mãos, sobre um horizonte de indeterminação, o filho de seus desejos. [...] Ao nomeá-lo estarão lhe dizendo ‘você é isso´, assim como outrora sua mãe lhe disse frente a superfície polida do espelho ao reconhecê-lo como sendo Um. (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 168). Desse modo, essa imagem refletida no espelho que representará o sujeito frente aos outros, e a si mesmo, não chega a ser uma síntese de seu ser, mas ao outorgar ao sujeito uma unicidade, também o submerge num desconhecimento de si mesmo. A linguagem provê ao 35 sujeito um nome que o salva da dispersão, mas, por outro lado, o aliena num nome que o representa como sendo Um (LAJONQUIÈRE, 1993). De acordo com Lajonquière (1993, p. 173) a função do corte que se articula no estádio do espelho implica pôr em inter(jogo) aquilo que Lacan chamou de três registros: real, simbólico e imaginário. O real seria uma pura indiferenciação, impossível de ser apreendida, aquilo que não tem fissuras, não está marcado, simplesmente é. O simbólico é o que fura, recorta o real devido a uma ordem e graças a seus cortantes elementos constitutivos (os significantes). Ou seja, ele demarca e assim, possibilita que o real possa ser apreendido por partes, possa ser conhecido. “O simbólico é autônomo no sentido de que podemos e devemos considerá-lo em si mesmo e isolar suas próprias leis de funcionamento ou composição (condensação e deslocamento) independentemente dos outros dois registros”. O registro do Imaginário é a objetivação do real, ou seja, é o efeito da operação de recorte, de perfuração, que o simbólico realiza sobre o real. “O real está além dos sentidos, enquanto que o imaginário é, pelo contrário, o real simbolizado”. Na teoria lacaniana o complexo de Édipo é produto da articulação de três tempos, como descritos a seguir: No primeiro tempo, segundo Lajonquière (1993, p. 207) a relação mãe-filho é inicialmente uma relação onde dois desejos se preenchem reciprocamente, ou seja, “todos desejam o desejo do outro como desejante”. Mas, segundo o autor, tudo que se oferece de fato a outro que também está imerso na ordem do discurso e que também tem uma falta irreparável, acaba se revelando pouco. E é justamente isso que o sujeito descobre no primeiro tempo do Édipo, “já que a castração diz à criança que ela não obtura, como imaginariamente acreditava, o desejo da mãe”. No segundo tempo, o da Castração, o pai aparece como um “pai interditor” porque priva a mãe do falo-filho, e frustra a criança indicando-a que não pode dispor 36 incondicionalmente da mãe. O pai se coloca entre mãe=falo=filho na medida que reclama seus direitos de posse sobre a mãe. Ou seja, “o pai (ou um outro que assuma a função paterna) passa a rivalizar com o filho pelo desejo materno.” (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 208). Segundo Lajonquière (1993, p. 209) nesse momento “o infantil descobre a dimensão essencial que estrutura o desejo: o desejo de cada um está submetido à lei do desejo do outro”. Assim, essa mãe ao não esgotar seu desejo no desejo de filho e ao olhar para o pai e desejá-lo, “investe a palavra do pai em valor de lei” e que o filho, ao procurar a mãe, “dá de cara com o pai, com a lei do pai” e experimenta não ser tudo para essa mãe. No terceiro e último tempo do Édipo, “[...] a outrora rivalidade fálica, que havia se instalado entre o pai e o filho chega a seu fim, já que este reconhece ao primeiro os atributos fálicos com os quais a mãe o investe, ainda que não sejam propriamente o falo.” (LAJONQUIÈRE, 1993 p. 212). A criança reconhece que não é o falo da mãe e que o pai, aquele que ela pensava ser o detentor do falo, pois, atraía a mãe, também não o tem, mas apenas seus atributos. Nesse sentido, o terceiro tempo é também chamado de privação no qual a criança, reconhece a castração do pai, [...] o que implica na transformação do pai onipotente em pai potente: o pai não tem o falo, mas tem alguma coisa com valor de dom. O agente da privação é o pai imaginário: aquele com quem lidamos o tempo todo e com quem estabelecemos rivalidades. Trata-se, portanto, do pai idealizado, que se torna o pára-raio dos ciúmes, do amor e do ódio. A falta se inscreve no registro do real porque aponta para o impossível. O objeto se situa no nível do simbólico porque a privação se caracteriza pela conversão do falo imaginário em falo simbólico. (JORGE; FERREIRA, 2005, p. 54). É interessante ressaltar que nesse tempo do Édipo a criança deduz que o pai está castrado e que outras coisas além do pai podem prender o desejo da mãe e, portanto, credenciar-se para “preencher” sua falta. É o Falo (a falta) que faz com que esses outros objetos “da psicopatológica vida cotidiana venham a ocupar o lugar, no limite sempre 37 vacante, do objeto primordial perdido ou se preferirmos, que se pareçam com ele” (LANJONQUIÈRE, 1993, p. 215). Depois de passar pelo Édipo o sujeito começa a vagar entre esses objetos, à procura do objeto que a “bem / dita castração levou consigo, quando pôs fim à célula narcisismo / mãefálica”. Concluímos com o autor que o que possibilita ao sujeito, a partir da articulação do drama do Édipo, encontrar uma posição subjetiva particular que o define como tal, é a castração. E que ainda, é no desfecho do complexo de Édipo que se dá o jogo das identificações: O menino bem como a menina renunciam a ser o falo, mas, ao passo que o primeiro identifica-se com o pai para passar a deter um pênis, que usará como seu pai, a menina aliena-se na dialética do Ter não-tendo, ou seja, identifica-se com a mãe que, embora não-tem, sabe procurá-lo na forma de substitutos. (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 216). 2.4.2. A Imagem do Corpo De acordo com Dolto (1984, p. 15) a imagem do corpo é peculiar a cada um, pois está relacionada ao sujeito e à sua história. E essa imagem do corpo ao contrário do esquema corporal é inconsciente, podendo se tornar consciente quando associada à linguagem. Sendo assim, “a imagem do corpo é a síntese viva de nossas experiências emocionais: interhumanas, repetitivamente vividas através das sensações erógenas eletivas, arcaicas ou atuais”. A imagem inconsciente do corpo é estruturada pelo “teor da relação inter-psíquica com o outro, sobretudo a mãe, e é deste fato que a imagem do corpo é testemunha.” (DOLTO, 1984, p. 21). Segundo a autora não há nenhuma solidão humana que não seja acompanhada de uma memorização de um contato passado com um outro antropomorfizado, ou real. Ela conclui que é na imagem do corpo, suporte do narcisismo, “que o tempo se cruza com o espaço, e que o passado inconsciente ressoa na relação presente” (DOLTO, 1984, p. 15). 38 São essas relações que levará a criança a se estruturar como ser humano. E na vida adulta são as introjeções dessas relações humanas que permitirão uma relação positiva narcísica consigo mesma, ou seja, uma relação na qual o sujeito se coloca aberto para travar experiências com o outro e com o mundo que o circunda. Dolto (1984) define três aspectos dinâmicos de uma mesma imagem do corpo: imagem de base, imagem funcional, imagem erógena. A imagem de base é definida por essa autora como aquilo que permite ao sujeito sentir-se numa “mesmice de ser”, ou seja, em uma continuidade narcísica, em uma continuidade espaço-temporal que permanece e vai se preenchendo desde o nascimento. A imagem de base é constitutiva daquilo que Dolto (1984, p. 38) chama de “narcisismo primordial”, que pode ser entendido, como “o narcisismo do sujeito enquanto sujeito do desejo de viver, preexistir a sua concepção”. Sempre que a imagem de base é ameaçada surge logo uma representação, um fantasma, que ameaça a própria vida e a reação a tal perigo “por um fantasma de perseguição visceral, umbilical, respiratório, oral, anal – rebentar, explodir também, conforme o momento traumático sentido como o primeiro em sua história” (DOLTO, 1984, p. 39). Sendo assim, cada estágio vem a modificar as representações que a criança pode ter de sua imagem de base. A primeira imagem de base é a respiratória-olfativa-auditiva. A segunda é a oral, que compreende a primeira, respiratória-olfativa-auditiva, e também toda zona bucal, faringo-laringe que se associa à imagem do ventre, a representação do cheio e do vazio do estômago. A terceira imagem de base é a anal, acrescenta as duas primeiras o funcionamento de retenção ou de expulsão da parte inferior do tubo digestivo, e também a bacia, uma representação tátil das nádegas e do períneo. A imagem funcional, segundo Dolto (1984, p. 43) é uma imagem “estênica de um sujeito que visa à realização de seu desejo. O que passa pela mediação de uma demanda 39 localizada no esquema corporal, em um lugar erógeno, onde se faz sentir a falta específica”. A autora chama atenção para se compreender que “a elaboração da imagem funcional realiza, com respeito ao acionamento das zonas erógenas, um enriquecimento de possibilidades relacionais com o outro”. A imagem erógena está associada à determinada imagem funcional do corpo, ou seja, ligada ao lugar onde se focaliza o prazer ou o desprazer erótico na relação com o outro. “Sua representação é referida a círculos, formas ovais, côncavas, bolas, palpos, traços e buracos, imaginados como dotados de intenções emissoras ativas ou receptoras passivas, com fins agradáveis ou desagradáveis.” (DOLTO, 1984, p.44). Por fim, é importante descrever como estes três componentes da imagem do corpo se transpõem, se modificam, se metabolizam considerando as situações a serem enfrentadas pelo sujeito e as limitações que ele encontra, principalmente sob a forma das castrações simboligênicas que lhe são impostas, assegurando sua coesão narcísica. Para isto seria necessário: 1) que a imagem funcional permita uma utilização adaptada do esquema corporal; 2) que a imagem erógena abra ao sujeito o caminho de um prazer partilhado, humanizante naquilo que tem valor simbólico e pode ser expresso não apenas através de mímica e agir, mas com palavras ditas por outrem, memorizadas na situação pela criança que as utilizará com conhecimento de causa quando vier a falar. (DOLTO, 1984, p. 44). A autora denomina de imagem dinâmica a “síntese viva, em constante devir” dessas três imagens do corpo, ligadas entre si através das pulsões de vida. A imagem dinâmica do corpo seria o “desejo de ser e de perseverar em um advir [...] a imagem que expressa em cada um o Sendo, o sujeito em desejância” (DOLTO, 1984, p. 44). Por ser essa imagem sempre um desejo em busca de um novo objeto, ela é completamente contraditória ao auto-erotismo, pois ele apenas serviria para encobrir a ausência do objeto real adequado ao desejo. Por exemplo, a criança que cada vez experimenta: 40 [...] um impulso libidinal na ausência do objeto, contenta-se com essa transferência, denominada auto-erótica, para um objeto parcial, seu punho, seu polegar (...) uma parte de seu corpo se torna o suporte ilusório do artifício do outro. Ela entra assim em um sintoma compulsivo de estilo obsessivo, onde seu desejo se utiliza da imagem do corpo, funciona por funcionar. (DOLTO, 1984, p. 46-47). Podemos pensar também essa questão quando o sujeito elege e privilegia um objeto de satisfação para si, como a questão do alimento no caso da obesidade. 2.5. PSICANÁLISE E OBESIDADE Com certeza se pode afirmar que dependendo de como o sujeito se estruture como tal, como foi visto acima, no percurso da constituição de sua subjetividade, isso determinará sua forma de estar no mundo e de estabelecer uma posição frente à falta do Outro. Ou segundo Lajonquière (1992) o destino do sujeito, enquanto sujeito do desejo, dependerá das possibilidades de ser “arrancado da célula narcisismo / mãe fálica” ao mesmo tempo em que o corte não deve lhe impossibilitar levar consigo a quantidade de energia necessária para investir nas coisas que o rodeiam, nos objetos. Quando isso se faz pela via do impossível temse um modo sintomático de se estar no mundo e de se posicionar diante da vida. Assim, pode se intuir que muitos casos de obesidade mórbida sejam respostas aos dramas da constituição desse sujeito. Dramas estes que se iniciaram talvez antes do seu nascimento, não se sabe ao certo quando. É nesse sentido, que a psicanálise se interessa pelas doenças, como a obesidade, numa perspectiva de sua relação com a subjetividade. Lacan já destacava como um “truque formidável” a “fuga nas doenças impossíveis” (Zucchi, 2002, p. 03). Truque que seria absurdo numa perspectiva médica, pois se pensaria “em fugir das e não nas doenças”. A autora complementa esse pensamento dizendo que a estratégia de refugiar-se na doença, 41 “pressupõem um corpo para o qual o adoecer advenha como função, e não como disfunção tal como preconiza uma certa racionalidade hegemônica na medicina”. A autora alerta que é precipitado tentar incluir numa concepção estrutural, na qual “neurose, psicose e perversão estão formalmente distinguidas” as condutas como “as toxicomanias, as compulsões – especialmente as que envolvem o corpo: cirurgias plásticas em excesso, ginásticas, ingestão de anabolizantes, bem como as bulimias e anorexias, as depressões e pânicos” (ZUCCHI, 2002, p. 15). Esses sintomas são considerados por essa autora como do âmbito das patologias do narcisismo. Comenta a autora, que no contexto contemporâneo além do declínio da função paterna, temos o gozo como pólo de orientação para essas questões clínicas atuais, que também são chamadas de novos sintomas da clínica psicanalítica: [...] as depressões, compulsões, adições, pânicos – a função da palavra e do sentido ficam subsumidos à presença maciça do corpo. As queixas são quase sempre corporais. A procura do analista se dá, em geral, em função de uma experiência corporal limite [...]. (ZUCHI, 2002, p. 17). Contudo, não se trata de sintomas novos, pois sempre estiveram presentes na literatura psicanalítica. O que há de novo é a sua dimensão na cultura – “seu caráter quase epidêmico”, como se observa na problemática da obesidade. A literatura científica confirma o caráter epidêmico da obesidade não só em países industrializadas, mas especialmente neles e, uma alta prevalência de seu surgimento na infância. Recalcati (2002, p. 65) sugere que isso acontece devido a um “Outro que sufoca todo apelo do sujeito através da oferta de objetos”. Sendo assim, a obesidade indicaria uma posição de “passividade do sujeito que não está em condições de promover nenhuma forma de desmame dessa oferta ilimitada e asfixiante do Outro”. 42 O autor interpreta ainda que a obesidade se apresenta como um paradigma clínico da civilização contemporânea, no qual a queda do simbólico parece corresponder a um incremento progressivo ao consumo do objeto, sem nenhum adiamento do vazio: [...] o discurso social atual sustenta a necessidade de uma saturação do vazio ou, mais exatamente a saturação do vazio como modalidade de supressão da falta e do desejo. A obesidade é o fenômeno psicopatológico que, talvez mais que todos, ilustra os efeitos devastadores dessa saturação: o corpo é reduzido a um mero receptáculo de objetos. (RECALCATI, 2002, p. 63). O autor ao falar das transformações na cultura contemporânea, destaca também que o Outro contemporâneo deixou cair seu poder histórico de interdição, fato que sustenta hoje a lei perversa do gozo ao alcance das mãos. Acrescenta ainda que, o discurso capitalista se sustenta no fato de não suprir apenas a falta, mas continuamente gerar novas “pseudo-faltas” que alimentam um ciclo do consumo, gerando o esquecimento do simbólico e um descontrolado anseio por objetos. Tudo isso só reforça a idéia da obesidade como produto da sociedade contemporânea e o obeso sente-se como aquele que não tem que lidar com a falta, já que o objeto compensatório está sempre à mão. “Na época do discurso capitalista o que mais conta não é a ligação com o Outro – a espera do signo da sua fala – mas, antes, a inveja do gozo do Outro, o sofrimento do ser excluído do gozo, não do signo.” (RECALCATI, 2002, p. 63). Sendo assim, a angustia da obesidade é uma angústia de sufocamento, produzida não só pelo peso do próprio corpo, pois se trata de uma angústia decorrente de uma presença em excesso do objeto, “é angustia do demasiado cheio, [...] uma vez que nesse excesso de presença, nesse excesso de objeto, o sujeito acaba por se sentir engolido.” (RECALCATI, 2002, p. 64). 43 Nessa visão, talvez o mais grave seja o fato do sujeito contemporâneo, que sofre com a obesidade, identificar literalmente o vazio da sua vida como o vazio do estômago, tornandose, “uma máquina de gozo”. O autor ao falar do excesso de fome presente na obesidade destaca que não há um limite que diferencie a fome humana da fome animal: “Quando esse limite se escreve, ele nunca é um dado da natureza, mas um efeito da ação do simbólico, da ordenação simbólica que barra o corpo animal e o apego do homem à matéria originária do alimento-mãe.” (RECALCATI, 2002, p. 52). Ao comparar a posição da obesidade e da bulimia no que diz respeito à fome, o autor afirma que são experiências pulsionais semelhantes, no entanto, elas se diferenciam no eixo da alienação / separação do Outro: “A bulimia é uma alienação que preserva, no momento do vômito, a possibilidade de uma separação do outro. Na bulimia, de fato, alienação e separação convivem. Contrariamente, na obesidade há somente alienação.” (RECALCATI, 2002, p. 59). Todas essas questões tornariam o corpo obeso em um “corpo sem fala”. É como se a fala, a capacidade de simbolização encontrasse uma barreira, um ponto de resistência, [...] alguma coisa que não se pode mentalizar porque não é, de fato, um evento de linguagem, mas sim um evento somático que investe o real do corpo. Essa dificuldade de acesso ao metabolismo simbólico precede fundamentalmente a dificuldade do metabolismo fisiológico. (RECALCATI, 2002, p. 55). Assim, a irrupção de gozo excessivo produz a neutralização da expressão do que se passa no corpo devido à falta de recursos simbólicos suficientes. Um recurso defensivo nesses casos é a percepção do sujeito obeso que descreve seu corpo como “algo de fora”, separado dele mesmo. Essa estranheza é reforçada, pelo fato de ser difícil para o obeso mover-se, de alcançar algumas zonas do seu corpo, de perceber os extensos confins da própria imagem corporal. Essa separação pode produzir uma fantasia de um corpo “virtual, narcisista, idealizado, uma 44 espécie de um eu ideal totalmente desencarnado no qual o sujeito obeso se refugia.” (RECALCATI, 2002, p. 57). Em alguns casos, o sujeito obeso demanda não o desejo do Outro, mas exibi-se, capturando o olhar do outro e lhe causando angústia. Nesse sentido, se revela um “traço perverso: o sujeito se torna objeto que causa angústia no Outro.” (RECALCATI, 2002, p. 54). A obesidade em si não define uma estrutura, por exemplo, no caso da neurose, o corpo gordo pode ser usado subjetivamente como uma modalidade de interrogação histérica do desejo do outro. Por exemplo, uma postura radical que leva uma mulher a um ganho de peso progressivo, como conseqüência da “decisão de não querer reduzir o próprio ser a um puro objeto do gozo fálico do homem.” (RECALCATI, 2002, p. 54). A obesidade pode também se configurar como uma defesa contra a depressão. A sensação permanente do vazio, típica da obesidade e de outros distúrbios de alimentação deve ser reportada ao “caráter enigmático da perda do objeto, tal como Freud a especifica: o sujeito melancólico vive dramaticamente a experiência da perda do objeto sem saber qual objeto está verdadeiramente em jogo.” (RECALCATI, 2002, p. 67). Sendo assim, é que o objeto alimento é consumido indiscriminadamente no lugar do objeto perdido. É um “objeto-analgésico, em condições de tratar daquela espécie de nostalgia melancólica indeterminada que pode afligir o sujeito obeso.” (RECALCATI, 2002, p. 67). A recusa à perda do objeto perdido primordial pode ser a recusa do trauma do desmame. O sujeito obeso evita “a angustia relativa ao encontro com o desejo do Outro, construindo um verdadeiro e próprio universo no qual todo o gozo fica concentrado no objetoalimento.” (RECALCATI, 2002, p. 69). Desse modo, não sendo possível a recusa ao individuo obeso, seu corpo se transforma na própria recusa. A obesidade seria a impossibilidade de separação, impossibilidade de recusa. De acordo com o autor há uma impossibilidade de recusar o “objeto-alimento”, o 45 dever de dizer sempre ‘sim!’. Nesse sentido, a obesidade lembra uma posição de passividade, em que o sujeito obeso não consegue promover um desmame “da oferta ilimitada e asfixiante do outro.” (RECALCATI, 2002). 46 3. METODOLOGIA 3.1. A Escolha Metodológica A proposta metodológica adotada nesse estudo ancorou-se em uma abordagem qualitativa. Trata-se de um estudo teórico-clínico que busca apreender a experiência subjetiva de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica, por meio de uma escuta atenta e da análise de sentidos de seus discursos. Aponta Lo Bianco (2003, p. 121) a necessidade de fazer valer, nos procedimentos da pesquisa analítica, a descoberta de: [...] um cotidiano aparentemente simples e prosaico, feito de sonhos, lapsos, sustos e angústia. Cotidiano que não se deixa apreender, a não ser pela psicanálise, dessas formações apresentadas pelo inconsciente, que nesse século provaram ser a matéria-prima tanto da investigação psicanalítica quanto da realidade que constitui o sujeito. A pesquisa psicanalítica tem na abordagem clínica seu apoio principal, ressalta a autora que é “na referência ao material clínico que a pesquisa ganha seu colorido, sua vivacidade e, acima de tudo, sua originalidade em relação às pesquisas desenvolvidas em outros campos.” (LO BIANCO, 2003, p. 120). De acordo com Legnani (2003) sob a ótica da psicanálise, as falas, os relatos dos participantes possibilitam uma significação, um sentido, construído sempre em uma relação intersubjetiva com um outro, daquilo que foi vivido pelo sujeito e pôde ser ali mediatizado pela linguagem. Assim, nesta pesquisa, a produção de conhecimento se ancorou numa escuta das vivências de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica. Também se deteve na escuta dos profissionais de várias áreas que atendem esse segmento que busca no procedimento cirúrgico o tratamento para obesidade mórbida. Na escuta desses profissionais se privilegiou, entre 47 outras questões, suas percepções quanto à relação dos pacientes obesos mórbidos com a obesidade, com a alimentação e suas principais queixas antes e depois do procedimento cirúrgico. 3.2. Objetivos 3.2.1. Objetivo geral: Compreender as mudanças subjetivas dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica. 3.2.2. Objetivos específicos 1 – Identificar e analisar qual o enfoque do atendimento pré-cirúrgico; 2 – Identificar e analisar qual a queixa psicológica mais recorrente dos sujeitos após a cirurgia; 3 – Identificar e analisar a capacidade dos pacientes em fazer novos investimentos objetais, considerando a perda do objeto que era a alimentação excessiva. 3.3. Participantes Participaram desse estudo oito pacientes ex-obesos mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica e três profissionais que atendem esse público, sendo uma psicóloga, um cirurgião e uma nutricionista. 48 Os pacientes entrevistados apresentavam um tempo de operado que variou de um ano e seis meses a quatro anos e seis meses. Com idades entre 27 e 44 anos. Sendo quatro homens e quatro mulheres. Quanto à escolaridade, três participantes possuíam nível superior completo, dois tinham pós-graduação, dois participantes o ensino médio completo e um participante tinha mestrado. Com relação ao estado civil dos pacientes entrevistados, cinco deles eram casados, dois solteiros e um separado. 3.4. Instrumentos Visando acessar a subjetividade dos participantes, foi utilizada uma entrevista clínica semi-estruturada, de acordo com roteiros em anexo (Anexos D e E). Esta entrevista foi aplicada tanto aos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, quanto aos profissionais participantes que atendem essa população. Os recursos instrumentais utilizados foram um gravador portátil, fitas K7, fichas para coleta dos dados pessoais (Anexo C), o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (Anexos A e B). Os locais utilizados para as entrevistas foram bem variados: locais de trabalho dos participantes, CEFPA – Centro de Formação em Psicologia Aplicada, num evento sobre Cirurgia Bariátrica (Realizado no Parque da Cidade). 3.5. Procedimentos para coleta de dados Primeiramente foram contactados e entrevistados quatro profissionais de equipes que atendem pacientes para cirurgia bariátrica. 49 Foi solicitado a uma das clínicas que realiza cirurgia bariátrica a indicação de contatos de pacientes operados. Foram indicados seis pacientes, desses apenas três se voluntariaram a participar da pesquisa. Os outros cinco pacientes que compuseram a amostra foram indicados aleatoriamente por pessoas que tinham conhecimento da pesquisa. O primeiro contato com o participante foi feito por telefone, nessa ocasião foi explicado brevemente os objetivos do estudo, o caráter voluntário da participação. Em seguida foi realizado o agendamento da entrevista. No início da entrevista todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexos I e II). Imediatamente após, procederamse as entrevistas clínicas semi estruturadas. Tais entrevistas foram realizadas individualmente e duraram em média 45 minutos, todas foram gravadas e transcritas em seguida. 3.6. Procedimentos para análise dos dados O procedimento utilizado para análise dos dados foi a técnica Análise de Conteúdo Temático como concebida por Turato (2003, p. 442), a saber: “procurar nas expressões verbais, os temas gerais recorrentes que fazem a sua aparição no interior de vários conteúdos mais concretos”. Desta forma, seguiu-se como indicado pelo autor um percurso bastante intuitivo e foram realizadas também algumas adaptações pela pesquisadora à técnica. Após a gravação, transcrição do material discursivo produzido nas entrevistas, procedeu-se à sistematização do mesmo, caracterizado pelas seguintes etapas: A. Leitura flutuante das entrevistas - a primeira abordagem do material coletado consistiu, como sugere Turato (2003) nas chamadas leituras flutuantes. Tal atenção 50 flutuante deve ser entendida como um modo psicanalítico de escutar, o qual não privilegiou a priori qualquer elemento do discurso. B. Criação de categorias maiores que se mantiveram coincidentes ao eixo temático do roteiro que norteou as entrevistas; C. Subcategorias que abrigaram falas dos participantes. 51 4. RESULTADOS Os participantes desse estudo apresentavam à época da cirurgia um índice de massa corpórea - IMC que variava de 38 kg/m2 a 64 kg/m2, como apresentados no Figura 1. Apenas um participante estava com IMC abaixo de 40 kg/m2, mas apresentava mais de cinco comorbidades além do quadro de obesidade. K g /m 2 IMC à época da cirurgia 70 60 50 40 30 20 10 0 P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 Participantes Figura 1 – Índice de massa corpórea – IMC (kg/m2) dos participantes à época da cirurgia. Abaixo, a tabela 1 mostra os problemas de saúde apresentados por cada um dos pacientes participantes desse estudo antes da cirurgia. E na tabela 2 estão apresentados os problemas de saúde que ainda persistem ou que adquiriram depois da cirurgia. 52 Tabela 1 Doenças apresentadas pelos pacientes antes da cirurgia Pacientes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 Hipertensão Hipertensão Hipertensão Hipertensão Hipertensão Hipertensão Hipertensão Coluna Articulação Apnéia Gordura Apnéia Articulação Apnéia Articulação Diabete fígado Doenças antes s Probl. Colesterol Hiperglicem Ansiedade Gordura Locomoção alto ia alta fígado Apnéia Coluna Alteração Alteração Diabetes sono sono Dislipidemia da cirurgia Colesterol Gordura Má alto fígado circulação Ansiedade Problema Depressão alta nos rins Dislipidemia Pancreatite Tabela 2 Doenças apresentadas pelos pacientes depois da cirurgia Pacientes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 Hipertensão Nenhuma Cálculo Anemia Nenhuma Nenhuma Anemia Anemia Leve Renal Apnéia Anemia de Leve Ferro Desnutrição Desnutrição Ansiedade Dieta Hiper alta calórica Doenças depois da cirurgia Desnutrição 53 Os dados obtidos a partir das entrevistas estão apresentados nos quadros abaixo, sistematizados em eixos temáticos e categorias. ESCUTA DOS PACIENTES 1. PROCESSO DE GANHO DE PESO Pacientes Quando criança Obesidade Mórbida P1 “[...] era uma criança um pouco fofinha [...]” “Começou na adolescência e não parou mais [...]” P2 “Sempre fui uma criança gordinha [...]” P3 “[...] fui um bebê maisena [...]” P4 “Eu acho que já nasci obesa, já nasci gorda [...]” P5 “Sempre fui gordinho desde pequeno.” “Alcancei obesidade mórbida na adolescência [...]” “[...] .esse excesso de peso foi durante a gravidez, quando tive gêmeos e fiz diabetes gestacional [...]” “ Não pude ter filhos... fiz esterectomia (26 anos), fui engordando [...] chegou um ponto que já eu não tinha mais nem vontade de viver [...]” Desde a adolescência. P6 “Eu nunca fui uma criança magra.” P7 “Eu fui uma criança redondinha, mas, não chegava a ser obesa.” P8 “[...] desde pequenininha eu fui gordinha [...]” “[...] depois dos 23 anos voltei a ter um ganho acentuado de peso até chegar aos 32 anos com 140kg.” “[...] .engravidei ganhei neném engordei 22kg, tinha perdido 10kg engravidei de novo e aí pronto acabou [...]” “[...] começou na minha gravidez, na minha primeira gravidez, tem 14 anos.” Familiares “casos graves como o meu eu não me recordo [...] minha irmã operou [...]” “Tem pessoas gordinhas, mas não tem casos tão graves quanto o meu [...]” “A minha mãe é obesa, o meu pai não é, mas a família dele é, na verdade eu tenho a genética dos dois [...]” “Tenho uma família que tem um histórico de obesidade mesmo.” “Tenho familiares com prédisposição [...] agora a família do meu pai é obesa. Tenho uma irmã com obesidade grau II [...]” “A família do meu pai tem problemas de obesidade.” 54 2. SIGNIFICADO DA OBESIDADE DOENÇA “[...] é uma doença incontrolável [...]” (P2). “[...] é uma doença, como é o alcoolismo, como outras doenças compulsivas, a gente não consegue é muito triste.” (P3). “[...] O problema começou a me preocupar quando começou a afetar minha saúde, minha pressão tava alta, meu joelho tava com problemas já, aí eu tomei atitude né [...]” (P5). UMA PARTE ESTRANHA DE MIM UMA RESTRIÇÃO “[...] como foi uma vida inteira, ela virou uma parte de mim, parte da imagem corporal, parte da minha preocupação diária é uma coisa que faz parte de mim e que é ao mesmo tempo uma parte de mim que fosse como um tumor [...]” (P1) . “A obesidade é uma desgraça [...]” (P2). “[...] ela (como se a obesidade fosse algo fora) me deixou muito deprimida, muito angustiada porque também ela atingiu a minha saúde [...]” (P3). “Depois que eu emagreci que eu fui vendo: - Nossa! Eu deixava de fazer tal coisa porque eu estava gorda! Não sei o que eu fiz se eu neguei se eu bloqueei, o que eu fiz, eu convivia bem com minha obesidade.” (P7). “Não é um processo fácil (...) você sofre restrição de toda natureza, questões de relacionamento, restrições físicas mesmo de querer fazer as coisas e não ter condições de fazer... Sempre tive vontade de praticar esportes radicais.” (P6). “Até a cirurgia a obesidade não significava nada. Eu achava que era feliz... antes da minha segunda gravidez eu comecei a ter problemas de saúde... eu fiquei diabética, não conseguia tomar banho sozinha, não conseguia caminhar [...]” (P8). 55 3. PERCEPÇÃO DA REAÇÃO DOS FAMILIARES E AMIGOS AO LONGO DO PROCESSO DE GANHO DE PESO CONTROLADORES AVACALHADORES ACOLHEDORES E A MÃE? “[...] minha mãe falava, minha vó falava que eu precisava me cuidar, minha sogra, meu tio, todo mundo falava, mas ele (esposo) nunca nem demonstrava e também depois que eu emagreci, nem fala, pra ele é indiferente, tanto como era, como está agora [...]” (P3). “[...] na adolescência tem gozação, aquela coisa toda, de certa forma eu administrei bem apesar de ter ficado chateado várias vezes. Mas administrei bem porque nunca entrei numa depressão, ficar doente, ficar mal, sempre fui muito caseiro, talvez, por causa da obesidade [...]” (P1). “[...] acho que as pessoas que eram amigas foram se acostumando comigo e acaram diluindo o problema [...]” (P1). “[...] minha mãe depois de uma certa idade começou uma briga comigo por causa do ganho de peso [...]” (P2). “O gordo sempre cria duas pessoas, uma engraçada, que conta história e faz todo mundo rir, para mascarar a obesidade dele. Todo gordo sempre tem um apelido... Quando o chamam pelo apelido estão se referindo ao cara engraçado, que diverte todo mundo. Na convivência com os amigos tudo bem, mas, quando você chega num lugar estranho você começa a ficar constrangido [...]” (P2). “[...] outros aprenderam a conviver comigo dessa forma, não me cobravam nada [...]” (P4). “Lá em casa assim a coisa sempre foi muito regrada, minha mãe evita fazer coisas muito calóricas, tudo light [...] desde de pequeno, desde que eu me entendo por gente[...]” (P5). “Minha mãe se incomodava muito, quando eu falei pra ela que eu ia “Tinha aquelas fazer a cirurgia acho que gracinhas de ela ficou mais feliz do que menino assim, eu, porque minha mãe é meu apelido era uma pessoa extremamente gordinho, mas assim, normal na vaidosa... e a filha não era verdade. Como eu dentro desse padrão, isso convivia bem com incomodava muito a ela [...] ela estava mais a questão da eufórica do que eu, mas, obesidade a buscando essa filha comunidade também aceitava magra.” (P7). numa boa. “Quando eu era mais Sempre saí, o problema é que a jovem minha mãe brigava muito tal, mas, depois não, maioria das por que ela viu que não pessoas tem tinha jeito eu falava, eu problema de se gosto de comer, eu vou mostrar.” (P5). comer e ninguém tem nada com isso [...]” (P8). 56 4. PERCEPÇÃO DA VISÃO DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO À OBESIDADE E AO OBESO FORA DO PADRÃO PRECONCEITUOSA “O obeso não é bem aceito [...] não está no estereotipo da boa aparência, que as pessoas exigem até no emprego, a visão que as pessoas tem do obeso é que ele é uma pessoa descontrolada, desregrada, insana em relação ao alimento, compulsiva, louca, que se mata, comete orgias alimentares, que quer comer até morrer [...]” (P1). “[...] não tem lugar pro gordo [...] fui selecionado para um emprego e me dispensaram porque eu era gordo [...] a gente não cabe na poltrona do avião [...]” (P2). “O mundo não é feito, os móveis, os carros, os aviões, os ônibus nada é feito para contemplar esse tipo de gente, são feitos para contemplar um padrão. Qualquer coisa que não cabe nesse padrão está fora. O obeso está fora do padrão do momento atual dessa sociedade, se o padrão dessa sociedade está certo ou errado é outra questão, mas que o obeso da fora desse, está.” (P6). “A sociedade é muito cruel [...] a gente não cabe na cadeira, na poltrona do avião, tem medo de entalar na roleta do ônibus, entra numa loja e a vendedora já pergunta: é pra você?. Sapato você vai experimentar, a moça já fica: aí meu deus! Vai alargar, vai arrebentar o sapato!” (P3). “As pessoas acham que o gordo é gordo porque é preguiçoso”. (P6). “Ainda tem muito da idéia de que a obesidade é falta de vergonha, falta de esforço, preguiça, ainda tem muito isso, acho que pouca gente vê a obesidade como doença [...] tem mudado, mas ainda tem muito preconceito, muita discriminação, e a gente vê pelo ambiente físico [...] de uma forma muito velada, aquela coisa assim de seu rosto é bonito, né, sua mulher tem um rosto bonito [...] então, fica sempre no não dito [...]”(P7). 57 5. RELAÇÃO COM A COMIDA ANTES DA CIRURGIA INTERESSE SAZONAL / FUGA INTERESSE INCONTROLÁVEL / VÍCIO “[...] sou aquele ansioso que fica pensando, remoendo as coisas, e na comida de certa forma eu desconto, eu como, tem gente que se droga, tem gente faz outra coisa, eu como [...] o tempo todo estava ansioso porque estava gordo, aí comia porque estava ansioso e era um ciclo [...] A comida sempre foi também uma fuga, um mecanismo perigoso.” (P1). “[...] infelizmente a cirurgia não opera a cabeça só opera o estomago, é difícil você administrar isso [...] antes era assim, eu era comedor de volume, a comida pra mim sempre foi uma coisa meio inconsciente, eu nem via, quando já via, já tinha comido [...]” (P1). “Antes da cirurgia eu só pensava em comer [...]” (P2). “Sempre fui muito ansiosa e a gente acaba jogando isso pra alguma coisa e eu jogava “Eu sou comedora de volume noturna e até hoje pra a comida [...]” (P4). sou comedora de volume noturna. De dia eu não “[...] talvez a questão da como nada, mas de 7 horas freqüência fosse um pouco da noite até 4:30 da maior, mas mesmo assim, manhã, eu tenho muita [...] é mais uma questão genética mesmo. Eu não era insônia, eu sou uma comedora noturna, comedor de volume principalmente hoje mais diariamente não.” (P5). de doce e sou uma fumante “Não me percebia comedora inveterada.” (P8). de volume [...] talvez, talvez essa coisa de ficar ansiosa, eu acho que muito mais num momento de estar ociosa.” (P7). PRAZER “[...] a comida era minha fuga, minha namorada [...]” (P2). “Eu era comedora de volume. Eu comia sempre, adorava beliscar. Eu comia muito, toda hora, eu sentia aquele prazer em come [...] Eu sempre gostei muito de cozinhar [...] minha mesa é sempre cheia nunca tem pouca coisa é muita coisa.” (P4). “[...] era uma relação de quantidade, me agradava, me trazia prazer, aquela sensação, então quando comia, comia bem, comia bastante mesmo. [...] nunca tive distúrbios alimentares do tipo: ah, eu comi fiquei arrependido fui lá e vomitei [...] comia por que era bom comer.” (P6). “[...] tudo nosso (família) sempre teve muita comida eu acho que isso favoreceu muito não estar buscando outras fontes prazerosas de estar junto dessa família, e ainda hoje é dessa forma, né?” (P7). 58 DEPOIS DA CIRURGIA INTERESSE SAZONAL / FUGA DESENCANTO MEDO “[...] hoje é uma coisa sazonal, eu sinto, eu sei que tem épocas que eu estou comendo porque eu tô ansiosa, tem épocas que eu tô comendo besteira direto, eu sei isso, e eu tento gerenciar isso. Então é muito [...] mas em geral eu consigo um controle razoável [...] Hoje quando eu estou ociosa minha tendência é ir buscar a comida, eu acho que sempre foi assim.” (P7). “[...] eu perdi aquele prazer. Perdi aquela vontade [...] Parece assim, que eu desliguei um botão na cabeça, aquela coisa que eu tinha com a comida, de vontade de comer, depois que eu fiz a cirurgia parece que eu desliguei aquilo, eu como [...]” (P3). “Hoje eu tenho medo de comer [...] se senão souber comer dói, dói, dói demais. É uma dor que se ela durar 10 minutos ela me mata [...] isso quando não tem o dumping [...]” (P4). “São fases também, tem épocas que eu não vomito e tem épocas que eu vomito todo dia. Eu estou numa fase que eu vomito tudo, até água eu estou vomitando. Eu achei que eu estava com um problema de cabeça com medo de engordar [...] aí fiz uma endoscopia descobri que estava com uma ulcera grande”. (P8). “[...] eu perdi uma referência, fiquei assim sem pai e sem mãe depois que eu operei [...] o social da gente sempre está atrelado a comida [...] A nossa vida gira em torno de comida [...]” (P3). “Hoje, lido mal com a comida, eu estou tentando trabalhar isso, eu não sei se eu tenho medo de comer e engordar, mas a comida não me faz bem, eu como e passo mal. Talvez pelo fato de eu comer e passar tão mal eu não gosto de comer. Eu passo o meu dia procurando o alimento que não vai me fazer mal.” (P8). 59 6. OPÇÃO PELA CIRURGIA ÚNICA SAÍDA UMA ALTERNATIVA “[...] um acontecimento que foi decisivo para cirurgia foi ficar preso numa roleta de ônibus e ter que ir para empresa de ônibus para retirarem a roleta [...] perder a oportunidade de um emprego devido ao meu tamanho [...]” (P2). “[...] procurei um cirurgião plástico [...] ele disse: pois é, tenta emagrecer [...] E a partir daí é que eu comecei pensar na cirurgia como uma alternativa [...] Se eu tivesse que desistir eu teria desistido, mas eu estava bem convicta [...] Não sabia o tanto que eu sei hoje.” (P7). “[...] eu fui com a cara e a coragem, eu passei por cima como um trator, eu estava decidida, a cirurgia era uma obsessão[...]” (P4). SOBREVIDA / SAÚDE “Eu troquei algumas coisas por vários anos de vida, eu troquei excesso de comida por vários anos de vida, eu troquei a bebida por vários anos de vida... vários excessos por vários anos de vida”. (P6). 7. O QUE REPRESENTOU A CIRURGIA SOBREVIDA / SAÚDE “[...] melhora na saúde, melhora na locomoção, em vários aspectos, foi importante porque significou viver mais tempo [...] ganhei sobrevida [...].” (P1). “. A questão da minha saúde está 100%, minha pressão nunca mais subiu, meu joelho eu não sinto mais [...]” (P5). “O principal [...] muitos anos de vida mais mesmo, por que do jeito que eu estava com certeza eu morreria cedo mesmo, eu não chegaria aos 50 anos de idade [...]” (P6). “Minha saúde está muito bem. Eu tenho bastante disposição, eu faço coisas demais [...]” (P7). ESCOLHA ACERTADA UM MARCO “[...] foi uma escolha acertada e essa é minha recomendação para quem vem me perguntar se deve fazer [...] mas, com um profissional responsável [...] tem que ter cabeça para suportar o pós-cirúrgico. [...] no pós fiz um quadro (depressivo) porque não sabia que no pós eu ia passar cinco dias sem ingerir nada, nenhuma gota de água.” (P3). “[...] foi um marco na minha vida [...] foi tudo de bom [...] mais expectativa de vida [...].Existe um “P” antes da cirurgia e um “P” depois [...]” (P2). “[...] eu falo assim: Poxa! O pessoal reclama do resultado da cirurgia e mesmo com a anemia [...] eu faço muito, se eu não tivesse eu não sei como é que ia ser, eu me sinto bastante produtiva. Eu não tinha uma expectativa estética, eu estou satisfeita [...]” (P 7). “A cirurgia foi algo muito importante em minha vida, um divisor antes e depois dela. Ela correspondeu às expectativas, com exceção ao fato de comer, a minha comida hoje é pouquinha e bem pastosa ou liquida e com isso estou tendo problema de anemia [...]” (P4). 60 8. COMO SE SENTE HOJE Paciente TEMPO DE OPERADO BENEFÍCIOS C/ CIRURGIA PREJUÍZOS C/ A CIRURGIA INTERESSES ANTERIORES INTERESSES ATUAIS P1 4 anos 9 na saúde; 9 na auto-estima; 9 na relação conjugal; 9 na vida sexual; 9 mais disposição para acompanhar a filha; 9 em vários aspectos da qualidade de vida. 9 uma espécie de “prazer” em comer e vomitar; 9 “desnutrição, a queda de cabelo, o que é mínimo, ínfimo perto da positividade que a cirurgia trouxe” 9 não vir acompanhada com mudança de hábitos; 9 comer: “Um ano antes da cirurgia o meu único interesse era operar e alcançar sobrevida. Cinco meses antes não pensava mais nada, só comer e operar.” 9 Trabalho; 9 conseguir lidar melhor com os problemas fisiológicos, nutricionais adquiridos com a cirurgia; 9 conseguir lidar melhor com a ansiedade; 9 conquistar um futuro melhor; 9 talvez experimentar a Psicoterapia; 9 estudar. P2 2 anos e 8 meses 9 vida social; 9 ser aceito; 9 facilidade de conquistar as coisas; 9 mais disposição para o trabalho; 9 não ser reconhecido (só no começo que dar susto nas pessoas é bom...); 9 separação da esposa; 9 trabalhar sem depender de alguém, 9 conseguir fazer coisas simples: sentar no chão, secar o pé, cortar a unha do pé... 9 deixar de mendigar carinho e afeto. 9 viver tudo que eu deixei de viver. P3 4 anos 9 na auto-estima; 9 saúde; 9 facilidade para comprar roupas; prazer (“... não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas ficou uma coisa faltando, no começo era pior... eu já tive algumas coisas de depressão...”) 9 culinária; 9 trabalhos manuais; 9 vivencia uma grande procura, está fazendo de tudo um pouco, mas falta algo. (“..., está faltando alguma coisa, é um prazer que ficou faltando.”) P4 1 ano e 6 meses 9 qualidade de vida; 9 melhora na autoestima; 9 poder comprar roupas mais bonitas; 9 conseguir lavar o pé; 9 fazer a higiene íntima; 9 pré-cirúrgico (“... os dois primeiros meses foram cruéis... no início até comi escondido, senti muita dor...”); alimentação (“minha única queixa em relação a cirurgia é a alimentação.”) 9 comer; 9 estar integrada a vida de sociedade, fazer amizades. 9 variados interesses: 9 cuidar do filho (“adotei um filho [...] ele preenche tudo na minha vida) 61 Paciente TEMPO DE OPERADO P5 2 anos P6 2 anos e 4 meses P7 4 anos e 6 meses P8 2 anos e 4 meses BENEFÍCIOS C/ CIRURGIA PREJUÍZOS C/ A CIRURGIA INTERESSES ANTERIORES INTERESSES ATUAIS 9 melhora fisica; 9 ficar mais “bonitinho” 9 saúde; 9 melhora na autoestima; 9 vida sentimental, relacional deu um salto; 9 melhora na vida sexual; 9 mais disposto e produtividade. 9 saúde; 9 conseguir subir na balança; 9 diposição; 9 produtividade; 9 não conseguir comer tanto; 9 variados 9 os interesses se mantêm. 9 desconforto com determinados tipos de alimento; 9 ciúme do cônjuge; 9 família; 9 livros; 9 natureza; 9 os mesmos interesses anteriores só que ampliados: Família, livros, natureza. 9 uma anemia que eu não tinha; 9 o medo se vão surgir novas dificuldades mais adiante, ninguém sabe responder; 9 medo de engordar; 9 como será na menopausa? 9 casar; 9 continuar estudando; 9 fazer o consultório dar certo; 9 ter uma casa. 9 me acho linda; 9 aceita pela sociedade; 9 mais seletiva; 9 gosto pelo estudo; 9 não sou saudável; 9 problemas psicológicos; 9 cobrança porque não come; 9 falta alguma coisa que você não sabe o que è; 9 depressão; 9 troca da comida por compras. 9 Comer; 9 continuar casada; 9 realização profissional; 9 terminar de construir a casa; 9 ganhar mais dinheiro; 9 continuar estudando; 9 ser menos dependente da família de origem. 9 viver; 9 estudar; trabalhar; 9 criar meus filhos; 9 fazer novos amigos; 9 viver tudo que eu nunca vivi. 62 PROFISSIONAIS Do material colhido a partir das entrevistas com os profissionais foi feito um recorte em dois temas: o atendimento no pré-cirúrgico e as principais queixas no pós-cirúrgico. ATENDIMENTO NO PRÉ-CIRURGICO: CIRURGIÃO: NUTRICIONISTA: PSICÓLOGA: “A gente procura antes da cirurgia conscientizar as pessoas que querem ser operados o quão é importante fazer esse acompanhamento pós-operatório [...] Principalmente o acompanhamento com a equipe da nutrição é fundamental. A pessoa tem que vir no mínimo, depois de dois anos de cirurgia, quatro vezes por ano ao consultório da nutricionista. E tem que ser nutricionista que esteja acostumado com acompanhamento de cirurgia bariátrica [...]” “[...] no começo, como pela redução gástrica muitas pessoas perdem peso mesmo, criou se esse mito de que a cirurgia ia resolver a obesidade sem nenhum, nenhuma contribuição do paciente e o que a gente viu que na prática não é assim. O paciente tem que contribuir, é papel dele, ele não é vitima da obesidade, ele é uma pessoa que tem uma doença, que tem um tratamento e que o tratamento exige dele um empenho para ele ter um resultado [...] Já no começo eu desmistifico, meu papel atualmente é desmistificar. Que é a hora que o paciente está mais receptivo, porque ele encontrou uma saída [...] É sempre é uma coisa fácil, eles vêm buscando essa pílula da beleza, da felicidade. Não é bem assim não, é um instrumento, tem o seu custo.” “[...] na maioria das vezes, eles já vêm para psicologia só para ter a avaliação, porque é uma condição pré-operatória. Então, assim, não tem, na verdade, uma demanda interna para essa busca, buscam porque é obrigatório e sem isso eles não vão fazer a cirurgia [...] eu sou um pouco terrorista porque eu acho que essa fase da avaliação ela é também um pouco didática, então as pessoas, muitas vêm com uma expectativa muita grande – ‘Ah! Então eu vou fazer a cirurgia, vou ficar magro e vou ficar lindo!’ O que não é real. Então, muita gente vem com essa expectativa muito grande de que vou resolver minha vida e o que vai mudar é que eu vou comer pouco, não é isso. Isso é o que muda menos, a quantidade de comida, porque aos poucos, com um determinado tempo, você aprende, estabiliza uma quantidade e vive bem com aquilo. O que eu tento estar mostrando muito para as pessoas é isso que outras mudanças podem surgir com essa decisão, com o tirar essa coisa da obesidade da vida dela [...] muita gente vem ainda com muitos mitos, muita fantasia, assim a luz no fim do túnel. Aí a gente tenta ‘baixar a bola’, ’ botar o pé no chão’ para que essa opção seja de fato, a opção para a vida toda. E tenta estar sensibilizando da necessidade de um acompanhamento no pós.” 63 PRINCIPAIS QUEIXAS NO PÓS-CIRÚRGICO: CIRURGIÃO: NUTRICIONISTA: PSICÓLOGA: Perda de peso insuficiente – “[...] a gente orienta que normalmente o resultado dessa cirurgia, em longo prazo, a pessoa perde em torno de 70% do excesso de peso. Então, tem aqueles pacientes que se queixam de ter perdido uma quantidade insuficiente de pesos [...] esses pacientes eles podem resolver esse problema através de uma mudança de postura com relação a hábitos alimentares, práticas de atividade física, eles respondem universalmente quando seguem essas orientações, claro que a gente não pode obrigar todo mundo a fazer isso.” Fome – “[...]é que quando ele avança um pouco ou come mais rápido, extrapola ele vomita, então tem paciente que realmente se queixa de fome [...] o meu papel diante desse problema: eu estudei a melhor maneira de comer, quanto tempo o paciente deveria gastar, como picar carnes, como picar o alimento, então na verdade é um trabalho da formiguinha, incansável.” Insatisfação com a nova imagem – “[...] imagem que não é bonita ainda porque é flácida [...], então ‘eu me olho no espelho eu estou feia’, [...] geralmente dizem ‘quando eu era gorda eu era gordinha socadinha [...]” Vômito – “nessa cirurgia é a queixa mais freqüente.” Não perder peso suficiente – “[...] continuam gordos, apesar de não ter um IMC de 40, mas estão numa obesidade grau 2, e que algumas pessoas perguntam: Você não vai fazer cirurgia? Você já fez a cirurgia? E que aí vai no médico e o médico diz: -‘ Não sei o que está acontecendo. Você está comendo errado’. E, aí vem toda aquela coisa da culpa do gordo.” Perda exagerada de peso “O paciente que perdeu peso demais, que quer e tem necessidade de ganhar algum peso, ou o paciente que perdeu muita massa muscular, esse paciente também através da orientação nutricional e atividade física pode ganhar peso, ganhar massa muscular.” Carências nutricionais – “As mais comuns são: falta de proteína e perda de muita massa muscular, isso se corrige suplementando a alimentação [...] Ou então, o paciente que tem anemia, ou deficiência de ferro, alguns problemas de déficits de vitaminas do Complexo B.” Dumping – “convivem bem, tem uns que sentem e vão levando.” Ficar abaixo do peso ideal – “[...] fiquei muito magra e estou feia, eu não queria ter ficado tão magra, isso gera uma angustia [...] ter que fazer uma dieta hipercalórica. E você imagina o conflito na cabeça dessa pessoa que a vida inteira lutou para emagrecer [...]” Medo de voltar a engordar – “[...] eu vou fazer essa dieta hipercalórica e se eu não conseguir frear [...] se isso descambar de novo, é uma angustia estar magro para o operado.” Dificuldade de parar de beliscar – “eu substituo essas beliscadas por coisas protéicas que dão mais saciedade, mas, às vezes, o paciente tem aquela, que é dele, não é da cirurgia, é dele, aquela fuga naquele alimento, naquela coisa, que às vezes é um biscoito, então, ele tem dificuldade de parar.” Relações interpessoais – “[...] e aí emagreceu, já fez plástica, está gatinha, e [...] não consigo me relacionar”, “meu casamento continua horrível”, casos extra-conjugais que geram muitos problemas e aí percebe que a obesidade não era o que gerava o problema desse casamento.” Cirurgia plástica – “eles ficam muito angustiado, em geral o paciente só se sente satisfeito, a grande maioria depois da primeira plástica. Ter um excesso de pele, às vezes, atrapalha a parte sexual [...] Então, muitas vezes, eu tenho que segurar, às vezes, ele ainda não está preparado [...]” Lidar com as mudanças – “[...] as pessoas apesar de dizerem que fariam de novo porque ficou curado de uma outra doença, muitos falam assim: ‘se eu soubesse que tinha essa coisa emocional eu não sei se eu tinha feito’, ‘eu não sabia que isso ia doer tanto’, ‘eu não sabia que o emocional era tanto na minha história’, ‘eu nunca tive contato com ele’ [...] tem uma mudança intrínseca nesse sujeito, que é um sujeito que aprende a se descobrir depois de 30 anos, e que é um descobrimento mais sofrido porque tem toda uma história de vida por trás disso aí. Têm alguns que conseguem elaborar e serem felizes.” “o ciúme” do companheiro; Baixa de libido - “é uma queixa que está ficando freqüente e o esperado é o contrário.” Alimentação –“ voltando a comer de novo e desenfreado que “o que é que eu faço? [...] “eu acho que estou ficando ansioso de novo?” 64 6. DISCUSSÃO Diante dos dados obtidos e visando compreender as mudanças na dinâmica subjetiva dos indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica a discussão dos referidos dados se dará dentro de três eixos: 1. A eleição do “alimento” como objeto privilegiado: a obesidade e suas implicações nas relações familiares e sociais. 2. A opção pela cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais. 3. A dificuldade em fazer a troca de objeto após a cirurgia: implicações do corte no corpo e no psiquismo. Antes, porém, é importante relembrar que os dados serão analisados a partir dos conhecimentos da psicanálise. Apresentamos no referencial teórico duas linhas de conhecimento que concebem diferentemente as questões que se inserem na problemática da obesidade. Para a psicologia cognitivista haveria um indivíduo em desequilíbrio, mas, por ser portador de uma capacidade interna adaptativa, conta com programações específicas e internas para adaptar-se ao meio e as suas variações. Nesse sentido, como vimos, o indivíduo ao comer em excesso poderia estar se automedicando, buscando um equilíbrio cerebral, para conseqüentemente alcançar um equilíbrio emocional. Conforme destacamos, essa visão exclui de suas sistematizações a temática da subjetividade. Nesse sentido, acreditamos que tal visão reduz muito todas as questões que envolvem o sujeito com essa problemática. Sob uma ótica psicanalista, questiona-se, portanto, acerca do que gerou esse tipo de funcionamento subjetivo. Ou seja, o que levou o sujeito a essa estratégia de buscar o alimento como se fosse uma adicção. Legnani ( 2003) destaca que o corpo em psicanálise é sempre 65 atravessado pela linguagem, pelo simbólico e que, dessa forma, pode - se inferir que as sinapses também são atravessadas pela cultura, pelas castrações simbólicas. Rompe-se, portanto, com a noção de causalidade sem que haja a exclusão do biológico, este é pensado como uma esfera que também faz parte do humano. Poderíamos afirmar, então, que o ato de comer em excesso não seria apenas uma questão adaptativa do cérebro, mas estaria marcado, também, por questões subjetivas e vice e versa. 1 – A eleição do “alimento” como objeto privilegiado: a obesidade e suas implicações nas relações familiares e sociais. Todos os participantes foram unânimes em dizer que desde a infância foram crianças acima do peso. É interessante observar as expressões utilizadas pelos pacientes para ilustrar tal situação: “sempre fui uma criança fofinha”, “gordinha”, “bebê maisena”, “redondinha”. Expressões que parecem denotar uma marca do discurso dos outros próximos. Ou seja, os sujeitos foram cunhados nesse lugar dentro da dinâmica da família e a partir daí começaram a se reconhecer nesta imagem, neste “espelho”. Outro aspecto relevante quanto ao início da obesidade na infância remete ao fato, já alertado por Recalcati (2002), em que a obesidade indica uma posição de passividade do sujeito que se encontra sem condições de promover qualquer forma de desmame da oferta ilimitada e asfixiante do Outro. Trata-se de uma postura em que não é possível recusar. Existe principalmente uma impossibilidade de recusar “o objeto alimento”, como foi visto na teoria, seria o dever de dizer sempre sim. O que fica claro no fala de um paciente pós-cirúrgico, trazida pela psicóloga: 66 “[...] as pessoas estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou tão passivo, porque hoje eu não falo só sim.” A relação dos pacientes com o objeto alimento, a forma como lidavam com ele antes e até depois da cirurgia, denuncia algo mais que uma fome constante e intensa, fala-se de uma relação privilegiada com esse objeto, que ora é de fuga: “na comida de certa forma eu desconto, eu como, tem gente que se droga, tem gente que faz outra coisa, eu como.” (P1); “A comida era um escape [...]” (P 3). O alimento assume o lugar de um objeto imprescindível, de um interesse incontrolável, uma espécie de vício e o indivíduo se vê impossibilitado de promover o “desmame”. Impulsionado também pelo discurso contemporâneo que se sustenta no fato de tentar suprir sempre todas as faltas, como pode se observar na fala dos pacientes: “[...] é difícil você administrar isso [...] antes era assim, eu era comedor de volume, a comida pra mim sempre foi uma coisa meio inconsciente, eu nem via, quando já via, já tinha comido [...]” (P1). “[...] quando você viu você já comeu, você não consegue se controlar é como um cigarro, é como álcool, a comida também é um vicio, as pessoas não encaram assim, mas é um vicio [...] perceber [...]” (P3). eu comia sem 67 A relação com o objeto alimento se caracteriza também na fala dos pacientes como uma relação prazerosa, uma referência na vida. “A comida era uma fonte de prazer eu percebi isso quando eu operei [...] Até hoje eu tô assim sem outra fonte, procurando uma outra fonte de prazer [...]” (P3). “[...] me agradava, me trazia prazer, aquela sensação, então quando comia, comia bem, comia bastante mesmo.” (P6). Essa relação parece indicar que o objeto real compensa o que o indivíduo não teve como acessar no nível simbólico. Ou seja, trata-se de uma posição subjetiva, na qual o sujeito ao receber as castrações simbólicas, não conseguiu redimensionar sua frustração e por isso se atém fixamente a um único objeto de prazer. Muitos dos participantes significaram a obesidade como restrição, outros como doença geradora de doenças, outros como algo fora deles, virtual, mas que mata. Podemos inferir que o indivíduo obeso experimenta uma sensação de sufocamento pelo peso do próprio corpo, como expressa esse paciente: “[...] a obesidade é a cruz que você carrega [...] coisa dificílima de lidar, complicadíssima de lidar [...] ela virou uma parte de mim, parte da imagem corporal, parte da minha preocupação diária é uma coisa que faz parte de mim e que é ao mesmo tempo uma parte de mim que fosse como um tumor, faz parte de você, mas está te matando aos poucos [...] mas, ainda é uma coisa pulsante em mim [...]” (P1). 68 E esse estado gera uma angústia, que não da falta do objeto, mas, pelo contrário, é devido ao excesso de objeto. Seria a angústia do “demasiado cheio”. Descreve a paciente, “É tão difícil de falar isso, porque é tão ruim, tão ruim, eu sentia tudo, sabe não tinha prazer, aquele prazer de sair, de viver, ela (obesidade) me deixou muito deprimida, muito angustiada porque também ela atingiu a minha saúde [...] eu tinha medo de morrer dormindo, podia ter um AVC, podia ter um enfarto, meu marido não dormia com medo que eu morresse dormindo.” (P4). Quanto à reação dos familiares e amigos ao longo do processo de ganho de peso e a vida em sociedade, os pacientes participantes desse estudo, de uma forma geral, fazem alusão à angústia gerada no outro pelo seu corpo, que se manifestava ora sob a forma de um controle externo: “Eu falo assim que a minha obesidade incomodava muito mais as pessoas do que a mim, tipo assim: Nossa! Você não tem vontade de emagrecer; Ah! Eu conheço não sei quem, não sei aonde que faz dieta tal [...]” (P7). Ora sob a forma de avacalhações, que irritavam, machucavam, “[...] ficavam com umas brincadeiras bobinhas que chateiam [...] até mesmo o marido de vez em quando jogava uma piadinha, por mais que fosse de brincadeira machucava [...]” (P4). 69 Outros se mostravam acolhedores, até pela convivência, pelo parentesco: “Os familiares e os amigos eles convivem com você sempre, toda aquela situação se torna uma situação natural, não vê com a gravidade que a coisa realmente é, ou pelo menos não transparecem isso, né. Só que a coisa toma proporções que é grave [...]” (P6). Dentre o pacientes, apenas um não fez referência à mãe ao trazer o histórico da convivência com a obesidade. A mãe foi apontada algumas vezes como aquela que se sente responsável pela obesidade do filho, que quer ajudar, que deseja mais do que o filho a seu emagrecimento. Uma mãe que se coloca como co-dependente da problemática e parece ver nesse filho um objeto que gera angústia. Como relata um paciente: “[...] a minha mãe acabou criando uma paranóia por causa disso (minha obesidade), ela perseguia [...] levava num médico, levava num outro, ficava louca. É como se ela tivesse um sentimento de culpa [...]. Ela não tem sobrepeso porque ela se cuida muito, ela tem uma tendência enorme, mas ela se cuida demais hoje, ela é muito controlada, ela não se conforma. Bom, ela acha que infelizmente a gente teve esse problema [...]” (P1). O sentimento de exclusão também comparece de forma contundente diante dos padrões rígidos de beleza que assolam o nosso contexto: 70 “A sociedade cobra muito, a beleza de certa forma pesa mais do que qualquer outro aspecto. Hoje (depois da cirurgia) as pessoas só elogiam, às vezes, passam perto e não me reconhece.” (P4). “[...] ainda mais na sociedade atual em que o padrão de beleza é muito rígido e qualquer coisa que fuja disso é muito mal visto. Então hoje em dia a pessoa ser gordo é estar totalmente fora do contexto, se as pessoas sofrem porque tem um nariz um pouco grande, tem a orelha um pouco deslocada, porque tem uma bolsinha de gordura debaixo do olho, imagina a pessoa que sofre de obesidade mórbida.” (P6). Outra questão que perpassa a relação sujeito obeso e a sociedade é o preconceito no que tange às diferenças: “O gordo é sempre o engraçado, é o que tem o rosto ‘tão bonito’, é o preguiçoso, é o que não emagrece porque não quer, não tem força de vontade. Isso é muito triste!” (P3). “[...] o pior preconceito não é o racial é com o gordo, porque você não tem cadeira para sentar, você não tem um cinema, um avião, as pessoas na rua não falam olha o preto na fila, não, é o gordo na fila, olha aquele gordo, olha que ridículo. Aí você se fecha numa mentira achando que está tudo bem.” (P8). 71 2 – A opção pela cirurgia: o enfoque dado pelos pacientes e pelos profissionais Os pacientes participantes desse estudo diferiram do que foi encontrado na literatura. Geralmente a cirurgia é encarada como “a solução”, “a luz no fim do túnel”, marcada com uma esperança meio mágica. No grupo de pacientes entrevistados observou-se uma espécie de esperança no tratamento, mas nada fantasioso, a maioria estava bem informada quanto aos procedimentos e as condições pré e pós-cirúrgicas. Mesmo assim nada se compara, eles reconhecem, com a experiência pessoal de mal estar que enfrentam no pós-cirúrgico. Apenas duas pacientes, que passaram por uma técnica de vídeo-cirurgia, se queixaram de não terem sido suficientemente informadas e preparadas para enfrentar o pós-cirúrgico. Uma delas relata ter entrado num quadro depressivo devido a tantas mudanças de uma só vez, e mudanças que geravam sofrimento. ‘[...] é muito bonito o que eles colocam no papel quanto ao programa da cirurgia, do preparo psicológico do controle pós-operatório até três anos da cirurgia, no papel. Mas aquilo não foi cumprido, pelo menos no meu caso, conheço pessoas em situação pior que a minha, que não tinham o mínimo de condições psicológicas e depois fazem barbaridades [...] mas, no pós-operatório fiz um quadro depressivo porque não sabia que eu ia passar 5 dias sem ingerir nada, nenhuma gota de água.” (P3). O pensamento de que a cirurgia é a “tábua de salvação” predispõem os pacientes, segundo os profissionais entrevistados, a assumirem uma postura de passividade diante do 72 tratamento cirúrgico. Um dos pacientes reconheceu que não perdeu mais peso porque não se predispôs a isso, não mudou hábitos, não assumiu o tratamento ainda: “[...] talvez as pessoas me olhem hoje e ainda estou obeso, não me viram antes, eu cheguei a um IMC 64 Kg/m2 perdi 80kg, atualmente tenho 105Kg tenho 1,61m. Tirei 80 Kg das costas, do corpo e ainda não está ideal tenho que emagrecer mais. Mas eu posso falar que esses os 80 Kg que perdi foi a cirurgia que me ajudou a perder, eu não fiz por onde perder. Se eu tivesse feito mais já teria perdido mais.” (P1). Como pôde ser observado nas duas tabelas que mostram as doenças apresentadas pelos participantes, antes e depois da cirurgia, eles se encontravam com a saúde bastante comprometida, sem perspectivas de sobrevida e com várias tentativas de emagrecimento frustradas. Nesse contexto, para alguns a opção pela cirurgia apareceu como única saída, em um momento de vida extremamente crítico: “A cirurgia significou pra mim um caminho assim, sem opção: Ou você faz ou você morre, não tem opção.” (P1). “Eu não tinha mais vida, os meus filhos não tinham mais vida e eu tomei a decisão mesmo, quando não consegui lavar a minha bunda tomando banho.” (P8). “[...] chegou um ponto que eu comecei a perceber assim que era uma coisa de saúde, eu precisava emagrecer, era jovem e tava com aquela 73 obesidade, tinha dois filhos pequenos. Eu não estava conseguido emagrecer com dieta [...]” (P3). Para outros a cirurgia surgiu como uma alternativa a mais, diante de tantas outras, já experimentadas, que não produziram efeitos duradouros: “(a opção pela cirurgia) surgiu depois de tentar várias coisas antes, dieta com remédio, dieta sem remédio, acho que eu tomei 80% dos remédios que existem aí.” (P5). Nos atendimentos pré-cirúrgicos, os profissionais entrevistados foram unânimes em dizer que o foco principal é desmistificar as expectativas irrealistas dos pacientes em relação à cirurgia: “Já no começo eu desmistifico, meu papel atualmente é desmistificar. Que é a hora que o paciente está mais receptivo, porque ele encontrou uma saída [...] E sempre é uma coisa fácil, eles vêm buscando essa pílula da beleza, da felicidade. Não é bem assim não, é um instrumento, tem o seu custo.” (Nutricionista). “A gente procura, antes da cirurgia, conscientizar as pessoas que querem ser operados o quão é importante fazer esse acompanhamento pós-operatório [...].” (Cirurgião). 74 “[...] muita gente vem com essa expectativa muito grande de que vou resolver minha vida e o que vai mudar é que eu vou comer pouco, não é isso [...] muita gente vem ainda com muitos mitos, muita fantasia, assim a luz no fim do túnel. Aí a gente tenta ‘baixar a bola’, ’ botar o pé no chão’ para que essa opção seja de fato, a opção para a vida toda. E tenta estar sensibilizando da necessidade de um acompanhamento no pós.” (Psicóloga). Os pacientes entrevistados que tinham um tempo de operado que variava de um ano e seis meses à quatro anos e seis meses de cirurgia foram unânimes em dizer que a cirurgia representou sobrevida, saúde, uma escolha acertada, um marco na vida. Eles ressaltaram muitos benefícios com a cirurgia, como está apresentado no item 8 dos resultados. Para alguns pacientes os problemas decorrentes da cirurgia são mínimos diante de todos os problemas de saúde que tinham antes, que vinham convivendo a anos, e relatam que aprendem a lidar bem com isso, são disciplinados. Para outros, talvez até devido à falta de informações relativas à cirurgia e ao pós-cirúrgico se vêem surpreendidos por uma desagradável novidade. “[...] desnutrição, a queda de cabelo, o que é mínimo, ínfimo perto da positividade que a cirurgia trouxe.” (P1). “[...] uma anemia que eu não tinha; o medo se vão surgir novas dificuldades mais adiante, ninguém sabe responder.” (P7). “[...] não sou saudável; tenho problemas psicológicos.” (P8). 75 Outro ponto mencionado entre as perdas depois da cirurgia é em relação à alimentação, por mais que já tivessem ouvido sobre as mudanças relativas a alimentação por parte dos profissionais, dos colegas operados, foi e está sendo para esses pacientes algo difícil de lidar, ainda mais que, quase todos relataram que comer era um dos seus interesses, quando não o único antes da cirurgia. Ou seja, não foi possível identificar, a partir das respostas dos entrevistados, se o fato de a cirurgia ter se constituído como a única possibilidade diante de morte proporcionou-lhes uma postura menos nostálgica em relação ao “objeto - alimento”. “Perdi o prazer [...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas ficou uma coisa faltando, no começo era pior [...]” (P3); “minha única queixa em relação a cirurgia é a alimentação.” (P4); “não conseguir comer tanto.” (P5); “sinto desconforto com determinados tipos de alimento.” (P6). 3- A dificuldade em fazer a troca após a cirurgia: implicações do corte no corpo e no psiquismo. Retomando o conceito de castração de Dolto, que pressupõe uma proibição que se opõe a uma satisfação antes conhecida, mas que teve que ser ultrapassada, deslocada, podemos supor que a cirurgia de redução do estômago não funciona como uma castração simbólica, mas sim uma que é feita no real do corpo do paciente. Mesmo assim, verificamos junto aos entrevistados, que este corte pode encaminhar o sujeito para um processo de sublimação, de troca de objeto, mas esse não será um caminho fácil, será tortuoso e dependerá de uma escuta clínica para que essa possibilidade ocorra. 76 Como foi visto, na obesidade existe “a falta da falta”, há um corpo sem fala, “devido ao demasiado cheio de gozo que o marca”. A cirurgia além de todos os benefícios proporcionados ao sujeito, ocasiona ao mesmo “freqüentar” uma nova posição, na qual algo falta. Esta posição pode vir a desembocar numa posição desejante que possibilite ao sujeito transitar entre vários objetos e abandonar o objeto privilegiado que era o alimento em excesso: “[...] hoje eu como, mas não é a mesma coisa, hoje eu tenho outros interesses [...]” (P2). “[...] não vejo o não poder comer como perda simplesmente é até qualidade de vida.” (P5). Ou simplesmente eleger um novo e único objeto absoluto, ou ainda, permanecer veladamente com o mesmo: “Tem outras coisas que são mais graves você troca a compulsão da comida, você tem que trocar por alguma outra coisa, eu troquei por compras, tive um problema seriíssimo que agora que eu estou conseguindo me recuperar de tantas dividas que eu fiz.” (P8). “[...] hoje, tenho um defeito maior [...] vômito [...] acabei desenvolvendo um mecanismo de alívio, e esse alivio acaba virando meio prazeroso no encher e no esvaziar. Em determinadas épocas que eu tô com isso mais acentuado e sei que está relacionado à ansiedade... 77 Até hoje nos momentos de ansiedade recorro à alimentação, não ganhei outro hábito [...]” (P1). “[...] adotei um filho [...] ele preenche tudo na minha vida, [...], eu estou sempre com ele, tudo que eu vejo é pra ele, é uma criatura que veio para encher a minha vida de felicidade de alegria, de prazer, de tudo”. (P4). Em outras palavras: a castração como descrita por Dolto é um processo de mudança em um ser humano, quando outro ser humano lhe significa que a realização de seu desejo, sob a forma que gostaria de lhe conceder, é proibida por uma Lei que irá lhe possibilitar uma vida humana cheia de “altos e baixos”, mas uma vida em que se têm escolhas. Ao nos referirmos à cirurgia de redução de estômago como uma castração, a comparamos com a mais radical de todas elas que o ser humano terá que vivenciar: a castração umbilical, na qual, ocorre também um corte no real do corpo, que corresponde a retirada da criança da passividade da vida intra-uterina, a separação do corpo da mãe, a saída de um estado vital, único e conhecido, no qual se tem certezas. Mesmo assim, o que torna a castração umbilical simbolígena é a linguagem, a qual deverá marcar repetidamente a audição do bebê e lhe mostrará o efeito que o seu ser causa no campo desejante dos pais. Ou seja, é a linguagem que simboliza também essa castração e impulsiona o bebê na potência de seu desejo. A suposta castração realizada na “redução do estômago”, a partir do corte no real do corpo torna imediatamente “impossível”, ao custo da própria vida, a satisfação do desejo do consumo excessivo de alimento. O que coloca o sujeito operado numa situação que “exige” o abandono daquela forma de satisfação até ali conhecida, possibilitando-lhe que ele possa 78 passar a um tipo de gozo mais elaborado, com outros e variados objetos da cultura. Mas, como nas outras castrações essa interdição só será positiva se for simbolizada. Ou seja, quando for possibilitado ao sujeito significar sua experiência, o que sente, o que se passa com ele: “A cirurgia correspondeu todas as minhas expectativas, muito além do que eu imaginava, eu achei que eu ia perder 30kg, 40kg, eu achei que eu ia ser menos gorda, e não uma completa magra. Eu nunca imaginei na minha vida que eu fosse ter um IMC quase abaixo do normal. É realmente uma coisa milagrosa, porém, tem que ser uma coisa bastante consciente. O principal depois da cirurgia não são só as vitaminas para manter a sua saúde, é o psicólogo, e aí você larga o psicólogo porque é caro, porque tem que pagar, porque é bobagem, porque agora eu estou magra, estou feliz, não tem mais problema, mas, se você não tem o psicólogo você vai ficar louco.” (P8). Pela fala desses pacientes é como se com o passar do tempo, ao se perceber impossibilitado de ter o objeto-alimento, o sujeito fosse sendo remetido ao vazio do objeto primeiro que ele não consegue fazer ser o objeto primordial perdido: “[...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas ficou uma coisa faltando, no começo era pior... eu já tive algumas coisas de depressão [...] depois da cirurgia eu perdi aquele prazer, eu não tinha mais vontade de ir ao supermercado porque eu não sabia o que eu ia comprar. Eu perdi assim [...] não tenho vontade de comer nada, não sei o que escolher. Perdi aquela vontade [...] Parece assim, que eu 79 desliguei um botão na cabeça, aquela coisa que eu tinha com a comida, de vontade de comer, depois que eu fiz a cirurgia parece que eu desliguei aquilo, eu como [...] mas, não tenho mais prazer [...]” (P3). “falta alguma coisa que você não sabe o que è.” (P8). Numa visão psicanalítica não se trata só de informar, mas dar palavras, ajudar a nomear as sensações do antes, do vazio, de agora, respeitar e valorizar o desejo. Esse sujeito terá que fazer um luto. Há uma melhora da saúde, da auto-estima, da vida social, da qualidade de vida, mas não se pode negar que houve também uma perda que precisa ser significada. Foi possível perceber, talvez até devido à diferença do tempo de operado de uns pacientes para outros, que alguns estão num processo de busca de significação, simbolização dessa vivência, dessa castração. Como os casos dos que estão em psicoterapia individual ou em grupo. Têm alguns que buscam simbolizar esse acontecimento colocando-se como agentes de informação em reuniões de preparação para cirurgia bariátrica, reuniões de discussão de temas que envolvem pessoas operadas, falando incansavelmente a outros de suas experiências, das suas dificuldade e conflitos após a cirurgia. A psicóloga entrevistada ilustra o aspecto do processo de elaboração desse luto, que se apresenta por um posicionamento diferente na vida: “Tem muita gente que você fala eu não acredito que você está falando isso. Hoje conseguem sentar e falar das suas angustias, falarem dos seus problemas falarem do que incomoda e resolver o seu problema. Antes não sentiam segurança ou firmeza para estar fazendo isso. Assim, 80 tem coisas fantásticas, que surgem: ‘quando eu fiz a opção para cirurgia eu sabia que eu podia passar por tudo isso e as pessoas estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou tão passivo, porque hoje eu não falo só sim.’” (Psicóloga). São inegáveis os benefícios da cirurgia, como a melhora na saúde e na perspectiva de vida. Mas ainda assim existem algumas queixas importantes apontadas pelos pacientes e pelos profissionais da equipe de cirurgia bariátrica: vômito, desconforto com determinados tipos de alimentos, questão da quantidade de comida, voltar a comer muito, beliscar, a fome, dumping, déficits nutricionais, medo de voltar a engordar, perda de peso insuficiente ou exagerada, troca da comida por outros hábitos, questões psicológicas, problemas nas relações interpessoais, ciúmes, separação conjugal, não vir acompanhada da mudança de hábitos, falta de um prazer, um vazio, depressão, mudanças bruscas no contorno do corpo, no peso, a urgência das plásticas, o não ser reconhecido, baixa da libido. Tais queixas, tão diversas, vêm direcionadas a uma equipe interdisciplinar, e não a um único profissional. Esse aspecto da interdisciplinaridade necessita ser reconhecido e administrado tanto no sentido de que a equipe conheça determinadas áreas do conhecimento, para assim, orientar e encaminhar os pacientes. Como também na compreensão de que é pretensioso e ineficaz recorrer a apenas uma disciplina quando se trata de lidar com o ser humano. As queixas apresentadas pelos pacientes parecem indicar que eles estão em processos diferentes ou em momentos diferentes de um mesmo processo, pois algumas sugerem um progredir na elaboração do luto ocasionado pela cirurgia, outras a descoberta de que a obesidade não era o problema, mas apenas parte dele, conseqüência dele, ou mesmo uma defesa contra determinado conflito e tem aquelas queixas que denunciam uma acomodação. 81 Na verdade, não se trata de uma situação fácil de ser enfrentada, ela vem carregada de muitas mudanças, boas e ruins, o que não significa como discutimos anteriormente, que seja impossível uma elaboração de outra forma. Nesse sentido, ressaltamos mais uma vez a importância de um trabalho interdisciplinar não só no pré-cirúrgico, mas igualmente no póscirúrgico. 82 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cada pessoa tem uma história, que se iniciou, não se sabe quando no desejo de outros... E, desde esse “não se sabe quando” começou a se constituir como sujeito. É importante ressaltar que não se está falando aqui de um sujeito passivo, mas de um sujeito que na medida das possibilidades encontra várias estratégias para o seu “ser”. Nesse sentido, é que se pode compreender que determinadas formas de se estar no mundo, de se estabelecer relações, de se eleger os objetos, ou privilegiar um objeto, não diz só de um hoje, mas de uma história, na qual a doença, o sintoma adveio como defesa, como refúgio, como melhor estratégia possível. Dessa forma, focar o sintoma, ou até paralisá-lo não significa “curá-lo”, como nos casos de obesidade mórbida. É importante ressaltar, que nesse estudo, não se está negando a presença das questões orgânicas. A visão que se têm é de que o psíquico e o orgânico não são campos separados, sendo assim, as mudanças produzidas em qualquer um deles produz mudanças em ambos. Por isso, ao comparar a cirurgia bariátrica a uma castração e a alimentação excessiva a uma espécie de adicção, insistimos que ela seja significada, simbolizada. Para não se correr o risco de que o sintoma encontre outra forma de vir à tona, outra adicção. Na cirurgia bariátrica, o sujeito ao perder o objeto de satisfação privilegiado, que era a alimentação excessiva, e ao ficar numa posição de falta, têm uma nova possibilidade de dirigir a energia que era investida nesse objeto para outros meios, outros encontros. Mas essa capacidade de novos investimentos pode tomar uma forma tanto construtiva como destrutiva. Nesse sentido, que salientamos a importância do acompanhamento psicológico após a cirurgia. O profissional da psicologia, como integrante da equipe interdisciplinar estará auxiliando os sujeitos que passaram pela cirurgia, num processo de simbolização, ou seja, de 83 re-significação, de re-qualificação do que sentem, de suas angústias, de seus desejos, enfim, de sua forma de estar no mundo e de viver. O trabalho interdisciplinar, como o realizado pela equipe entrevistada se mostra útil no sentido de conscientizar o paciente de que o tratamento será para o resto da sua vida, bem como pra retirar o caráter mágico da cirurgia. Acreditamos que o papel do psicólogo, na equipe interdisciplinar, além do processo de avaliação para cirurgia seria o de gerar demanda, respaldado pela equipe, para um acompanhamento psicológico no pós-cirúrgico. O que poderia acontecer durante os atendimentos no pré-cirúrgico, como também nas reuniões informativas sobre a cirurgia, realizadas periodicamente pelas equipes de Cirurgia Bariátrica. Por ser a obesidade uma doença que está tomando caráter epidêmico não só em países industrializadas, mas especialmente neles e com alta prevalência de seu surgimento na infância, e devido a grande procura das cirurgias bariátricas acredita-se que sejam relevantes maiores discussões interdisciplinares em torno desse assunto, por meio, de fóruns, simpósios, etc., em que a problemática da obesidade possa ser tratada, tendo em vista o resgate da subjetividade. Considerando também a necessidade de discussões em torno desse novo procedimento, que é a cirurgia bariátrica, que pode vir a trazer, sem dúvidas, muitos benefícios para a qualidade de vida do paciente. 84 REFERÊNCIAS ADES, Lia; KERBAUY, Rachel Rodrigues. Obesidade: realidades e indagações. Psicologia USP, São Paulo, v.13, n.1, p.197-216, 2002. ALMEIDA, Graziela Aparecida Nogueira de; LOUREIRO, Sonia Regina; SANTOS, José Ernesto dos. A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do desenho da figura humana. 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Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua experiência profissional junto a pacientes obesos mórbidos em processo de preparação e pós-cirurgia bariátrica, por meio de uma entrevista. Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada e o que disser será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária e se o senhor (a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos em sigilo. Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica, garantindo a sua privacidade em todo o processo. Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006. _____________________________________ Assinatura do(a) participante _____________________________________ Adriana Ap. de Andrade e Silva Graduanda em Psicologia ([email protected]) 89 APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido – profissionais TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa na área de Psicologia intitulada “Cirurgia Bariátrica – como a psique significa esse corte no corpo?”. Este estudo está sendo conduzido pela graduanda em psicologia da Universidade Católica de Brasília Adriana Aparecida de Andrade e Silva, orientada pela Profa. Dra. Viviane Legnani. Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender as mudanças na dinâmica subjetiva dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica. Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua convivência com a obesidade, sua experiência referente ao processo de preparação e sobre sua situação após a cirurgia bariátrica, por meio de uma entrevista. Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada e o que disser será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária e se o senhor (a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos em sigilo. Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica, garantindo a sua privacidade em todo o processo. Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006. __________________________________________ Assinatura do(a) participante __________________________________________ Adriana Ap. de Andrade e Silva Graduanda em Psicologia ([email protected]) 90 APÊNDICE C – Ficha de dados pessoais DADOS PESSOAIS Entrevistado:____ Idade: ______ Tempo de Cirurgia:___________ Estado Civil:________________________ Escolaridade:___________________________________ Profissão:______________________________________ Problemas de saúde: Antes: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Depois: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Interesses: Anteriores: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Atuais: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 91 APÊNDICE D - Roteiro para entrevista com pacientes submetidos à cirurgia bariátrica 9 Processo de ganho de peso; 9 Significado da obesidade; 9 Reação dos familiares e amigos ao longo do processo de ganho de peso; 9 A sociedade x obesidade e obeso; 9 Relação com a comida; 9 Cirurgia Bariátrica; 9 Situação atual (ganhos e perdas) 92 APÊNDICE E - Roteiro para entrevista com os profissionais que atendem obesos mórbidos para cirurgia bariátrica 9 Percepção da relação do obeso mórbido com a obesidade; 9 Percepção da relação do obeso mórbido com a comida; 9 Principais queixas do paciente nas consultas do pré-cirúrgico; 9 Principais queixas do paciente no pós-cirúrgico; 9 Dificuldades encontradas pela equipe no acompanhamento desses pacientes.