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Valor Econômico – 10 de outubro de 2014
Nova equipe restabelecerá confiança, diz Mercadante
Por Leandra Peres e Andrea Jubé | De Brasília
Mercadante: "A média de crescimento nos anos FHC foi de 2,3% e a de Dilma será
de 2,1%; é muito próxima, mas num cenário econômico muito mais adverso"
Atualmente, a única coisa que distrai o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio
Mercadante, de sua nova função como porta-voz econômico da campanha da
presidente Dilma Rousseff à reeleição, é Isabel, a neta recém-nascida. No tablet do
ministro, os vídeos da bebê dividem espaço com as estatísticas sobre o desempenho
econômico do governo tucano, o escrutínio detalhado da passagem de Aécio Neves
pelo governo de Minas Gerais, e outros dados que servirão à comparação com os
governos adversários na economia.
Ele também já cita de memória outras informações contidas em mais dois calhamaços
de papéis impressos, além de um caderno em espiral, que ficam sobre sua mesa no
comitê da campanha. Mercadante quer comparar os governos tucano e petista. Na
estratégia de campanha para o segundo turno, acredita levar vantagem na disputa
econômica e social, e o alvo escolhido é Armínio Fraga, o ex-presidente do Banco
Central e futuro ministro da Fazenda em um governo do PSDB, celebrado presidente
do Banco Central do governo Fernando Henrique Cardoso.
Sobre o futuro, o ministro da Casa Civil diz que o PT não fará política econômica
ortodoxa e reconhece que é preciso melhorar o diálogo com o setor privado, esforço
que ele promete fazer pessoalmente. A política fiscal continuará buscando o maior
superávit possível, a inflação não saíra do teto da meta e os preços administrados não
exigirão choques em 2015 porque não estão represados.
Mercadante nega, ainda, ser o próximo ministro da Fazenda e diz que a candidata
Dilma Rousseff está pronta para debater as denúncias de corrupção na Petrobras com
qualquer um.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, concedida na noite de quartafeira e manhã de quinta-feira, em Brasília.
Valor: Como o senhor define a política econômica de um segundo mandato do
governo Dilma?
Aloizio Mercadante: A nossa concepção de desenvolvimento é a ideia do social
como eixo estruturante do desenvolvimento econômico. O emprego para nós não é
uma variável de ajuste como é para a oposição. Temos uma política econômica onde o
social é estratégico para as nossas decisões. A oposição não consegue ter uma visão
que não seja economicista de manual. PIB para o povo é emprego e renda. Dizer,
como está dizendo, que é preciso tomar medidas impopulares e que quanto mais
rápido isso for feito, menor será o custo... menor para quem?
Valor: Pode-se concluir, então, que os princípios e programas da política econômica
do primeiro mandato serão mantidos tal como foram aplicados?
Mercadante: Se falarmos em responsabilidade fiscal, compromisso social como eixo
estruturante da economia, a ideia do mercado consumidor, esses valores são
fundamentais. Quando o governo FHC se encerrou, a extrema pobreza chegava a 14%
da população. Hoje é de 5,3%. A pobreza em geral era 34,4% no fim do governo
deles. Em 2012, último dado disponível, está em 15,9%. O emprego formal era 28,7%
e em 2012 era 48,2%, segundo dados do Ministério do Trabalho. Nós éramos a 14ª
economia do mundo. Hoje somos a sétima. No período deles, de 1995 a 2002, o PIB
per capita cresceu 3%; no nosso governo, 30%. Não há termo de comparação de qual
foi o modelo mais exitoso em termos de crescimento.
Valor: Uma das críticas do ex-presidente do Banco Central e futuro ministro da
Fazenda num eventual governo de oposição, o economista Armínio Fraga, é que não
se pode comparar resultados dos governos PT e PSDB porque os cenários
econômicos são diferentes. Para o senhor, que também é economista, a comparação é
válida?
Mercadante: É o melhor caminho para o debate democrático. A crise que
atravessamos desde 2008 é muito mais grave e atingiu o centro da economia
internacional. Ao contrário do passado, que eram crises da periferia; na Rússia, na
Tailândia, na Argentina, no México. E o Brasil agora conseguiu ter um dos melhores
desempenhos no emprego, manteve as políticas sociais e a valorização dos salários.
Fizemos uma política econômica prudente, de acúmulo de reservas cambiais e de
melhora na solvência e saúde fiscal da sociedade brasileira.
Valor: O governo Dilma trocou o tripé macroeconômico mantido inclusive pelo expresidente Lula pela nova matriz macroeconômica do PT, que inclui câmbio
desvalorizado, juros mais baixos e energia mais barata?
Mercadante: A inflação esteve abaixo do teto da meta em todos os anos do governo
Dilma. Nos quatro anos de Armínio no governo FHC estouraram o limite superior da
meta em dois anos. Nós desendividamos o Estado brasileiro. A oposição recebeu a
dívida pública em 28% do PIB, entregou em 60% do PIB e nós reduzimos para 35%
do PIB. Tivemos responsabilidade fiscal. Temos uma política de câmbio flutuante em
que o Banco Central tenta evitar oscilações muito bruscas. É muito importante para o
país ter um câmbio que contribua com a estabilidade, mas sobretudo com a
competitividade da economia. Nós cumprimos a meta inflacionária, melhoramos a
contabilidade pública e estamos conseguindo manter as menores taxas de juros dos
últimos 20 anos. Então, de que tripé está se falando?
"O voto no 1º turno não está assegurado para ninguém, o 2º turno é uma nova
eleição, o debate começa agora"
Valor: Falando sobre as estratégias econômicas, qual a diferença entre chegar a um
superávit fiscal de 3% do PIB em dois ou três anos, como propõe o PSDB, e o projeto
de Orçamento do governo Dilma de fazer uma economia de 2% a 2,5% do PIB já no
ano que vem? Não estão falando a mesma coisa?
Mercadante: Estamos dizendo que temos responsabilidade fiscal mas que temos que
fazer política anticíclica em determinadas situações. Faremos todo o esforço fiscal
possível. Cortar gasto público é como cortar cabelo, tem que fazer sempre. Mas
quando faz um ajuste fiscal de uma visão ortodoxa, sem olhar o conjunto da economia
e da sociedade, é o mesmo que estar com um avião pesado, com muita carga, e
resolver jogar a turbina fora para reduzir o peso. Você cai, o país cai. Nós temos que
fazer ajustes fiscais seletivos, inteligentes, que preservem os mais pobres e continuem
o esforço de distribuição de renda e inclusão social.
Valor: Um ajuste fiscal seletivo e inteligente aparentemente se choca com a
contabilidade criativa nas contas públicas de que o governo Dilma é acusado. A
contabilidade criativa vai sair do arsenal dos economistas do governo?
Mercadante: Na minha visão, quanto mais transparência nós tivermos, mais
credibilidade e mais esforço fiscal, melhor. Mas nós não faremos uma política
ortodoxa e recessiva. Essa é a diferença de fundo.
Valor: Essa maior transparência alcançaria a inclusão dos gastos com subsídios
hoje dados ao BNDES e que estão fora do Orçamento da União?
Mercadante: A gente deveria olhar a experiência da China.
Valor: A China é um bom padrão de transparência fiscal?
Mercadante: A China é o país que mais cresce no mundo e tem o maior banco
público do mundo. A Alemanha tem o segundo maior banco público do mundo.
Deveríamos olhar esses dois países e verificar quais são os instrumentos que eles
utilizam para ganhar competitividade sistêmica e o papel dos bancos públicos.
Valor: O debate não deveria incluir os gastos com subsídios?
Mercadante: Em junho de 2002, o Valor publicou uma matéria sobre reunião do
Armínio em que defendeu na Merrill Lynch o programa de privatização do Banco do
Brasil e da Caixa Econômica Federal, com base num estudo feito pela consultoria
Booz Allen. Eles têm uma concepção de retirar os bancos públicos do protagonismo
no financiamento da economia brasileira. Se nós não tivéssemos os bancos públicos
na retração de liquidez em 2008, o Brasil não teria o desempenho que teve nessa crise.
Agora, se querem discutir novas formas de financiamento de longo prazo e construir
mecanismos de mercado para ajudar o financiamento de longo prazo, eu estou
inteiramente de acordo. Acho bom esse debate ficar bem claro porque quando você
pega os mesmos ingredientes, o mesmo cozinheiro e a mesma receita, vai dizer que o
prato será diferente? Não, o prato é o mesmo.
Valor: Qual será a política de preços administrados num segundo governo Dilma?
Vamos olhar para a frente, sem comparações para trás, entre "nós" e "eles", sem
falar em Lula e Fernando Henrique, mas explicando o segundo governo Dilma?
Mercadante: Não, peraí. A gente lê os jornais e não parece que tem uma disputa.
Parece que tem só um projeto sendo discutido. Agora tem dois. Nós vamos discutir o
projeto deles e o que eles fizeram com o Brasil. Vamos falar de preços administrados.
Valor: Sim.
Mercadante: Preço administrado não é preço livre. Existem regras de reajustamento,
contratos, procedimentos. Energia, por exemplo: tivemos uma seca, um aumento forte
do custo e os preços estão sendo reajustados em função dos prazos contratuais com
percentuais muito elevados. O que nós dizemos é que não existe um represamento de
preços que exija um choque imediato. É isso que estamos dizendo o tempo inteiro.
Valor: No caso da energia, que o senhor citou, o governo intermediou empréstimos a
empresas para reduzir os aumentos. Esses recursos terão que ser pagos nos próximos
anos com elevação de tarifas. Em quanto tempo é possível voltar à normalidade?
Mercadante: A normalização do setor de energia depende fundamentalmente do
regime hidrológico. O aumento da energia teve um custo, mas é muito menor do que
o racionamento imposto pela falta de planejamento e pelo modelo regulatório que o
PSDB teve no passado.
Valor: Ainda sobre preços, o reajuste dos combustíveis será guiado por alguma
fórmula pré-definida?
Mercadante: O preço do petróleo em qualquer país que tem uma base industrial e
que tem o petróleo como uma fonte da matriz energética importante, não pode estar
indexado ao preço internacional, porque um acidente no Oriente Médio causa uma
oscilação e em seguida esse preço volta. Você tem que ter critérios um pouco mais
consistentes de reajuste de preços porque a energia é um elemento estratégico em
termos de competitividade para a indústria. Os reajustes da gasolina têm sido feitos
anualmente. Houve aumento em dezembro de 2012, em janeiro de 2013. Os critérios
[de reajuste] têm que ser de política energética para o desenvolvimento do país.
Valor: O senhor compara dados de crescimento econômico, mas os números desse
ano mostram o país em recessão técnica e inflação acima do teto da meta este mês.
Mercadante: Tivemos uma desaceleração importante no primeiro semestre, mas
indicadores antecedentes estão mostrando uma recuperação moderada mas importante
da economia nos últimos meses. Há um problema de expectativas que só
resolveremos depois da eleição. Com um novo governo eleito e uma nova equipe,
você restabelece condições de negociação e diálogo e de mais confiança ao
investimento. Quanto à inflação, eu acho que temos todas as condições de cumprir a
meta deste ano.
Valor: Como o senhor responde à crítica de que o Brasil cresce menos que outros
países da América Latina que também foram afetados pela crise internacional? Não
há um problema interno?
Mercadante: A média do crescimento da economia foi 2,3% nos anos FHC. A média
de crescimento no período Dilma será de 2,1%. É muito próximo, mas num cenário
econômico muito mais adverso. De fato, precisamos alavancar o investimento, por
isso o esforço con as concessões e financiamentos à infraestrutura, logística e
habitação. Mas nossas dificuldades são conjunturais, superáveis; especialmente após
as eleições.
Valor: O cenário externo como se desenha atualmente não parece muito animador
para puxar a economia no ano que vem.
Mercadante: Ainda estamos em uma crise internacional com impacto no país. O
Brasil não está blindado, a gente consegue amenizar. Precisamos de atitudes mais
firmes dos governos. Como disse a (Christine) Lagarde (diretora do FMI), de políticas
amigáveis ao emprego e estímulo à atividade econômica. Precisa ter um mundo que
ajude um pouco mais, que a gente não tenha que só resistir à crise e possa avançar
num cenário mais favorável, esse cenário virá.
Valor: Os resultados do governo da presidente Dilma na economia - crescimento,
inflação, juros - são inferiores aos obtidos nos anos do presidente Lula. Dilma
entrega um país pior do que recebeu?
Mercadante: Só se você me falar que 8 milhões de pessoas fazendo curso técnico e
profissionalizante no país não é um Brasil melhor do que nós herdamos; se disser que
100 mil estudantes nas melhores universidades do mundo com o programa Ciências
Sem Fronteiras não vai trazer produtividade, estímulo, melhoria na educação. Isso é
Dilma. O Brasil Sem Miséria praticamente erradicou a pobreza extrema e colocou o
país como exemplo de distribuição de renda e combate à fome. Isso é Dilma.
"A oposição não consegue ter uma visão que não seja economicista de manual,
PIB para o povo é emprego e renda"
Valor: O candidato Aécio Neves diz que manterá os programas sociais do governo
petista, alguns nascidos antes e ampliados e aprofundados no governo Lula, como
Bolsa Família, Pronatec...
Mercadante: A oposição combateu o governo Lula do começo ao fim. Então não
venha agora, em véspera de eleição, elogiar o Lula e tentar separá-lo de Dilma. É o
mesmo DNA, é o mesmo projeto, é a mesma história. Assim como não dá para
separar Fernando Henrique de Aécio. A Dilma foi uma arquiteta fundamental do
governo Lula. O presidente Lula pegou o início de uma crise que se prolongou
durante todo esse período e que é a mais grave desde 1929. Se não fosse o nosso
esforço de crédito público, de compra governamental, de conteúdo nacional, de
crédito direcionado, de desoneração tributária, de investimentos estratégicos não
manteríamos esse emprego, esse nível de atividade e esse bem estar que está na
população. A crise social e econômica seria muito mais grave.
Valor: O resultado do primeiro turno mostra que apesar dos avanços sociais dos
últimos 12 anos, 58% votaram contra a reeleição de Dilma. Por quê?
Mercadante: Não ganhamos em 2002, não ganhamos em 2006 e não ganhamos em
2010 no primeiro turno. A eleição em dois turnos é assim. O voto no primeiro turno
não está assegurado para ninguém, o segundo turno é uma nova eleição. O debate
com o Aécio começa agora.
Valor: Há uma crise de confiança do setor privado em relação ao governo Dilma?
Mercadante: Em todas as eleições tivemos fortes movimentos especulativos e fortes
pressões. Em 2002, o terrorismo econômico foi muito superior ao que se vê agora. Os
que acreditaram naquilo, no dia seguinte, começaram a perder muito dinheiro. É um
movimento especulativo, próprio da natureza desse mercado, que usa a eleição, que
tenta interferir na eleição.
Valor: Em 2002, para conter a especulação, o PT fez a carta ao povo brasileiro
assumindo compromissos com a política macroeconômica do então presidente
Fernando Henrique Cardoso. Haverá algo semelhante, um gesto da presidente
Dilma?
Mercadante: Tem coisas para a gente aprimorar, o governo evidentemente tem
sempre que aprimorar. Nós já estamos há 12 anos no governo. É evidente que na
campanha você aprende, você ouve, você discute, elabora, repensa. Ideias novas,
equipes novas.
Valor: O senhor vai coordenar uma aproximação com o mercado, com o setor
produtivo?
Mercadante: Eu vou me esforçar ao máximo. E não só eu. A presidente Dilma tem
feito reuniões, chamou os setores industriais, tem conversado com lideranças.
Valor: O escândalo na Petrobras pode definir o resultado das eleições?
Mercadante: Dilma tem uma biografia, um passado e uma atitude de intolerância
com a corrupção e malfeito, de modo que ela está pronta pra discutir com qualquer
um. Nesse debate ela tem café no bule.
Valor: O futuro ministro da Fazenda será um empresário com bom trânsito no setor
produtivo?
Mercadante: Nunca discuti isso com a presidente. Estamos totalmente focados nas
eleições. A presidente já disse: "Governo novo, ideias novas, equipes novas". Ela vai
redesenhar o governo.
Valor: O senhor é o porta-voz econômico da campanha da presidente Dilma. Será o
próximo ministro da Fazenda?
Mercadante: Não. Eu fui ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, depois fui para
o Ministério da Educação e estou na Casa Civil. Tive um aprendizado e ainda estou
tendo, porque na Casa Civil você trabalha com todas as áreas do governo. Não vejo
nenhum sentido em mudar de pasta. Agora, só ficarei no governo se a presidenta
quiser e onde ela quiser.
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