ALFABETIZAÇÃO/LETRAMENTO PARA SURDOS: DESAFIOS À

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ALFABETIZAÇÃO/LETRAMENTO PARA SURDOS: DESAFIOS À
INCLUSÃO QUALITATIVA
Luzia Cristina Nogueira de Araújo1 - UVA
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A problemática relacionada ao processo de alfabetização/letramento para surdos,
principalmente no que tange o ensino do português na modalidade escrita, já vem sendo alvo
de investigação a longa data, sempre sendo caracterizada por inúmeros desafios,
ambiguidades e paradoxos entre os profissionais da educação e o aprendiz, o que certamente,
inviabiliza a clara compreensão teórica do processo de aprendizagem como uma possibilidade
de atuação eficaz no campo da prática pedagógica. Percebe-se claramente que existem
tensões de ambos os lados – professor e aprendiz – nas quais se concretizam em práticas de
comunicação distantes de uma interação significativa entre os sujeitos do processo ensinoaprendizagem, impossibilitando a inclusão social. Essa pesquisa, de cunho qualitativo,
objetiva sinalizar que as práticas de alfabetização e letramento destinadas aos surdos não
coadunam com todos seus direitos enquanto cidadãos historicamente excluídos. A presente
pesquisa utilizou-se metodologicamente de suportes teóricos para questões desafiadoras que
norteiam o processo alfabetização e letramento, baseados nas concepções educacionais de
Ronice Quadros (2006 e 2004); Lodenir Becker Karnopp(2004), Magda Soares (2010), Luiz
Paulo Moita Lopes (1996), Eulália Fernandes (2006), Maria Cecília Rafael Goes (2000); Lev
Semenovitch Vygotsky (1989) e nas leis: nº 9394/96 (LDB) e 10.436 (Dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais). Assim, elucida hipóteses a respeito de: Como se dá o processo de
aprendizagem com vistas ao letramento para os sujeitos surdos? Como se aprende e como se
ensina? Conclui-se que os professores encontram muitas dificuldades em apropriar-se de uma
proposta de aprendizagem que legitime a linguagem dos surdos, sem que se perca de vista o
processo educacional integral, respeitando as suas características físicas, mentais, sensórias,
afetivas e cognitivas diferenciadas, valorizando a singularidade do seu processo de
aprendizagem.
Palavras-chave: Surdez. Alfabetização. Letramento.
1 Drnª em Educação; Ms. em Educação (UERJ); Graduação em Pedagogia e Letras/Literatura (UNIVERSO);
Pós-Graduada em: Psicopedagogia; Docência Superior (UCAM); LIBRAS; Educação Especial e Inclusiva;
Letras e Literatura; Aperfeiçoamento em Planejamento de ensino, Educação Infantil e Educação especial;
Pesquisadora SEE-RJ, INEP-MEC. Professora adjunto da universidade Veiga de almeida (UVA).Coordenadora
de pesquisas na área da surdez (PIC UVA). E-mail:[email protected].
ISSN 2176-1396
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Introdução
A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº º9394/ 96) estabelece que as
escolas cumpram o processo de inclusão de todos os alunos com deficiências em escolas
públicas em turmas regulares.
Enveredando por esse caminho, especificamente para os
surdos, surge a lei 10.436 de 2002, que oficializa a LIBRAS (língua brasileira de sinais) e
garante a oferta da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, na condição de língua nativa das
pessoas surdas, se constituindo numa educação bilíngue, na qual o ensino da língua
portuguesa prevalece em sua modalidade escrita. Entretanto, sua implementação vem
acarretando várias problemáticas, já que professores vêm encontrando muitas dificuldades em
compreender capacidade de expressão dos sujeitos surdos, instaurando nesse processo a
exclusão.
A peculiaridade da lei proposta, na qual reconhece a língua de sinais como a língua
materna dos grupos surdos, legitimando a sua cultura, evidencia a sua importância na
formação do sujeito, já que a língua é um elemento indispensável para a formação das
estruturas mentais do ser humano.(Vygotsky,1989), que se corporifica e adquire sentido na
fala. Contempla-se, assim, a necessidade de implementação nas escolas, de uma pedagogia
voltada para a diversidade e necessidades específicas do aluno surdo já que a sua fala é
representada pela a forma de sinais
No entanto, até o momento, a aquisição do português escrito para os sujeitos surdos,
na maioria das escolas, é baseada no ensino do português para sujeitos ouvintes. Nesse
contexto, a escola, embora deva se constituir num espaço de aprendizagem qualitativa
assegurado também para surdos, se encontra ainda enquanto espaço muito direcionado pelos
modos ouvinte de representação. Assim, de forma velada, as práticas alfabetizadoras
explicitam uma ideologia de que o surdo precisa ser reconstruído para o meio ouvinte, para
que se efetive qualitativamente o processo de inclusão. Em consequência, tais práticas são
traduzidas em posturas reducionistas e equivocadas, das quais se resumem em uma mera
inclusão da língua de sinais na sala de aula, ao lado da língua portuguesa ou na mera e
simples tradução do conteúdo pedagógico para a língua de sinais.
Esse contexto traz inúmeros desafios e dificuldades no processo de alfabetização e
letramento, onde aqui, são defendidos como processos distintos e complementares, em que a
alfabetização significa a aquisição do sistema convencional de escrita e o letramento
possibilita o cidadão a construir, em si próprio, o sentido da escrita para sua vida cotidiana.
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A princípio, o sistema escolar não pode oferecer as mesmas condições de práticas
pedagógicas de alfabetização para alunos ouvintes e surdos, já que não falam a mesma língua.
Equivocadamente, a língua de sinais, quando utilizada no processo de ensino da leitura e da
escrita é preconizada como um meio para ensinar a língua portuguesa e não enquanto razão
que se justifica por si só – direito da pessoa surda de usar a sua língua. A língua visualespacial é utilizada apenas como um recurso a mais, mas jamais a reconhecendo em sua
completude linguística. Esse quadro vem acentuando ainda mais a exclusão, pois os surdos
são tratados como incapazes de entender a estrutura da língua portuguesa.
Esses processos excludentes que a escolarização brasileira, que de um modo ou de
outro, ainda articula, podemos identificar três questões estreitamente relacionadas a área da
surdez: Em primeiro lugar, o déficit de letramento entre os brasileiros surdos, tanto crianças
quanto jovens e adultos – a sua dificuldade ou mesmo incapacidade de fazer diferentes e
qualificados usos tanto individual quanto socialmente significativos da língua escrita.
Em segundo lugar, o fato de persistir amplamente disseminada entre os profissionais
da educação certa abordagem segundo a qual leitura e produção textual são meras habilidades
aprendidas por indivíduos em processos de alfabetização, desconsiderando a construção da
escrita e da leitura como práticas interativas e contínuas.
Em terceiro lugar, a insuficiência da formação inicial e continuada desses profissionais
na tarefa de torná-los aptos a lidar com diferenças linguísticas de alunos em processos de
ensino e aprendizagem, como a existente entre alunos surdos e ouvintes, e a consequente
demanda de aperfeiçoamento profissional, por meio da ampliação, do aprofundamento e da
atualização de conhecimentos de quem são os sujeitos da aprendizagem.
Ao se discutir sobre as condições de inclusão qualitativa no processo de
alfabetização/letramento das crianças surdas é necessário chamar a atenção para o fato de não
ser levado em conta, na absorção destas crianças pelo sistema regular de ensino, sua
singularidade linguística e cultural. As crianças surdas, assim como as crianças de minoria
linguísticas, seriam convidadas à escola inclusiva, mas sem que esta reconhecesse suas
particularidades linguísticas como um sistema tecedor de cultura, visto que a língua
portuguesa seria a língua dominante aceita nas escolas.
Contempla-se dessa forma, a necessidade de implementação nas instituições
educacionais de práticas de alfabetização e letramento voltadas para a diversidade e
necessidades específicas do aluno surdo, sem esquecer-se que todos nós que compomos um
agrupamento qualquer de seres humanos somos diferentes uns dos outros, portanto, somos
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também diferentes em nossas concepções, normas, valores e formas construção de
conhecimentos.
Práticas de alfabetização/letramento para surdos em análise
A linguagem é uma instituição social, em que uma análise do discurso se inscreve num
espaço linguístico e mantém vínculos peculiares com as condições sócio-históricas de
produção, onde se considera a interação, a relação entre homem e realidade cultural e social.
É válido ressaltar que a primeira língua não é definida pelo momento em que ocorre a
aquisição mas, principalmente, por uma questão de identificação com o grupo social como
forma de expressar e entender sentimentos, bem como tem o papel fundamental
no
desenvolvimento do pensamento, possibilitando a produção de operações mentais complexas,
aproximando-se assim, na viabilização da “construção social da mente” postulada nas
pesquisas de Vygotsky (1989). Segundo o autor, para chegarmos ao pensamento, para “nos
tornarmos nós mesmos”, temos que passar pelo processo dialógico, é nela que a criança
desenvolve seus próprios conceitos e significações, alcança a sua própria identidade e constrói
o seu mundo.
Ressalva-se, assim, que a educação de sujeitos surdos não envolve apenas considerar
a necessidade do uso de duas línguas, mas, significa além de dar espaço privilegiado e
prioritário à língua natural dos surdos, ter como eixo fundamental, como mencionado por
Góes (2000, p.31), “a produção de significados em relação ao mundo da cultura e a si próprio
é um processo necessariamente mediado pelo outro, é efeito das relações sociais vivenciadas
[...] através da linguagem”.
Urge nesse contexto, a necessidade de implementação nas escolas, de uma pedagogia
voltada para a diversidade e necessidades específicas do aluno surdo já que a sua fala é
representada pela forma de sinais. Sabe-se, contudo, que a escola não vem cumprindo essa
premissa, onde a língua tem se tornado um grande obstáculo para o desenvolvimento
cognitivo dessas pessoas, já que a língua privilegiada no cotidiano escolar das escolas formais
é a língua portuguesa na sua forma oral e escrita. Nesse cenário, é preciso destacar que:
o conceito de inclusão envolve um pensar radical na sociedade de modo que isso
reflete na prática e reflete um jeito de pensar diferente sobre as origens das
dificuldades de comportamento. Estamos falando de uma mudança de ideia de
“defeito” para um “modelo social” (MITTLER, 2003,p.25).
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Mittler (2003) ressalva que o modelo social de deficiência baseia-se na proposição de
que a sociedade e suas instituições é que são opressivas, discriminadoras e incapacitantes e
que portanto a atenção precisa ser direcionada para as mesmas, para a remoção desses
obstáculos que ainda permeiam sejam corrompidos. Dessa forma, ao se pensar no processo de
alfabetização e letramento para os surdos deve-se levar em conta a superação dessas
proposições. Para o autor a educação inclusiva dá-se através da interação, socialização e
própria construção do conhecimento.
Soares (2010) ressalva que os conceitos de alfabetização e letramento são processos
que se dão de forma simultânea e interdependente, pois enquanto alfabetizar significa a
aquisição do sistema convencional de escrita, e letramento designa o desenvolvimento de
comportamentos que envolvem práticas sociais de leitura e escrita. Nessa perspectiva, o
processo de alfabetização/letramento para os surdos deve contemplar a concepção de homemsujeito que estabelece com o mundo uma relação consciente de trocas significativas,
concretizadas a partir da compreensão do papel social da escrita. Nesse contexto, o letramento
aparece como uma forma de construção de conhecimento que implica numa abordagem
interdisciplinar de alfabetização, em que se configura em um processo no qual o cidadão
possa construir, em si próprio, o sentido da escrita para a sua vida cotidiana.
Não se trata de apenas aceitar a língua de sinais, mas de viabilizá-la, pois todo trabalho
pedagógico que considere o desenvolvimento cognitivo tem que considerar a aquisição de
uma primeira língua natural e respeitar as diferenças linguísticas. De outra forma, como o
surdo estabelecerá contato com o mundo de representações e tecerá suas próprias
significações? Os surdos precisam se reescrever na sua língua.
Como o surdo constitui a linguagem dele de sinais, através da língua de modalidade
visual-espacial, ele não constitui o conceito de gramática tal como as línguas de modalidade
oral. Na verdade, do ponto de vista lógico se torna um paradoxo se alfabetizar um aluno surdo
através da escrita de uma língua que não seja pela língua de sinais, pois para ele é triplamente
difícil porque tem: (i) todo o custo do código, (ii) mais o custo da descoberta da língua e, (iii)
mais o custo da descoberta de uma estrutura gramatical que ele não tem no pensamento.
Assim, se as práticas de alfabetização e letramento para surdos, estiverem centradas no
trabalho normativo da língua portuguesa, em técnicas e regras gramaticais e/ou em itens
lexicais, sem considerar a interação e a língua de sinais no contexto da aprendizagem, seu
resultado será inócuo.
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O "estar" no mundo caracterizado pela falta ou pouco som, significa permitir a
apropriação do conhecimento pela língua visual-espacial por pessoas surdas que desconhecem
o valor sonoro das palavras. Dessa forma, no ensino do alfabeto por exemplo, o professor não
poderá oferecer metodologias de alfabetização que incentivem o valor sonoro das letras, visto
que tal prática, como outras, fundamentadas no modo ouvinte de aprender, geram para os
surdos dificuldades ou mesmo incapacidade de fazer diferentes e qualificados usos tanto
individual quanto socialmente significativos da língua escrita.
O sistema escolar não pode oferecer idênticas condições de alfabetização/Letramento
para alunos ouvintes e alunos não ouvintes quando estes diferentes alunos não falam a mesma
língua. As regras na língua brasileira de sinais são diferenciadas da língua portuguesa,
refletem-se em sua forma de comunicação e, consequentemente, na sua escrita. Destaca-se
que um dos maiores obstáculos no ensino da escrita na língua portuguesa para alunos surdos,
está em que os professores conhecem pouco sobre a língua escrita e tentam fazer com que os
surdos aprendam através de procedimentos que não são válidos nem para os ouvintes.
É necessário, portanto, que o professor, durante o processo de alfabetização/letramento
mantenha uma atitude diferenciada que não parta das aparentes limitações iniciais
apresentadas, mas das possibilidades que as especificidades dessa construção contemplam. Os
‘erros’ que estudantes surdos cometem ao escrever o português devem ser encarados como
decorrentes da aprendizagem de uma segunda língua, ou seja, o resultado da interferência da
sua primeira língua e a sobreposição das regras da língua que está aprendendo. Ressalva-se
que “há necessidade de um trabalho contextualizado, no qual sejam focados conteúdos
relacionados à prática da produção escrita, ou seja, o conhecimento gramatical e seu efeito
retórico deverão ser decorrentes do uso em atividades significativas de escrita.
(FERNANDES, 2006, p.140).
Cumpre-se, assim, a necessidade de se viabilizar metodologias pedagógicas de
alfabetização/letramento que se materializem através do respeito às singularidades do
processo de aprendizagem dos sujeitos surdos de modo que possibilite uma significativa e
efetiva inclusão social. Nessa perspectiva o processo de aprendizagem para os surdos deve
contemplar a concepção de homem-sujeito que estabelece com o mundo uma relação
consciente de trocas significativas, concretizadas a partir da compreensão do papel social da
escrita.
O problema está na segregação das práticas de alfabetização/letramento no cotidiano
escolar, em que raramente se articulam com as demais áreas do conhecimento e não
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legitimam as possibilidades das diferenciações cognitivistas em que envolve a construção da
leitura e da escrita. Agrega-se a esse contexto dois fatores: (i)uma concepção arcaica de que a
alfabetização restringe-se meramente ao ato de dar acesso às letras, ou seja, conhecendo seus
nomes e juntando-as para formar palavras; esta percepção evidencia uma prática
alfabetizadora onde o sentido comunicativo da linguagem inexiste e a língua é encarada como
um sistema estável, imutável e único, ou seja, prevalece a língua portuguesa como a única
língua possível; tal concepção acontece contraditoriamente ao ambiente alfabetizador, tão
priorizado, atualmente, nas escolas, cuja concepção pressupõe que palavra escrita, refletindo,
criando e apropriando-se dela, para alfabetizar é criar condições significativas para que os
alunos surdos ou não, tenham acesso à construir novos conhecimentos e maneiras de ler o
mundo; (ii) professores não conseguem entender da estrutura da LIBRAS, restringindo a
aprendizagem da leitura e escrita para alunos surdos à concepção da língua portuguesa.
Com efeito, tais práticas escolares traduzem-se por posturas indesejadas que se têm
resumido em práticas baseadas no oralismo, momentos estanques de aprendizagem da escrita,
a inclusão de intérpretes em salas de aula que, ao lado da Língua Portuguesa, ilusoriamente
propiciam uma mera tradução de ministrados conteúdos pedagógicos para a LIBRAS. Tal não
bastasse, práticas pedagógicas tem longamente demonstrado, que mesmo surdos que chegam
a acessar a modalidade oral do Português continuam enfrentando problemas com a linearidade
igualmente explorada na equivalente escrita. Fato idêntico tem ocorrido com surdos usuários
de Línguas de Sinais como primeira língua (L1), e sabemos que para uma efetiva competência
textual são necessários dois tipos de domínio : o sistêmico e o esquemático (LOPES, 1996).
Ou seja, são necessários um domínio do sistema abstrato que regula a língua e a capacidade
de transformar tudo o que existe em linguagem. O epicentro de impasses que configuram esse
último, coaduna-se com o fato de que, a população surda brasileira apresenta dificuldades
linguísticas na aprendizagem e no uso da modalidade escrita da Língua Portuguesa.
Brasileiros surdos têm ficado, então, à mercê de barreiras linguísticas por conta da falta de um
efetivo processo de alfabetização/letramento, que impedem significativamente suas reais
inserções nos espaços sociais que perpassam diariamente.
É
válido
destacar
que
concepções
equivocadas
no
processo
de
alfabetização/letramento estão ligadas à formação do professor. Embora a alfabetização com a
concepção interdisciplinar na perspectiva da diversidade deva ser encarada pelo professor
como uma meta a ser buscada no processo mais amplo de letramento do aluno, sua identidade
enquanto alfabetizador, na sua formação, é propriamente construída em uma ou duas
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disciplinas, em que se encaixam técnicas de alfabetização. Nas demais disciplinas, a
alfabetização não é mais abordada, de modo que o professor aprende a crer que se possa tratála na escola apenas em momentos isolados, especificamente relacionados ao aprendizado da
escrita. Como torná-lo, antes, significativo e funcional para o aluno? Em primeiro lugar, devese zelar para que se torne significativo e funcional para o professor.
Signos linguísticos: língua portuguesa e língua de sinais
O homem, historicamente, criou símbolos e signos de vários tipos (linguísticos,
pictóricos e gráficos) com o intuito de comunicar-se. Assim, toda língua se compõe de signos
linguísticos, que são as unidades de significação que possuem um significante (uma memória
de um termo) e um significado (conceito contido em um signo, acionado pelo significante).
O significante seria a forma de como é passada a informação e o significado é o
conteúdo. Sob esta ótica, podemos assim diferenciar a representação dos códigos linguísticos
entre sujeitos ouvintes e sujeitos surdos. Para os ouvintes o significante(forma)é uma imagem
acústica e o significado é o conceito de características que definem as coisas. Já para os
surdos o significante (forma) é a imagem cinética e o significado
- o conceito de
características que definem as coisas. Observa-se assim que nem todo significante é
uma imagem acústica.
A diferença, a priori, entre as Línguas Orais-Auditivas e Línguas Visual-espacial é a
natureza do significante, é que a primeira se manifesta por sons e a segunda por gestos.
Quando se sinaliza por movimento ‘cadeira’ com as mãos, o surdo capta aquela imagem e o
conceito subjetivo de cadeira que possui registrado pelo cérebro, dando significado para
aquele sinal.
Os sinais são formados a partir da combinação das mãos com determinado formato em
um determinado lugar, podendo esse lugar ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao
corpo. As articulações das mãos para produção dos sinais que representam as palavras podem
ser comparadas aos fonemas e às vezes aos morfemas, e são denominadas de Parâmetros, a
saber: Configurações das mãos: são formas das mãos, que podem ser datilologia(alfabeto
manual) ou outras formas; 2.Ponto de articulação: onde incide a mão predominante
configurada, podendo tocar as partes do corpo ou estar em espaço neutro vertical (meio de
corpo até a cabeça) ou horizontal(frente do emissor); 3. Movimento: os sinais podem ter um
movimento ou não; 4. Orientação: direção dos sinais; 5. Expressão facial e/ou corporal: além
dos quatro parâmetros citados acima, os sinais em sua configuração também tem a expressão
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facial e corporal como um traço diferenciador, pois através das expressões que revelamos
nossas emoções de alegria, tristeza, frio, raiva, calor etc., e sentido que atribuímos a
determinados fatos, situações e objetos. (QUADROS e KARNOPP, 2004). Na combinação
destes cinco parâmetros tem-se o sinal.
Naturalmente de uma língua para outra os significantes podem mudar. O que passa
desapercebido é que o conceito profundo de um termo também pode ser diferente em duas
línguas que comparemos, muito embora se refiram ao mesmo ser na natureza. Isso acontece
porque tudo na língua é representação, tudo se realiza como cultura. Para Quadros a língua de
sinais "é uma língua espacial visual, pois utiliza a visão para captar as mensagens e os
movimentos, principalmente das mãos, para transmiti-la"(2006, p. 35). Percebe-se assim que
se distinguem das línguas orais pela utilização do canal comunicativo, enquanto as línguas
orais utilizam canal oral-auditivo, as línguas de sinais utilizam canal gestual-visual.
Tabela 1 - Distinções na forma de comunicação entre a Língua Portuguesa e a LIBRAS
LÍNGUA PORTUGUESA
Fonético/ fononológico
morfológico
sintaxe
semântico
Textual / discursivo
Fonte: Quadros (2006). Adaptado pela autora.
LIBRAS
configuração das mãos
ponto de articulação
movimento
orientação
expressões
Os fonemas da língua oral são substituídos na língua de sinais pelos quiremas
(sinalização, corresponde ao fonema das línguas faladas) que é a unidade elementar visual da
língua sinalizada. A mudança do quirema do sinal lhe modifica o sentido, do mesmo modo
que a mudança do fonema o sentido da palavra. Nas línguas de sinais, os fonemas podem ser
articulados simultaneamente.
É preciso ressalvar que de modo semelhante à oralidade para os ouvintes, a língua de
sinais organiza, de forma lógica, as ideias dos surdos e tem sua estrutura gramatical refletida
nos textos produzidos pelos alunos. A partir de diferentes estudos já realizados na área da
surdez, pode-se exemplificar algumas principais características da escrita de alunos surdos.
Assim definidos: Artigos e elementos de ligação (preposição, conjunções, pronomes relativos,
entre outros) são inexistentes; os verbos apresentam sem flexões de tempo, na LIBRAS o
tempo é expresso através de relações espaciais (Ex: faz-se primeiro o sinal de passado,
presente, futuro, hoje, amanhã, ontem, anteontem, dias da semana acompanhado
posteriormente do verbo,
que se apresenta no infinitivo); o uso de verbo de ligação é
inexistente; há ausência de desinência para gênero e número.
16386
Góes (2000), num estudo onde entrevistava alguns surdos sobre os problemas
encontrados na leitura e na escrita, apresenta uma sugestão que pode vir a ser uma bastante
plausível para essas produções. Ela afirma que a maioria do grupo entrevistado, concebia a
fala, escrita e sinais enquanto modalidades de uma mesma categoria, ou seja, as produções
orais, gráficas e gestuais seriam formas de produção de uma mesma língua. Segundo a autora,
“é como se um sinal fosse gesto da fala; a fala, a sonorização do sinal; e a escrita o registro
dos dois primeiros”. Exalta-se, assim, uma forma de VER o mundo, traduzido na percepção
que o sujeito faz do ambiente que o cerca e que se reflete na escrita.
Quadros (2006) ao definir a Língua de Sinais destaca que esta forma de linguagem é
rica, completa, coexiste com as línguas orais, mas é independente e possui estrutura
gramatical própria e complexa, com regras fonológicas, morfológicas, semânticas, sintáticas e
pragmáticas. É lógica e serve para atingir todos os objetivos de forma rápida e eficiente na
exposição de necessidades, sentimentos, desejos, servindo plenamente para alimentar os
processos mentais. Ainda acrescenta a autora: “contém os mesmos princípios subjacentes de
construção que as línguas orais”, isto é, “as línguas de sinais é determinada pela gramática
universal inata e pela interação entre a percepção visual e a produção gestual” (p. 48). Lê-se
gramática universal, segundo a autora, entendida de acordo com a Teoria Gerativa, proposta
por Chomsky, em que a linguagem é uma característica inata e específica ao ser humano.
Todos nós temos inscritos em nosso código genético uma capacidade que nos permite adquirir
e desenvolver a linguagem, e essa característica é exclusiva à nossa espécie, ou seja, a criança,
durante o processo de aquisição de sua língua materna, não aprende a língua, ela a desenvolve
e a adquire.
Vale a ressalva de que ao se atribuir a língua de sinais o status de língua, destaca-se
que embora sendo de modalidade diferente, possui também características em relação às
diferenças regionais, socioculturais, entre outras.
Considerações Finais
As questões aqui abordadas levam-nos a considerar que um projeto de escolarização
na perspectiva do alfabetização e letramento, para sujeitos surdos, deve ser construído tendo
como referência as suas singularidades no processo de aprendizagem. Tal premissa deve
priorizar estratégias interdisciplinares de ensino que possibilitem o desenvolvimento de
competências necessárias para que o sujeito possa instrumentalizar-se de forma significativa,
para atender a nova demanda social – sujeito letrado.
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Enfatizou-se aqui que alfabetizar na perspectiva do letramento não é apenas codificar e
decodificar, mas saber usar e refletir, questionar os códigos e particularmente usá-los no
cotidiano, mas é necessário um trabalho amplo e profundo e de longo prazo para alcançar esse
objetivo. Para aprender a ler e a escrever precisamos pensar sobre a escrita, pensar sobre o
que a escrita representa, como a mesma representa graficamente a linguagem, que por sua vez
está diretamente ligada aos pensamentos afetivos e que foram processados singularmente.
Portanto, a pesquisa propôs a ideia de que há uma cadeia de significantes e significados,
coligados por relações afetivas, socioculturais, interacionais, construídas ao longo do
desenvolvimento das competências para um efetivo aprendizado da leitura e escrita dos
sujeito surdos.
Os surdos, por possuírem uma cultura própria e uma língua materna(visual/espacial),
apresentam modos particulares de expressão e buscam neste contexto, através da língua, a
constituição da sua identidade, determinando a significação do próprio eu, bem como a
possibilidade de desenvolver o sentimento de pertencimento na sociedade em que vive, não
sentindo-se excluído. Portanto, o aprendizado da LIBRAS e, consequentemente, a aquisição
da linguagem é fundamental para que o sujeito surdo possa reescrever-se através da interação
social, cultural política e científica.
Considerou-se aqui que qualquer estudo sobre a aquisição da leitura e escrita em uma
segunda língua pressupõe que os alunos estejam alfabetizados na forma escrita da primeira
língua. Nesse sentido, capta-se uma das diferenças essenciais do ser surdo, cuja proposta
educacional de alfabetização/letramento para o mesmo deve considerar, entre outras questões
fundamentais, as implicações linguísticas.
É válido destacar que não descarta a possibilidade de um aprendizado possível da
língua portuguesa pelos surdos, desde que a pedagogia dispensada seja apropriada e
significativa. O ensino da língua portuguesa tornar-se-á possível, se o processo for de
alfabetização/letramento de segunda língua, sendo a língua de sinais reconhecida e
efetivamente a primeira língua. A ideia não é simplesmente uma transferência de
conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de
aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais
representados.
Ressalva-se que a língua não se constitui a partir de dicionários e gramáticas, mas de
enunciações concretas, que se constituem numa teia de interações discursivas, diante das
quais os significados são estabelecidos e novos discursos são desencadeados. Com efeito, a
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linguagem é uma instituição social, em que uma análise do discurso se inscreve num espaço
linguístico e mantém vínculos peculiares com as condições sócio-históricas de produção, onde
a linguagem considera a interação, a relação entre homem e realidade cultural e social. Sob
essa ótica, jamais poderemos desconsiderar a existência de um leitor pressuposto como
personagem necessariamente indispensável, quando pensarmos na construção da escrita
também na área da surdez.
Dessa forma, privilegia-se a cultura, identidades e formas de apropriação de
conhecimentos, de todos os envolvidos, numa relação dialógica, acreditando numa educação
como processo de formação e desenvolvimento integral das pessoas que, interagindo
interdisciplinarmente, desvelam dialeticamente a realidade, transformando-a e construindo
novas experiências que ajudarão na produção de novos conhecimentos e, consequentemente,
a uma inclusão qualitativa.
Nesta perspectiva a escola como uma agencia educacional é preciso proporcionar um
espaço para os surdos, onde as práticas pedagógicas, como as do ensino da língua portuguesa
torna-se uma atividade ao mesmo tempo prazerosa e construtora de conhecimentos
pedagógicos, dos quais envolvam a aprendizagem cultural, social e cognitiva, tornando o
conhecimento mais amplo e diversificado, respeitando o surdo como um cidadão que pertence
uma minoria linguística.
REFERÊNCIAS
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http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf> Acesso em: 3 jul. 2015.
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<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/2002/L10436.htm> Acesso em 3 de jul.2015.
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VYGOTSKY, Lev. Semenovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
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