Informe Científico Jan/2010 - número 5 Hemocromatose é uma doença causada pela sobrecarga de ferro no organismo, que, quando atinge determinado limiar, determina lesão em vários órgãos. A hemocromatose é usualmente dividida em: • Primária (também denominada Genética ou Hereditária), que é uma alteração genética que causa aumento da absorção intestinal de ferro. • Secundária, decorrente de outras situações, como anemias crônicas, múltiplas transfusões, hemocromatose africana (Banto), e outras. A hemocromatose hereditária (HH) é considerada a doença monogênica de maior prevalência em populações caucasianas (brancas). Sua herança é autonômica recessiva e sua prevalência é de aproximadamente 2 a 4 acometidos (homozigotos) por mil habitantes, o que a torna uma das doenças genéticas mais freqüentes em várias populações, como as do Canadá, EUA, França, Inglaterra, Alemanha, Portugal, entre outras. Os heterozigotos representam cerca de 10% dos indivíduos Caucasóides dessas populações. No Brasil, os estudos de prevalência da HH são ainda muito escassos, porém apontam para uma freqüência de heterozigotos de 4% a 7% da população. As mulheres são "protegidas" da doença pelas menstruações, que retardam o acúmulo de ferro, mesmo nas homozigotas. Por esta razão, a doença é muito mais freqüente em homens que em mulheres na razão de aproximadamente 10:1. As manifestações dependem do grau de sobrecarga de ferro. Nos primeiros anos de vida, não há qualquer sintoma ou sinal. Após algumas décadas, quando os depósitos de ferro tornam-se elevados, começam a surgir os primeiros sintomas, que são em sua maioria muito inespecíficos e não apontam para nenhum órgão ou sistema: fadiga, fraqueza, artralgia, impotência, dor abdominal, amenorréia e perda de peso. Com a evolução da sobrecarga de ferro, os órgãos mais acometidos são o fígado, pâncreas e coração, podendo levar a alterações graves, como insuficiência hepática, carcinoma hepatocelular, diabetes, insuficiência e arritmia cardíacas. Em 1996, as bases moleculares da HH começaram a ser esclarecidas, através da clonagem do gene HFE (anteriormente denominado HLA-H). A proteína HFE participa da regulação da afinidade do receptor de transferrina (proteína que transporta o ferro), que está presente em vários tipos celulares. Uma vez sintetizada, a proteína HFE forma um complexo com a b2-microglobulina e é assim transportada para superfície da célula onde se fixa em proximidade com o receptor da transferrina. Seu papel é o de regular a afinidade do receptor de transferrina, controlando assim a quantidade de ferro que é captado por cada célula. Identificação de mutações da hemocromatose hereditária Estudando o gene HFE em pacientes com HH, foram identificadas 2 mutações: C282Y e H63D. A mutação C282Y torna a proteína HFE incapaz de se associar com a b 2-microglobulina, que, portanto, não é expressa na membrana celular levando a um aumento significativo e permanente da afinidade do receptor de transferrina. Na proteína com a mutação H63D, a associação com b 2-microglobulina ocorre, mas há uma perda parcial de função o que leva a aumento discreto da afinidade do receptor de transferrina. Vários estudos em diferentes países demonstraram que cerca de 90 a 95% dos pacientes com HH apresentam homozigose para mutação C282Y, 3 a 5% apresentam homozigose para mutação H63D, são duplo heterozigotos ou heterozigotos para apenas uma das mutações. Cerca de 1 a 3% dos pacientes não apresentam nenhuma das mutações em ambos os genes. Desta forma, ausência de mutações não exclui o diagnóstico de HH. Os trabalhos atuais questionam a importância da mutação H63D na patogênese da HH. Alguns autores acreditam que mesmo em homozigose, esta mutação não seria isoladamente capaz de determinar a HH. Recentemente, foram descritas outras mutações que podem estar presentes em pacientes que têm o diagnóstico estabelecido de HH, porém não possuem nenhuma das duas mutações mais prevalentes (C282Y e H63D): I105T, G93R, S65C. A importância e prevalência destas mutações em pacientes com HH está ainda por ser esclarecido. Os testes bioquímicos de triagem da HH envolvem a determinação da saturação de transferrina e a dosagem de ferritina. Embora não haja consenso, os valores de corte para saturação de transferrina situam-se entre 45% a 55%. Níveis de saturação acima do valor estabelecido como limite são considerados elevados, devendo-se suspeitar de HH. Havendo elevação concomitante dos níveis de ferritina, usualmente faz-se uma repetição destes testes e eventual prosseguimento da investigação (teste molecular, enzimas e biópsia hepáticas, exames de imagem, glicemia, avaliação cardíaca, testes hormonais etc.). O teste molecular para identificação das mutações da HH é recomendado para confirmação do diagnóstico (em casos suspeitos e/ou duvidosos) e para o diagnóstico nos casos onde ainda não houve desenvolvimento de sobrecarga de ferro (crianças, adultos jovens e mulheres). Fonte: Laboratório Fleury Em anexo: Algoritmo completo da hemocromatose hereditária / Leitura recomendada / Link para dissertação de mestrado sobre a relação entre hemocromatose e diabetes melito tipo 2 O Informe Científico é uma publicação idealizada pelo Cepac Laboratório Responsáveis Técnicos: Christian Ouriques Breda (CRF 4318) / Morgana Baú (CRF 2705) / Silvana Lunelli (CRF 2596) Edição e redação: Elissa Bonato (DRT/SC 01760) ([email protected])