OS DESDOBRAMENTOS DO SUAS: UM ESTUDO DE CASO NOS CRAS DE BEIRA MAR E JARDIM GRAMACHO EM DUQUE DE CAXIAS, RJ. Márcia Sanches Braga Figueira1 RESUMO Este artigo é fruto de um estudo de caso nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Beira Mar e Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa sobre os desdobramentos do Sistema Único de Assistência Social, na perspectiva da mediação técnica no trabalho com as famílias acompanhadas no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família- PAIF propôs verificar os avanços da Política de Assistência Social em Duque de Caxias. Aborda a proteção social, os direitos sociais e a intersetorialidade desta política. Buscamos verificar se o Programa Bolsa Família- PBF oferece impacto na vida das famílias beneficiárias, sem, contudo propor alcançar toda a dimensão do Programa Bolsa Família e buscamos o entendimento sobre a concretude da Política de Assistência Social articulada às demais políticas setoriais. A pesquisa problematiza a promoção social das famílias beneficiárias do PBF a partir da cooperação do trabalho técnico, sobre alguns conceitos de família e o papel dos técnicos dos CRAS como atores sociais nas diversas intervenções. Na consolidação dos dados apresentamos o entendimento dos profissionais sobre o PAIF, sobre o Programa Bolsa Família e o avanço do Sistema Único de Assistência Social- SUAS no município. A pesquisa qualitativa realizada com os Coordenadores, Assistentes Sociais e Psicólogos dos CRAS de Beira Mar e de Jardim Gramacho teve a preocupação em verificar a mediação técnica como contribuição na promoção social das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família inseridas no principal serviço oferecido nos CRAS, o PAIF. A pesquisa se delineou a partir da realidade encontrada nos Centros de Referência de Assistência Social, com a pretensão de verificar, a partir da visão de seus técnicos, os prováveis avanços da Política de Assistência Social. Palavras Chaves: Política de Assistência Social, Programa Bolsa Família, Intersetorialidade, Mediação Técnica e Serviço de Atendimento Integral à Família- PAIF. Graduada em Serviço Social- UNISUAM . Mestranda em Serviço Social: Política Social e Trabalho – Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Bolsista CAPES. 1 1 1 – INTRODUÇÃO Duque de Caxias é um município brasileiro integrante da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro e está situado na Baixada Fluminense. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2011), a cidade possui uma população estimada em 861.157 habitantes e a indústria e o comércio são as principais atividades. Com cerca de 810 indústrias e 10.000 estabelecimentos comerciais instalados no município, a cidade ocupa o segundo lugar no ranking de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e ServiçosICMS do Estado, perdendo somente para a capital (idem, 2011). Esta pesquisa perpassa pela intervenção da equipe técnica dos CRAS no esforço de contribuir, junto aos usuários da assistência social, a construção de caminhos que levam à promoção social das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família - PBF acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família- PAIF nos CRAS de Beira Mar e Jardim Gramacho. Em 20092 o município possuía três Centros de Referência de Assistência Social- CRAS que cumpriam parcamente as indicações das Normas Técnicas dos Serviços do CRAS (2009) e a Resolução N.109 de 2009 no que se refere ao espaço físico, composição técnica e serviços a serem oferecidos. Em 2010, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos de Duque de Caxias direcionou seus esforços para a consolidação do Sistema Único de Assistência Social no município e organizou as proteções afiançadas pela política de Assistência Social, a Proteção Social Básica e Especial. Considerando a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) e a Norma de Operação Básica do Sistema Único da Assistência Social NOB/SUAS (2006) foram instalados mais cinco CRAS em regiões pobres e em áreas que apresentam risco social. No município estão instaladas, aproximadamente, vinte favelas, além do complexo da Mangueirinha que reúne três comunidades, ou seja, a cidade possui localidades que reúnem famílias em grau significativo de pobreza, vulnerabilidade e risco social, problemas com saneamento básico e infraestrutura. Vale ressaltar, que no referido ano, o número de pessoas beneficiadas, titulares e dependentes, do Programa de transferência de renda PBF era de 147.6463. 2 Pesquisa realizada em 2012. Considera-se apropriado compartilhar a experiência profissional, já que existe na categoria o debate sobre a presença da (o) assistente social na esfera da gestão pública. Ademais, neste caso específico, mostra-se relevante a presença de assistentes sociais na gestão, pois fortaleceu processo de consolidação da Política Nacional de Assistência Social no referido município. 3 Fonte: DESANS, Duque de Caxias, 2012. 2 2 - METODOLOGIA DA PESQUISA Elegemos os CRAS de Beira Mar e o CRAS de Jardim Gramacho como campo nesta pesquisa, por alguns motivos: o CRAS de Beira Mar foi um dos primeiros do município e se encontrava sem a devida infraestrutura necessária ao atendimento de seus usuários. Os serviços eram realizados e mantidos com grande esforço pelos técnicos deste equipamento, haja vista a precariedade das instalações do equipamento. O CRAS de Jardim Gramacho, de igual forma, se encontrava sem as devidas adequações do espaço físico e o mesmo era compartilhado com um serviço de saúde municipal. O mesmo foi escolhido devido ao fechamento do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho que exigiu dos técnicos um grande esforço, trabalho árduo e grande comprometimento. Essa experiência trouxe desafios e várias reflexões a respeito do atendimento técnico às famílias de seu território, o que contribuiu, significativamente, para a pesquisa. No trabalho de campo foi utilizado como técnica da coleta de dados, a entrevista4 semiestruturada, organizada e planejada através de formulário, pois de acordo com Silva (1995, p.58) “é preciso superar o aspecto de improvisação na entrevista, que acaba por reduzila a uma ação pragmática, destituída de um conteúdo teórico-crítico que pode enriquecê-la”. Foram realizadas dez entrevistas com agendamento prévio, com assistentes sociais, psicólogos e coordenadores dos CRAS. A pesquisa qualitativa foi construída a partir de um estudo de caso que se caracteriza pelo estudo aprofundado de um objeto de forma a propiciar o conhecimento amplo sobre o objeto escolhido (GIL, 1996). A análise dos dados realizados a partir do enfoque do Materialismo Histórico Dialético que significa que a consciência e as ideias do homem são formadas através do meio material, ou seja, em cada momento histórico da sociedade há um modo de produção correspondente que influenciará a consciência do homem (MARX, 2010). O conhecimento cientifico é “histórico e socialmente condicionado” ( DESLANDES, 1999, p.35) e esta pesquisa também foi delineada a partir de um momento histórico concreto, em que foram observadas varias contradições surgindo, então, a intenção de aprofundar o 4 A pesquisa cujo título: “Os desdobramentos do SUAS e a mediação técnica no trabalho das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família acompanhadas no PAIF nos CRAS de Beira Mar e Jardim Gramacho – D.C.”, foi apresentada, em 2012, ao Programa de Pós-Graduação em Política Social e Sistema Único de Assistência Social da UBRACE (União Brasileira de Cultura e Educação), como requisito parcial para a obtenção de título de Especialização. Foram realizadas dez entrevistas- que se encontram no ANEXO da referida pesquisa- entre os dias 06 a 16 de agosto com a preocupação de enfatizar as normas éticas que pautavam a pesquisa, lendo e apontando-as em um termo de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas foram realizadas com 10 profissionais dos CRAS eleitos, a saber, duas coordenadoras, seis assistentes sociais e dois psicólogos. 3 conhecimento sobre a consolidação da Política Nacional de Assistência Social em Duque de Caxias. De acordo com Minayo (1994, p.17) “[...] a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema de vida prática”. Assim o tema desta pesquisa, mesmo não sendo possível esgotá-lo, foi aflorado pelas percepções no próprio campo de trabalho5. O público-alvo desta pesquisa participante foi constituído pelos Coordenadores, Assistentes Sociais e Psicólogos dos CRAS de Beira Mar e Jardim Gramacho. O interesse em entrevistar assistentes sociais e psicólogos foi devido à compreensão sobre a relevância de um trabalho multidisciplinar e a convicção de que a junção de saberes agrega conhecimentos facilitadores na interlocução dos grupos e no acompanhamento das famílias inseridas nos CRAS. 3 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A Constituição Federal de 1988 inseriu a Assistência Social na seguridade social brasileira e aponta para seu caráter de política de proteção social, articulada a outras políticas do campo social e econômico, que devem manter entre si relações de completude e articulação, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida. A PNAS (2004) instituiu as seguranças que devem ser garantidas através da Assistência Social que são: a segurança de acolhida, segurança social de renda, de convívio, de desenvolvimento da autonomia e de benefícios materiais ou em pecúnia o que traduz à Assistência Social seu caráter de política de proteção social. A proteção social no Brasil inclui a rede hierarquizada de serviços e benefícios onde o acesso aos benefícios se concretiza a partir da condição de elegibilidade e de um processo seletivo; os serviços se apresentam como um conjunto de atividades prestadas os quais destinam a prover determinadas atenções, desenvolver procedimentos com e para as pessoas e afiançar aquisições (SPOSATI, 2009, p.41-42). A Assistência Social é uma política social cuja finalidade é a concretização de direitos sociais e que significa prestar à população, como dever do Estado, um conjunto de benefícios e serviços que lhe é devido em resposta às necessidades sociais. Esta política possui a característica de uma política transversal e por si só não é capaz de contemplar as demandas 5 O que justifica prováveis momentos de entrelaçamento na postura para além de uma pesquisadora, pois, a mesma participava da gestão da Proteção Social Básica naquele momento. 4 que chegam até ela e, assim, o movimento de integração com as demais políticas setoriais é considerado fundamental na concretização da mesma. A intersetorialidade deve ser para além da interlocução entre atores e setores públicos, privados e da sociedade civil. A mesma se constitui como princípio organizativo da Política de Assistência Social. Sua concretude oferece aos usuários dessa política o acesso aos direitos sociais que contribuem para a emancipação dos sujeitos, logo, amplia a cidadania uma vez que esse indivíduo constitui-se sujeito de sua história. A intersetorialidade deve ser alcançada e praticada no desenvolvimento e na manutenção das políticas sociais. A intersetorialidade é tão substantiva para a Assistência Social como o é para as demais políticas, ao se considerar que nenhuma delas guarda resolutividade plena em si mesma. Dever ser, então, construída, uma relação de complementaridade entre as políticas (SPOSATI, 2009, p.45). Assim a proteção social se efetiva na soma das políticas setoriais, pois de outro modo o atendimento à família se realizará de forma fragmentada e em alguns aspectos de forma ineficaz. De acordo com a Lei de criação do Programa Bolsa Família/PBF nº 10.836/2004 a condição sinequa non para que seja oferecida à família a possibilidade de efetivação das dimensões do Programa e sua emancipação é a “articulação entre o PBF e as políticas públicas de iniciativa dos governos federal, estadual, do distrito federal e municipal”. A maioria das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família que são acompanhadas nos CRAS se encontra em vulnerabilidade social com situação de profunda pobreza e com ausência de acesso às várias políticas sociais. A pobreza é marcada por grande complexidade e, como retrata Couto (2011, p.40), sua “concepção multidimensional” exige vários esforços e que não bastaria, apenas, o recebimento de um benefício financeiro para a erradicação da mesma. Dessa forma, entendemos que o trabalho com as famílias dos CRAS necessita de um acompanhamento na perspectiva da mediação técnica com a preocupação de efetivar a intersetorialidade, dado que mais adiante será verificado se era presente no trabalho realizado pelos técnicos nos CRAS. 4 - A INTERVENÇÃO TÉCNICA JUNTO ÀS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PBF NOS CRAS. O Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome- MDS a partir da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), instituiu para o trabalho com as famílias o PAIF, que consiste na oferta de trabalho social com famílias no âmbito da proteção social básica do SUAS por meio de ações socioassistenciais de caráter continuado. 5 Através da PNAS e do SUAS um novo paradigma se instala e ordena o princípio da Matricialidade Familiar como ponto primordial no trabalho e na execução dos serviços socioassistenciais nos CRAS em que a família deve ser a referência no trabalho técnico considerando seu contexto sócio histórico. Atualmente, sabe-se que o conceito de família se tornou mais amplo e que vários arranjos familiares são encontrados no contexto social. Sarti (2006, p.39) definiu família como não sendo homogênea, mas um universo de relações diferenciadas, destarte, os assistentes sociais e psicólogos são confrontados em seus atendimentos por realidades diversas que exigem dos mesmos, fundamentação teórica, clareza na prática e na execução da metodologia a ser executada no acompanhamento das famílias. Os técnicos dos CRAS devem ser vistos como atores sociais e mediadores que nas diversas intervenções procuram fortalecer os usuários, valorizar a participação dos mesmos na dinâmica do equipamento e estimulá-los a serem participantes ativos na sociedade. De acordo com Vergara (2012, p.2) “construir mediação é construir o significado mediato da realidade concreta para poder intervir de maneira eficaz na perspectiva da transformação e/ou superação da mesma”. Dessa forma, esta categoria deve ser usada como instrumento de transformação para que se rompa com o modelo apresentado e imposto pelo sistema capitalista vigente. Não podemos desconsiderar que os técnicos de referência nos CRAS, assistentes sociais e psicólogos sociais, devem ser mediadores e facilitadores do acesso aos direitos sociais por meio de suas competências profissionais e especificidades. Mas cabe salientar, que tais profissionais encontram-se, ainda que em condições distintas, subjugados à mesma base societária, tal como os usuários que buscam os serviços nesses equipamentos e, ainda, submetidos à organização institucional com as prováveis correlações de forças e submetidos à precarização nas relações de trabalho, com contratos flexibilizados e sem reais garantias previdenciárias. Ou seja, são técnicos pertencentes à classe trabalhadora que vendem sua força de trabalho ora para a instituição privada ora para a pública e que não detêm a plena autonomia no processo de trabalho. Os mesmos trabalham diretamente com a questão social apresentada em suas múltiplas expressões o que exige fundamentação para as devidas intervenções que devem oferecer subsídios à promoção das famílias acompanhadas. Cabe aos técnicos frente às dificuldades apresentadas nos atendimentos, requererem a partir de seus próprios conhecimentos, intervenções que favoreçam o acesso dos usuários às políticas sociais e oferecer um atendimento para além do imediatismo. 6 Superar o imediato é uma ação da mediação, que é uma ação qualitativa, dentro de uma contradição. A contradição por sua vez, compreende uma relação como o todo, portanto a superação reflete a negação como todo o resto o que só é possível acontecer pela mediação que penetre no cerne da questão social e não nas aparências (VERGARA, 2012, p.06). Para que essas famílias tenham condições de saírem do quadro latente da pobreza, da vulnerabilidade e risco social é necessário, ainda, o desenvolvimento de capacidades e potencialidades e a condição de estarem amparadas através de uma rede de proteção social. É evidente que os técnicos que atendem e acompanham as famílias enfrentam interesses institucionais que, por vezes, podem não significar os interesses e as necessidades da população e do cidadão que se encontra fragilizado. Conforme Faleiros (2011, p.57) “a intervenção tem seus limites pessoais e decorrentes da própria estrutura institucional em que se articulam as estratégias de intervenção”, o que evidencia que os técnicos, em seu cotidiano, terão sempre o espectro das limitações impostas pelo sistema vigente que tenta sucumbir às intervenções libertadoras em prol das que fortalecem a ordem social vigente. 5 - CONSOLIDAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA Os CRAS possuem o objetivo de “prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários [...]” (MDS, 2009, p.9). O serviço a ser ofertado exclusivamente pelo CRAS deve ser o PAIF e o acompanhamento familiar deve ser direcionado, prioritariamente, às famílias beneficiárias do PBF. No início de 2009, o município possuía três CRAS que cumpria parcamente as indicações das normas técnicas no que se refere ao espaço físico, composição técnica e serviços a serem oferecidos. A oferta do PAIF e o acompanhamento aos beneficiários do PBF encontravam-se fragilizados, pois não havia padronização dos serviços, o entendimento metodológico era compreendido de forma particularizada, o que levava cada equipe técnica materializar sua prática profissional sem o devido embasamento na Política Nacional de Assistência Social e nas demais diretrizes dos serviços socioassistenciais. A partir de 2009, a Assistência Social no município reforçou seu dimensionamento com base no que preconiza a PNAS e nas demais normativas e resoluções ordenadas pelo MDS e organizou as proteções afiançadas: a Proteção Social Básica e Especial. Em 2004, com o decreto 5.085 da Presidência da República, o Programa de Atenção Integral à Família - PAIF tornou-se “ação continuada da Assistência Social”, passando a integrar a rede de serviços da Assistência Social cofinanciada pelo Governo Federal (MDS, 2012, p.1). 7 Este serviço visa à proteção das famílias, previne a ruptura de laços familiares e comunitários, propõe o fortalecimento dos vínculos e o acesso às políticas públicas e deve ser obrigatoriamente ofertado no CRAS. A partir da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), o PAIF deixa de ser um programa de governo e passa a ter a natureza de trabalho continuado em território nacional, com a nomenclatura de Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família- PAIF. Com base na Tipificação a pesquisa aferiu junto aos entrevistados acerca da compreensão destas mudanças legais. E diante do questionamento sobre tais alterações, as respostas referentes ao que é o PAIF não foram unânimes. Nenhum entrevistado respondeu corretamente na perspectiva da nomenclatura do serviço, no entanto, nove se aproximaram do entendimento do que seria o mesmo. Em primeira análise entendemos que o fato do significado da sigla “PAIF” não ser, aparentemente, compreendido poderia caracterizar uma provável fragilidade no atendimento às famílias, contudo ao se dar atenção às respostas verifica-se que existe o conhecimento de que se trata de um serviço que possui como forma basilar o acompanhamento familiar não desconsiderando a promoção social das famílias. A instituição da Política de Assistência Social como política pública de seguridade social e não contributiva se conformou na Constituição de 1988, mas com a LOAS em 1993 e o SUAS em 2005, essa política avança para seu fortalecimento, no entanto, não deixa de ser evidente a sua condição de um produto recente que necessita ser consolidado no cotidiano das políticas públicas e da práxis profissional. Assim, esse aparente desconhecimento, na verdade, pode ser traduzido como a não apropriação das normativas sendo necessário o aprofundamento no conhecimento desta política. A organização da Proteção Social Básica e Especial, a observação das orientações concernentes à estrutura do CRAS e seus serviços, a apropriação da metodologia do PAIF pela equipe e a inclusão das famílias acompanhadas no Plano de Ação Familiar -PAF cujo objetivo maior é a promoção das mesmas, justificam as declarações de sete entrevistados afirmando o avanço na oferta dos serviços no CRAS e o avanço do SUAS em Duque de Caxias, inclusive com a descentralização de alguns serviços como exemplo, o cadastramento no CADÚNICO nos CRAS. A pesquisa se preocupou em buscar dados sobre o conceito e o entendimento da categoria intersetorialidade. As respostas, quase unânimes, apontaram para o entendimento de que a intersetorialidade é a articulação e a comunicação entre as Secretarias e demais setores que envolvem as políticas setoriais e o trabalho em conjunto com vários atores sociais. 8 A compreensão naquele momento era de que a intersetorialidade se traduzia, apenas, como a formação de parcerias com outros atores. Contudo, a intersetorialidade é para além da comunicação ou articulação entre os atores sociais, a mesma “envolve a agregação de diferentes políticas sociais em torno de objetivos comuns e deve ser princípio orientador da construção das redes municipais” (COUTO, 2011, p.39). Ou seja, supõe a articulação entre as políticas públicas, planejamento em conjunto, a implementação de programas e serviços integrados e a superação da fragmentação da atenção pública às necessidades sociais da população. Percebe-se que esta categoria importante no atendimento das famílias acompanhadas nos CRAS se encontrava, em sua forma conceitual, ainda nublada para os técnicos e se apresentava como desafio à gestão e a coordenação da política. Outra categoria que deve ser materializada no trabalho junto às famílias é a mediação técnica. De acordo com Vergara (2012, p.2) mediação “é construir o significado mediato da realidade concreta”, que permitirá a intervenção eficaz na perspectiva da transformação da realidade. Dessa forma, esta categoria deve ser usada como instrumento de transformação para que se rompa com o modelo apresentado e imposto pelo sistema capitalista vigente. Um serviço de grande porte oferecido no município, através de cofinanciamento do governo federal, é o programa de transferência de renda direta Bolsa Família. Conforme orientações específicas para o PAIF (MDS, 2012) os CRAS devem oferecer o acompanhamento prioritário às famílias beneficiárias do PBF e as que estão em descumprimento das condicionalidades. Uma condição sinequa non para a emancipação das famílias é a “articulação entre o PBF e as políticas públicas de iniciativa dos governos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal” conforme Lei nº 10.836/2004 - criação do Programa Bolsa Família. Um dos objetivos do PBF é o alcance da cidadania e a emancipação das famílias beneficiárias, uma “tarefa para muitos anos e não apenas para um programa isolado” (WEISSHEIMER 2010, p.67). Dados da pesquisa revelam que os técnicos possuíam conhecimento sobre o que se propõe o Programa Bolsa Família o que é relevante, já que o mesmo não deve ser visto apenas como um programa de transferência de renda. Destarte é de suma importância, no acompanhamento familiar, a proposta do PBF ser entendida e se propor ações que cooperem com o desenvolvimento e o empoderamento das famílias pobres, superação da situação de vulnerabilidade e ser oferecido o suporte para que as mesmas busquem alternativas próprias de manutenção (MDS, 2012, p. 4-7). Os “programas de transferência de renda, tomados como fins em si mesmos, não garantem possibilidades de romper com a condição de vulnerabilidade” (PAIVA, 2009, p.59). É 9 necessário que as políticas públicas sejam mais eficazes e que a fragilidade encontrada na comunicação e articulação entre as políticas setoriais seja modificada por decisões conjuntas e pela realização de ações de proteção aos usuários das mesmas. Não propusemos alcançar nesta pesquisa toda a dimensão do Programa Bolsa Família e nem nomear ou quantificar os impactos deste benefício na vida das famílias acompanhadas nos CRAS, no entanto, conforme o entendimento dos técnicos entrevistados, o recebimento do benefício oferece impactos positivos na vida dos beneficiários acompanhados nos CRAS. De acordo com a PNAS (2004) e o SUAS (2005), o conceito sobre matricialidade familiar significa dizer, que a família é o centro das diversas ações, serviços, programas e projetos oferecidos pela política de Assistência Social. Os dados coletados mostram que o princípio da matricialidade familiar é efetivado nos serviços do CRAS apesar de necessitar de avanços. Outro questionamento que causou muita expectativa foi se havia o entendimento de que o trabalho do CRAS contribui para a promoção social das famílias acompanhadas. A resposta foi que sim, mas precisava de avanços. Na realidade não era esperado o “sim” unânime, pois sabemos que a consolidação do SUAS é um processo em andamento o qual deve ser amadurecido pela gestão e pelos profissionais da Política de Assistência Social. Por fim, referente à composição da equipe técnica, os oito CRAS em funcionamento no município se encontram com a equipe mínima institucional estruturada, conforme as orientações do documento Orientações Técnicas para o Centro de Referência de Assistência Social (MDS, 2009) e a NOB/RH (2006). 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho procuramos apresentar os desdobramentos do Sistema Único de Assistência Social no município de Duque de Caxias no recorte dos CRAS de Beira Mar e Jardim Gramacho. Um dos desafios desta pesquisa foi o de verificar os avanços do SUAS na perspectiva do trabalho com as famílias beneficiárias do PBF acompanhadas nos CRAS e inseridas no PAIF. Pontos interessantes foram apresentados o que nos levou a construir algumas considerações sobre o SUAS em Duque de Caxias as quais apresentaremos a seguir. Primeiramente, destacamos a organização da Proteção Social Básica de acordo com a PNAS (2004) como um dos pilares da Política de Assistência Social, a observação das orientações concernentes à estrutura do espaço físico do CRAS, seus serviços e composição técnica 10 conforme o que é preconizado pela PNAS (2004), NOB/SUAS (2006), NOB/RH (2006) e outros documentos de orientação do MDS. Em 2012 tinha instalado no município oito CRAS com acessibilidade e os devidos serviços preconizados pela PNAS e NOB/SUAS, o que resulta numa maior cobertura territorial e no maior acesso às políticas públicas por parte dos usuários e beneficiários do Bolsa Família acompanhados nos CRAS. A metodologia do PAIF foi internalizada pela equipe técnica que passou a materializar sua prática profissional de acordo com as diretrizes deste serviço, houve a padronização dos serviços e o PAIF era ofertado em todos esses equipamentos. A Assistência Social possui a característica de uma política transversal e por si só não é capaz de contemplar as demandas que chegam até ela e, assim, o movimento de integração com as demais políticas setoriais e a efetivação da intersetorialidade é considerado um dos pontos fundamentais na materialização desta política. Sobre a intersetorialidade, categoria relevante nas políticas públicas, se verificou que existe um movimento de concretização da mesma no trabalho dos CRAS, contudo, ainda é um desafio para os técnicos e para a gestão, pois esta categoria não se restringe na comunicação ou articulação entre os atores sociais e na parceria com outras políticas setoriais para a realização de uma ação, projeto ou programa. A Assistência Social possui o caráter de política de proteção social que deve ser articulada com outras políticas do campo social e econômico e que devem manter entre si relações de completude e articulação, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida. A concretude da Política de Assistência Social perpassa pela garantia no planejamento em conjunto das ações que viabilizam o acesso dos usuários às políticas sociais com a participação de diversos atores sociais e políticas setoriais. Outro ponto a ser considerado e que deve ser materializado junto às famílias beneficiárias inseridas no PAIF, é a mediação técnica. Percebemos nos resultados da pesquisa que se trata de um processo ainda não alcançado amplamente pelos técnicos, não obstante, parte da equipe ter a apreensão do conceito sobre mediação entendendo que este processo deve ser buscado. O princípio da matricialidade familiar, em que as famílias devem ser consideradas como ponto primordial no trabalho e na execução dos serviços socioassistenciais nos CRAS, é efetivado nos serviços do CRAS apesar de necessitar de avanços. A intervenção técnica deve apresentar possibilidades às famílias dos CRAS para além do imediatismo com as devidas reflexões críticas das mesmas sobre a dinâmica da própria vida pessoal, familiar e comunitária. Não pretendemos afirmar que os técnicos são os responsáveis 11 diretamente na promoção social das famílias dos CRAS, pois entendemos que cabe ao Estado oferecer e garantir tanto o acesso quanto à materialização desses direitos. No entanto, através do trabalho técnico sistematizado, crítico e reflexivo junto às famílias, com os devidos encaminhamentos e as efetivas interlocuções com as políticas setoriais reconhecemos a relevância do trabalho técnico na construção do processo emancipatório das famílias. Apresentamos algumas argumentações sobre o Programa de transferência de renda Bolsa Família e os dados apresentados mostram que os técnicos possuem conhecimento em relação ao que o PBF se propõe e que concordam que o mesmo causa impacto positivo na vida das famílias beneficiárias. No entanto, quanto ao entendimento dos mesmos sobre o teor legal e as perspectivas deste Programa, principalmente, no que diz respeito à promoção social das famílias beneficiárias não nos aprofundamos, pois não daríamos conta desta ampla discussão neste momento. Apenas os programas de transferência de renda não são capazes de erradicar a pobreza e a desigualdade social, é necessária a participação efetiva das demais políticas setoriais, inclusive a política econômica. Mesmo porque “o principal objetivo do Programa Bolsa Família é justamente fazer com que seus beneficiados deixem de sê-lo” (WEISSHEIMER, 2010, p. 67). Os dados da pesquisa referentes demonstram que, mesmo com a necessidade de avanços na materialização da política, no município de Duque de Caxias ocorreu avanço nos desdobramentos do SUAS. A execução dos serviços está desenhada com base nas orientações dos serviços, o espaço físico do CRAS está de acordo com as orientações do MDS e o PAIF, principal serviço de acompanhamento às famílias é realizado em todos os CRAS como preconiza as orientações e normativas. Este trabalho não tem como pretensão assinalar de forma precisa e fechada os dados apresentados pela pesquisa, eles não se esgotam por si mesmos. Serão necessárias várias outras reflexões e leituras sobre o tema. No entanto, a intenção foi de apresentar um estudo de caso com as devidas fundamentações teóricas e a consolidação de dados de forma crítica que propiciem a compreensão sobre a Política de Assistência Social e os avanços nos desdobramentos do SUAS no município de Duque de Caxias, bem como nos CRAS. Entendemos que o avanço do SUAS é um processo em andamento o qual deve ser amadurecido pela gestão e pelos técnicos, cuja prática profissional se insere na Política de Assistência Social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 12 COUTO, Berenice Rojas. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: Couto; Yasbeck; Silva e Silva; Raichelis (Orgs.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo. 2ª ed. Cortez, 2011. DESLANDES, Suely Ferreira. A Construção do Projeto de Pesquisa. In: Pesquisa Social Teoria Método e Criatividade. MINAYO, Maria Cecília de Souza. (ORG.) 14 edição. Ed. Vozes; Petrópolis, 1999. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. Cortez. 10 ed. São Paulo, 2011. GIL, Antonio Carlos. Metodologia de Pesquisa em Serviço Social. Serviço Social. 1 ed. Brasília: SESI, v.1, 1996. Instituto Brasileiro de Geografia. Estimativas das Populações dos Municípios 2011. 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