1 REGIÃO METROPOLITANA E DESIGUALDADES SÓCIO

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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais
do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas
modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)
REGIÃO METROPOLITANA E DESIGUALDADES SÓCIO-ESPACIAIS – O
CASO DA GRANDE VITÓRIA
Rossana Ferreira da Silva Mattos1
RESUMO
O artigo examina as características do processo de formação da Região Metropolitana da
Grande Vitória, consubstanciado em elementos histórico-sociais que revelam o processo de
segregação sócio-espacial que se estabeleceu na região da capital aliado ao projeto de
modernização econômica a partir da década de 1960. Nesta perspectiva, o trabalho aborda
as condições históricas da formação metropolitana da Grande Vitória, identificando em que
medida o aprofundamento das desigualdades sócio-espaciais pode levar à fragmentação
social e, contribuir para a escalada da violência na Região.
Palavras-Chave: Cidades Urbanas, Metropolização, Segregação e Violência.
INTRODUÇÃO
Vivemos num contexto de intensa urbanização; portanto numa sociedade urbana. A
evolução das cidades e por sua vez a metropolização mostra-se como resultado da escalada
urbana. Ganha importância o papel das cidades urbanas e das metrópoles no
desenvolvimento econômico e social da sociedade contemporânea. A cidade é o reflexo
desta, na medida em que produz riquezas, reproduz as relações políticas econômicas e
culturais, além de explicitar relações de poder.
As cidades têm vários significados que revelam os aspectos da vida social, econômica e
cultural do espaço urbano. Conforme já identificado, a cidade aqui referida é a formada a
partir do século XIX. É a cidade capitalista. Seu aparecimento está relacionado com a
apropriação de novas tecnologias e a escalada produtiva que, na lógica modernizante trouxe
um novo modo de viver, pensar e sentir a vida. Os aspectos relacionados à construção de
1
Doutoranda em Ciências Sociais pela PUC de SP, Mestre em Administração pela UFSC; Coordenadora e
Professora do Centro Universitário Vila Velha.- UVV; [email protected]
1
cidades urbanas encerram um paradoxo: as graves questões sociais que encerram as
contradições de classe que se refletem nas configurações espaciais, conforme afirmado por
VÉRAS (2000).
No Brasil, a formação de cidades sempre evidenciou processos de segregação, pobreza e
contradições. Ademais, um aspecto importante observado na dinâmica das cidades
brasileiras é que o processo de metropolização é uma característica marcante da
urbanização nacional. A metrópole, que segundo definição de CASTELLS (2000), reflete
as modificações no espaço das sociedades capitalistas envolve uma complexidade de novas
relações.
A formação metropolitana da Grande Vitória, no Estado do Espírito Santo também
evidenciou complexa problemática. De maneira semelhante ao cenário nacional, o
desenvolvimento capixaba aliou, em algumas situações, a desigualdade social a uma
concentração espacial da pobreza. Observa-se uma segregação sócia - territorial que inibe o
acesso dos mais pobres aos serviços de infra-estrutura urbana, assim como agrava as
dificuldades para obtenção de empregos, diminui as oportunidades de profissionalização,
além de possibilitar maior exposição daqueles à violência.
Nesse contexto, este trabalho apresenta algumas questões sobre o processo de formação da
Região Metropolitana da Grande Vitória ─ RMGV ─, ao mesmo tempo em que analisa até
que ponto a fragmentação das identidades sociais contribui para a escalada da violência na
Região.
1- CARACTERÍSTICAS DA FORMAÇÃO METROPOLITANA DA GRANDE
VITÓRIA
No Estado do Espírito Santo, a exemplo do contexto nacional, a decadência do modelo
primário exportador, focado especialmente na economia cafeeira, foi determinante para a
migração campo - cidade. Os aspectos envolvidos com a economia que se modificava a
partir da nova lógica industrial criaram as condições para a urbanização capixaba e
conseqüente formação metropolitana.
2
A Região Metropolitana da Grande Vitória – RMGV ─ foi instituída formalmente através
da Lei Complementar Estadual n° 58, de 21.02.1995, que foi posteriormente modificada em
1999 e 2001, com novo texto formatado através da Lei Complementar n° 318 de 17 de
janeiro de 2005. É formada pelos municípios de Vitória, Vila Velha, Serra Cariacica,
Viana, Guarapari e Fundão.
A RMGV concentra aproximadamente 50% da população do Estado do Espírito Santo e
apresenta taxa de urbanização da ordem de 98.2%2. A concentração da população capixaba
na microrregião, acaba por exercer a função de centralização regional num espaço de
tomada de decisões, informações, transações comerciais, financeiras e de prestação de
serviços públicos, além de ser o vetor de difusão cultural e tecnológica.
Entretanto, para a nossa reflexão, partimos da hipótese que os aspectos que envolvem a
lógica modernizadora são antagônicos, pois expressam a exclusão de determinadas parcelas
da população. A Grande Vitória explicita divergências sociais. Muito embora os municípios
que constituem a RMGV apresentem IDHM3 variando entre 0,74 (considerados de médio
desenvolvimento humano) a 0,86 (desenvolvimento humano considerado alto) é possível
perceber que esta posição não exime a região dos bolsões de pobreza e exclusão social.
Importante ressaltar que a RMGV ocupa apenas 5% do território estadual. Essa situação
acarreta uma concentração populacional que por sua vez responde por graves problemas
advindos da metropolização, tais como falta de moradia, saneamento, violência urbana,
entre outros.
Resolver esta problemática apresenta-se como um grande desafio de gestão pública. Como
afirma RIBEIRO (2005) “os problemas acumulados nas metrópoles ganham crescente
relevância social e econômica, ao mesmo tempo em que é órfã do interesse público”.
2
Fonte: IBGE.2000
3
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.2000
3
Na RMGV, observa-se que são incipientes as práticas de gestão pública metropolitana. Os
aspectos positivos da efetiva modernidade, contudo estão em implantar fortes estratégias de
controle sobre os desafios metropolitanos de crescimento, mesmo porque conforme se
observa é importante delimitar a ação do poder público na construção de esforços para
amenizar as externalidades negativas que o processo de desenvolvimento atrai.
Os esforços de uma eficiente gestão metropolitana prescindem da busca por políticas
públicas coadunadas com a percepção das grandes dimensões de exclusão social e as novas
perspectivas traçadas pela economia urbana.
2- METROPOLIZAÇÃO, SEGREGAÇÃO e VIOLÊNCIA URBANA.
Recentemente, a literatura brasileira tem também chamado a atenção para o papel dos
fenômenos da divisão, segmentação e segregação residencial na reprodução das
desigualdades e da violência nas Regiões Metropolitanas − RMs.
Ao analisar o papel do Estado no processo de criação de guetos nas cidades, Marcuse
destaca a importância da definição do conceito de segregação para se evitar possíveis
distorções analíticas e clarificar a análise das políticas públicas e os resultados desejados.
Para esse autor, “Segregação é o processo pelo qual um grupo populacional é forçado,
involuntariamente, a se aglomerar em uma área espacial definida, em um gueto. É o
processo de formação e manutenção de um gueto.” (2004: 24)
Para fins de sua análise o autor utiliza três grupos/tipos para identificar as origens da
segregação: cultura, papel funcional e econômico, e posição na hierarquia do poder. A
interdependência, as sobreposições e contradições resultantes desta diferenciação são
identificadas considerando que “Do ponto de vista histórico, padrões diferentes de divisão
são diferencialmente refletidos, fortalecidos ou contestados no espaço” (MARCUSE,
2004:27). Na reflexão do autor citado, um ponto importante a ser destacado é o papel do
Estado no sentido de atuar como responsável pelo monopólio do uso da força para
estabelecer a divisão espacial criando assim as repartições de acordo com as linhas de poder
4
dominantes. Sua análise é demonstrada através de exemplos, apresentados a seguir, da
guetização patrocinada pelo governo dos Estados Unidos, em diversas cidades, como:
•
Ordenações de zoneamento, onde a ocupação se dava exclusivamente por brancos;
•
Adoção do zoneamento como dispositivo de exclusão dos negros, que incluíam:
zoneamento de lotes grandes, proibição ou limitação de áreas disponíveis para construções
multifamiliares, concessão de poderes discricionários em conselhos de zoneamentos locais
— concentrados nas mãos de brancos — que concediam ou rejeitavam licenças de
construção;
•
Respaldo judicial dos tribunais para os contratos restritivos, que permitiam a exclusão dos
negros de amplas áreas das cidades e conseqüentemente seu confinamento a áreas já
ocupadas por negros, e embora violando a Carta de Direitos de 1866, somente em 1948 esta
prática foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte;
•
O planejamento urbano, freqüentemente, se conformou a padrões essencialmente racistas;
•
A Federal Housing Administration (FHA), responsável pela avaliação dos imóveis para
obtenção do auxílio federal para aquisição das moradias unifamiliares, no seu Manual para
Requerentes afirmava: “importantes, entre outras influências adversas, ... são ... a infiltração
de grupos raciais ou nacionalidades desarmoniosos...”. Além disso favorecia “...restrições
no cadastro de escrituras... [para] incluir o seguinte: ...proibição de ocupação das
propriedades a não ser pela raça para a qual são destinadas”;
•
A remoção dos pretos, tendo como pano de fundo o programa de renovação urbana adotado
sob o Título I do Housing Act de 1949, que destruiu mais moradias do que criou, forçando
os negros americanos a se mudarem de áreas freqüentemente integradas, pensadas para usos
mais elevados, para áreas que já concentravam minorias (MARCUSE, 2004, p. 28-29).
Assim, o autor coloca que a segregação, explícita ou não, em qualquer sociedade, existe
com a sanção tácita do Estado.
No Brasil, o processo de segregação tem início na Primeira República (1889-1930), com a
intervenção estatal sobre o espaço urbano e a moradia dos trabalhadores, apesar da
predominância das concepções liberais, não só com o apoio, mas também com a
reivindicação da classe dirigente.
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O receio do caos e da desordem, a ameaça que os surtos epidêmicos representavam para a
organização econômica, o pânico que um mal desconhecido trazia à população, o prejuízo
que a morte de imigrantes recém-chegados causava às finanças públicas, (como afirma
MOTTA [1894], “as epidemias que ameaçam todos os anos, dizimando a classe operária e
roubando-nos braços úteis que importamos com sacrifícios”) e, enfim, o medo da classe
dirigente de vir a ser atingida pelas doenças, foram as razões que levaram o Estado a
intervir no espaço urbano (BONDUKI, 1998: 30).
Entretanto, Bonduki (1998: 33) ressalta que, as políticas de intervenção no espaço urbano,
adotadas em São Paulo, já indicavam “[...] uma intenção velada de eliminar os cortiços e os
trabalhadores da área central e de regiões também habitadas por setores sociais mais
privilegiados”, acelerando assim o processo de segregação social por meio da intervenção
pública.
Em seus estudos sobre crime, segregação e cidadania em São Paulo, Caldeira (2000)
identifica três formas diferentes de segregação social:
1. do fim do século XIX até os anos 1940, caracterizada por uma concentração espacial
numa pequena área urbana a segregação se dava pelo tipo de moradia;
2. dos anos 40 até os anos 80, caracterizada por uma divisão espacial centro periferia,
com concentração da classe média e alta nos bairros centrais e os pobres na
periferia;
3. a partir dos anos 80, caracterizada pelo que a autora chama de “enclaves
fortificados”, ou seja, onde os grupos sociais estão muitas vezes próximos, porém
separados por muros e tecnologias de segurança. São os espaços privatizados onde a
classe média abandona o espaço público tradicional para os pobres. (CALDEIRA,
2000:211).
Neste cenário, refugiamo-nos nos muros da fortaleza. Associado a isso, atualmente, o
mercado de trabalho urbano no Brasil, caracteriza-se pela imobilidade ou mobilidade
descendente e fragilização do trabalho assalariado.
Com isto, as RMs possuem novos arranjos espaciais, com uma enorme complexidade
quanto ao compartilhamento de uma gestão voltada à inclusão social.
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Outro aspecto relacionado a questão social nas metrópoles é a exacerbação da
criminalidade comum violenta. Os dados sobre a mortalidade levaram o historiador Luiz
Mir (2004) a cunhar a expressão “metrópoles da morte”. A taxa de homicídios dobrou em
vinte anos. A taxa de mortalidade por homicídios aumentou 130% (de 11,7 para 27 por 100
mil habitantes) entre 1980 e 2000. Entre 1991 e 2000 no conjunto do Brasil aumentaram em
95% as taxas de mortalidade por homicídios com o uso de armas de fogo, entre homens de
15 a 24 anos. (Mir, 2004:853).
Outra questão relacionada à criminalidade nas metrópoles é que ela não incide
homogeneamente sobre a população. Os mais pobres são as maiores vítimas, em especial
do homicídio, cujas mais altas taxas concentram-se nos bairros mais pobres das grandes
metrópoles. Este fato tem chamado atenção de pesquisadores para a possível relação entre
os processos de segmentação e segregação sócio-territorial em curso, que separam as
classes e grupos sociais em espaços da abundância e em espaços da concentração da
população vivendo simultâneos processos de exclusão social.
O IPEA, com base no cruzamento de dados do Censo IBGE de 2000 com os registros de
óbito do Ministério da Saúde, de 2003, calculou a probabilidade de um cidadão ser
assassinado em cada um dos 5.507 municípios brasileiros. O estudo mostra que entre 1980
e 2000 a taxa de mortalidade por homicídio no país cresceu 130%, passando de 11,7 para
27 em cada 100 mil habitantes. Dentre os 127 municípios com taxa de homicídios superior
a 50 por 100 mil habitantes, em 2003, 51 pertencem a regiões metropolitanas.
Em relação à Região Metropolitana da Grande Vitória − RMGV −, a pesquisa demonstra
que, na classificação dos 23 municípios brasileiros mais violentos encontram-se: - Serra,
como a cidade mais violenta; - Cariacica, a terceira cidade mais violenta; - Vitória, a
segunda capital mais violenta e a décima sexta cidade mais violenta. E no ranking dos 23
municípios menos violentos não tivemos nenhum classificado. Neste sentido, RIBEIRO
(2003) alerta que, apesar da cidade ao longo do tempo ser pensada "como o lugar da
modernidade e da democracia" (p.80),
O debate contemporâneo sobre os impactos nas grandes cidades das
transformações econômicas (globalização e re-estruturação produtiva),
no entanto, é marcado pela hipótese da emergência de uma nova ordem
sócio-espacial na qual a cidade cumpre um papel exatamente inverso,
com o surgimento de uma estrutura social dualizada entre ricos e
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pobres, uma organização espacial fragmentada e uma sociedade
política semelhante ao ancien régime, onde as elites passam a controlar
de maneira exclusivista a ordem poliárquica deformada, abandonando
ao hobbesianismo os deserdados da nova ordem do mercado.
Assim, é importante entender a violência como “[...] um modo específico de afirmação do
indivíduo sob a vigência de determinadas formas de sociabilidade.” (FRAGA, 2002, p.46).
Considerando o exposto e os indicadores sociais relacionados à RMGV, onde apesar da
melhoria em alguns indicadores como as taxas de analfabetismo e de escolaridade, outros
índices, especialmente o que afere a violência apresenta-se como uma dos mais altos do
país (POCHMANN, 2003).
É no contexto destas questões, que nossa pesquisa apresenta algumas variáveis relativas à
problemática urbana, procurando alternativas que possibilitem a promoção e dinamização
do processo de gestão metropolitana envolvendo a busca por modelos que amenizem os
efeitos da segregação sócia espacial, hoje percebida na Região Metropolitana da Grande
Vitória.
REFERÊNCIAS
BÓGUS, Lucia M., RIBEIRO, Luiz César de Q. (org.) Cadernos Metrópole: desigualdade e
governança urbana. São Paulo: n.8, pp 9-140, 2 sem. 2002.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do
inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: FAPESP, 1998.
CALDEIRA, Teresa Pires do R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São
Paulo. São Paulo: Edusp, 2003.
CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FRAGA, Paulo Denisar. Violência: forma de dilaceramento do ser social. Serviço Social &
Sociedade. São Paulo: Cortez. n.70. p. 44-58, julho 2002.
MARCUSE, Peter. Enclaves, sim; guetos, não: a segregação e o Estado. Espaço & Debates.
São Paulo. V.24. n.45. p.24-33. jan/jul, 2004.
MIR, Luiz. Guerra Civil: Estado e Trauma. São Paulo: Geração Editorial, 2004.
POCHMANN, Marcio, AMORIN, Ricardo (org.). Atlas da exclusão social no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2003.
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. Democracia e segregação urbana: reflexões sobre a
relação entre cidade e cidadania na sociedade brasileira. Revista Eure. Santiago do Chile:
vol. XXIX, p.79-95, diciembre, 2003.
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RIBEIRO, Luiz César de Queiroz, (org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a
cooperação e o conflito. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; Rio de Janeiro:
FASE, 2005.
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