“AUSCHWITZ, THE MEANING OF PAIN”: A BANDA SLAYER NOS LEVA A PENSAR: O QUE SIGNIFICA REPRESENTAR UM EVENTO LIMITE COMO O HOLOCAUSTO EM UMA CANÇÃO? Reubert Marques Pacheco1 RESUMO O heavy metal é um novo objeto de investigação historiográfica. Surgido na década de 1970, o heavy metal vem, ao longo destas últimas décadas recrutando legiões de fãs e colecionando polêmicas. Este artigo compõe as atividades de pesquisa desenvolvidas no mestrado da linha História e Cultura da Universidade Federal de Uberlândia, onde buscamos entender dentro da dissertação uma parte do imaginário, a iconografia e as representações que remetem a certos tipos de sentimentos como o medo, o horror, trauma, insegurança e violência na contemporaneidade. Neste artigo propomos pensar sobre os usos das memórias traumáticas referentes ao Holocausto e as maneiras como este evento limite poderia ser representado. Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizamos a musicalidade do metal extremo como uma forma de discutir sobre este tema pensando a seguinte questão: é possível representar um evento limite como o holocausto em uma música? Quais implicações morais, éticas e teóricas existem neste exercício representativo? Utilizamos como fonte para tal discussão a letra da música “Angel of Death” da banda de thrash metal norte-americana Slayer. Utilizamos como referencial teórico para pensar o rock e seus subgêneros, alguns autores que discutem sobre este tipo de musicalidade e subcultura. Pensamos a musicalidade metal dentro de uma sociedade contemporânea que passa por grandes transformações e para isso recorremos a Zygmunt Bauman para pensarmos esta fluidez das relações e os possíveis diálogos estabelecidos entre os músicos e a sociedade. No tocante aos usos da memória traumática utilizamos alguns autores como Dominick LaCapra, Maria Mudrovic, Cecília Macon e Verônica Tozzi. O metal está atrelado a essa “liquidez” do mundo contemporâneo? PALAVRAS-CHAVE: Thrash metal. Memória. História. Holocausto. Representação. A partir da música Angel of Death composta pela banda norte-americana de thrash metal, o Slayer, propomos neste artigo pensar algumas questões referentes à memória traumática a partir de reflexões que problematizam os usos de tais memórias dentro do trabalho historiográfico. Uma das questões que nos move é: é possível representar um evento limite como o Holocausto em uma canção? A primeira indagação nos remete a segunda: que implicações éticas existem em transformar um acontecimento traumático em uma música? O título deste artigo é uma provocação para pensarmos algumas questões referentes a temas polêmicos e como o historiador deve lidar com eles. No caso não trabalhamos necessariamente com memórias, mas 1 Formado em História pela Universidade Federal de Goiás Campus Catalão no ano de 2012. Mestrando na linha História e Cultura pela Universidade Federal de Uberlândia no programa de 2014. Contatos pelo email: [email protected]. ressignificações e representações de todo um imaginário a cerca do Holocausto. Porém, faz-se pertinente discutirmos a cerca dos usos da memória traumática dentro do trabalho historiográfico para esboçar uma reflexão sobre como determinados sujeitos ressignificam tais memórias e criam representações de um passado traumático. O autor Dominick LaCapra discute sobre as dificuldades que a historiografia atual enfrenta em lidar com as memórias traumáticas. Um evento como o Holocausto lança novas indagações para o historiador principalmente sobre a maneira como ele irá lidar com as vítimas e como construir uma narrativa histórica. Um dos pontos discutidos é a proximidade que o historiador possui com a vítima. Este contato cria um paradigma de como lidar com este tipo de documentação, pois seria complicado contestar a narrativa da vítima, mas ao mesmo tempo esta memória deve ser pensada de maneira crítica. Em outro momento, LaCapra questiona se os métodos atuais de investigação histórica dariam conta de lidar com o testemunho. “No creo que las técnicas convencionales – que en muchos aspectos son necessárias – siempre sean suficientes, y em cierta medida, el estudio del Holocausto puede ayudarnos a reconsiderar los requisitos de la historiografia en general.” (LACAPRA, 2007, p. 175-176) É preciso pensar as formas de escrever sobre tais tipos de memória para não correr o risco de minimiza-las, relativizar, silenciar ou emudecer as vítimas. LaCapra afirma que existem limites a serem considerados na escrita dos testemunhos dados pelas vítimas. Se o objetivismo não consegue lidar com memórias traumáticas, o método da comparação menos ainda. A objetividade e o rigor da narrativa historiográfica em lidar com estes testemunhos criariam limitações no processo de escrita. Estes limites criariam mais problemas do que soluções, pois não dariam conta de expor as angústias, sentimentos e interpretações elaboradas pelas próprias vítimas. O método comparativo trariam problemas ainda mais sérios para o trabalho do historiador. Ao comparar o Holocausto a qualquer outro evento limite corre-se o risco de negar o mesmo, pois limita a criticidade chegando-se ao ponto de até mesmo tratar tal evento como algo normal. LaCapra afirma também que tais dificuldades ocorrem devido ao fato do Holocausto ser único. LaCapra fazendo referência a Eberhard Jäckel afirma: El extermínio nazi de los judíos fue único porque nunca antes un Estado, bajo la autoridad responsable de su líder, había decidido y anunciado que un específico grupo de seres humanos, incluyendo ancianos, mujeres, ninos y bebés, sería asesinado hasta el último de ellos, implementando dicha decisíon con todos los médios a su alcance. (JÄCKEL apud LACAPRA, 2007, p. 178) Fazer comparações entre eventos limites ou relativiza-los implica em questões morais e éticas. São eventos que proporcionaram momentos difíceis na vida das pessoas e que precisam ser pensados. Por mais que haja dificuldades em transferir tais experiências para o trabalho historiográfico devido aos limites da linguagem – se é que existe esta possibilidade -, vai dizer LaCapra, negar ou relativizar tais eventos tampouco irá solucionar os problemas teóricos-metodológicos. Menos ainda tratar a memória traumática como algo cristalino, fonte da verdade. Deve-se trata-la de maneira crítica e considerar pontos importantes como os sujeitos, ao contexto histórico, as disputas políticas do presente sobre o passado, os interesses sobre os ditos e os silenciados. Essa chamada de atenção do autor se deve as inúmeras tentativas dos revisionistas tanto de construir outra memória desses eventos limites quanto de nega-los. Cecília Macon e Verónica Tozzi (2005) trazem para a discussão o Hayden White para pensar o processo de elaboração do passado referente ao Holocausto. O giro linguístico, diz White, trouxe novas questões para o debate historiográfico principalmente referente ao trabalho do historiador. Uma das discussões é a cerca da possibilidade de representar o passado a partir da narrativa elabora pelo historiador. As autoras apontam que de maneira geral os historiadores fazem uma leitura equivocada de Hayden White apontando três destes possíveis equívocos: o historiador inventa o passado, os eventos passados não ocorreram e se ocorreram, o passado é incognoscível. Mas o que este autor aponta seriam questões a cerca dos discursos criados sobre este passado. (MACON, Cecília; TOZZI, Verónica, 2005, p. 115) Pensar nesta perspectiva nos ajuda a refletir sobre os usos das memórias traumáticas. Embora existam dificuldades metodológicas de lidar com este tipo de documentação é necessário problematiza-las e tentar perceber as intencionalidades por traz de tais testemunhos. Eventos limites como o Holocausto é difícil de ser representado pelo historiador devido à gravidade dos fatos e as limitações da narrativa. La narrativa tradicional, en su esfuerzo por domesticar la realidad histórica y encajarla en los limites discursivos, cuando es aplicada a estos acontecimientos modernistas, se tornaría distorsionadora y encobridora de su naturaleza límite y extrema. (Ibidem, p. 121) Hayden White é citado pelas autoras quando este fala que certos tipos de representação das memórias dos sobreviventes do Holocausto devem ser vistos com muito cuidado, pois corre-se o risco de elaborar formas interpretativas que distorçam ainda mais os fatos, assim sendo “(...) la elección de un estilo grotesco para la representación de algunos tipos de acontecimientos históricos constituiria, no sólo una falta de gusto, sino también una distorsión de la verdad.” (WHITE apud MACON, Cecília; TOZZY, Verónica, 2005, p. 120) Neste sentido, uma canção sobre o Holocausto teria uma série de problemas para além dos intuitos dos músicos. Pensar o texto destas autoras nos ajuda a refletir sobre possíveis metodologias ao lidar com tal tipo de documentação, além também de pensar sobre as representações que se faz do Holocausto. Um pouco mais além, Macon e Tozzi nos ajuda a compreender o papel do historiador como construtor de determinadas interpretações sobre o passado. Assim como em outras fontes históricas, a memória traumática é constituída por disputas do presente sobre o passado, inclusive disputas políticas. O Holocausto principalmente, pois a preservação deste passado envolve questões políticas importantes como a necessidade de registrar as memórias dos sobreviventes, construir museus e até mesmo a própria existência do Estado de Israel. Ou como aponta LaCapra, a necessidade de trabalhar o testemunho se faz pertinente devido a avançada idade dos sobreviventes, portanto, é necessário coletar o maior número de informações possíveis destas memórias para que elas não desapareçam junto com seus portadores. (LACAPRA, 2009, p. 25) Escrever sobre o trauma é também um exercício de pensar o papel moral e ético que o historiador assume perante a sua fonte. Mas, por que existe esta dificuldade em lidar com a memória traumática? Maria Inés Mudrovcic pode nos ajudar a pensar sobre estas dificuldades abordadas por LaCapra, pois ela faz uma elaboração teórica do que é o trauma. Sua escrita busca aproximar as noções de trauma na historiografia com a perspectiva da psicanálise. Este raciocínio se deve ao fato do historiador lidar com pessoas que passaram por momentos difíceis e estes deixaram marcas incuráveis tanto na parte física quanto na própria psiquê. Neste sentido, Mudrovcic expõe um breve raciocínio do que viria a ser o trauma. En sus Orígenes la palavra trauma se aplicó a los síntomas producidos por una lesión orgánica. La concepción moderna de trauma se originó em el trabajo del médico inglés John Erichsen quien, en 1860, identificó el “ síndrome del trauma” em víctimas que sufrian de terror a los acidentes de ferrocarril y los atribuyó a una contusión de la espina dorsal. Sin embargo, el término trauma recibió um sentido psicológico cuando fue empleado por J,M. Charcot, P. Janet, A. Binet, J. Breuery S. Freud para describir una lesión (“ herida”) de la mente causada por um shock emocional súbito e inesperado. Sólo em 1980 un modelo de trauma se institucionaliza en el concepto de stress postraumático(PTSD) a través del reconocimiento oficial de la American Psychiatric Association. El stress pós-traumático es fundamentalmente un desorden de la memoria. Debido a las flertes emociones de terror y sorpresa causados por ciertos eventos, la mente se disocia: es incapaz de registrar la herida de la psique porque los mecanismos ordinários de conciencia cognición destruídos. (MUDROVCIC, 2009, p. 106) A autora ainda chama a atenção para o processo que alguns indivíduos passam que é de relembrar ou até mesmo de reviver o trauma. Para estes indivíduos não existe uma ruptura entre passado e presente, mas um constante repetir e recordar. A repetição é o processo ao qual o sujeito é incapaz de analisar e distinguir a ruptura entre passado e presente, o inconsciente por sua vez expressa essa incapacidade em fantasias e desejos. “Los sueños traumáticos, los flashbacks y otras experiências intrusivas son considerados memorias literales del evento traumático.” (Ibidem, p. 108) Para lidar com estas questões é preciso colocar o trauma como uma nova categoria de análise historiográfica. Mudrovcic mostra que os modelos documentais realistas e antirrealistas não conseguiriam lidar de forma apropriada com estes testemunhos. Neste diálogo com D. LaCapra, a autora expõe que os modelos objetivistas de escrita da História limitariam as análises e aproximações da historiografia com outras áreas do conhecimento – como a psicanálise – sendo preciso pensar uma metodologia multidisciplinar para lidar com os testemunhos de vítimas dos eventos traumáticos (Ibidem, p. 112-113). Pensar o texto da Mudrovcic nos ajuda a pensar as alusões que o Slayer fez ao Holocausto. Embora a banda não tenha utilizado diretamente as memórias das vítimas de Auschwitz para compor esta canção, de certa maneira a alusão a estes eventos poderia desencadear em alguns sobreviventes o processo de reviver ou relembrar o trauma. É complicado trilhar este caminho analítico, pois seria necessário entrevistar possíveis vítimas que tiveram contato com a música e posteriormente desenvolveram algum tipo de distúrbio causado pela mesma. Mas o que se pode discutir são as implicações morais em compor uma canção agressiva sobre um evento como o Holocausto. Se para o historiador existem limites na coleta do testemunho, nos métodos, nas questões morais e éticas em lidar com este tipo de documentação; para o metal tais limites são transgredidos e ressignificados. Mesmo não utilizando as memórias, o Slayer utiliza todo um imaginário sobre o Holocausto e elabora uma interpretação grotesca lembramos aqui a fala de Hayden White - sobre este evento, não havendo, portanto, um rigor em ser preciso aos acontecimentos. Mas se existem tantos cuidados em lidar com o Holocausto, por que então criar uma canção sobre esta temática? Tentaremos analisar o contexto histórico atual e as origens do gênero thrash metal no intuito de pensar alguns caminhos que levem a uma possível resposta a esta questão. Vivemos em tempos de incertezas. Talvez este seja um dos grandes dilemas da nossa sociedade contemporânea, saber o que irá ocorrer em um futuro próximo. Alguns autores apontam para este possível esfacelamento das relações e certezas ao qual nossa sociedade está imersa. Neste ponto seria interessante citarmos algumas perspectivas de Zygmunt Bauman. A leitura que Bauman faz da nossa sociedade é bastante instigante para pensarmos os nossos papeis sociais e nosso espaço dentro das relações interpessoais. De modo geral ele aponta que estamos passando por um período em que tudo é transitório, tudo é fluido, tudo é líquido; as relações humanas, os sentimentos, as estruturas, os pensamentos são efêmeros. Bauman nos leva a pensar o papel da cultura neste mundo líquido, nos sensibiliza a (re)pensar os sujeitos e seus lugares de atuação dentro desta sociedade. Ele aponta que hoje é complicado tratarmos as produções culturais feitas exclusivas para determinados grupos, por mais que existam sujeitos que tentam delimitar seus espaços (BAUMAN, 2013, p. 9). Ele avança nas discussões analisando aqueles indivíduos que de alguma forma “transitam” entre as produções culturais, pois nossa sociedade permite esta abertura de caminhos. Os mesmos sujeitos “(...) podem frequentar a ópera, assistir a uma partida de críquete e reservar bilhetes para o Led Zeppelin sem por isso se segmentarem (...)” (FRY apud BAUMAN, 2013, p. 8). É nestes caminhos que tentamos indagar nosso objeto: o heavy metal! O Heavy Metal é uma ramificação e intensificação sonora do Rock n’ Roll que ocorreu durante a década de 1970 graças aos trabalhos de bandas inglesas como Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin. O jeito de fazer música se transforma. As guitarras ficam aceleradas, distorcidas, a bateria mais veloz, vocais gritados, letras que tratam de temas ligados a religiosidade, conflitos éticos, cotidiano das bandas, questões ligadas a sexualidade e etc. Uma década depois este gênero sofre diversas transformações estilísticas tornando-se mais pesado, mais obscuros e mais controverso. Entram em cena subgêneros como o Thrash Metal, Death Metal e Black Metal. Estes são subgêneros considerados como Metal Extremo devido a forma como as músicas são compostas e os temas abordados que seriam: assassinatos, paganismo, satanismo, anticristianísmo, antissemitismo, torturas, guerras, violências cotidianas e etc. Leonardo Campoy (2010) a partir de uma entrevista com Maurício Noboro com o intuito de entender melhor o que seria o metal underground e como ele ocorre aqui no Brasil, assim define o que seria o metal extremo: O que denominamos de metal extremo baseia-se nisso que Maurício chama de “coisa mais pesada”. Como ele mesmo me explica: “é esse metal mais brutal, mais rápido [...], é death, black, trash, grind, splatter, doom, enfim, esse tipo de som”. Mas Maurício, é mais pesado, mais brutal, mais rápido em relação a quê? “Cara, em relação a esse metal mainstream, cheio de solo, gritinho agudo e firula [...], é metal, mais um outro tipo de metal mais extremo”. (CAMPOY, 2010, p. 30-31) Percebemos nesta fala um ponto que pode nos ajudar a refletir sobre o nosso objeto: os extremismos. O metal extremo não se resume apenas na sonoridade, existem questões referentes a temáticas, intuitos e performances que são levadas literalmente aos extremos. A ideia central é o choque, a agressividade e a raiva externada na composição das melodias, vocais vociferados, elementos gráficos dos discos e dos palcos, as vestes e os temas abordados nas canções. Portanto, criar uma música sobre o Holocausto atende aos “requisitos” de se fazer música extrema – pelo menos de alguma maneira. Compartilhando da ideia de Guilherme Bertoldo Miranda (2010, p. 8) o rock e o metal são fenômenos contemporâneos e não poderiam ter se originado em outro período histórico senão este. Talvez seja este esfacelamento das estruturas, das certezas, na fluidez dos conceitos que permite o surgimento destes estilos musicais tão controversos. Faz-se interessante notar que ao mesmo tempo em que a música protesta contra o Sistema, ela em si faz parte do próprio Sistema, sendo ela mainstream2 ou não! Uma banda que canta contra o capitalismo de certa forma movimenta o próprio sistema capitalista ao produzir um disco e vários outros artigos relacionados ao seu trabalho. Afirmamos que tanto o rock quanto o metal são fenômenos possíveis apenas na contemporaneidade, pois eles existem dentro das fraturas culturais, existe a partir da fragilidade das instituições, existe na contestação e do aparecimento da voz insatisfeita dos jovens que compõe esse universo. O Rock é uma arte de transgressão dos valores cultuados pela sociedade. É a crítica ao establishment, ao status quo. Em outros momentos, os “radicais” seriam perseguidos e eliminados fisicamente do convívio social e suas obras seriam destruídas. Hoje por mais que existam críticas e movimentos conservadores contrários ao rock, não se tem mais fogueiras inquisitoriais como forma de censurar aqueles que não se adequam aos padrões. Não que a censura tenha acabado, ela apenas se tornou mais sútil, e nesta sutileza, de alguma maneira ainda tolera a existência daquilo que se tenta censurar. O polêmico também faz parte do mercado. De certa forma o conteúdo dito inadequado acaba vendendo até mais do que aqueles moralmente aceitos. Alice Cooper, KISS, Ozzy Osbourne, Marilyn Manson, Slipknot entre tantos outros comprovam isso. Bauman faz essa (re)leitura da indústria cultural em mostrar que a cultura hoje se tornou mercado. As obras de arte, a produção para certos nichos da sociedade, a produção para os autodeclarados cultos ou do próprio “populacho” acabam se tornando também 2 Entendemos como mainstream as produções artísticas pertencentes a indústria cultural e as produções destinadas as massas. No caso do rock e metal o termo é designado para separar as bandas comerciais daquelas que tem trabalhos independentes e/ou underground. “líquidos”, pois estas produções circulam entre as classes, entre os grupos, transcendem os gostos e variam seus significados, mas ainda se mantêm como mercadoria. Mais do que isso, nossa sociedade está fraturada, fragmentada, pois como diria a expressão do Marx e analisado por Marshall Berman “tudo que é sólido se desmancha no ar”, nossa sociedade passa por uma crise de paradigmas que atinge as estruturas e as relações entre as classes sociais; e a cultura de várias maneiras reflete essa nossa crise. Um destes reflexos: o rock. Podemos pensar que o rock e suas várias vertentes se faz possível nos dias de hoje porque somos uma sociedade traumatizada. O que foi o século XX senão uma sucessão de traumas? Talvez mais ainda, o que foi o século XX senão uma sucessão de traumas potencializados pela aceleração da informação? Hoje em poucos segundos é possível acompanhar um massacre pela televisão ou pela internet – vide os programas policiais, as várias notícias violentas de atentados terroristas, conflitos militares, assassinatos entre outros que povoam os noticiários todos os dias. Em uma leitura generalizante e mais superficial - mas sem cair no clichê de que o passado era mais pacifico do que hoje - podemos perceber que em contextos históricos anteriores as notícias demoravam a circular. De certa forma, os indivíduos para tomar conhecimento sobre uma guerra ou participavam da mesma, ou construíam marcos de memória que remetiam ao conflito e de certa forma isso permitia um possível distanciamento dos traumas ali causados. Hoje com esse “boom” das tecnologias de comunicação é possível registrar um assassinato e noticiar isso para bilhões de pessoas. O 11/09 é um claro exemplo deste processo. Existe um impacto significativo nisso e percebemos que o rock e principalmente o metal são reflexos deste processo tão contemporâneo a nós. O movimento da contracultura surgido entre 1950 e 1970 pode ser entendido como pertencente a essa reação aos traumas vividos por nossa sociedade ocidental durante a primeira metade do século XX. As manifestações do Maio de 1968, quando a juventude sai às ruas e reivindicam direitos e mudanças significativas na sociedade. Woodstock também pode ser incluído nessa série de acontecimentos movidos pela juventude que marcaram os anos sessenta e setenta. Podemos pensar os movimentos pacifistas dos anos 60 atrelado a musicalidade rock n’ roll. A luta contra a Guerra do Vietnã é de certa forma resultado das imagens que chegavam daquele conflito, onde as famílias assistiam no noticiário da noite seus filhos sendo mortos e os jovens sentiam receios em participar do conflito por medo de sofrer o mesmo destino. Este sentimento de alguma forma ainda permanece contemporâneo a nós. Não é por acaso que alguns dos temas mais recorrentes nas bandas de metal extremo seja a destruição do outro. Esse espírito libertário e questionador da racionalidade ocidental, que viria a marcar tão fortemente isto que ficou conhecido como a contracultura, já se anunciava nos Estados Unidos, desde os anos 50, com uma geração de poetas – a beat generation – que produziu um verdadeiro símbolo do fenômeno com o poema “Howl” (Allen Ginsberg, 1956), que traduzido, significa uivo ou berro. Nesta mesma época, com seu apogeu por volta dos anos 1956-1968, surge o rock-‘n-roll sintetizado na figura provocativa de Elvis Presley, aglutinando um público jovem que começava a fazer deste tipo de música a expressão de seu descontentamento e rebeldia, tornando inseparáveis a música (ou a arte) e o comportamento. (PEREIRA, 1986, p. 9) É dentro deste contexto de transformações sociais e musicais que se insere o nosso objeto de estudo, a música Angel of Death da banda norte-americana Slayer. O Slayer é uma das bandas que deram origem ao subgênero Thrash Metal nos Estados Unidos no início da década de 1980. O Slayer surge dentro da cena metal underground de Los Angeles, sendo uma das principais influências do surgimento do subgênero. Formada em 1981, pelos guitarristas Kerry King e Jeff Hanneman, o Slayer possui uma sonoridade extrema, pesada, veloz e provocante. Fica evidente em suas letras a crítica ao sistema religioso cristão, a violência urbana, problemas de ordem político e social. Como suas precursoras, a Metal Massacre III lançou várias bandas de visual agressivo, mas nenhuma mais expressiva que a turma de Los Angeles chamada Slayer. (...) Formado em Huntington Park em 1982, o Slayer existiu não só alheio às bandas posers produzidas pela MTV, mas também longe da panelinha power metal em torno do Metallica. Tudo isso por um motivo: o Slayer não ligava para o NWOBHM. (CHRISTE, 2010, p. 136) A banda já gravou até o momento 11 discos em estúdio, 8 singles, 2 álbuns ao vivo e 2 EPs. Devido a saída do Dave Lombardo em 2013 e a morte do guitarrista fundador Jeff Hanneman no mesmo ano, a atual formação da banda conta com Tom Araya no baixo e vocais, Kerry King na guitarra solo, Gery Holt na guitarra base e Paul Bostaph na bateria3. A canção que utilizamos para pensarmos as representações do Holocausto e o que implica tais apropriações imagéticas pertence ao terceiro álbum de estúdio Reign in Blood, produzido pela gravadora Def Jam Recordings e lançado no ano de 1986. Este disco é considerado por muitos jornalistas, músicos e fãs como um marco na musicalidade thrash produzida até então. O Reign in Blood conseguiu boas vendagens no mercado fonográfico ainda durante a década de 1990. As músicas trazem temas controversos como o Holocausto – que iremos tratar em breve -, anti-religiosidade, 3 Disponível em: http://www.slayer.net/us/theband - Acessado 10/07/2014 assassinatos e insanidade. A canção Angel of Death foi composta pelo guitarrista Jeff Hanneman e esta compõe a primeira faixa do disco. A escolha desta música em específico pode ser justificada em dois pontos: primeiro pela temática trabalhada. A música trata do Holocausto a partir das experiências praticadas pelo “Anjo da Morte”, Josef Mengele, médico que atuou nos campos de Auschwitz-Birkenau. Segundo, pela intensidade da música em tentar representar os horrores das experiências de Mengele. Talvez a resposta para a primeira questão desta discussão já esteja respondida, pois sim, é possível criar canções que tenham como temas o Holocausto e outros eventos traumáticos. Mas a questão não se esgota no ser ou não ser possível, mas no que significa musicar um trauma. É neste sentido que vemos o Metal como uma fonte pertinente de indagações sobre a sociedade e como que esta lida com seu próprio passado. A musicalidade metal nos permite pensar o grotesco, o horror, o choque, o trauma, pois muitos artistas têm seus trabalhos contidos neste universo temático. Antes de começarmos a analisar a letra da música, fica aqui o nosso convite para primeiramente ouvir a canção. Assim será possível ter uma maior dimensão do que estamos tentando expor neste trabalho. A mesma é fácil de ser localizada na internet 4 e o disco do Slayer também é fácil de ser achado nas lojas físicas ou virtuais. O convite se faz pertinente, pois a mensagem passada pela banda é uma junção performática de letra, ritmo acelerado e frenético, agressividade sonora e a forma de expor a letra feita pelo vocalista Tom Araya. Entender o metal, os headbangers5, as relações sociais desenvolvidas durante os shows e etc passa primeiro pelo ouvir. Por mais que haja resistências a este tipo de sonoridade, e ela acaba sendo de certa forma natural para aqueles que estão fora deste “mundo”, para se entender o Metal primeiramente deve-se ouvi-lo. É importante falar que assim como qualquer outro objeto passível de investigação histórica, as músicas são subjetivas. As interpretações tanto da letra quanto das performances variam de sentido de pessoa para pessoa. A música já inicia em um ritmo acelerado seguido por um grito que poderíamos definir como agonizante. A letra, que vem logo em seguida, assim começa a expor em uma linguagem poética os horrores do Holocausto: Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=K6_zsJ8KPP0 – acessado 10/07/2014 Headbanger é um termo criado para designar os fãs da musicalidade metal. Aqui no Brasil no ano de 1985 a Rede Globo tentou criar o termo “metaleiros” para designar o publico que foi conferir os shows do Rock in Rio 85 (LEÃO, 1997, p. 199). Porém, este termo (metaleiro) é pejorativo e repudiado por muitos headbangers brasileiros. 4 5 Auschwitz, the meaning of pain/ The way that I want you to die/ Slow death, immense decay/ Showers that cleanse you of your life/ Forced in/ Like cattle you run/ Stripped of/ Your life's worth/ Human mice, for the angel of death/ Four hundred thousand more to die.6 Logo na parte inicial podemos perceber a intensidade da mensagem passada pela banda. A banda tenta expor os horrores tanto da desumanização quanto das experiências praticadas por Josef Mengele em Auschwitz. Fica evidente o uso de palavras que remetem ao grotesco, a destruição do corpo humano e também da destruição da própria noção de humanidade. Neste trecho da música o que fica evidente é a negação do outro, podendo inclusive fazer alguns paralelos teóricos com as discussões feitas por Primo Levi sobre a desumanização e as memórias daqueles que vivenciaram estes acontecimentos. Levi foi um sobrevivente de Auschwitz e busca escrever suas memórias referentes ao período que esteve na condição de prisioneiro. Ele entende que sua ação torna-se um fardo quase insuportável, gerando até mesmo certo sentimento de culpa por ter sobrevivido e outros não. Mas narrar as atrocidades cometidas nos campos de extermínio torna-se “uma espécie de obrigação moral para com os emudecidos ou, então, para nos livrarmos de sua memória: com certeza o fazemos por um impulso forte e duradouro”. (LEVI, 1988, p.48) É necessário narrar estes acontecimentos para que jamais sejam esquecidos e nem se repitam. LaCapra fala que os eventos traumáticos causam feitos não apenas nas vítimas, mas em todos que tomam contato com a mesma. El acontecimiento traumático tiene su mayor y más claramente injustificable efecto sobre la víctima, pero de maneras diferentes afecta también a cualquiera que entre em contacto con él: victimario, colaboracionista, testigo, resistente, los nacidos a posteriori. Especialmente para las víctimas, el trauma produce um lapsus o ruptura em la memoria que interrumpe la continuidad con el pasado, poniendo de este modo en cuestión la identidade al punto de llegar a sacudirla. (LACAPRA, 2009, p.21-22) A desumanização vivida por Primo Levi toma tamanha dimensão que ele chega a desconfiar de suas próprias memórias. Mas um ponto interessante tocado pelo autor é referente ao fato de quem são as testemunhas. Ele afirma que as verdadeiras testemunhas do horror praticado pelos nazistas não voltaram para contar suas histórias. Elas estão nos fornos crematórios, nas valas comuns e nos túmulos sem identificação. Repito, não somos nós, os sobreviventes, as autênticas testemunhas. Esta é uma noção incômoda, da qual tomei consciência pouco a pouco, lendo as 6 Auschwitz, o significado da dor/ A maneira que eu quero que vocês morram/ Morte lenta, imensa decadência/ Chuveiros que limpam toda sua vida/ Forçados a/ Fugir como animais/ Despidos do/ Valor de suas vidas/ Ratos humanos, para o anjo da morte,/ Quatrocentos mil a mais para morrer (tradução do autor) memórias dos outros e relendo as minhas muitos anos depois. Nós, sobreviventes, somos uma minoria anômala, além de exígua: somos aqueles que, por prevaricação, habilidade ou sorte, não tocamos o fundo. Quem o fez, quem fitou a górgona, não voltou para contar, ou voltou mudo; mas são eles, os “ mulçumanos”, os que submergiam – são eles as testemunhas integrais, cujo depoimento teria significado geral. Eles são a regra, nós, a exceção. Sob um outro céu, mas sobreviventes de uma escravidão análoga e diferente. (LEVI, 1988, p.47) A banda tenta captar alguns desses sentimentos em sua música. Além disso podemos observar a tentativa de representar todos esses horrores, estas questões da desumanização e a experiência extrema daqueles que não conseguiram voltar para contar suas histórias. Em outro ponto da música, a banda tenta trabalhar com os objetivos dos nazistas em eliminar os judeus em nome da superioridade ariana. A estrofe ao qual nos referimos é esta: Sadistic, surgeon of demise/ Sadist of the noblest blood/ Destroying, without mercy/ To benefit the aryan race7 Mengele é exposto como um sádico que pratica suas experiências em nome de todo o ideal criado pelo regime nazista. Podemos pensar tal passagem pelo viés da ideologia da raça pura ariana ou elaborar um raciocínio crítico que visa pensar até onde os horrores ali praticados eram pela ideologia e até onde era a vontade do próprio indivíduo (Mengele). Nas próximas estrofes, o Slayer explora os horrores das experiências médicas praticadas nos prisioneiros. É possível perceber a tentativa de criar uma ideia de dor e sofrimento a medida que a música prossegue em ritmo acelerado. A sonoridade frenética também faz parte desta tentativa de expor os horrores do Holocausto, pois ela não permite um espaço de reflexão para o que está sendo cantado. O som pesado casa muito bem com essa tentativa de desumanizar musicalmente aqueles sujeitos, expor os horrores cometidos pelos nazistas e ao mesmo tempo agradar aos fãs deste gênero musical. Os horrores representados abaixo são das cirurgias sem anestesia praticados nos prisioneiros dos campos de concentração com os objetivos mais diversos. A estrofe traz também a impotência das vítimas perante o que lhes estavam ocorrendo. Elas sentiam dores terríveis devido a esta destruição do corpo humano e a não preocupação com os sentimentos daquelas vítimas, pois elas eram consideradas pelos seus algozes como inferiores e inúteis. O Slayer assim as expõe: 7 Sádico, cirurgião da morte/ Sádico do mais nobre sangue/ Destruindo, sem piedade/ Ao benefício da raça Ariana. (tradução do autor) Surgery, with no anesthesia/ Feel the knife pierce you intensely/ Inferior, no use to mankind/ Strapped down screaming out to die. Angel of death/ Monarch to the kingdom of the dead/ Infamous butcher/ Angel of death/ Pumped with fluid, inside your brain/ Pressure in your skull begins pushing/ Through your eyes8. Em seguida temos representações de outras possíveis experiências e torturas praticadas pelos nazistas. Burning flesh, drips away/ Test of heat burns your skin/ Your mind starts to boil/ Frigid cold, cracks your limbs/ How long can you last/ In this frozen water burial?/ Sewn together, joining heads/ Just a matter of time/ 'Til you rip yourselves apart/ Millions laid out in their/ Crowded tombs/ Sickening ways to achieve/ The holocaust9 Na penúltima estrofe da canção, o Slayer explora a incapacidade dos judeus em reagir a todo aquele sofrimento vivido. O conceito criado pela banda é a fraqueza gerada tanto pela condição de prisioneiros de um campo de extermínio quanto das próprias experiências praticadas por Mengele. O que nos chama atenção é a ideia de impunidade dos nazistas que praticaram atrocidades durante anos e muitos não foram julgados por seus crimes, entre eles o próprio Mengele que após a guerra fugiu para a América do Sul vindo a falecer no Brasil vítima de afogamento; ou seja, não foi julgado por seus crimes. Pathetic harmless victims/ Left to die/ Rancid angel of death/ Flying free 10 Como já dito em outro momento, esta é uma canção que aborda um tema bastante sensível de forma pesada. Pesado não apenas no sentido entendido pelos headbangers, mas nas representações feitas sobre o horror praticado pelos nazistas. Uma possível primeira reação ao tomar contato com este tipo de música é a rejeição e a taxação dos músicos de loucos. Mas, quem seria o louco: o músico que cria uma versão sonora do horror ou quem praticou os atos horrendos ali cantados? Quando do discurso é desviado para este tipo de interpretação – insanidade dos músicos – o dialogo acaba sendo enfraquecido. Quando o outro é taxado de forma pejorativa esgota-se ali qualquer tentativa de elaborar um raciocínio crítico sobre o que ele quer dizer. É também uma forma de silenciar aqueles que nos incomoda. O intuito ao elaborar este raciocínio é propor uma visão crítica sobre o metal que ultrapassa as 8 Cirurgia, sem anestesia/ Sinta a faca te perfurar intensamente/ Inferior, inútil para a humanidade/ Amarrado e gritando até morrer/ Anjo da morte/ Monarca do reino dos mortos/ Infame sanguinário,/ Anjo da morte/ Cheio de fluído, dentro do seu cérebro/ A pressão no seu crânio começa a empurrar/ Seus olhos. (tradução do autor) 9 Queimando a carne, gotejando/ Os testes de calor queimam sua pele/ Sua mente começa a ferver/ Frio intenso, quebram seus membros/ Quanto tempo você pode durar/ Nesta sepultura congelada?/ Costurados, juntando cabeças/ Apenas uma questão de tempo/ Até te rasgarem em várias partes/ Milhões deitados em seus/ túmulos abarrotados/ Repugnantes caminhos para realizar/ O holocausto. (tradução do autor) 10 Patéticas vítimas inofensivas/ Abandonadas para morrer/ Podre anjo da morte/ Voando livremente barreiras simplistas do estético, do performático e dos pré-conceitos para questionar o que esses sujeitos querem dizer. Pensando nesta perspectiva, Jeff Hanneman comenta sobre o processo de inspiração. “Eu me lembro de parar em algum lugar e comprar dois livros sobre Mengele. Eu pensei: 'Isso é uma coisa doentia', então quando chegou a hora de gravar para o álbum aquilo ainda estava na minha cabeça – foi daí que veio 'Angel of Death'". (HANNEMAN, 2012) 11 A banda não lida necessariamente com as memórias dos sobreviventes, mas com o imaginário do Holocausto. Devido a esta letra forte, por muitos anos a banda foi taxada de nazista, pois em alguns casos os acusadores retiravam trechos da música, descontextualizava-os para alegar uma suposta apologia ao nazismo praticado pela banda. Porém, os músicos do Slayer em várias entrevistas tentam rebater estas acusações afirmando que um dos intuitos do Angel of Death é expor os horrores praticados pelos nazistas aos mais jovens, para que isso jamais volte a ocorrer. O homem é maligno por si só. O nazismo e o satanismo refletem a nossa natureza obscura, o extremismo de crenças, o bem e o mal. Kerry King gosta escrever as músicas mais contra religiões. Mas o Slayer, como grupo, não prega nada”. (ARAYA, 2012)12 Pensar a ideia de ética ou de moralidade dentro do metal extremo é algo complexo, pois os intuitos que movem boa parte das bandas deste gênero musical é justamente transgredir estes conceitos. Uma das essências da música extrema é tentar romper com os padrões estabelecidos tanto pela sociedade quanto pela própria indústria musical para criar algo impactante. O Slayer conseguiu criar uma música que certamente incomoda diversos indivíduos, principalmente judeus. Poderíamos pensar a música Angel of Death como um marco de memória do Holocausto? O fato expor musicalmente os horrores cometidos em Auschwitz, ter se tornado um clássico e referência para diversos outros artistas que buscam produzir música pesada, não daria a mesma um status de monumento deste passado? Esta música não seria um monumento característico do período contemporâneo, com suas tecnologias de produção, reprodução e difusão de informações? São pontos que devem ser discutidos por mais autores, com novas perspectivas de análise da música metal, com a inserção de novos sujeitos dentro desses debates e problematizar a produção feita por esses jovens. É necessário pensar o Metal dentro do Disponível em: http://whiplash.net/materias/melhores/159341-sexpistols.html#ixzz396aF3MnE – Acessado 25/07/14 12 Disponível em: http://omelhordometal.wordpress.com/2012/09/30/tom-araya-afirma-sobre-o-nazismoe-o-satanismo-do-slayer-o-homem-e-maligno-por-si-so/ - Acessado 25/07/14 11 contexto histórico atual, pois o que para muitos pode ser entendido como mero barulho, esconde questões que nos ajudam a compreender o mundo ao nosso redor e as representações que determinados sujeitos fazem do mesmo. Neste texto procuramos discutir os usos da memória traumática no fazer historiográfico. São novas abordagens que visam pensar o papel do historiador como sujeito participante das disputas sobre o passado. A narrativa, o giro linguístico e as intenções por trás da preservação ou não de determinadas memórias, levantam indagações e nos permite inclusive pensar como que uma música pode elaborar representações de um passado traumático. O historiador precisa tomar certos cuidados metodológicos durante suas análises para não distorcer os fatos, principalmente ao lidar com o trauma. Este artigo expõe as indagações iniciais de uma pesquisa maior sobre o Heavy Metal. Pode-se dizer que seria o pontapé inicial para as discussões que faremos durante a dissertação de mestrado que visa explorar principalmente as representações de mundo feitas por artistas do metal extremo. Propomos pensar criticamente temas como o medo na contemporaneidade, a relação conflituosa entre estes indivíduos e as religiões dominantes, o conflito entre o underground e o mainstream. Mais do que isso, pensar o papel da música como fonte para o historiador, que já é debatido por diversos outros pesquisadores, principalmente referente a música popular. Mas é o rock e o metal que nos inquieta. Gêneros musicais controversos que estão atrelados aos problemas do mundo contemporâneo. FONTE HANNEMAN, Jeff. Angel of Death. In. Reign in Blood. Intérpretes: Slayer. Def Jam Recording. Los Angeles, c1986. 1 CD. Faixa 1 (4min e 52 seg) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. “O Iluminismo como mistificação das massas”. In. Indústria Cultural e Sociedade. ALMEIDA, Jorge Mattos Brito de (org.). Trad. Juba Elisabeth Levi (et al.). São Paulo. Editora Paz e Terra. 2002. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da Pós-Modernidade. Trad. Cláudia Martinelli Gama, Mauro Gama. Rio de Janeiro. Zahar. 1998. ______. A cultura no mundo líquido moderno. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. Zahar. 2013 BERMAN, Marshall. “II. Tudo que é sólido desmancha no ar”. In. Tudo que é sólido desmancha no ar: Uma aventura na Modernidade. Trad. Ana Maria L. Ioriatti, Carlos Felipe Moisés. São Paulo. Companhia das Letras. 1986. BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leitura de operária. 10ª ed. Petrópolis. Editora Vozes. 2000 BURKE, Peter. Origens da História Cultural. In: BURKE, Peter. Variedades de história cultural. 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