Repensando a Política de Estabilidade Financeira e o Papel do

Propaganda
Repensando a Política de Estabilidade Financeira e o Papel do Banco Central:
Uma Análise Crítica das Novas Propostas dos Autores do Novo Consenso
Arthur Gualberto Bacelar da Cruz Urpia
Katia Harumi Omoto
Resumo: O objetivo deste artigo é, a partir das contribuições do Goodhart, fazer uma análise
crítica das novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre estabilidade financeira e o
papel do Banco Central (BC). A principal conclusão do trabalho é que as contribuições que há
muito tempo vêm sendo desenvolvidas pelo Goodhart se mostram superiores às novas
propostas apresentadas pelos autores do Novo Consenso.
Palavras-chave: Novo Consenso; Banco Central; Estabilidade Financeira.
Abstract: This aims of this article is, based on the contributions of Goodhart, make a critical
analysis of the new proposals of the authors of the New Consensus on financial stability and
the role of the Central Bank (BC). The main conclusion of this work is that the contributions
that have long been developed by Goodhart presents superior to the new proposals presented
by the authors of the New Consensus.
Keywords: New Consensus; Central Bank; Financial Stability.
Código JEL: E19, E58

Doutorando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE-IE/UFRJ), Brasil. Bolsista do CNPq.

Doutoranda em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE-IE/UFRJ), Brasil. Professora do Departamento de Economia da
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
1. Introdução:
Antes da recente crise financeira internacional iniciada em 2007, a condução da política
macroeconômica praticada por uma série de países era resultado do conjunto de propostas
associadas às práticas do Federal Reserve que foi batizada de “Novo Consenso de Jackson
Hole”. Este consenso foi consolidado no ano de 1999 na conferência organizada pelo Federal
Reserve of Kansas City, que foi denominada de New Challenges for Monetary Policy.
Blanchard et all (2010) apresenta um quadro resumo da condução da política
macroeconômica baseada no novo consenso. Para ele, as principais características são as
seguintes: a política monetária era formulada tendo como metas a estabilidade da inflação e
do produto; a política fiscal desempenhava um papel secundário; e a regulação financeira era
pensada como fora do âmbito da política macroeconômica. Para o autor, a negligência que foi
dada à intermediação financeira como um aspecto macroeconômico central é o que explica o
fato da regulação e supervisão financeira terem suas implicações macroeconômicas
praticamente ignoradas nas economias avançadas. Já em alguns mercados emergentes, regras
prudenciais (tais como limites de exposição cambial) foram projetadas juntamente com a
estabilidade macroeconômica. Entretanto, o uso de regulação prudencial para efeitos cíclicos
foi considerado impróprio, dada a onda de desregulamentação financeira. Neste sentido,
caberia como função do Banco Central apenas a estabilidade de preços.
Porém, a crise financeira internacional tem gerado determinadas lições que estão sendo
interpretadas e utilizadas pelos próprios autores do Novo Consenso para se repensar a
condução da política macroeconômica. Entre as principais lições, destacam-se as seguintes: I)
Que a estabilidade de preços e do produto é necessária, mas não é suficiente, tendo-se em
vista que não garante a estabilidade financeira. Autores vêm defendendo que o ambiente
econômico favorável observado antes da crise não só não foi capaz de evitar a instabilidade
financeira como pode ter-la promovido por ter estimulado a assunção de riscos excessivos, o
que tornou o sistema financeiro mais frágil. II) Outra lição valiosa apontada é que uma baixa
inflação limita o escopo da política monetária em períodos de recessões inflacionárias, dado o
limite zero da taxa de juros nominal, que impede que os bancos centrais continuem realizando
uma política monetária expansionista. III) Que a evolução do setor financeiro (que foi
amplamente desregulado) exerce impactos para a atividade econômica. IV) A importância da
intermediação financeira, principalmente das intervenções nos períodos em que a taxa de
juros não se apresenta como um instrumento suficiente para equilibrar os preços dos ativos.
Também, verificou-se com a crise que as bolhas fazem com que os preços dos ativos se
desviem dos seus fundamentos por questões especulativas. Além disso, observou-se que os
custos de se adotar uma estratégia de ‘clean’ após o estouro das bolhas é muito alto.
A crise também tem gerado pressões adicionais sobre os bancos centrais. Estas pressões têm
colocado em risco o bom funcionamento dessas instituições por ameaçar a forçá-las a entrar
em ‘terrenos arriscados’. As pressões se devem às elevadas dívidas públicas e privadas, e
devido os perigos dos desalinhamentos cambiais.
Com isto, o objetivo deste artigo é, a partir das contribuições do Goodhart, fazer uma análise
crítica das novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre estabilidade financeira e o
papel do Banco Central (BC).
Para tal, este artigo, além desta introdução consta de mais três seções. A segunda seção
apresenta as novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre a estabilidade financeira e
2
como deve ser o papel de atuação do Banco Central. A terceira seção traz as contribuições do
Goodhart sobre novas direções para se alcançar a estabilidade financeira e o papel do Banco
Central. Já a quarta seção compara ambas as contribuições.
2. Repensando a Estabilidade Financeira e o papel do Banco Central: as novas propostas
dos autores do Novo Consenso
A condução da política macroeconômica nos últimos anos pré-crise financeira internacional é
resultado do conjunto de propostas associadas às práticas do Federal Reserve (FED) que foi
batizada de ‘Novo Consenso de Jackson Hole’. Este consenso foi consolidado no ano de 1999
na conferência organizada pelo Federal Reserve of Kansas City, que foi denominada de New
Challenges for Monetary Policy. Para Goodfriend (2007, p. 24), o Novo Consenso apresenta
quatro importantes princípios, são eles: “the priority for price stability; the targeting of core
rather than headline inflation; the importance of credibility for low inflation; and preemptive
interest rate policy supported by transparent objectives and procedures”.
Blanchard et all (2010) apresenta um quadro resumo da condução da política
macroeconômica baseada no Novo Consenso. Para ele, as principais características são as
seguintes: a política monetária era formulada tendo como metas a estabilidade da inflação e
do produto; a política fiscal desempenhava um papel secundário; e a regulação financeira era
pensada como fora do âmbito da política macroeconômica. Para o autor, a negligência que foi
dada à intermediação financeira como um aspecto macroeconômico central é o que explica o
fato da regulação e supervisão financeira terem suas implicações macroeconômicas
praticamente ignoradas nas economias avançadas. Já em alguns mercados emergentes, regras
prudenciais (tais como limites de exposição cambial) foram projetadas juntamente com a
estabilidade macroeconômica. Entretanto, o uso de regulação prudencial para efeitos cíclicos
foi considerado impróprio, dada a onda de desregulamentação financeira.
Mishkin (2010) chama a atenção para o fato de que, mesmo antes da recente crise financeira
internacional, os bancos centrais tinham consciência do forte impacto negativo que rupturas
financeiras poderiam gerar na atividade econômica. Entretanto, para o autor, o modelo de
equilíbrio geral estocástico dinâmico (DSGE), que era utilizado pelo novo consenso, não
incorporava fricções financeiras como uma importante fonte para as flutuações econômicas.
Isto teria levado naturalmente a uma dicotomia entre a política monetária e a política de
estabilidade financeira, o que fez com que estes dois tipos de políticas passassem a ser
conduzidas separadamente. Assim, a política monetária se concentraria no seu objetivo
primordial, que é a inflação, e a estabilidade financeira seria tratada quer por via da
capacidade auto-corretora dos mercados, quer pela regulação prudencial. Com isto, a política
monetária só levaria em consideração os preços dos ativos se eles sinalizassem riscos de
pressões inflacionárias ou deflacionárias, e só contribuiria para a estabilidade financeira por
manter a inflação a um patamar baixo e estável.
Gameiro et all (2011) salienta que essa discussão sobre estabilidade financeira estar apoiada
na ideia de eficiência dos mercados financeiros para a correção automática dos desequilíbrios,
o que faz com que os potenciais riscos sistêmicos associados a fricções nos mercados
financeiros (tais como informação imperfeita, ‘risco moral’ e comportamento de massas)
tendessem a ser subestimados. Com isto, ações que visem o estouro de uma bolha geram uma
perda social maior do que esses potenciais riscos sistêmicos. A defesa deste argumento
também esta centrada nos seguintes pilares:
3
Primeiro, é difícil identificar claramente uma bolha nos preços dos ativos.
Segundo, a taxa de juro oficial, principal instrumento da política monetária,
é insuficiente para neutralizar bolhas de preços dos ativos, dado que tal
exigiria um grande aumento da taxa de juro do banco central que teria efeitos
desestabilizadores sobre a economia. Em terceiro lugar, quando as bolhas
rebentam os efeitos sobre a atividade podem ser facilmente neutralizados
através de taxas de juro mais baixas. (KOHN, 2006, apud GAMEIRO et all,
2011, p. 10).
Desta forma, a orientação era para que os BCs não interviessem nos desequilíbrios financeiros
no sentido de ‘estourar’ as bolhas, mas que respondessem de forma agressiva quando as
bolhas estourassem. Gameiro et all (2011) chama atenção para o fato de que esta política só
seria possível se a taxa de juro não atingisse o limite inferior zero. Esta estratégia de só
intervir após o estouro da bolha também é denominada na literatura econômica de ‘clean’
(uma referência a ‘limpar’ após o estouro da bolha), que é colocada em oposição à estratégia
de ‘lean’ (que é um diminutivo de ‘leaning against the wind’1), que defende que o banco
central deve responder diretamente ás bolhas dos preços do ativos, no sentido de retardar seu
crescimento e minimizar os danos na economia quando estas bolhas estourarem. A estratégia
de ‘clean’ funcionou bem após o estouro da bolha das dot.com em 2000-2002, o que levou os
seus entusiastas a acreditarem que sempre funcionaria bem após os estouros das bolhas de
ativos.
Desta forma, observa-se que o modelo do Novo Consenso defendia que o principal objetivo
dos BCs era a estabilidade de preços. Já a estabilidade financeira era colocada em segundo
plano (sendo pensada fora do âmbito da política macroeconômica) com os BCs tendo que
atuar apenas nos momentos em que houvesse o estouro das bolhas. Além disso, os problemas
gerados com os desequilíbrios financeiros eram subestimados devido à adoção da hipótese de
eficiência nos mercados financeiros.
Porém, a crise financeira internacional tem gerado determinadas lições que estão sendo
utilizadas pelos próprios autores do Novo Consenso para se repensar a estabilidade financeira
e o papel de atuação dos BCs. Com o intuito de destacar quais são essas novas propostas, esta
seção está divida em quatro sub-seções: a sub-seção 2.1 traz as lições tiradas com a recente
crise; a sub-seção 2.2 discute as pressões adicionais que os bancos centrais vêm sofrendo; a
sub-seção 2.3 apresenta as novas propostas para se alcançar a estabilidade financeira e o novo
papel de atuação dos BCs, e; a sub-seção 2.4 apresenta alguns comentários finais sobre o
seção.
2.1 As Lições da Recente Crise Financeira Internacional
Diversos autores vêm analisando a recente crise financeira internacional para observar quais
lições podem ser tiradas para modificar a condução da política macroeconômica. Entre esses
autores se destacam Blanchard et all (2010), Mishkin (2010) e Eichengreen et all (2011).
Estes autores citam uma série de lições que foram aprendidas com a recente crise financeira
internacional. Este seção tem como objetivo apresentá-las.
A primeira lição é que a estabilidade de preços e do produto é necessária, mas não é
suficiente, tendo-se em vista que não garante a estabilidade financeira. Antes da recente crise
1
Uma tradução literal para o português seria ‘inclinando-se contra o vento’.
4
financeira tanto os bancos centrais, quanto os acadêmicos, defendiam que a estabilidade de
preços e do produto garantiria a estabilidade financeira. As conclusões das pesquisas teóricas
sugeriam a estabilização de um índice correspondente a ‘preços rígidos’ (que é um índice
próximo do utilizado para medir o núcleo de inflação), algo que foi adotado por alguns países
desenvolvidos, que apresentaram um núcleo de inflação estável até o início da crise.
Após a crise, alguns autores têm realizado críticas ao regime de inflação baseado no núcleo da
inflação, por não ter levado em conta o aumento dos preços do petróleo ou de habitação como
deveria. Para Blanchard et all (2010), estas críticas são reflexo da esperança de se encontrar
um índice que seja o ‘certo’ para que seja estabilizado e, assim, garantir a estabilidade
financeira. Segundo ele, “this is unlikely to be true: no single index will do the trick”. Ele
adiciona que com a crise ficou claro que “(…) the behavior of inflation is much more complex
than is assumed in our simple models and that we understand the relationship between
activity and inflation quite poorly, especially at low rates of inflation”. (2010, p. 7). Assim,
para o autor, a crise demonstrou que a inflação e o hiato do produto podem ser estáveis, mas
isso não implicará necessariamente em um comportamento desejável para o preço de alguns
ativos e para o crédito, o que torna possível os desajustes financeiros mesmo com a
estabilização dos preços.
Mishkin (2010) ainda adiciona o fato de que o ambiente econômico favorável observado antes
da crise não só não foi capaz de evitar a instabilidade financeira como pode ter-la promovido.
“The low volatility of both inflation and output fluctuations may have lulled market
participants into thinking there was less risk in the economic system than was really the
case”. (MISHIKIN, 2010, p. 32). Segundo o autor, recentes pesquisas teóricas defendem que
ambientes econômicos favoráveis podem promover a assunção de riscos excessivos, o que
pode tornar o sistema financeiro mais frágil. No período anterior à crise, informações
demonstram que os prêmios de risco de crédito e os padrões de subscrição de empréstimos
caíram consideravelmente. O autor (2010, p. 32) conclui esta questão afirmando que:
“although price and output stability are surely beneficial, the recent crisis indicates that a
policy focus solely on these objectives may not be enough to produce good economic
outcomes”.
A segunda lição é que a macroeconomia é altamente não-linear. Isto pelo fato das crises
aumentarem a incerteza sobre os valores dos ativos, algo que pode gerar um ciclo de
feedbacks negativos a tal ponto que leve a rupturas financeiras. Estas rupturas têm efeitos
depressivos sobre os investimentos e sobre os gastos dos consumidores, que, por sua vez,
fazem com que a atividade econômica se contraia. Esta contração aumenta a incerteza sobre o
valor dos ativos e, portanto, piora a ruptura financeira. “In turn, this development causes
economic activity to contract further in a perverse cycle”. (MISHKIN, 2010, p. 24). Isto
aconteceu logo após a falência do Lehman Brothers. Para Mishkin (2010, p. 25), “the role of
nonlinearities in the macro economy when there is a financial disruption implies an important
flaw in the theory of optimal monetary policy that was in general use prior to the crisis”.
A terceira lição é que uma baixa inflação limita o escopo da política monetária em períodos
de recessões inflacionárias. Para Blanchard et all (2010), com o colapso da demanda agregada
em 2008, a maioria dos bancos centrais diminuiu a taxa de juros para perto do limite zero da
taxa de juros nominal, o que impediu que os bancos centrais continuassem realizando uma
política monetária expansionista. “One main implication was the need for more reliance on
fiscal policy and for larger deficits than would have been the case absent the binding zero
interest rate constraint”. (BLANCHARD et all, 2010, p. 8). Assim, o autor defende que se a
5
inflação média fosse um pouco maior antes da crise, a taxa nominal de juros também seria
maior, o que possibilitaria aos bancos centrais reduzirem ainda mais a taxa de juros em
resposta ao desaquecimento da demanda agregada. Como consequência também se observaria
uma menor queda da produção e a situação fiscal dos governos não teria se deteriorado tanto.
Mishkin (2010) ainda salienta que o limite inferior zero da taxa de juros nominal é mais
problemático do que o que foi levado em consideração pelo novo-consenso. Antes da crise
havia um reconhecimento por parte dos bancos centrais de que em situações em que a taxa de
juros estivesse em seu limite inferior zero haveria a necessidade de políticas monetárias não
convencionais (tais como: provisionamento de liquidez por parte do banco central a
instituições financeiras e outros bancos; compra de ativos privados e títulos públicos para se
diminuir o custo de empréstimo para as famílias; flexibilização quantitativa, em que os bancos
centrais expandem seus balanços, e; gestão de expectativas na qual os bancos centrais se
comprometem a manter sua taxa de política em níveis baixos por um longo período de
tempo). Porém, diversos pesquisadores têm observado que políticas monetárias não
convencionais não são tão efetivas durante as crises. Outra razão para explicar o porquê que o
limite inferior zero da taxa de juros é mais grave do que o novo consenso levava em
consideração é o fato dos choques depressivos poderem ser muito maiores do que se pensava
anteriormente, principalmente devido à presença de não-linearidades na economia.
A quarta lição apresentada se refere ao forte impacto que a evolução do setor financeiro gerou
para a atividade econômica. Para Mishkin, a crise que antes era restrita ao setor de hipotecas
subprime (que consistia apenas em uma pequena parte do mercado de capitais em geral) após
uma série de choques (tais como a falência do Lehman Brothers e o colapso na AIG) se
transformou em uma crise global, ocasionando a queda acentuada na atividade econômica de
vários países, inclusive os Estados Unidos. “The global financial crisis of 2007-2009
therefore demonstrated that financial frictions should be front and center in macroeconomic
analysis”. (MISHKIN, 2010, p. 23).
A quinta lição se refere à importância da intermediação financeira. Para Blanchard et all
(2010), em determinadas situações, a taxa de política pode não ser um instrumento suficiente
para equilibrar os preços dos ativos. Nestas situações, as intervenções (tanto através da
aceitação de ativos como garantias, quanto através da compra direta de ativos por parte do
banco central) são necessárias. Um exemplo de intervenção é a política de flexibilização do
crédito que os bancos centrais tem feito com a crise atual. Outra questão que ficou evidente
com a crise, para o autor, é que as bolhas fazem com que os preços dos ativos se desviem dos
seus fundamentos por questões especulativas. Além disso, observa-se que os custos de se
adotar uma estratégia de ‘clean’ após o estouro das bolhas é muito alto. A crise financeira
global, além do custo com a queda da produção agregada que uma recessão mundial ocasiona,
demonstra ainda a possibilidade de mais três custos adicionais. Primeiro, as crises financeiras
são normalmente seguidas de crescimento lento por algum tempo. Segundo, há uma
deteriorização acentuada do orçamento dos governos. Terceiro, a adoção de políticas
monetárias não convencionais, por parte do banco central, pode dificulta sua capacidade de
gerir a economia no futuro com sucesso.
A sexta lição é a importância, que havia sido renegada pelo novo-consenso, da política fiscal
contracíclica como uma ferramenta macroeconômica. Isto por duas razões: I) A política fiscal
se tornou uma importante ferramenta para a condução da política macroeconômica após a
política monetária (incluindo crédito e a flexibilização quantitativa) ter alcançado seu limite;
II) Pelo fato da recessão se mostrar duradoura, o que faz com que a política fiscal tenha tempo
6
para produzir um impacto benéfico, apesar de suas defasagens. Os países que entraram na
crise com baixa dívida pública puderam implementar políticas fiscais contracíclicas mais
agressivas sem ter que se preocupar com a estabilidade fiscal ou enfrentar paradas súbitas, já
os países que entraram na crise com altos níveis de dívida e um grande passivo a descoberto
tiveram a capacidade limitada para usar a política fiscal.
A sétima lição se refere ao papel desempenhado pela regulação financeira para a estabilidade
macroeconômica. Para Blanchard et all (2010), o papel limitado da regulação financeira
permitiu que a crise se agravasse, dentre outros motivos, por ter dado incentivos aos bancos
para a criação de entidades extra-patrimoniais que além de ter aumentado a alavancagem
dessas instituições também serviu para evitar algumas regras prudenciais. Assim, para ele
(2010, p. 9), “mark-to-market rules, when coupled with constant regulatory capital ratios,
forced financial institutions to take dramatic measures to reduce their balance sheets,
exacerbating fire sales and deleveraging”.
A oitava lição se refere aos problemas que podem ser gerados com os efeitos spillovers
internacionais da condução da política macroeconômica pelos países, principalmente dada a
ampliação das conexões entre eles. Segundo Eichengreen et all (2011), quando os bancos
centrais e os governos mudam sua orientação macroeconômica, algo que foi observado
durante a crise, os efeitos spillovers entre as nações podem ser consideráveis. Para o autor
(2011, p. 13), “cross-border spillovers may also have increased as a result of the nature of
policy responses to economic shocks and business cycle conditions”. A condução de políticas
monetárias não convencionais também gera efeitos spillovers grandes e complexos entre os
países. “For instance, monetary injections when the nominal interest rate is at its zero bound
might result in capital outflows rather than in more domestic activity, if domestic demand is
weak and banks are reluctant to lend”. (EICHENGREEN et all, 2011, p. 13). Também tem se
verificado a expansão de efeitos spillovers nos mercados de capitais entre países
desenvolvidos e emergentes, o que cria desafios para os países que recepcionam esses fluxos
de capital. Para o autor, na prática, muitos dos destinatários são economias de mercado
emergentes que estão lutando para evitar as oscilações no fluxo de capitais que conduza a um
desalinhamento na taxa de câmbio e elevações insustentáveis dos empréstimos. Portanto, a
crise financeira 2007-09 tem servido como um lembrete de que os fluxos financeiros podem
se reverter abruptamente, o que vem colocando uma pressão intensa sobre o funcionamento, a
integridade e nos participantes do mercado. Para Eichengreen et all (2011), se políticas
nacionais causam impactos para demais países, então há a necessidade, á primeira vista, de
uma coordenação do ponto de vista internacional.
2.2 As Pressões Adicionais sobre os Bancos Centrais
Eichengreen et all (2011) destaca que os bancos centrais têm recebido pressões adicionais no
ambiente pós crise financeira internacional. Para o autor, embora essas pressões não sejam
novas, elas colocam em risco o bom funcionamento dos bancos centrais por ameaçar a forçálos a entrar em ‘terrenos arriscados’. As pressões se devem às elevadas dívidas públicas e
privadas, e devido os perigos dos desalinhamentos cambiais.
Para o autor, altos níveis de dívidas públicas talvez seja o legado mais duradouro da recente
crise financeira internacional. E as preocupações sobre os altos encargos dessa dívida irão
moldar as escolhas políticas por anos em vários países. Altos níveis de dívida podem levar os
países a programas de ajustes fiscais (que gera sempre prejuízos para a atividade econômica,
7
principalmente no curto prazo) e até mesmo a uma reestruturação da dívida – que, por sua
vez, deixa um estigma prejudicial e é, frenquentemente, associado a profundas recessões.
Assim, os países podem procurar outras formas para lidar com a dívida. O acordo de Basiléia
III se preocupa com esta questão. Este acordo prevê o tratamento preferencial da dívida
pública nos balanços dos bancos através de uma diferenciação substancial, que será a favor da
dívida pública, nos requisitos de capital. Porém, para o autor, os governos podem procurar
abordagens ainda mais diretas, o que pode resultar em pressões sobre os bancos centrais. Pois,
sendo os bancos centrais reguladores financeiros em muitos países, eles podem ser
pressionados a criar medidas para impulsionar outras instituições financeiras a manterem os
títulos do governo. Além disso, os bancos centrais também poderão ser pressionados a dar
apoio aos preços dos títulos, tal como vem acontecendo com o Banco Central Europeu. “The
European Central Bank has already engaged in limited purchases of the government bonds of
heavily indebted euro-area countries and is under pressure (as we write) to undertake more,
with the effect of transferring sovereign obligations onto its own balance sheet”.
(EICHENGREEN et all, 2011, p. 24).
Segundo Eichengreen et all (2011), em circunstâncias onde a incerteza prevalece e
determinados instrumentos têm se mostrado ineficazes ou restritos para se buscar objetivos
econômicos, a limitação do escopo de atuação do banco central à política monetária
puramente (por se defender a independência do banco central), tal como é defendido pelo
novo-consenso, gera o risco de minar a legitimidade dessa instituição. Para o autor (2011, p.
25):
Under these circumstances, central bankers need to ask whether, inter alia,
undertaking bond purchases, while creating moral hazard for their
governments, interfering with the conduct of conventional monetary policy,
and sending mixed messages, is better or worse than standing by idly and
potentially forcing the debt to be restructured, already weak banks to take a
haircut, and — in the worst case should be joined — financial market
meltdown to occur.
Sendo que a resposta para essa questão, além de não ser óbvia e depender das idiossincrasias
de cada situação, está relacionada a questões políticas (tal como se pode observar com a crise
na Europa). Assim, os bancos centrais são reféns de um grande e difícil dilema: Ou eles se
rendem a essas pressões e se afastam do quadro intelectual que orienta a sua ação (o de ter a
sua ação limitada à política monetária puramente), ou eles ignoram tais pressões em nome da
pureza monetária e passam a correr o risco de ter sua legitimidade afetada por se mostrar
indiferente a estes problemas.
Outra pressão sofrida pelos bancos centrais diz respeito aos desalinhamentos cambiais. Os
bancos centrais têm sido pressionados a intervir no mercado cambial para evitar que os
setores industriais percam competitividade internacional. Com isto, os bancos centrais têm
respondido à entrada de capitais com esterilização e também com algumas formas de
regulação. Porém, a esterilização causa danos, principalmente quando o mercado financeiro é
aberto. Já as intervenções não esterilizadas, tais como a flexibilização quantitativa, tem o risco
de gerar inflação. Assim, sua implementação é problemática principalmente para os países
emergentes, onde a inflação e o risco de superaquecimento já existem. Com isto, nos países
emergentes tem havido uma tendência de se implementar intervenções do tipo de controles de
capital (medida que não estar mais sob o ataque pelo FMI) para se evitar uma maior
valorização cambial. Brasil, Tailândia e Coréia são exemplos de países que estão instituindo
estas medidas. Desta forma, observa-se que as possíveis intervenções praticadas pelos bancos
8
centrais prejudicam a condução da política monetária, o que faz com que os bancos centrais
estejam submetidos a um segundo dilema: ou eles intervêm no mercado cambial para evitar a
perca da competitividade dos setores industriais (o que gera complicações para a condução da
política monetária), ou eles não intervêm e passam a ser questionados sobre a sua
independência. Para Eichengreen (2011, p. 27), “central banks are more likely to safeguard
their independence by acknowledging such concerns and pressing for non-monetary policy
measures that achieve similar aims than by playing the game ‘who, me?’”.
Para o autor, para que se tenha uma taxa de câmbio real mais competitiva, é necessária uma
maior cooperação e coordenação entre o banco central com as autoridades fiscais e
reguladoras, com a política fiscal tendo que ser firme o suficiente para permitir que a moeda
se acomode a uma trajetória menor. Além disso, os reguladores precisam estar dispostos a
reforçar os requisitos de liquidez quando muito capital estiver fluindo. O papel dos bancos
centrais será apenas o de sinalizar sua vontade de assistir (e não mirar) a taxa de câmbio.
Desta forma, Eichengreen et all (2011) defende que, diante dessas circunstâncias
excepcionais, o banco central não pode se tornar insensível aos problemas de sustentabilidade
da dívida e da sobrevalorização da taxa de câmbio para não ser arrastado para batalhas
políticas, o que pode prejudicar a sua independência. Além disso, o autor chama atenção para
a necessidade de o banco central comunicar claramente as suas ações e justificá-las diante do
seu quadro político mais amplo, sempre deixando claro que a política monetária é apenas uma
parte da resposta política.
2.3 As novas propostas para se alcançar a estabilidade financeira e o novo papel de
atuação dos Bancos Centrais
Estabilidade financeira é entendida aqui de acordo com as questões abordadas por Schinasi
(2004). Esta autora defende que ainda não há um modelo amplamente aceito, ou um quadro
analítico, para avaliar a estabilidade do sistema financeiro como existe para os sistemas
econômicos e em outras disciplinas. Para ela, isso acontece pelo fato da análise da
estabilidade financeira ainda está na sua fase inicial do desenvolvimento e da prática. A autora
ainda adiciona que não há razões para se acreditar que a meta de uma única variável, tal como
na política monetária, pode ser encontrada para definir e alcançar a estabilidade financeira.
Dada estas questões, a autora salienta que o conceito de estabilidade financeira deva ser
amplo e deva abranger o papel da infraestrutura financeira (sistema jurídico, regulamentação
financeira, supervisão e fiscalização) as instituições e os mercados. Para ela (2004, p. 8), “a
financial system is in a range of stability whenever it is capable of facilitating (rather than
impeding) the performance of an economy, and of dissipating financial imbalances that arise
endogenously or as a result of significant adverse and unanticipated events”. Ela defende que
a estabilidade financeira deva ser pensada em termos da habilidade do sistema financeiro em
alcançar as seguintes questões:
(a) to facilitate both an efficient allocation of economic resources — both
spatially and especially intertemporally — and the effectiveness of other
economic processes (such as wealth accumulation, economic growth, and
ultimately social prosperity); (b) to assess, price, allocate, and manage
financial risks; and (c) to maintain its ability to perform these key functions
— even when affected by external shocks or by a build up of imbalances —
primarily through self-corrective mechanisms. (2004, p. 8).
9
Neste sentido, a política macroprudencial é aqui entendida como os domínios administrativos
e regulamentares e o conjunto de instrumentos destinados a assegurar a estabilidade financeira
em duas dimensões:
(i) um sistema financeiro robusto capaz de absorver choques sem grandes
perturbações para a economia real e (ii) a contenção da acumulação de
fragilidades e riscos financeiros sistémicos. A política macro-prudencial
está, assim, próxima da política macroeconômica em termos de objetivos,
mas também da política micro-prudencial em termos de instrumentos
(GAMEIRO et all, 2010, p. 21).
Dada esta discussão sobre estabilidade financeira, alguns autores, tais como Eichengreen et
all (2011), têm defendido que a estabilidade financeira deve ser um objetivo explícito do
banco central. Para ele, a política monetária tendo como foco a estabilidade de preços e do
crescimento econômico também afeta a estabilidade financeira através dos seus impactos na
avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na alavancagem do crédito, sobre os fluxos
de capital e na taxa de câmbio. Ou seja, a política monetária não é neutra numa perspectiva de
estabilidade financeira. Da mesma forma, as ferramentas macroprudenciais afetam o
crescimento do crédito (por afetar o grau de alavancagem das instituições financeiras em
geral) e pode gerar desequilíbrios externos com conseqüências para a estabilidade de preços e
estabilidade macroeconômica. Assim, Eichengeen et all (2011) propõe o abandono do
princípio de Tinbergen – que defende o uso de diferentes instrumentos para diferentes metas –
para a atuação do BC.
Desta forma, este autor afirma que as políticas micro e macroprudenciais devam ser
implementadas sempre que possível para a busca da estabilidade financeira, mas que a
política monetária também deva ser considerada como uma parte legítima das ferramentas dos
supervisores macroprudenciais. Com isto, quando o banco central observar uma situação de
desequilíbrio financeiro (algo que pode ser identificado por testes de estresse), eles deverão
usar uma combinação de ferramentas micro e macroprudenciais, mas também de instrumentos
de política monetária quando necessário, mesmo que isto resulte em desvios da meta de
inflação.
Para o autor, a responsabilidade pela manutenção da estabilidade financeira pode ser atribuída
ao banco central ou a uma autoridade própria de supervisão financeira. Sendo que o banco
central sempre será responsabilizado por problemas financeiros por ser o emprestador de
última instância. Entretanto, independente da configuração que for adotada, será de extrema
importância uma coordenação estreita entre os bancos centrais com os demais órgãos que
contribuem para assegurar a estabilidade das condições financeiras, algo particularmente
importante quando os formuladores de políticas tiverem de avaliar os trade-offs entre o uso de
ferramentas monetárias e medidas prudenciais, e tomar decisões sobre o mix apropriado. Os
bancos centrais também necessitarão de uma maior independência quando a estabilidade
financeira for adicionada à suas metas. Eles também terão que legitimar suas ações nas
circunstâncias em que a natureza das ameaças para a estabilidade financeira for mal
compreendida. Uma maior comunicação e transparência em suas ações serão cruciais, até para
que o banco central defenda sua independência. Na prática, o banco central terá que explicar
como buscará equilibrar a estabilidade de preços, a estabilidade do crescimento e a
estabilidade financeira.
Gameiro et all (2010) também propõe que a política monetária e a política de estabilidade
financeira sejam complementares. Para o autor (2010, p. 23), “(...) dado o papel central
10
desempenhado pelo sistema financeiro no mecanismo de transmissão da política monetária, as
decisões macro-prudenciais devem ser tidas em conta pela política monetária e deve ser
promovida a troca de informação entre as autoridades competentes”.
Mishkin (2010, p. 33) apesar de defender que “none of the lessons from the financial crisis in
any way undermines or invalidates the nine basic principles of the science of monetary policy
developed before the crisis”, observa que a política monetária e a política de estabilidade
financeira são intrinsecamente ligadas uma na outra e, portanto, a dicotomia entre a
estabilidade financeira e a política monetária é falsa. O que implica que a coordenação entre a
política monetária e macroprudencial é de extrema valia para se perseguir a estabilidade de
preços, a estabilidade do produto e a estabilidade financeira. Ele também salienta que os BCs
são a escolha natural para exercerem o papel de regulador sistêmico. Além disso, ele adiciona
que a “coordination of monetary policy and macropudential policy can only be effective if one
government agency is in charge of both”. (2010, p. 49).
Desta forma, percebe-se claramente que as propostas, pelos autores do Novo Consenso, para
se alcançar uma maior estabilidade financeira vão a direção de se colocar a estabilidade
financeira como um objetivo explícito dos BCs, com a política monetária sendo posta como
complementar à ela. O que implica que, quando o banco central observar uma situação de
desequilíbrio financeiro (algo que pode ser identificado por testes de estresse), eles passem a
usar uma combinação de ferramentas micro e macroprudenciais, mas também de instrumentos
de política monetária, mesmo que isto resulte em desvios da meta de inflação.
“A motivação para tal política é a de limitar a acumulação de desequilíbrios significativos nos
preços dos ativos e, consequentemente, diminuir a magnitude de uma eventual correção
futura, reduzindo deste modo os riscos em baixa para a economia no médio prazo”.
(GAMEIRO et all, 2010, p. 11). Além disto, observa-se que uma importante lição da crise é
que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais
problemáticas do que as outras. Algumas bolhas após serem estouradas têm a capacidade de
provocar uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros. Estas
bolhas provocam efeitos negativos mais fortes na economia e ampliam a instabilidade
financeira. Mishkin (2010) chama atenção que as bolhas mais perigosas para a economia são
as denominadas de ‘credit-driven bubble’. Para Stiglitz (apud Gameiro et all, 2011), é válida
a hipótese de não-linearidade no impacto de choques nos preços dos ativos, com isto, choques
de grande dimensão nos preços dos ativos terão um efeito proporcionalmente maior sobre a
atividade econômica do que choques de pequena e média dimensão.
Com isto, alguns autores passaram a defender que os bancos centrais passem a utilizar a
estratégia do tipo ‘leaning against the wind’. Na literatura econômica há uma série de críticas
à abordagem de ‘leaning against the wind’. Dentre elas, destacam-se: I) A dificuldade de se
estabelecer um critério claro para determinar situações de desequilíbrios nos preços dos ativos
(desvios dos preços em relação a seus fundamentos), ou seja, que há dificuldades para se
identificar as bolhas; II) “Uma segunda crítica diz respeito à identificação do momento em
que a bolha rebenta e à gravidade da eventual crise. O desafio para os formuladores de
política torna-se então em discriminar ex-ante que subidas dos preços dos ativos poderão
culminar em grandes perturbações econômicas”. (GAMEIRO et all, 2011, p. 11-12); III) Que
a política monetária não é a melhor ferramenta para enfrentar uma bolha, pelo fato das bolhas
não responderem a pequenas mudanças nas taxas de juros. A bolha só responderia a aumentos
acentuados, que geram efeitos deletérios para a atividade econômica. Outra questão colocada
11
é que a relação entre as condições monetárias e a evolução da bolha é bastante tênue, tendo-se
em vista que as bolhas são baseadas em ‘animal spirits’ e não em fundamentos.
Bean et all (2010) é um dos autores que é contra a adoção da estratégia de lean em tempos
normais, pois considera que apresenta fortes efeitos colaterais ao produto. Segundo ele (2010,
p. 2):
The case for “leaning against the wind” by raising policy rates higher than
required to meet immediate inflation and output objectives appears
strengthened by recent events, but the collateral damage to output from a
policy that is sufficiently aggressive to make enough of a difference to credit
conditions and asset prices is likely to be quite high.
Os autores que defendem esta abordagem apresentam uma série de contra-argumentações.
Primeiro, defendem que não é necessário determinar com precisão o grau de desvio dos
preços dos ativos individualmente, além disso, testes de estresse podem ser utilizados para
auxiliar o descobrimento das bolhas. Segundo, o forte efeito que o estouro das bolhas pode
provocar. Segundo o IMF (2010, apud GAMEIRO et all, 2011), determinados episódios de
bolhas nos preços dos ativos, onde a alavancagem e o envolvimento de intermediários
financeiros são significativos, geram quedas abruptas nos preços dos mesmo e fortes impactos
negativos para o nível de atividade, uma vez que existe uma interação entre a deteriorização
dos balanços dos devedores e dos credores. Terceiro, que os mercados mais pertinentes para
se discutir a relação entre política monetária e estabilidade financeira é o mercado imobiliário
e o mercado de instrumentos derivativos associados com investimentos em habitação (ao
invés do mercado de ações). Nesses mercados, mesmo pequenas mudanças na política
monetária terão impacto para a busca da estabilidade financeira, pois mesmo pequenas
mudanças nos custos de financiamento podem ter um impacto na assunção de riscos e nas
condições de financiamento. “The spread between borrowing and lending rates is therefore a
key determinant of the use of leverage and has important implications for the interaction
between banking sector loan growth, risk premia, and any ongoing housing boom”.
(EICHENGREEN et all, 2011, p. 6). Para Eichengreen et all (2011, p. 6):
Even if policy makers are convinced that higher housing prices are broadly
justified by secular trends in population, household size, and living
standards, policy intervention would still be justified if the policy maker also
believed that, if left unchecked, current loose monetary conditions
significantly raise the risk of an abrupt reversal in housing prices and of
financing conditions, with adverse consequences for the financial system and
the economy.
Outra questão de extrema importância é que quanto mais tempo a bolha durar, maior é o risco
de acontecer uma crise financeira. Isto pelo fato dos aumentos dos preços dos ativos elevarem
o valor do colateral dado em garantia para a obtenção do crédito e, consequentemente, do
financiamento concedido. Com isto, novas aquisições podem ser financiadas, o que conduzirá
a aumentos adicionais nos preços, intensificando ainda mais o ciclo de subida dos preços dos
ativos e, portanto, inflando ainda mais a bolha.
Mishikin (2010), que é um dos autores que defende a adoção da estratégia de ‘leaning against
the wind’ por parte dos bancos centrais, apresenta os prováveis efeitos do estouro de uma
bolha do tipo credit-driven bubble. Para ele:
12
The collapse in asset prices then leads to a reversal of the feedback loop in
which loans go sour, lenders cut back on credit supply, the demand for the
assets declines further, and prices drop even more. The resulting loan losses
and declines in asset prices erode the balance sheets at financial institutions,
further diminishing credit and investment across a broad range of assets.
The decline in lending depresses business and household spending, which
weakens economic activity and increases macroeconomic risk in credit
markets. (2010, p. 42).
Para o autor, no caso extremo, a interação entre os preços dos ativos e a saúde das instituições
financeiras após o estouro deste tipo de bolha pode colocar em risco o funcionamento do
sistema financeiro como um todo. Assim, a adoção da estratégia de ‘clean’ após o estouro da
bolha do tipo credit-driven bubble pode ser extremamente ineficiente.
2.4 Comentários finais:
A presente seção, que se iniciou apresentando como era a condução da política
macroeconômica pelo modelo do Novo Consenso, ao discutir as lições que a recente crise
financeira internacional tem gerado, além das novas pressões exercidas sobre os BCs nesse
novo contexto, apresentou como os autores do Novo Consenso vêm repensando a política de
estabilidade financeira e qual deve ser o novo papel de atuação dos BCs.
Em relação à política de estabilidade financeira foi observada a necessidade do Banco Central
também perseguir a estabilidade financeira, a partir da implantação de políticas micro e
macroprudenciais, mas também através da política monetária (mesmo que isto resulte em
desvios da meta de inflação). Ou seja, a política monetária deve passar a ser considerada
como uma parte legítima das ferramentas dos supervisores macroprudenciais. O principal
argumento, para que os bancos centrais persigam a estabilidade financeira, é que a política
monetária não é neutra numa perspectiva de estabilidade financeira, afetando-a através dos
seus impactos na avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na alavancagem do
crédito, sobre os fluxos de capital e na taxa de câmbio.
A segunda discussão foi sobre a necessidade dos Bancos Centrais passarem a adotar uma
estratégia de ‘leaning against the wind’. Isto se baseando na importante lição tirada da recente
crise de que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais
problemáticas do que as outras. E que após serem estouradas têm a capacidade de provocar
uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros, provocando
efeitos negativos mais fortes na economia e ampliando a instabilidade financeira.
3. Bancos Centrais e Estabilidade Financeira: a Visão de Goodhart
Um dos autores heterodoxos que mais tem dado contribuições para a discussão da estabilidade
financeira e sobre o papel de atuação dos Bancos Centrais é o Goodhart. Este seção visa
expressar as principais contribuições deste autor com o intuito de se fazer um contraponto à
visão apresentada acima. Para tal, este seção traz duas sub-seções. A sub-seção 3.1 apresenta
a visão do autor sobre o papel de atuação dos BCs; já a sub-seção 3.2 traz algumas direções
para se alcançar uma maior estabilidade financeira.
13
3.1 O papel de atuação dos Bancos Centrais na visão de Goodhart
Goodhart (2010) enumera os três principais objetivos de um Banco Central (BC). I) Manter a
estabilidade dos preços; II) Manter a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento
financeiro, e; III) Amparar a necessidade de financiamento dos Estados em momentos de crise
e restringir o uso indevido de poderes financeiros do Estado em tempos normais. Em outro
trabalho, Goodhart (2005) adiciona a estabilidade externa do valor da moeda como um quarto
objetivo dos BCs.
É importante destacar que o equilíbrio destes objetivos, que não são independentes, muda ao
longo do tempo dependendo de determinadas situações. Em momentos de guerra e crise, por
exemplo, apoiar a necessidade de financiamento dos Estados deve se tornar o objetivo crucial
dos BCs. Já na ausência desses acontecimentos, os BCs devem buscar um equilíbrio entre a
política monetária, a estabilidade externa da moeda e a política de estabilidade financeira.
Segundo Goodhart (2010), até antes da recente crise financeira internacional em agosto de
2007, os BCs pareciam ter aperfeiçoado a condução da política monetária através do regime
de metas de inflação. Entretanto, para o autor, cabe agora reconhecer que a conquista da
estabilidade de preços por este regime não garante a estabilidade financeira. Além disto, a
estabilidade de preços doméstica e a fragilidade financeira sistêmica são objetivos que podem
conflitar, por exemplo, depois de um grande choque de oferta. Como o autor defende que o
regime de metas de inflação não deva ser radicalmente alterado, ele propõe a aplicação, por
parte dos BCs, de um conjunto separado de instrumentos (macroprudenciais e regulatórios)
com a finalidade específica de manter a estabilidade financeira.
Neste sentido, a gestão de liquidez por parte do BC é vista como essencial para se alcançar a
estabilidade financeira, sendo vista também como o núcleo primordial da operação e razão de
ser dele. Entretanto, a discussão sobre a gestão de liquidez tem se mostrado polêmica devido à
questão de qual conjunto de ativos os BCs devem operar e manter em seus balanços. É
importante também destacar que em condições de perturbação financeira e de crise, a gestão
de liquidez assume certa independência em relação à determinação da taxa de política (taxa de
juros), algo que se mostra óbvio quando a taxa de juros alcança seu limite inferior zero e a
autoridade monetária adota um conjunto de medidas não convencionais, tais como a
flexibilização quantitativa e a flexibilização do crédito. Nas palavras do autor: “(...) once the
zero lower bound to interest rates is reached, then monetary policy, in the guise of inflation
target, and systemic stability issues become indistinguishable”. (2010, p. 29).
Os BCs, além de exercerem a função de regulador, também devem ser um supervisor direto
dos principais intermediários financeiros sistêmicos, devendo ter acesso a uma inquestionável
supervisão dos intermediários que julgue causar, ou estarem envolvidos, em problemas
sistêmicos.
Goodhart (2005) realiza uma forte crítica ao Modelo do Novo Consenso devido à inabilidade
que esse modelo trata a questão da estabilidade externa do valor da moeda. Nas palavras do
autor (2005, p. 16), “that consensus disappears when we move from a closed economy to
considering international monetary relationships”. Isto por não existir um modelo amplamente
aceito de determinação das taxas de câmbio no curto e médio prazo, com a paridade do poder
de compra sendo restaurada de forma lenta apenas no longo prazo, e pela pouca
disponibilidade de conhecimento a respeito do mecanismo de transmissão pelo qual a política
monetária afeta a taxa de câmbio. Para ele, um dos poucos fatos estilizados nesse campo, que
14
as taxas de câmbio se apreciam em resposta a um aumento nas taxas internas de juros, tem
sido colocado em xeque. Pois, na medida em que os fluxos de capitais internacionais se
tornaram crescentemente patrimonial, um aumento na taxa de juros poderia reduzir, ao invés
de ampliar, a entrada de fluxos de capitais.
O modelo do Novo Consenso também defende que os países foquem sua política monetária
sobre a estabilidade dos preços domésticos, evitando controles sobre os movimentos
internacionais de capitais e permitindo que sua taxa de câmbio flutuasse livremente.
Entretanto, a crise Asiática iniciada em 1997 enfraqueceu essa idéia, pois os países que
adotaram alguma forma de controle no câmbio apresentaram melhores resultados econômicos.
Para o autor (2005, p. 18), “the dynamics of a freely-floating exchange rate could, in the
course of a ‘sudden-stop’ panic, (see the various articles by Calvo, e.g. 2003, 2004, 2005),
lead to a disastrous combination of devaluation, inflation and sharp reductions in output”. De
uma forma geral, as autoridades monetárias não só não intervêm para diminuir a excessiva
volatilidade das taxas de câmbio real e nominal (apesar de reconhecer os problemas que a
volatilidade gera) como também duvidam da eficácia da intervenção.
Goodhart (2010) também defende que os BCs voltem a exercer a função de gerenciadores da
dívida nacional, tal como o Banco da Inglaterra fez por mais de três séculos (1694-1997),
principalmente com o atual aumento dos níveis de endividamento presenciado em diversos
países (como, por exemplo, a Grécia), algo que pode diminuir a confiança dos participantes
no mercado. Para o autor (2010, p. 26), “debt management can no longer be viewed as a
routine function which can be delegated to a separate, independent body. Instead, such
management lies at the cross-roads between monetary policies (both inflation targets and
systemic stability) and fiscal policy”. O papel de gerenciador da dívida nacional só será
possível se houver uma maior colaboração entre os BCs e o governo.
Desta forma, observa-se que, para Goodhart, o BC é uma instituição de extrema importância
para o funcionamento da economia e que possui quatro objetivos principais (manter a
estabilidade dos preços; manter a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento
financeiro; amparar a necessidade de financiamento dos Estados em momentos de crise e
restringir o uso indevido de poderes financeiros do Estado em tempos normais, e; manter a
estabilidade externa do valor da moeda). Além de ser a instituição responsável pelo
gerenciamento da dívida nacional.
3.2 Direções para se alcançar uma maior estabilidade financeira
A atual crise financeira, conforme Goodhart (2008) não tem como problema fundamental a
falta de informações, mas a falta de instrumentos para conter a bolha de preços de ativos e
empréstimos bancários bem como o uso de poucos instrumentos prudenciais para moderar o
aumento da bolha de preços dos ativos.
Como já salientado a estabilidade de preços não garante a estabilidade financeira. Neste caso,
a taxa de juros não pode ser usada como instrumento para a estabilidade financeira. Goodhart
(2008) argumenta dois motivos para tal. Em primeiro lugar, o preço da habitação não está
incluído no índice de preços ao consumidor que é utilizado como âncora para o regime de
metas de inflação. Por exemplo, o preço da habitação não faz parte do CPI Europeu. Com
isto, alcançar a estabilidade preços não implica em alcançar a estabilidade dos preços dos
ativos. Em segundo lugar, mesmo que a taxa de juros consiga combater parcialmente as
15
bolhas de preços dos ativos (e empréstimos bancários) é provável que não seja suficiente para
conter uma forte especulação por muito tempo.
Uma das maiores preocupações, talvez a principal, é que o colapso das bolhas de preços de
ativos possa enfraquecer o sistema bancário, causando instabilidade financeira sistêmica,
levando a uma espiral de deflação de dívidas (Fisher, 1932 apud Goodhart, 2005, p. 12).
Neste sentido, a liquidez se torna o centro da problemática porque quando a bolha estoura o
BC é obrigado a auxiliar na administração da crise ofertando suporte de liquidez. A primeira
linha de defesa de uma crise financeira é recorrer à janela de redesconto, mas as instituições
acabam evitando tal solução.
Quando a situação se agrava, o BC efetivamente é forçado a emprestar recursos para a parte
sistêmica do sistema financeiro. Há um problema de risco moral nesta situação que leva os
bancos a manterem uma pequena parcela de ativos de baixo rendimento em períodos de
booms dado que o BC oferta recursos em tempos de crise. Conforme Goodhart (2008), para
minimizar este problema o BC deve variar a velocidade de empréstimos dependendo do
histórico de liquidez mantido pelo banco adicionando um Regime de Resolução Especial de
forma que o banco que recorrer ao empréstimo de emergência estará perante a um preço
maior, levando-o à insolvência. Isto deve forçar os bancos a agirem com mais precaução.
Goodhart (2004) apresenta algumas novas direções para se alcançar a estabilidade financeira.
Em primeiro lugar, é necessária a criação de um modelo sistêmico de fragilidade financeira,
que incorpore a inadimplência (default) como elemento central. Em segundo lugar, é preciso
reconhecer a importância da relação entre política fiscal e a administração da crise financeira,
bem como repensar o papel de certas instituições internacionais. Terceiro, é necessário
introduzir uma abordagem holística de tal forma que se integre os requerimentos de capitais
baseados nos riscos, os requerimentos de liquidez, a margem de risco e um conjunto de
incentivos e sanções à abordagem da regulação financeira. Por fim, o autor propõe que os
requerimentos de capitais baseados nos riscos devam mudar em resposta às flutuações na taxa
de crescimento de fatores sistêmicos relevantes em cada caso. Abaixo será discutida cada uma
destas propostas.
Para Goodhart (2004) a construção de um modelo sistêmico de fragilidade financeira deve
levar em conta três características essenciais, que são: I) os mercados financeiros devem ser
incompletos de forma que se justifique a existência de intermediários financeiros, como
bancos. Portanto, é necessário pensar adequadamente a forma de tal incompletude dos
mercados financeiros; II) os bancos devem ser heterogêneos, porque é impossível levar em
conta o efeito contágio, ou mesmo a existência de um mercado interbancário, em um modelo
de banco representativo, ou seja, em um modelo com n bancos idênticos. Além disso, os
consumidores bancários também devem ser heterogêneos; III) devem ser criados modelos de
default de forma que se elimine o problema de modelos macro padrão, que assumem a
condição de transversalidade (que implica que todas as dívidas serão pagas no final do
horizonte de tempo). Tal suposição é incompatível com qualquer modelo de risco sistêmico.
Também deve ser dado um papel essencial para liquidez no modelo.
O reconhecimento da importância da relação entre política fiscal e a administração da crise
financeira é proveniente do fato de que a crise financeira frequentemente requerer significante
recurso fiscal, como por exemplo, para a recapitalização das instituições financeiras, de forma
que o tratamento da crise necessita de um trabalho em conjunto das autoridades fiscais e de
regulação. O problema se amplia quando a crise financeira tem dimensões internacionais,
16
porque em um sistema financeiro globalizado as perdas podem ser transferidas de um país
para outro através de depósitos e de gastos fiscais.
Em sua abordagem holística de regulação financeira, Goodhart (2004) argumenta que a
regulação tem se deslocado para os requerimentos de capitais quando na verdade o foco
deveria estar na razão de liquidez. Isto deve ocorrer porque quando é exigido um
requerimento de capital, nos períodos de baixa do ciclo, os bancos tendem a encolher sua
carteira, levando à queda de seu preço, o que induz a uma instabilidade dinâmica. Já a
manutenção de ativos líquidos suficientes, protege mais o sistema como um todo das
flutuações dos preços dos ativos. Dado que os ativos menos líquidos tendem a oferecer menor
rentabilidade, os bancos tendem a manter uma porção baixa desses ativos e a imposição de
razão de ativos líquidos tende a ser mais proveitosa do que a imposição de requerimentos de
capital.
Conforme o autor, a manutenção de ativos líquidos não apenas protege os demais bancos do
sistema como também protege as autoridades monetárias e os ajudam a manter a estabilidade
sistêmica. Quanto mais ativos líquidos um banco tem, mais tempo ele pode sustentar as
compensações adversas, ganhando fôlego perante uma crise financeira. Assim, é o ativo
líquido, e não o capital, que sustenta as instituições nos períodos de crise.
Goodhart (2004), ainda em sua abordagem holística de regulação financeira defende que
apenas a precificação dos riscos como elemento chave para uma boa administração de riscos
não é suficiente para garantir uma carteira de ativos menos vulnerável a perdas. Ele
argumenta que uma medida do apetite do risco é a escala e a extensão das margens de risco.
Normalmente as margens de risco tendem a ser menores em momentos de alta do ciclo porque
a confiança leva as instituições financeiras a tomarem mais riscos, e vice versa durante os
períodos de baixa dos ciclos. Dessa forma, uma maneira para conter o movimento pró-cíclico
do sistema financeiro é diversificar os requerimentos regulatórios, de forma que nos
momentos em que as margens de risco são baixas, os requerimentos de capitais e de liquidez
são altos. Na medida em que o BC tem como preocupação primordial a estabilidade financeira
sistêmica, deve promover uma estratégia de regulação prudencial anti-cíclica de forma que a
regulação seja mais incisiva durante as bolhas de preços de ativos e menos incisiva em
períodos em que os preços dos ativos estão caindo.
Infelizmente, a regulação financeira tem sido desenvolvida de forma pró-cíclica. Basiléia II
tornou os requerimentos de capitais mais sensíveis ao risco. A probabilidade de default de um
tomador de empréstimos aumenta em períodos de baixa do ciclo, embora o financiamento
tenha ocorrido no período de boom anterior. Neste caso, há um problema porque o risco
avaliado pelos bancos cai nos períodos de expansão e aumenta nos períodos de quedas. O
Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária (Basel Committee of Banking Supervision –
BCBS) não estava ciente do comportamento pró-cíclico de Basiléia II, mas tentou amenizar o
problema ao pedir que os bancos ‘olhem através dos ciclos’ na avaliação da probabilidade de
inadimplência. Mesmo assim, Basiléia II continuou tendo um elevado componente pró-ciclico
em razão da interação dinâmica dos empréstimos bancários e os ciclos dos preços dos ativos.
A proposta de Goodhart (2004) de que os requerimentos de capitais baseados nos riscos
devam mudar em resposta às flutuações na taxa de crescimento de fatores sistêmicos
relevantes em cada caso, admite uma fórmula arbitrária, requerendo considerável estudo
empírico antes de sua adoção. Dessa forma, os requerimentos de capitais relacionados aos
empréstimos podem depender da taxa de crescimento do produto, os requerimentos de
capitais relacionados aos empréstimos para aquisição de imóveis podem depender da variação
17
de preços das casas, e os requerimentos para a aquisição de ações podem depender das
mudanças nos preços das ações, etc. Assim, os requerimentos de capitais devem aumentar nos
períodos de aumento nos preços dos ativos e cair em períodos de queda nos preços.
Um dos principais indicadores da fragilidade financeira em um banco individual ou no
sistema financeiro global é a expansão do crédito acima dos níveis de tendência. Neste
sentido, levando em conta a argumentação de que os requerimentos de capitais devam mudar
em reposta às mudanças no crescimento de fatores sistêmicos em cada caso, Goodhart (2005)
defende que é necessário algum mecanismo para restringir o crescimento do crédito, como
por exemplo, o desenvolvimento de uma forma quase-automática no Pilar 2 de Basiléia, de
modo que o requerimento de capital seja maior, quanto maior for a taxa de expansão dos
empréstimos. Quanto ao financiamento de imóveis, Goodhart (2008) defende uma cota de
financiamento (loan-to-value – LTV) 2 anti-cíclico, no máximo, variando no tempo, sendo
sustentada por restrições legais sobre a segunda hipoteca.
Entretanto, Goodhart (2008) salienta quatro contra-argumentos a esta estratégia, que são: I)
aumenta os custos dos empréstimos nos períodos de booms, prejudicando o comprador do
imóvel; II) se introduzidos separadamente em determinados países pode incentivar os
negócios off-shore. O principal perigo surgiria dos bancos que operam com sucursais no
exterior porque seria difícil tomar medidas suplementares para lidar com isso; III) pode
aumentar a carga informacional sobre os bancos e; IV) por impor maiores custos aos bancos
durante as fases de expansão pode incentivar as atividades fora do balanço (off-balancesheet). Neste caso, seria necessária uma resposta robusta dos BCs de forma que as sanções
aplicadas às falhas na divulgação de todos os negócios fora do balanço sejam reforçadas.
4. Conclusão
Alguns autores pertencentes ao Novo Consenso, a partir das lições tiradas da crise além das
novas pressões exercidas sobre os BCs nesse novo contexto, estão repensando a política de
estabilidade financeira e qual deve ser o novo papel de atuação dos BCs.
Para esses autores, em relação à política de estabilidade financeira, faz-se necessário que o
Banco Central também passe a perseguir a estabilidade financeira, a partir da implantação de
políticas micro e macroprudenciais, mas também através da política monetária (mesmo que
isto resulte em desvios da meta de inflação). Ou seja, a política monetária deve passar a ser
considerada como uma parte legítima das ferramentas dos supervisores macroprudenciais. O
principal argumento, para que os bancos centrais persigam a estabilidade financeira, é que a
política monetária não é neutra numa perspectiva de estabilidade financeira, afetando-a
através dos seus impactos na avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na
alavancagem do crédito, sobre os fluxos de capital e na taxa de câmbio.
Esses autores também propõe a necessidade dos Bancos Centrais passarem a adotar uma
estratégia de ‘leaning against the wind’. Isto se baseando na importante lição tirada da recente
crise de que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais
problemáticas do que as outras. E que após serem estouradas têm a capacidade de provocar
uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros, provocando
efeitos negativos mais fortes na economia e ampliando a instabilidade financeira.
2
Loan-to-value (LTV) é a razão entre o valor do financiamento do imóvel e o valor do imóvel financiado.
18
Porém, observa-se que as contribuições do Goodhart, sobre a estabilidade financeira e o papel
do Banco Central, são muito mais amplas e gerais, portanto, mostrando-se mais factíveis.
Em relação ao papel do Banco Central, Goodhart já há muito tempo vem defendendo que esta
instituição deva possuir quatro objetivos principais (manter a estabilidade dos preços; manter
a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento financeiro; amparar a necessidade de
financiamento dos Estados em momentos de crise e restringir o uso indevido de poderes
financeiros do Estado em tempos normais, e; manter a estabilidade externa do valor da
moeda). Além de ser a instituição responsável pelo gerenciamento da dívida nacional.
Portanto, Goodhart defende uma importância muito maior para o Banco Central do que a
defendida pelos autores do Novo Consenso (que estão repensando o papel de atuação do
Banco Central, mas só destacam que esta instituição deva possuir dois objetivos, que são a
estabilidade de preços e a estabilidade financeira, defendendo apenas que a instituição se
mostre preocupada com a questão do câmbio e da dívida). Ainda neste sentido, Goodhart
(2005) realiza uma forte crítica ao Modelo do Novo Consenso devido à inabilidade que esse
modelo trata a questão da estabilidade externa do valor da moeda.
Já em relação às medidas para se alcançar uma maior estabilidade financeira, Goodhart
apresenta muito mais direções, abrangendo além das questões propostas pelos autores do
Novo Consenso (o uso de ferramentas micro e macroprudenciais, além do uso da política
monetária), várias outras medidas. Entre elas: a criação de um modelo sistêmico de
fragilidade financeira, que incorpore a inadimplência (default) como elemento central; a
necessidade de se reconhecer a importância da relação entre política fiscal e a administração
da crise financeira, bem como repensar o papel de certas instituições internacionais; a
necessidade de se introduzir uma abordagem holística de tal forma que se integre os
requerimentos de capitais baseados nos riscos, os requerimentos de liquidez, a margem de
risco e um conjunto de incentivos e sanções à abordagem da regulação financeira, e; que os
requerimentos de capitais baseados nos riscos devam mudar em resposta às flutuações na taxa
de crescimento de fatores sistêmicos relevantes em cada caso.
Portanto, a análise comparativa entre as novas contribuições dos autores do Novo Consenso e
as contribuições que há muito tempo vêm sendo desenvolvidas pelo Goodhart, demonstra a
superioridade das contribuições do Goodhart.
19
Referências
BLANCHARD, O., DELL’ARICCIA, Mauro, P. (2010), Rethinking Macroeconomic Policy,
Journal of Money, Credit and Banking, Supplement Vol. 42, N° 6, September: 199-215.
BEAN, C., PAUSTIAN, M., PENALVER, A. e TAYLOR, T. (2010), Monetary Policy after
the Fall, Federal Reserve Bank of Kansas City Annual Conference, Jackson Hole, September.
BERNANKE, Ben S.; GERTLER, Mark (2001). Should Central Banks Respond to
Movements in Asset Prices? The American Economic Review, Vol. 91, No. 2, May.
EICHENGREEN, Barry; EL-ERIAN; FRAGA, A.; ITO, A.; PISANY-FERRY, J.;
PRASSAD, E.; RAJAN, R.; RAMOS, M.; REINHART, C.; REY, D.; ROGOFF, K.; SHIN,
H.S.; VELASCO, A.; DI MAURO, B. W.; YU, Y. (2011), Rethinking Central Banking, The
Committee on International and Policy Reform, Brookings Institutions, September,
Washington.
GAMEIRO, I.M., SOARES, C. e SOUZA, J. (2011), Política Monetária e Estabilidade
Financeira: Um debate em Aberto, Boletim Econômico, Banco de Portugal, Primavera: 7-27.
GOODFRIEND, M. (2007), How the World Achieved Consensus on Monetary Policy, NBER
Working Paper N° 13.580, November, Cambridge.
GOODHART, C. A. E. (2004), Some New Directions for Financial Stability?, CBE. Bank for
International Settlements. Per Jacobsson Foundation. Zurich, Switzerland.
________.(2005), The Future of Central Bank, Financial Markets Group. London School of
Economics. Special paper n. 162, setembro.
________.(2008), Lessons from the crisis for financial regulation, Financial Markets Group.
London School of Economics. Review n. 78, julho.
________.(2010), The Changing Role of Central Banks, Financial Markets Group, London
School of Economics. BIS Working Paper n. 326, novembro.
LICHA, Antonio L (2011). Notas de Aula – Teoria da Política Monetária. Instituto de
Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, agosto.
KEYNES, J.M. (1936), The General Theory of Employment, Interest, and Money, Macmillan,
London.
MISHKIN, F.S. (2011), Monetary Policy Strategy: Lessons from the Crisis, NBER Working
Papers N° 16755, National Bureau of Economic Research, February.
20
SCHINASI, G. J. (2004) “Defining Financial Stability”, IMF Working Papers 04/187.
SVENSSON, L.O. (2010), Inflation Targeting and Financial Stability, Annual Conference on
“How has our View of Central Banking Changed with the Recent Financial Crises?, Central
Bank of Turkey, Izmir, October.
21
Download