Repensando a Política de Estabilidade Financeira e o Papel do Banco Central: Uma Análise Crítica das Novas Propostas dos Autores do Novo Consenso Arthur Gualberto Bacelar da Cruz Urpia Katia Harumi Omoto Resumo: O objetivo deste artigo é, a partir das contribuições do Goodhart, fazer uma análise crítica das novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre estabilidade financeira e o papel do Banco Central (BC). A principal conclusão do trabalho é que as contribuições que há muito tempo vêm sendo desenvolvidas pelo Goodhart se mostram superiores às novas propostas apresentadas pelos autores do Novo Consenso. Palavras-chave: Novo Consenso; Banco Central; Estabilidade Financeira. Abstract: This aims of this article is, based on the contributions of Goodhart, make a critical analysis of the new proposals of the authors of the New Consensus on financial stability and the role of the Central Bank (BC). The main conclusion of this work is that the contributions that have long been developed by Goodhart presents superior to the new proposals presented by the authors of the New Consensus. Keywords: New Consensus; Central Bank; Financial Stability. Código JEL: E19, E58 Doutorando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE-IE/UFRJ), Brasil. Bolsista do CNPq. Doutoranda em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE-IE/UFRJ), Brasil. Professora do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). 1. Introdução: Antes da recente crise financeira internacional iniciada em 2007, a condução da política macroeconômica praticada por uma série de países era resultado do conjunto de propostas associadas às práticas do Federal Reserve que foi batizada de “Novo Consenso de Jackson Hole”. Este consenso foi consolidado no ano de 1999 na conferência organizada pelo Federal Reserve of Kansas City, que foi denominada de New Challenges for Monetary Policy. Blanchard et all (2010) apresenta um quadro resumo da condução da política macroeconômica baseada no novo consenso. Para ele, as principais características são as seguintes: a política monetária era formulada tendo como metas a estabilidade da inflação e do produto; a política fiscal desempenhava um papel secundário; e a regulação financeira era pensada como fora do âmbito da política macroeconômica. Para o autor, a negligência que foi dada à intermediação financeira como um aspecto macroeconômico central é o que explica o fato da regulação e supervisão financeira terem suas implicações macroeconômicas praticamente ignoradas nas economias avançadas. Já em alguns mercados emergentes, regras prudenciais (tais como limites de exposição cambial) foram projetadas juntamente com a estabilidade macroeconômica. Entretanto, o uso de regulação prudencial para efeitos cíclicos foi considerado impróprio, dada a onda de desregulamentação financeira. Neste sentido, caberia como função do Banco Central apenas a estabilidade de preços. Porém, a crise financeira internacional tem gerado determinadas lições que estão sendo interpretadas e utilizadas pelos próprios autores do Novo Consenso para se repensar a condução da política macroeconômica. Entre as principais lições, destacam-se as seguintes: I) Que a estabilidade de preços e do produto é necessária, mas não é suficiente, tendo-se em vista que não garante a estabilidade financeira. Autores vêm defendendo que o ambiente econômico favorável observado antes da crise não só não foi capaz de evitar a instabilidade financeira como pode ter-la promovido por ter estimulado a assunção de riscos excessivos, o que tornou o sistema financeiro mais frágil. II) Outra lição valiosa apontada é que uma baixa inflação limita o escopo da política monetária em períodos de recessões inflacionárias, dado o limite zero da taxa de juros nominal, que impede que os bancos centrais continuem realizando uma política monetária expansionista. III) Que a evolução do setor financeiro (que foi amplamente desregulado) exerce impactos para a atividade econômica. IV) A importância da intermediação financeira, principalmente das intervenções nos períodos em que a taxa de juros não se apresenta como um instrumento suficiente para equilibrar os preços dos ativos. Também, verificou-se com a crise que as bolhas fazem com que os preços dos ativos se desviem dos seus fundamentos por questões especulativas. Além disso, observou-se que os custos de se adotar uma estratégia de ‘clean’ após o estouro das bolhas é muito alto. A crise também tem gerado pressões adicionais sobre os bancos centrais. Estas pressões têm colocado em risco o bom funcionamento dessas instituições por ameaçar a forçá-las a entrar em ‘terrenos arriscados’. As pressões se devem às elevadas dívidas públicas e privadas, e devido os perigos dos desalinhamentos cambiais. Com isto, o objetivo deste artigo é, a partir das contribuições do Goodhart, fazer uma análise crítica das novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre estabilidade financeira e o papel do Banco Central (BC). Para tal, este artigo, além desta introdução consta de mais três seções. A segunda seção apresenta as novas propostas dos autores do Novo Consenso sobre a estabilidade financeira e 2 como deve ser o papel de atuação do Banco Central. A terceira seção traz as contribuições do Goodhart sobre novas direções para se alcançar a estabilidade financeira e o papel do Banco Central. Já a quarta seção compara ambas as contribuições. 2. Repensando a Estabilidade Financeira e o papel do Banco Central: as novas propostas dos autores do Novo Consenso A condução da política macroeconômica nos últimos anos pré-crise financeira internacional é resultado do conjunto de propostas associadas às práticas do Federal Reserve (FED) que foi batizada de ‘Novo Consenso de Jackson Hole’. Este consenso foi consolidado no ano de 1999 na conferência organizada pelo Federal Reserve of Kansas City, que foi denominada de New Challenges for Monetary Policy. Para Goodfriend (2007, p. 24), o Novo Consenso apresenta quatro importantes princípios, são eles: “the priority for price stability; the targeting of core rather than headline inflation; the importance of credibility for low inflation; and preemptive interest rate policy supported by transparent objectives and procedures”. Blanchard et all (2010) apresenta um quadro resumo da condução da política macroeconômica baseada no Novo Consenso. Para ele, as principais características são as seguintes: a política monetária era formulada tendo como metas a estabilidade da inflação e do produto; a política fiscal desempenhava um papel secundário; e a regulação financeira era pensada como fora do âmbito da política macroeconômica. Para o autor, a negligência que foi dada à intermediação financeira como um aspecto macroeconômico central é o que explica o fato da regulação e supervisão financeira terem suas implicações macroeconômicas praticamente ignoradas nas economias avançadas. Já em alguns mercados emergentes, regras prudenciais (tais como limites de exposição cambial) foram projetadas juntamente com a estabilidade macroeconômica. Entretanto, o uso de regulação prudencial para efeitos cíclicos foi considerado impróprio, dada a onda de desregulamentação financeira. Mishkin (2010) chama a atenção para o fato de que, mesmo antes da recente crise financeira internacional, os bancos centrais tinham consciência do forte impacto negativo que rupturas financeiras poderiam gerar na atividade econômica. Entretanto, para o autor, o modelo de equilíbrio geral estocástico dinâmico (DSGE), que era utilizado pelo novo consenso, não incorporava fricções financeiras como uma importante fonte para as flutuações econômicas. Isto teria levado naturalmente a uma dicotomia entre a política monetária e a política de estabilidade financeira, o que fez com que estes dois tipos de políticas passassem a ser conduzidas separadamente. Assim, a política monetária se concentraria no seu objetivo primordial, que é a inflação, e a estabilidade financeira seria tratada quer por via da capacidade auto-corretora dos mercados, quer pela regulação prudencial. Com isto, a política monetária só levaria em consideração os preços dos ativos se eles sinalizassem riscos de pressões inflacionárias ou deflacionárias, e só contribuiria para a estabilidade financeira por manter a inflação a um patamar baixo e estável. Gameiro et all (2011) salienta que essa discussão sobre estabilidade financeira estar apoiada na ideia de eficiência dos mercados financeiros para a correção automática dos desequilíbrios, o que faz com que os potenciais riscos sistêmicos associados a fricções nos mercados financeiros (tais como informação imperfeita, ‘risco moral’ e comportamento de massas) tendessem a ser subestimados. Com isto, ações que visem o estouro de uma bolha geram uma perda social maior do que esses potenciais riscos sistêmicos. A defesa deste argumento também esta centrada nos seguintes pilares: 3 Primeiro, é difícil identificar claramente uma bolha nos preços dos ativos. Segundo, a taxa de juro oficial, principal instrumento da política monetária, é insuficiente para neutralizar bolhas de preços dos ativos, dado que tal exigiria um grande aumento da taxa de juro do banco central que teria efeitos desestabilizadores sobre a economia. Em terceiro lugar, quando as bolhas rebentam os efeitos sobre a atividade podem ser facilmente neutralizados através de taxas de juro mais baixas. (KOHN, 2006, apud GAMEIRO et all, 2011, p. 10). Desta forma, a orientação era para que os BCs não interviessem nos desequilíbrios financeiros no sentido de ‘estourar’ as bolhas, mas que respondessem de forma agressiva quando as bolhas estourassem. Gameiro et all (2011) chama atenção para o fato de que esta política só seria possível se a taxa de juro não atingisse o limite inferior zero. Esta estratégia de só intervir após o estouro da bolha também é denominada na literatura econômica de ‘clean’ (uma referência a ‘limpar’ após o estouro da bolha), que é colocada em oposição à estratégia de ‘lean’ (que é um diminutivo de ‘leaning against the wind’1), que defende que o banco central deve responder diretamente ás bolhas dos preços do ativos, no sentido de retardar seu crescimento e minimizar os danos na economia quando estas bolhas estourarem. A estratégia de ‘clean’ funcionou bem após o estouro da bolha das dot.com em 2000-2002, o que levou os seus entusiastas a acreditarem que sempre funcionaria bem após os estouros das bolhas de ativos. Desta forma, observa-se que o modelo do Novo Consenso defendia que o principal objetivo dos BCs era a estabilidade de preços. Já a estabilidade financeira era colocada em segundo plano (sendo pensada fora do âmbito da política macroeconômica) com os BCs tendo que atuar apenas nos momentos em que houvesse o estouro das bolhas. Além disso, os problemas gerados com os desequilíbrios financeiros eram subestimados devido à adoção da hipótese de eficiência nos mercados financeiros. Porém, a crise financeira internacional tem gerado determinadas lições que estão sendo utilizadas pelos próprios autores do Novo Consenso para se repensar a estabilidade financeira e o papel de atuação dos BCs. Com o intuito de destacar quais são essas novas propostas, esta seção está divida em quatro sub-seções: a sub-seção 2.1 traz as lições tiradas com a recente crise; a sub-seção 2.2 discute as pressões adicionais que os bancos centrais vêm sofrendo; a sub-seção 2.3 apresenta as novas propostas para se alcançar a estabilidade financeira e o novo papel de atuação dos BCs, e; a sub-seção 2.4 apresenta alguns comentários finais sobre o seção. 2.1 As Lições da Recente Crise Financeira Internacional Diversos autores vêm analisando a recente crise financeira internacional para observar quais lições podem ser tiradas para modificar a condução da política macroeconômica. Entre esses autores se destacam Blanchard et all (2010), Mishkin (2010) e Eichengreen et all (2011). Estes autores citam uma série de lições que foram aprendidas com a recente crise financeira internacional. Este seção tem como objetivo apresentá-las. A primeira lição é que a estabilidade de preços e do produto é necessária, mas não é suficiente, tendo-se em vista que não garante a estabilidade financeira. Antes da recente crise 1 Uma tradução literal para o português seria ‘inclinando-se contra o vento’. 4 financeira tanto os bancos centrais, quanto os acadêmicos, defendiam que a estabilidade de preços e do produto garantiria a estabilidade financeira. As conclusões das pesquisas teóricas sugeriam a estabilização de um índice correspondente a ‘preços rígidos’ (que é um índice próximo do utilizado para medir o núcleo de inflação), algo que foi adotado por alguns países desenvolvidos, que apresentaram um núcleo de inflação estável até o início da crise. Após a crise, alguns autores têm realizado críticas ao regime de inflação baseado no núcleo da inflação, por não ter levado em conta o aumento dos preços do petróleo ou de habitação como deveria. Para Blanchard et all (2010), estas críticas são reflexo da esperança de se encontrar um índice que seja o ‘certo’ para que seja estabilizado e, assim, garantir a estabilidade financeira. Segundo ele, “this is unlikely to be true: no single index will do the trick”. Ele adiciona que com a crise ficou claro que “(…) the behavior of inflation is much more complex than is assumed in our simple models and that we understand the relationship between activity and inflation quite poorly, especially at low rates of inflation”. (2010, p. 7). Assim, para o autor, a crise demonstrou que a inflação e o hiato do produto podem ser estáveis, mas isso não implicará necessariamente em um comportamento desejável para o preço de alguns ativos e para o crédito, o que torna possível os desajustes financeiros mesmo com a estabilização dos preços. Mishkin (2010) ainda adiciona o fato de que o ambiente econômico favorável observado antes da crise não só não foi capaz de evitar a instabilidade financeira como pode ter-la promovido. “The low volatility of both inflation and output fluctuations may have lulled market participants into thinking there was less risk in the economic system than was really the case”. (MISHIKIN, 2010, p. 32). Segundo o autor, recentes pesquisas teóricas defendem que ambientes econômicos favoráveis podem promover a assunção de riscos excessivos, o que pode tornar o sistema financeiro mais frágil. No período anterior à crise, informações demonstram que os prêmios de risco de crédito e os padrões de subscrição de empréstimos caíram consideravelmente. O autor (2010, p. 32) conclui esta questão afirmando que: “although price and output stability are surely beneficial, the recent crisis indicates that a policy focus solely on these objectives may not be enough to produce good economic outcomes”. A segunda lição é que a macroeconomia é altamente não-linear. Isto pelo fato das crises aumentarem a incerteza sobre os valores dos ativos, algo que pode gerar um ciclo de feedbacks negativos a tal ponto que leve a rupturas financeiras. Estas rupturas têm efeitos depressivos sobre os investimentos e sobre os gastos dos consumidores, que, por sua vez, fazem com que a atividade econômica se contraia. Esta contração aumenta a incerteza sobre o valor dos ativos e, portanto, piora a ruptura financeira. “In turn, this development causes economic activity to contract further in a perverse cycle”. (MISHKIN, 2010, p. 24). Isto aconteceu logo após a falência do Lehman Brothers. Para Mishkin (2010, p. 25), “the role of nonlinearities in the macro economy when there is a financial disruption implies an important flaw in the theory of optimal monetary policy that was in general use prior to the crisis”. A terceira lição é que uma baixa inflação limita o escopo da política monetária em períodos de recessões inflacionárias. Para Blanchard et all (2010), com o colapso da demanda agregada em 2008, a maioria dos bancos centrais diminuiu a taxa de juros para perto do limite zero da taxa de juros nominal, o que impediu que os bancos centrais continuassem realizando uma política monetária expansionista. “One main implication was the need for more reliance on fiscal policy and for larger deficits than would have been the case absent the binding zero interest rate constraint”. (BLANCHARD et all, 2010, p. 8). Assim, o autor defende que se a 5 inflação média fosse um pouco maior antes da crise, a taxa nominal de juros também seria maior, o que possibilitaria aos bancos centrais reduzirem ainda mais a taxa de juros em resposta ao desaquecimento da demanda agregada. Como consequência também se observaria uma menor queda da produção e a situação fiscal dos governos não teria se deteriorado tanto. Mishkin (2010) ainda salienta que o limite inferior zero da taxa de juros nominal é mais problemático do que o que foi levado em consideração pelo novo-consenso. Antes da crise havia um reconhecimento por parte dos bancos centrais de que em situações em que a taxa de juros estivesse em seu limite inferior zero haveria a necessidade de políticas monetárias não convencionais (tais como: provisionamento de liquidez por parte do banco central a instituições financeiras e outros bancos; compra de ativos privados e títulos públicos para se diminuir o custo de empréstimo para as famílias; flexibilização quantitativa, em que os bancos centrais expandem seus balanços, e; gestão de expectativas na qual os bancos centrais se comprometem a manter sua taxa de política em níveis baixos por um longo período de tempo). Porém, diversos pesquisadores têm observado que políticas monetárias não convencionais não são tão efetivas durante as crises. Outra razão para explicar o porquê que o limite inferior zero da taxa de juros é mais grave do que o novo consenso levava em consideração é o fato dos choques depressivos poderem ser muito maiores do que se pensava anteriormente, principalmente devido à presença de não-linearidades na economia. A quarta lição apresentada se refere ao forte impacto que a evolução do setor financeiro gerou para a atividade econômica. Para Mishkin, a crise que antes era restrita ao setor de hipotecas subprime (que consistia apenas em uma pequena parte do mercado de capitais em geral) após uma série de choques (tais como a falência do Lehman Brothers e o colapso na AIG) se transformou em uma crise global, ocasionando a queda acentuada na atividade econômica de vários países, inclusive os Estados Unidos. “The global financial crisis of 2007-2009 therefore demonstrated that financial frictions should be front and center in macroeconomic analysis”. (MISHKIN, 2010, p. 23). A quinta lição se refere à importância da intermediação financeira. Para Blanchard et all (2010), em determinadas situações, a taxa de política pode não ser um instrumento suficiente para equilibrar os preços dos ativos. Nestas situações, as intervenções (tanto através da aceitação de ativos como garantias, quanto através da compra direta de ativos por parte do banco central) são necessárias. Um exemplo de intervenção é a política de flexibilização do crédito que os bancos centrais tem feito com a crise atual. Outra questão que ficou evidente com a crise, para o autor, é que as bolhas fazem com que os preços dos ativos se desviem dos seus fundamentos por questões especulativas. Além disso, observa-se que os custos de se adotar uma estratégia de ‘clean’ após o estouro das bolhas é muito alto. A crise financeira global, além do custo com a queda da produção agregada que uma recessão mundial ocasiona, demonstra ainda a possibilidade de mais três custos adicionais. Primeiro, as crises financeiras são normalmente seguidas de crescimento lento por algum tempo. Segundo, há uma deteriorização acentuada do orçamento dos governos. Terceiro, a adoção de políticas monetárias não convencionais, por parte do banco central, pode dificulta sua capacidade de gerir a economia no futuro com sucesso. A sexta lição é a importância, que havia sido renegada pelo novo-consenso, da política fiscal contracíclica como uma ferramenta macroeconômica. Isto por duas razões: I) A política fiscal se tornou uma importante ferramenta para a condução da política macroeconômica após a política monetária (incluindo crédito e a flexibilização quantitativa) ter alcançado seu limite; II) Pelo fato da recessão se mostrar duradoura, o que faz com que a política fiscal tenha tempo 6 para produzir um impacto benéfico, apesar de suas defasagens. Os países que entraram na crise com baixa dívida pública puderam implementar políticas fiscais contracíclicas mais agressivas sem ter que se preocupar com a estabilidade fiscal ou enfrentar paradas súbitas, já os países que entraram na crise com altos níveis de dívida e um grande passivo a descoberto tiveram a capacidade limitada para usar a política fiscal. A sétima lição se refere ao papel desempenhado pela regulação financeira para a estabilidade macroeconômica. Para Blanchard et all (2010), o papel limitado da regulação financeira permitiu que a crise se agravasse, dentre outros motivos, por ter dado incentivos aos bancos para a criação de entidades extra-patrimoniais que além de ter aumentado a alavancagem dessas instituições também serviu para evitar algumas regras prudenciais. Assim, para ele (2010, p. 9), “mark-to-market rules, when coupled with constant regulatory capital ratios, forced financial institutions to take dramatic measures to reduce their balance sheets, exacerbating fire sales and deleveraging”. A oitava lição se refere aos problemas que podem ser gerados com os efeitos spillovers internacionais da condução da política macroeconômica pelos países, principalmente dada a ampliação das conexões entre eles. Segundo Eichengreen et all (2011), quando os bancos centrais e os governos mudam sua orientação macroeconômica, algo que foi observado durante a crise, os efeitos spillovers entre as nações podem ser consideráveis. Para o autor (2011, p. 13), “cross-border spillovers may also have increased as a result of the nature of policy responses to economic shocks and business cycle conditions”. A condução de políticas monetárias não convencionais também gera efeitos spillovers grandes e complexos entre os países. “For instance, monetary injections when the nominal interest rate is at its zero bound might result in capital outflows rather than in more domestic activity, if domestic demand is weak and banks are reluctant to lend”. (EICHENGREEN et all, 2011, p. 13). Também tem se verificado a expansão de efeitos spillovers nos mercados de capitais entre países desenvolvidos e emergentes, o que cria desafios para os países que recepcionam esses fluxos de capital. Para o autor, na prática, muitos dos destinatários são economias de mercado emergentes que estão lutando para evitar as oscilações no fluxo de capitais que conduza a um desalinhamento na taxa de câmbio e elevações insustentáveis dos empréstimos. Portanto, a crise financeira 2007-09 tem servido como um lembrete de que os fluxos financeiros podem se reverter abruptamente, o que vem colocando uma pressão intensa sobre o funcionamento, a integridade e nos participantes do mercado. Para Eichengreen et all (2011), se políticas nacionais causam impactos para demais países, então há a necessidade, á primeira vista, de uma coordenação do ponto de vista internacional. 2.2 As Pressões Adicionais sobre os Bancos Centrais Eichengreen et all (2011) destaca que os bancos centrais têm recebido pressões adicionais no ambiente pós crise financeira internacional. Para o autor, embora essas pressões não sejam novas, elas colocam em risco o bom funcionamento dos bancos centrais por ameaçar a forçálos a entrar em ‘terrenos arriscados’. As pressões se devem às elevadas dívidas públicas e privadas, e devido os perigos dos desalinhamentos cambiais. Para o autor, altos níveis de dívidas públicas talvez seja o legado mais duradouro da recente crise financeira internacional. E as preocupações sobre os altos encargos dessa dívida irão moldar as escolhas políticas por anos em vários países. Altos níveis de dívida podem levar os países a programas de ajustes fiscais (que gera sempre prejuízos para a atividade econômica, 7 principalmente no curto prazo) e até mesmo a uma reestruturação da dívida – que, por sua vez, deixa um estigma prejudicial e é, frenquentemente, associado a profundas recessões. Assim, os países podem procurar outras formas para lidar com a dívida. O acordo de Basiléia III se preocupa com esta questão. Este acordo prevê o tratamento preferencial da dívida pública nos balanços dos bancos através de uma diferenciação substancial, que será a favor da dívida pública, nos requisitos de capital. Porém, para o autor, os governos podem procurar abordagens ainda mais diretas, o que pode resultar em pressões sobre os bancos centrais. Pois, sendo os bancos centrais reguladores financeiros em muitos países, eles podem ser pressionados a criar medidas para impulsionar outras instituições financeiras a manterem os títulos do governo. Além disso, os bancos centrais também poderão ser pressionados a dar apoio aos preços dos títulos, tal como vem acontecendo com o Banco Central Europeu. “The European Central Bank has already engaged in limited purchases of the government bonds of heavily indebted euro-area countries and is under pressure (as we write) to undertake more, with the effect of transferring sovereign obligations onto its own balance sheet”. (EICHENGREEN et all, 2011, p. 24). Segundo Eichengreen et all (2011), em circunstâncias onde a incerteza prevalece e determinados instrumentos têm se mostrado ineficazes ou restritos para se buscar objetivos econômicos, a limitação do escopo de atuação do banco central à política monetária puramente (por se defender a independência do banco central), tal como é defendido pelo novo-consenso, gera o risco de minar a legitimidade dessa instituição. Para o autor (2011, p. 25): Under these circumstances, central bankers need to ask whether, inter alia, undertaking bond purchases, while creating moral hazard for their governments, interfering with the conduct of conventional monetary policy, and sending mixed messages, is better or worse than standing by idly and potentially forcing the debt to be restructured, already weak banks to take a haircut, and — in the worst case should be joined — financial market meltdown to occur. Sendo que a resposta para essa questão, além de não ser óbvia e depender das idiossincrasias de cada situação, está relacionada a questões políticas (tal como se pode observar com a crise na Europa). Assim, os bancos centrais são reféns de um grande e difícil dilema: Ou eles se rendem a essas pressões e se afastam do quadro intelectual que orienta a sua ação (o de ter a sua ação limitada à política monetária puramente), ou eles ignoram tais pressões em nome da pureza monetária e passam a correr o risco de ter sua legitimidade afetada por se mostrar indiferente a estes problemas. Outra pressão sofrida pelos bancos centrais diz respeito aos desalinhamentos cambiais. Os bancos centrais têm sido pressionados a intervir no mercado cambial para evitar que os setores industriais percam competitividade internacional. Com isto, os bancos centrais têm respondido à entrada de capitais com esterilização e também com algumas formas de regulação. Porém, a esterilização causa danos, principalmente quando o mercado financeiro é aberto. Já as intervenções não esterilizadas, tais como a flexibilização quantitativa, tem o risco de gerar inflação. Assim, sua implementação é problemática principalmente para os países emergentes, onde a inflação e o risco de superaquecimento já existem. Com isto, nos países emergentes tem havido uma tendência de se implementar intervenções do tipo de controles de capital (medida que não estar mais sob o ataque pelo FMI) para se evitar uma maior valorização cambial. Brasil, Tailândia e Coréia são exemplos de países que estão instituindo estas medidas. Desta forma, observa-se que as possíveis intervenções praticadas pelos bancos 8 centrais prejudicam a condução da política monetária, o que faz com que os bancos centrais estejam submetidos a um segundo dilema: ou eles intervêm no mercado cambial para evitar a perca da competitividade dos setores industriais (o que gera complicações para a condução da política monetária), ou eles não intervêm e passam a ser questionados sobre a sua independência. Para Eichengreen (2011, p. 27), “central banks are more likely to safeguard their independence by acknowledging such concerns and pressing for non-monetary policy measures that achieve similar aims than by playing the game ‘who, me?’”. Para o autor, para que se tenha uma taxa de câmbio real mais competitiva, é necessária uma maior cooperação e coordenação entre o banco central com as autoridades fiscais e reguladoras, com a política fiscal tendo que ser firme o suficiente para permitir que a moeda se acomode a uma trajetória menor. Além disso, os reguladores precisam estar dispostos a reforçar os requisitos de liquidez quando muito capital estiver fluindo. O papel dos bancos centrais será apenas o de sinalizar sua vontade de assistir (e não mirar) a taxa de câmbio. Desta forma, Eichengreen et all (2011) defende que, diante dessas circunstâncias excepcionais, o banco central não pode se tornar insensível aos problemas de sustentabilidade da dívida e da sobrevalorização da taxa de câmbio para não ser arrastado para batalhas políticas, o que pode prejudicar a sua independência. Além disso, o autor chama atenção para a necessidade de o banco central comunicar claramente as suas ações e justificá-las diante do seu quadro político mais amplo, sempre deixando claro que a política monetária é apenas uma parte da resposta política. 2.3 As novas propostas para se alcançar a estabilidade financeira e o novo papel de atuação dos Bancos Centrais Estabilidade financeira é entendida aqui de acordo com as questões abordadas por Schinasi (2004). Esta autora defende que ainda não há um modelo amplamente aceito, ou um quadro analítico, para avaliar a estabilidade do sistema financeiro como existe para os sistemas econômicos e em outras disciplinas. Para ela, isso acontece pelo fato da análise da estabilidade financeira ainda está na sua fase inicial do desenvolvimento e da prática. A autora ainda adiciona que não há razões para se acreditar que a meta de uma única variável, tal como na política monetária, pode ser encontrada para definir e alcançar a estabilidade financeira. Dada estas questões, a autora salienta que o conceito de estabilidade financeira deva ser amplo e deva abranger o papel da infraestrutura financeira (sistema jurídico, regulamentação financeira, supervisão e fiscalização) as instituições e os mercados. Para ela (2004, p. 8), “a financial system is in a range of stability whenever it is capable of facilitating (rather than impeding) the performance of an economy, and of dissipating financial imbalances that arise endogenously or as a result of significant adverse and unanticipated events”. Ela defende que a estabilidade financeira deva ser pensada em termos da habilidade do sistema financeiro em alcançar as seguintes questões: (a) to facilitate both an efficient allocation of economic resources — both spatially and especially intertemporally — and the effectiveness of other economic processes (such as wealth accumulation, economic growth, and ultimately social prosperity); (b) to assess, price, allocate, and manage financial risks; and (c) to maintain its ability to perform these key functions — even when affected by external shocks or by a build up of imbalances — primarily through self-corrective mechanisms. (2004, p. 8). 9 Neste sentido, a política macroprudencial é aqui entendida como os domínios administrativos e regulamentares e o conjunto de instrumentos destinados a assegurar a estabilidade financeira em duas dimensões: (i) um sistema financeiro robusto capaz de absorver choques sem grandes perturbações para a economia real e (ii) a contenção da acumulação de fragilidades e riscos financeiros sistémicos. A política macro-prudencial está, assim, próxima da política macroeconômica em termos de objetivos, mas também da política micro-prudencial em termos de instrumentos (GAMEIRO et all, 2010, p. 21). Dada esta discussão sobre estabilidade financeira, alguns autores, tais como Eichengreen et all (2011), têm defendido que a estabilidade financeira deve ser um objetivo explícito do banco central. Para ele, a política monetária tendo como foco a estabilidade de preços e do crescimento econômico também afeta a estabilidade financeira através dos seus impactos na avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na alavancagem do crédito, sobre os fluxos de capital e na taxa de câmbio. Ou seja, a política monetária não é neutra numa perspectiva de estabilidade financeira. Da mesma forma, as ferramentas macroprudenciais afetam o crescimento do crédito (por afetar o grau de alavancagem das instituições financeiras em geral) e pode gerar desequilíbrios externos com conseqüências para a estabilidade de preços e estabilidade macroeconômica. Assim, Eichengeen et all (2011) propõe o abandono do princípio de Tinbergen – que defende o uso de diferentes instrumentos para diferentes metas – para a atuação do BC. Desta forma, este autor afirma que as políticas micro e macroprudenciais devam ser implementadas sempre que possível para a busca da estabilidade financeira, mas que a política monetária também deva ser considerada como uma parte legítima das ferramentas dos supervisores macroprudenciais. Com isto, quando o banco central observar uma situação de desequilíbrio financeiro (algo que pode ser identificado por testes de estresse), eles deverão usar uma combinação de ferramentas micro e macroprudenciais, mas também de instrumentos de política monetária quando necessário, mesmo que isto resulte em desvios da meta de inflação. Para o autor, a responsabilidade pela manutenção da estabilidade financeira pode ser atribuída ao banco central ou a uma autoridade própria de supervisão financeira. Sendo que o banco central sempre será responsabilizado por problemas financeiros por ser o emprestador de última instância. Entretanto, independente da configuração que for adotada, será de extrema importância uma coordenação estreita entre os bancos centrais com os demais órgãos que contribuem para assegurar a estabilidade das condições financeiras, algo particularmente importante quando os formuladores de políticas tiverem de avaliar os trade-offs entre o uso de ferramentas monetárias e medidas prudenciais, e tomar decisões sobre o mix apropriado. Os bancos centrais também necessitarão de uma maior independência quando a estabilidade financeira for adicionada à suas metas. Eles também terão que legitimar suas ações nas circunstâncias em que a natureza das ameaças para a estabilidade financeira for mal compreendida. Uma maior comunicação e transparência em suas ações serão cruciais, até para que o banco central defenda sua independência. Na prática, o banco central terá que explicar como buscará equilibrar a estabilidade de preços, a estabilidade do crescimento e a estabilidade financeira. Gameiro et all (2010) também propõe que a política monetária e a política de estabilidade financeira sejam complementares. Para o autor (2010, p. 23), “(...) dado o papel central 10 desempenhado pelo sistema financeiro no mecanismo de transmissão da política monetária, as decisões macro-prudenciais devem ser tidas em conta pela política monetária e deve ser promovida a troca de informação entre as autoridades competentes”. Mishkin (2010, p. 33) apesar de defender que “none of the lessons from the financial crisis in any way undermines or invalidates the nine basic principles of the science of monetary policy developed before the crisis”, observa que a política monetária e a política de estabilidade financeira são intrinsecamente ligadas uma na outra e, portanto, a dicotomia entre a estabilidade financeira e a política monetária é falsa. O que implica que a coordenação entre a política monetária e macroprudencial é de extrema valia para se perseguir a estabilidade de preços, a estabilidade do produto e a estabilidade financeira. Ele também salienta que os BCs são a escolha natural para exercerem o papel de regulador sistêmico. Além disso, ele adiciona que a “coordination of monetary policy and macropudential policy can only be effective if one government agency is in charge of both”. (2010, p. 49). Desta forma, percebe-se claramente que as propostas, pelos autores do Novo Consenso, para se alcançar uma maior estabilidade financeira vão a direção de se colocar a estabilidade financeira como um objetivo explícito dos BCs, com a política monetária sendo posta como complementar à ela. O que implica que, quando o banco central observar uma situação de desequilíbrio financeiro (algo que pode ser identificado por testes de estresse), eles passem a usar uma combinação de ferramentas micro e macroprudenciais, mas também de instrumentos de política monetária, mesmo que isto resulte em desvios da meta de inflação. “A motivação para tal política é a de limitar a acumulação de desequilíbrios significativos nos preços dos ativos e, consequentemente, diminuir a magnitude de uma eventual correção futura, reduzindo deste modo os riscos em baixa para a economia no médio prazo”. (GAMEIRO et all, 2010, p. 11). Além disto, observa-se que uma importante lição da crise é que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais problemáticas do que as outras. Algumas bolhas após serem estouradas têm a capacidade de provocar uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros. Estas bolhas provocam efeitos negativos mais fortes na economia e ampliam a instabilidade financeira. Mishkin (2010) chama atenção que as bolhas mais perigosas para a economia são as denominadas de ‘credit-driven bubble’. Para Stiglitz (apud Gameiro et all, 2011), é válida a hipótese de não-linearidade no impacto de choques nos preços dos ativos, com isto, choques de grande dimensão nos preços dos ativos terão um efeito proporcionalmente maior sobre a atividade econômica do que choques de pequena e média dimensão. Com isto, alguns autores passaram a defender que os bancos centrais passem a utilizar a estratégia do tipo ‘leaning against the wind’. Na literatura econômica há uma série de críticas à abordagem de ‘leaning against the wind’. Dentre elas, destacam-se: I) A dificuldade de se estabelecer um critério claro para determinar situações de desequilíbrios nos preços dos ativos (desvios dos preços em relação a seus fundamentos), ou seja, que há dificuldades para se identificar as bolhas; II) “Uma segunda crítica diz respeito à identificação do momento em que a bolha rebenta e à gravidade da eventual crise. O desafio para os formuladores de política torna-se então em discriminar ex-ante que subidas dos preços dos ativos poderão culminar em grandes perturbações econômicas”. (GAMEIRO et all, 2011, p. 11-12); III) Que a política monetária não é a melhor ferramenta para enfrentar uma bolha, pelo fato das bolhas não responderem a pequenas mudanças nas taxas de juros. A bolha só responderia a aumentos acentuados, que geram efeitos deletérios para a atividade econômica. Outra questão colocada 11 é que a relação entre as condições monetárias e a evolução da bolha é bastante tênue, tendo-se em vista que as bolhas são baseadas em ‘animal spirits’ e não em fundamentos. Bean et all (2010) é um dos autores que é contra a adoção da estratégia de lean em tempos normais, pois considera que apresenta fortes efeitos colaterais ao produto. Segundo ele (2010, p. 2): The case for “leaning against the wind” by raising policy rates higher than required to meet immediate inflation and output objectives appears strengthened by recent events, but the collateral damage to output from a policy that is sufficiently aggressive to make enough of a difference to credit conditions and asset prices is likely to be quite high. Os autores que defendem esta abordagem apresentam uma série de contra-argumentações. Primeiro, defendem que não é necessário determinar com precisão o grau de desvio dos preços dos ativos individualmente, além disso, testes de estresse podem ser utilizados para auxiliar o descobrimento das bolhas. Segundo, o forte efeito que o estouro das bolhas pode provocar. Segundo o IMF (2010, apud GAMEIRO et all, 2011), determinados episódios de bolhas nos preços dos ativos, onde a alavancagem e o envolvimento de intermediários financeiros são significativos, geram quedas abruptas nos preços dos mesmo e fortes impactos negativos para o nível de atividade, uma vez que existe uma interação entre a deteriorização dos balanços dos devedores e dos credores. Terceiro, que os mercados mais pertinentes para se discutir a relação entre política monetária e estabilidade financeira é o mercado imobiliário e o mercado de instrumentos derivativos associados com investimentos em habitação (ao invés do mercado de ações). Nesses mercados, mesmo pequenas mudanças na política monetária terão impacto para a busca da estabilidade financeira, pois mesmo pequenas mudanças nos custos de financiamento podem ter um impacto na assunção de riscos e nas condições de financiamento. “The spread between borrowing and lending rates is therefore a key determinant of the use of leverage and has important implications for the interaction between banking sector loan growth, risk premia, and any ongoing housing boom”. (EICHENGREEN et all, 2011, p. 6). Para Eichengreen et all (2011, p. 6): Even if policy makers are convinced that higher housing prices are broadly justified by secular trends in population, household size, and living standards, policy intervention would still be justified if the policy maker also believed that, if left unchecked, current loose monetary conditions significantly raise the risk of an abrupt reversal in housing prices and of financing conditions, with adverse consequences for the financial system and the economy. Outra questão de extrema importância é que quanto mais tempo a bolha durar, maior é o risco de acontecer uma crise financeira. Isto pelo fato dos aumentos dos preços dos ativos elevarem o valor do colateral dado em garantia para a obtenção do crédito e, consequentemente, do financiamento concedido. Com isto, novas aquisições podem ser financiadas, o que conduzirá a aumentos adicionais nos preços, intensificando ainda mais o ciclo de subida dos preços dos ativos e, portanto, inflando ainda mais a bolha. Mishikin (2010), que é um dos autores que defende a adoção da estratégia de ‘leaning against the wind’ por parte dos bancos centrais, apresenta os prováveis efeitos do estouro de uma bolha do tipo credit-driven bubble. Para ele: 12 The collapse in asset prices then leads to a reversal of the feedback loop in which loans go sour, lenders cut back on credit supply, the demand for the assets declines further, and prices drop even more. The resulting loan losses and declines in asset prices erode the balance sheets at financial institutions, further diminishing credit and investment across a broad range of assets. The decline in lending depresses business and household spending, which weakens economic activity and increases macroeconomic risk in credit markets. (2010, p. 42). Para o autor, no caso extremo, a interação entre os preços dos ativos e a saúde das instituições financeiras após o estouro deste tipo de bolha pode colocar em risco o funcionamento do sistema financeiro como um todo. Assim, a adoção da estratégia de ‘clean’ após o estouro da bolha do tipo credit-driven bubble pode ser extremamente ineficiente. 2.4 Comentários finais: A presente seção, que se iniciou apresentando como era a condução da política macroeconômica pelo modelo do Novo Consenso, ao discutir as lições que a recente crise financeira internacional tem gerado, além das novas pressões exercidas sobre os BCs nesse novo contexto, apresentou como os autores do Novo Consenso vêm repensando a política de estabilidade financeira e qual deve ser o novo papel de atuação dos BCs. Em relação à política de estabilidade financeira foi observada a necessidade do Banco Central também perseguir a estabilidade financeira, a partir da implantação de políticas micro e macroprudenciais, mas também através da política monetária (mesmo que isto resulte em desvios da meta de inflação). Ou seja, a política monetária deve passar a ser considerada como uma parte legítima das ferramentas dos supervisores macroprudenciais. O principal argumento, para que os bancos centrais persigam a estabilidade financeira, é que a política monetária não é neutra numa perspectiva de estabilidade financeira, afetando-a através dos seus impactos na avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na alavancagem do crédito, sobre os fluxos de capital e na taxa de câmbio. A segunda discussão foi sobre a necessidade dos Bancos Centrais passarem a adotar uma estratégia de ‘leaning against the wind’. Isto se baseando na importante lição tirada da recente crise de que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais problemáticas do que as outras. E que após serem estouradas têm a capacidade de provocar uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros, provocando efeitos negativos mais fortes na economia e ampliando a instabilidade financeira. 3. Bancos Centrais e Estabilidade Financeira: a Visão de Goodhart Um dos autores heterodoxos que mais tem dado contribuições para a discussão da estabilidade financeira e sobre o papel de atuação dos Bancos Centrais é o Goodhart. Este seção visa expressar as principais contribuições deste autor com o intuito de se fazer um contraponto à visão apresentada acima. Para tal, este seção traz duas sub-seções. A sub-seção 3.1 apresenta a visão do autor sobre o papel de atuação dos BCs; já a sub-seção 3.2 traz algumas direções para se alcançar uma maior estabilidade financeira. 13 3.1 O papel de atuação dos Bancos Centrais na visão de Goodhart Goodhart (2010) enumera os três principais objetivos de um Banco Central (BC). I) Manter a estabilidade dos preços; II) Manter a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento financeiro, e; III) Amparar a necessidade de financiamento dos Estados em momentos de crise e restringir o uso indevido de poderes financeiros do Estado em tempos normais. Em outro trabalho, Goodhart (2005) adiciona a estabilidade externa do valor da moeda como um quarto objetivo dos BCs. É importante destacar que o equilíbrio destes objetivos, que não são independentes, muda ao longo do tempo dependendo de determinadas situações. Em momentos de guerra e crise, por exemplo, apoiar a necessidade de financiamento dos Estados deve se tornar o objetivo crucial dos BCs. Já na ausência desses acontecimentos, os BCs devem buscar um equilíbrio entre a política monetária, a estabilidade externa da moeda e a política de estabilidade financeira. Segundo Goodhart (2010), até antes da recente crise financeira internacional em agosto de 2007, os BCs pareciam ter aperfeiçoado a condução da política monetária através do regime de metas de inflação. Entretanto, para o autor, cabe agora reconhecer que a conquista da estabilidade de preços por este regime não garante a estabilidade financeira. Além disto, a estabilidade de preços doméstica e a fragilidade financeira sistêmica são objetivos que podem conflitar, por exemplo, depois de um grande choque de oferta. Como o autor defende que o regime de metas de inflação não deva ser radicalmente alterado, ele propõe a aplicação, por parte dos BCs, de um conjunto separado de instrumentos (macroprudenciais e regulatórios) com a finalidade específica de manter a estabilidade financeira. Neste sentido, a gestão de liquidez por parte do BC é vista como essencial para se alcançar a estabilidade financeira, sendo vista também como o núcleo primordial da operação e razão de ser dele. Entretanto, a discussão sobre a gestão de liquidez tem se mostrado polêmica devido à questão de qual conjunto de ativos os BCs devem operar e manter em seus balanços. É importante também destacar que em condições de perturbação financeira e de crise, a gestão de liquidez assume certa independência em relação à determinação da taxa de política (taxa de juros), algo que se mostra óbvio quando a taxa de juros alcança seu limite inferior zero e a autoridade monetária adota um conjunto de medidas não convencionais, tais como a flexibilização quantitativa e a flexibilização do crédito. Nas palavras do autor: “(...) once the zero lower bound to interest rates is reached, then monetary policy, in the guise of inflation target, and systemic stability issues become indistinguishable”. (2010, p. 29). Os BCs, além de exercerem a função de regulador, também devem ser um supervisor direto dos principais intermediários financeiros sistêmicos, devendo ter acesso a uma inquestionável supervisão dos intermediários que julgue causar, ou estarem envolvidos, em problemas sistêmicos. Goodhart (2005) realiza uma forte crítica ao Modelo do Novo Consenso devido à inabilidade que esse modelo trata a questão da estabilidade externa do valor da moeda. Nas palavras do autor (2005, p. 16), “that consensus disappears when we move from a closed economy to considering international monetary relationships”. Isto por não existir um modelo amplamente aceito de determinação das taxas de câmbio no curto e médio prazo, com a paridade do poder de compra sendo restaurada de forma lenta apenas no longo prazo, e pela pouca disponibilidade de conhecimento a respeito do mecanismo de transmissão pelo qual a política monetária afeta a taxa de câmbio. Para ele, um dos poucos fatos estilizados nesse campo, que 14 as taxas de câmbio se apreciam em resposta a um aumento nas taxas internas de juros, tem sido colocado em xeque. Pois, na medida em que os fluxos de capitais internacionais se tornaram crescentemente patrimonial, um aumento na taxa de juros poderia reduzir, ao invés de ampliar, a entrada de fluxos de capitais. O modelo do Novo Consenso também defende que os países foquem sua política monetária sobre a estabilidade dos preços domésticos, evitando controles sobre os movimentos internacionais de capitais e permitindo que sua taxa de câmbio flutuasse livremente. Entretanto, a crise Asiática iniciada em 1997 enfraqueceu essa idéia, pois os países que adotaram alguma forma de controle no câmbio apresentaram melhores resultados econômicos. Para o autor (2005, p. 18), “the dynamics of a freely-floating exchange rate could, in the course of a ‘sudden-stop’ panic, (see the various articles by Calvo, e.g. 2003, 2004, 2005), lead to a disastrous combination of devaluation, inflation and sharp reductions in output”. De uma forma geral, as autoridades monetárias não só não intervêm para diminuir a excessiva volatilidade das taxas de câmbio real e nominal (apesar de reconhecer os problemas que a volatilidade gera) como também duvidam da eficácia da intervenção. Goodhart (2010) também defende que os BCs voltem a exercer a função de gerenciadores da dívida nacional, tal como o Banco da Inglaterra fez por mais de três séculos (1694-1997), principalmente com o atual aumento dos níveis de endividamento presenciado em diversos países (como, por exemplo, a Grécia), algo que pode diminuir a confiança dos participantes no mercado. Para o autor (2010, p. 26), “debt management can no longer be viewed as a routine function which can be delegated to a separate, independent body. Instead, such management lies at the cross-roads between monetary policies (both inflation targets and systemic stability) and fiscal policy”. O papel de gerenciador da dívida nacional só será possível se houver uma maior colaboração entre os BCs e o governo. Desta forma, observa-se que, para Goodhart, o BC é uma instituição de extrema importância para o funcionamento da economia e que possui quatro objetivos principais (manter a estabilidade dos preços; manter a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento financeiro; amparar a necessidade de financiamento dos Estados em momentos de crise e restringir o uso indevido de poderes financeiros do Estado em tempos normais, e; manter a estabilidade externa do valor da moeda). Além de ser a instituição responsável pelo gerenciamento da dívida nacional. 3.2 Direções para se alcançar uma maior estabilidade financeira A atual crise financeira, conforme Goodhart (2008) não tem como problema fundamental a falta de informações, mas a falta de instrumentos para conter a bolha de preços de ativos e empréstimos bancários bem como o uso de poucos instrumentos prudenciais para moderar o aumento da bolha de preços dos ativos. Como já salientado a estabilidade de preços não garante a estabilidade financeira. Neste caso, a taxa de juros não pode ser usada como instrumento para a estabilidade financeira. Goodhart (2008) argumenta dois motivos para tal. Em primeiro lugar, o preço da habitação não está incluído no índice de preços ao consumidor que é utilizado como âncora para o regime de metas de inflação. Por exemplo, o preço da habitação não faz parte do CPI Europeu. Com isto, alcançar a estabilidade preços não implica em alcançar a estabilidade dos preços dos ativos. Em segundo lugar, mesmo que a taxa de juros consiga combater parcialmente as 15 bolhas de preços dos ativos (e empréstimos bancários) é provável que não seja suficiente para conter uma forte especulação por muito tempo. Uma das maiores preocupações, talvez a principal, é que o colapso das bolhas de preços de ativos possa enfraquecer o sistema bancário, causando instabilidade financeira sistêmica, levando a uma espiral de deflação de dívidas (Fisher, 1932 apud Goodhart, 2005, p. 12). Neste sentido, a liquidez se torna o centro da problemática porque quando a bolha estoura o BC é obrigado a auxiliar na administração da crise ofertando suporte de liquidez. A primeira linha de defesa de uma crise financeira é recorrer à janela de redesconto, mas as instituições acabam evitando tal solução. Quando a situação se agrava, o BC efetivamente é forçado a emprestar recursos para a parte sistêmica do sistema financeiro. Há um problema de risco moral nesta situação que leva os bancos a manterem uma pequena parcela de ativos de baixo rendimento em períodos de booms dado que o BC oferta recursos em tempos de crise. Conforme Goodhart (2008), para minimizar este problema o BC deve variar a velocidade de empréstimos dependendo do histórico de liquidez mantido pelo banco adicionando um Regime de Resolução Especial de forma que o banco que recorrer ao empréstimo de emergência estará perante a um preço maior, levando-o à insolvência. Isto deve forçar os bancos a agirem com mais precaução. Goodhart (2004) apresenta algumas novas direções para se alcançar a estabilidade financeira. Em primeiro lugar, é necessária a criação de um modelo sistêmico de fragilidade financeira, que incorpore a inadimplência (default) como elemento central. Em segundo lugar, é preciso reconhecer a importância da relação entre política fiscal e a administração da crise financeira, bem como repensar o papel de certas instituições internacionais. Terceiro, é necessário introduzir uma abordagem holística de tal forma que se integre os requerimentos de capitais baseados nos riscos, os requerimentos de liquidez, a margem de risco e um conjunto de incentivos e sanções à abordagem da regulação financeira. Por fim, o autor propõe que os requerimentos de capitais baseados nos riscos devam mudar em resposta às flutuações na taxa de crescimento de fatores sistêmicos relevantes em cada caso. Abaixo será discutida cada uma destas propostas. Para Goodhart (2004) a construção de um modelo sistêmico de fragilidade financeira deve levar em conta três características essenciais, que são: I) os mercados financeiros devem ser incompletos de forma que se justifique a existência de intermediários financeiros, como bancos. Portanto, é necessário pensar adequadamente a forma de tal incompletude dos mercados financeiros; II) os bancos devem ser heterogêneos, porque é impossível levar em conta o efeito contágio, ou mesmo a existência de um mercado interbancário, em um modelo de banco representativo, ou seja, em um modelo com n bancos idênticos. Além disso, os consumidores bancários também devem ser heterogêneos; III) devem ser criados modelos de default de forma que se elimine o problema de modelos macro padrão, que assumem a condição de transversalidade (que implica que todas as dívidas serão pagas no final do horizonte de tempo). Tal suposição é incompatível com qualquer modelo de risco sistêmico. Também deve ser dado um papel essencial para liquidez no modelo. O reconhecimento da importância da relação entre política fiscal e a administração da crise financeira é proveniente do fato de que a crise financeira frequentemente requerer significante recurso fiscal, como por exemplo, para a recapitalização das instituições financeiras, de forma que o tratamento da crise necessita de um trabalho em conjunto das autoridades fiscais e de regulação. O problema se amplia quando a crise financeira tem dimensões internacionais, 16 porque em um sistema financeiro globalizado as perdas podem ser transferidas de um país para outro através de depósitos e de gastos fiscais. Em sua abordagem holística de regulação financeira, Goodhart (2004) argumenta que a regulação tem se deslocado para os requerimentos de capitais quando na verdade o foco deveria estar na razão de liquidez. Isto deve ocorrer porque quando é exigido um requerimento de capital, nos períodos de baixa do ciclo, os bancos tendem a encolher sua carteira, levando à queda de seu preço, o que induz a uma instabilidade dinâmica. Já a manutenção de ativos líquidos suficientes, protege mais o sistema como um todo das flutuações dos preços dos ativos. Dado que os ativos menos líquidos tendem a oferecer menor rentabilidade, os bancos tendem a manter uma porção baixa desses ativos e a imposição de razão de ativos líquidos tende a ser mais proveitosa do que a imposição de requerimentos de capital. Conforme o autor, a manutenção de ativos líquidos não apenas protege os demais bancos do sistema como também protege as autoridades monetárias e os ajudam a manter a estabilidade sistêmica. Quanto mais ativos líquidos um banco tem, mais tempo ele pode sustentar as compensações adversas, ganhando fôlego perante uma crise financeira. Assim, é o ativo líquido, e não o capital, que sustenta as instituições nos períodos de crise. Goodhart (2004), ainda em sua abordagem holística de regulação financeira defende que apenas a precificação dos riscos como elemento chave para uma boa administração de riscos não é suficiente para garantir uma carteira de ativos menos vulnerável a perdas. Ele argumenta que uma medida do apetite do risco é a escala e a extensão das margens de risco. Normalmente as margens de risco tendem a ser menores em momentos de alta do ciclo porque a confiança leva as instituições financeiras a tomarem mais riscos, e vice versa durante os períodos de baixa dos ciclos. Dessa forma, uma maneira para conter o movimento pró-cíclico do sistema financeiro é diversificar os requerimentos regulatórios, de forma que nos momentos em que as margens de risco são baixas, os requerimentos de capitais e de liquidez são altos. Na medida em que o BC tem como preocupação primordial a estabilidade financeira sistêmica, deve promover uma estratégia de regulação prudencial anti-cíclica de forma que a regulação seja mais incisiva durante as bolhas de preços de ativos e menos incisiva em períodos em que os preços dos ativos estão caindo. Infelizmente, a regulação financeira tem sido desenvolvida de forma pró-cíclica. Basiléia II tornou os requerimentos de capitais mais sensíveis ao risco. A probabilidade de default de um tomador de empréstimos aumenta em períodos de baixa do ciclo, embora o financiamento tenha ocorrido no período de boom anterior. Neste caso, há um problema porque o risco avaliado pelos bancos cai nos períodos de expansão e aumenta nos períodos de quedas. O Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária (Basel Committee of Banking Supervision – BCBS) não estava ciente do comportamento pró-cíclico de Basiléia II, mas tentou amenizar o problema ao pedir que os bancos ‘olhem através dos ciclos’ na avaliação da probabilidade de inadimplência. Mesmo assim, Basiléia II continuou tendo um elevado componente pró-ciclico em razão da interação dinâmica dos empréstimos bancários e os ciclos dos preços dos ativos. A proposta de Goodhart (2004) de que os requerimentos de capitais baseados nos riscos devam mudar em resposta às flutuações na taxa de crescimento de fatores sistêmicos relevantes em cada caso, admite uma fórmula arbitrária, requerendo considerável estudo empírico antes de sua adoção. Dessa forma, os requerimentos de capitais relacionados aos empréstimos podem depender da taxa de crescimento do produto, os requerimentos de capitais relacionados aos empréstimos para aquisição de imóveis podem depender da variação 17 de preços das casas, e os requerimentos para a aquisição de ações podem depender das mudanças nos preços das ações, etc. Assim, os requerimentos de capitais devem aumentar nos períodos de aumento nos preços dos ativos e cair em períodos de queda nos preços. Um dos principais indicadores da fragilidade financeira em um banco individual ou no sistema financeiro global é a expansão do crédito acima dos níveis de tendência. Neste sentido, levando em conta a argumentação de que os requerimentos de capitais devam mudar em reposta às mudanças no crescimento de fatores sistêmicos em cada caso, Goodhart (2005) defende que é necessário algum mecanismo para restringir o crescimento do crédito, como por exemplo, o desenvolvimento de uma forma quase-automática no Pilar 2 de Basiléia, de modo que o requerimento de capital seja maior, quanto maior for a taxa de expansão dos empréstimos. Quanto ao financiamento de imóveis, Goodhart (2008) defende uma cota de financiamento (loan-to-value – LTV) 2 anti-cíclico, no máximo, variando no tempo, sendo sustentada por restrições legais sobre a segunda hipoteca. Entretanto, Goodhart (2008) salienta quatro contra-argumentos a esta estratégia, que são: I) aumenta os custos dos empréstimos nos períodos de booms, prejudicando o comprador do imóvel; II) se introduzidos separadamente em determinados países pode incentivar os negócios off-shore. O principal perigo surgiria dos bancos que operam com sucursais no exterior porque seria difícil tomar medidas suplementares para lidar com isso; III) pode aumentar a carga informacional sobre os bancos e; IV) por impor maiores custos aos bancos durante as fases de expansão pode incentivar as atividades fora do balanço (off-balancesheet). Neste caso, seria necessária uma resposta robusta dos BCs de forma que as sanções aplicadas às falhas na divulgação de todos os negócios fora do balanço sejam reforçadas. 4. Conclusão Alguns autores pertencentes ao Novo Consenso, a partir das lições tiradas da crise além das novas pressões exercidas sobre os BCs nesse novo contexto, estão repensando a política de estabilidade financeira e qual deve ser o novo papel de atuação dos BCs. Para esses autores, em relação à política de estabilidade financeira, faz-se necessário que o Banco Central também passe a perseguir a estabilidade financeira, a partir da implantação de políticas micro e macroprudenciais, mas também através da política monetária (mesmo que isto resulte em desvios da meta de inflação). Ou seja, a política monetária deve passar a ser considerada como uma parte legítima das ferramentas dos supervisores macroprudenciais. O principal argumento, para que os bancos centrais persigam a estabilidade financeira, é que a política monetária não é neutra numa perspectiva de estabilidade financeira, afetando-a através dos seus impactos na avaliação dos ativos, nos preços das commodities, na alavancagem do crédito, sobre os fluxos de capital e na taxa de câmbio. Esses autores também propõe a necessidade dos Bancos Centrais passarem a adotar uma estratégia de ‘leaning against the wind’. Isto se baseando na importante lição tirada da recente crise de que as bolhas nos preços dos ativos não são homogêneas e que algumas são mais problemáticas do que as outras. E que após serem estouradas têm a capacidade de provocar uma deteriorização significativa nos balanços dos intermediários financeiros, provocando efeitos negativos mais fortes na economia e ampliando a instabilidade financeira. 2 Loan-to-value (LTV) é a razão entre o valor do financiamento do imóvel e o valor do imóvel financiado. 18 Porém, observa-se que as contribuições do Goodhart, sobre a estabilidade financeira e o papel do Banco Central, são muito mais amplas e gerais, portanto, mostrando-se mais factíveis. Em relação ao papel do Banco Central, Goodhart já há muito tempo vem defendendo que esta instituição deva possuir quatro objetivos principais (manter a estabilidade dos preços; manter a estabilidade financeira e promover o desenvolvimento financeiro; amparar a necessidade de financiamento dos Estados em momentos de crise e restringir o uso indevido de poderes financeiros do Estado em tempos normais, e; manter a estabilidade externa do valor da moeda). Além de ser a instituição responsável pelo gerenciamento da dívida nacional. Portanto, Goodhart defende uma importância muito maior para o Banco Central do que a defendida pelos autores do Novo Consenso (que estão repensando o papel de atuação do Banco Central, mas só destacam que esta instituição deva possuir dois objetivos, que são a estabilidade de preços e a estabilidade financeira, defendendo apenas que a instituição se mostre preocupada com a questão do câmbio e da dívida). Ainda neste sentido, Goodhart (2005) realiza uma forte crítica ao Modelo do Novo Consenso devido à inabilidade que esse modelo trata a questão da estabilidade externa do valor da moeda. Já em relação às medidas para se alcançar uma maior estabilidade financeira, Goodhart apresenta muito mais direções, abrangendo além das questões propostas pelos autores do Novo Consenso (o uso de ferramentas micro e macroprudenciais, além do uso da política monetária), várias outras medidas. Entre elas: a criação de um modelo sistêmico de fragilidade financeira, que incorpore a inadimplência (default) como elemento central; a necessidade de se reconhecer a importância da relação entre política fiscal e a administração da crise financeira, bem como repensar o papel de certas instituições internacionais; a necessidade de se introduzir uma abordagem holística de tal forma que se integre os requerimentos de capitais baseados nos riscos, os requerimentos de liquidez, a margem de risco e um conjunto de incentivos e sanções à abordagem da regulação financeira, e; que os requerimentos de capitais baseados nos riscos devam mudar em resposta às flutuações na taxa de crescimento de fatores sistêmicos relevantes em cada caso. Portanto, a análise comparativa entre as novas contribuições dos autores do Novo Consenso e as contribuições que há muito tempo vêm sendo desenvolvidas pelo Goodhart, demonstra a superioridade das contribuições do Goodhart. 19 Referências BLANCHARD, O., DELL’ARICCIA, Mauro, P. (2010), Rethinking Macroeconomic Policy, Journal of Money, Credit and Banking, Supplement Vol. 42, N° 6, September: 199-215. BEAN, C., PAUSTIAN, M., PENALVER, A. e TAYLOR, T. (2010), Monetary Policy after the Fall, Federal Reserve Bank of Kansas City Annual Conference, Jackson Hole, September. BERNANKE, Ben S.; GERTLER, Mark (2001). Should Central Banks Respond to Movements in Asset Prices? The American Economic Review, Vol. 91, No. 2, May. EICHENGREEN, Barry; EL-ERIAN; FRAGA, A.; ITO, A.; PISANY-FERRY, J.; PRASSAD, E.; RAJAN, R.; RAMOS, M.; REINHART, C.; REY, D.; ROGOFF, K.; SHIN, H.S.; VELASCO, A.; DI MAURO, B. W.; YU, Y. (2011), Rethinking Central Banking, The Committee on International and Policy Reform, Brookings Institutions, September, Washington. GAMEIRO, I.M., SOARES, C. e SOUZA, J. (2011), Política Monetária e Estabilidade Financeira: Um debate em Aberto, Boletim Econômico, Banco de Portugal, Primavera: 7-27. GOODFRIEND, M. (2007), How the World Achieved Consensus on Monetary Policy, NBER Working Paper N° 13.580, November, Cambridge. GOODHART, C. A. E. (2004), Some New Directions for Financial Stability?, CBE. Bank for International Settlements. Per Jacobsson Foundation. Zurich, Switzerland. ________.(2005), The Future of Central Bank, Financial Markets Group. London School of Economics. Special paper n. 162, setembro. ________.(2008), Lessons from the crisis for financial regulation, Financial Markets Group. London School of Economics. Review n. 78, julho. ________.(2010), The Changing Role of Central Banks, Financial Markets Group, London School of Economics. BIS Working Paper n. 326, novembro. LICHA, Antonio L (2011). Notas de Aula – Teoria da Política Monetária. Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, agosto. KEYNES, J.M. (1936), The General Theory of Employment, Interest, and Money, Macmillan, London. MISHKIN, F.S. (2011), Monetary Policy Strategy: Lessons from the Crisis, NBER Working Papers N° 16755, National Bureau of Economic Research, February. 20 SCHINASI, G. J. (2004) “Defining Financial Stability”, IMF Working Papers 04/187. SVENSSON, L.O. (2010), Inflation Targeting and Financial Stability, Annual Conference on “How has our View of Central Banking Changed with the Recent Financial Crises?, Central Bank of Turkey, Izmir, October. 21