AS EXPERTISES DESENVOLVIDAS POR MEIO DO CONHECIMENTO TÁCITO Márcia Cristina Gomes Molina Universidade Federal do ABC – UFABC E-mail: [email protected] Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 2 RESUMO O artigo apresenta reflexões, por meio de revisão bibliográfica, sobre o desenvolvimento de expertises através do conhecimento tácito. A expertise é compreendida como resultado de um processo de socialização que possibilita a expansão de uma gama de habilidades nas pessoas. Desta forma, a progressão de expertises está relacionada às experiências empíricas, nas quais teoria e prática promovem inovação, que deve atender as necessidades da sociedade, em forma de melhorias que sejam capazes de atender suas expectativas. PALAVRAS CHAVE: Conhecimento Científico; Conhecimento Tácito; Expertises; Pessoas; Sociedade. INTRODUÇÃO Ao longo dos séculos, a ciência tem apresentado avanços significativos, os quais a torna incontestável na maioria das vezes, entretanto, esse consentimento de ser reconhecida como verdade inquestionável, por inúmeras vezes pode transformá-la em algo estático e benéfico a apenas um conjunto de atores: experts ou especialistas (COLLINS & EVANS, 2010). Entretanto, o conhecimento científico tem por finalidade auxiliar a sociedade no desenvolvimento de suas potencialidades e para tal, não pode resumir-se aos cientistas que são denominados como os experts, sendo necessária a desfragmentação da especialização e a participação dos leigos ou não cientistas neste processo (COLLINS & EVANS, 2010). De acordo com Collins & Evans (2010), ao nos referirmos aos experts é relevante ressaltar que é a sociedade quem determina o valor da expertise. Esta apresenta um caráter social que é estabelecido por meio das relações sociais, resultando em conhecimento tácito. Segundo Collins & Evans (2010, p. 4): [...] A aquisição de expertise é, portanto, um processo social – uma questão de socialização dentro das práticas de um grupo de experts – e pode ser perdida caso se passe um período longe desse grupo. Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 3 A aquisição da expertise não é apenas relacional, é estabelecida por meio dos esforços empreendidos para o seu desenvolvimento a partir das práticas das ciências e das tecnologias. Collins & Evans (2011, p. 3) complementam que “[...] a expertise é uma posse real e substantiva de grupos de experts e de que indivíduos adquirem expertise real e substantiva por meio de sua associação a esses grupos”. Partindo do pressuposto, de que a expertise é desenvolvida por intermédio da interação social, observa-se que existe uma preocupação em respeitar e validar a opinião das pessoas que não sejam experts na construção da ciência, justapondo suas experiências e pensamentos aos patamares da comunidade científica. Collins (2011) argumenta que ao estudar a ciência foi possível identificar que os indivíduos são responsáveis pelas mudanças e que podem ajudar ou travar esse processo, em virtude, da sociedade ser ampla e ter sua própria visão de mundo. Afinal, corrobora o autor: [...] toda a cultura no seu sentido mais amplo repousam na habilidade de seres humanos verem as mesmas coisas e responderem a elas das mesmas maneiras. Pode haver variação em percepção e sentido entre diferentes grupos, mas a existência mesma de grupos depende das uniformidades dentro deles (COLLINS, 2011, p.6). Ao analisarmos o parágrafo acima, percebe-se que as regras, hábitos e costumes são instituídos pelos sujeitos que vivem em sociedade e que a ciência em certa instância obterá concepções advindas das culturas conexas. Portanto, compreende-se que as relações sociais interferem na forma de viver, de se relacionar e de conduzir as escolhas na vida dos indivíduos. De acordo com Bourdieu (1996), não há classes sociais, apenas um espaço social composto por pessoas que têm anseios comuns, que são determinados por seu habitus, os quais influenciarão a maneira de agir, de pensar e de se relacionar. O autor ainda afirma que o espaço social é constituído de tal modo que os sujeitos, os grupos, se estabelecem por meio do capital econômico, cultural e político. O habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas secas e relacionais de uma posição de um estilo de vida, unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de prática (BOURDIEU,1996, p.21). Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 4 Portanto, é relativo o olhar de cada pessoa sobre o mesmo objeto levando em consideração seu habitus. E, diante deste emaranhado de possibilidades, que Collins (2011) compara a realidade a uma teia de aranha construída por meio das práticas cotidianas dos seres humanos. Neste sentido, este artigo tem por objetivo compreender o desenvolvimento das expertises oriundas do conhecimento tácito como frutos das relações sociais e sua contribuição no empreendimento de habilidades técnicas e interpessoais. EXPERTISE E O CONHECIMENTO TÁCITO A expertise é resultado de um processo de socialização e seu caráter não é de inclusão e nem de exclusão, portanto os indivíduos podem ou não possuir expertise, independente de outros sujeitos acreditarem em tais. A expertise fundamenta-se no conhecimento tácito como a estrutura deste processo social, caracterizado pela subjetividade e enraizado na impossibilidade de ser descrito, pelo fato de estar imbuído na mente das pessoas, sendo difícil de expressar até mesmo por meio de palavras, mas se reflete em gestos, ações, valores e visões de mundo. Para Collins & Evans (2010, p.10), “conhecimento tácito é a compreensão profunda que um indivíduo apenas pode obter por meio da imersão social em grupos que a possuem”. O autor utiliza uma metáfora sobre como andar de bicicleta para exemplificar ele é como algo que adquirimos na prática e que não nos deparamos com qualquer previsibilidade lógica para execução do mesmo. Práticas que são imbricadas ao corpo, pelo conhecimento tácito, e que reverberam da memória dos hábitos das práticas não intencionais. O conhecimento tácito está atrelado à profunda aquisição de conhecimentos que um indivíduo pode obter por meio da imersão em um determinado grupo social. Sendo assim, podemos reconhecer o conhecimento tácito como responsável pela replicação e indução de comportamentos, os quais se reverberam sem questionamentos. Portanto, para que haja consentimento e clara compreensão das crenças, valores, hábitos e costumes de um grupo, é fundamental a enculturação. Esta está atrelada à forma de dominar uma expertise baseada no Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 5 conhecimento tácito. SCHATZKI et.al.(2005,p.119; tradução nossa) corrobora esta afirmação e salienta que “[...] esta maneira de ver as coisas também sugere que os motivos de nossas certezas devem ser procuradas nas histórias dos grupos sociais em que estamos incorporados”. Collins (2011) argumenta que as pessoas tendem a se comunicar bem em grupos que compartilham da mesma postura e do mesmo estilo de vida de forma que as regras são estabelecidas por meio da interação social que “[...] o modo de Wittgenstein expressar isso é dizendo que sabemos como continuar do “mesmo” modo porque compartilhamos uma “forma de vida” (COLLINS, 2011, p.20-21). O autor classificou o conhecimento tácito desenvolvido por meio da prática em uma Tabela Periódica de Expertise. Tabela 1 A Tabela Periódica de Expertises Expertises Ubíquas Habilidades de interagir Inclinações Habilidades de refletir Conhecimento tácito ubíquo Expertises especializadas Conhecimento de Buteco Compreensão popular Conhecimento tácito especializado Conhecimento de fonte primária Expertíse por interação Expertíse Contributiva Polimórfica Mimeomórfica Externas ( expertises transmutadas) Meta-expertises Metacritérios Discernimento ubíliquo Discernimento local Credenciais Internas ( expertise não transmutadas) Habilidades de connoisseur técnico Discernimento descendente Experiências Expertíse referida Histórico de desempenho Fonte: COLLINS, Harry & EVANS, Robert. Repensando a Expertise (p.21). Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 6 As expertises ubíquas, segundo Collins e Evans (2010) referem-se a todas aquelas que os indivíduos devem possuir para viver nela como exemplo, o idioma falado. A expertise especializada consiste no conhecimento exigido para aprovação em testes de conhecimentos gerais. As expertises especializadas se subdividem em conhecimento tácito ubíquo e conhecimento tácito especializado. O conhecimento tácito ubíquo se subdivide em: conhecimento de buteco, compreensão popular e conhecimento de fonte primária. O conhecimento de buteco não capacita e se refere a um conjunto de fórmulas, enquanto a compreensão popular diz respeito a um campo cientifico apresentado na mídia ou em livros populares, voltado a significados que são transmitidos como um conjunto de ideias e não de fórmulas, já o conhecimento de fonte primária utiliza-se de recursos como a Internet para aquisição de informações, porém que não capacita o sujeito para prática e avaliação dessas informações. Para Collins (2010), o conhecimento tácito especializado reconhece a expertise por interação e a expertise contributiva, sendo que a expertise por interação é o conhecimento absorvido por meio das relações sociais, sem prática, enquanto a expertise contributiva está relacionada à habilidade de desempenhar uma prática especializada. Ambas estão interligadas, tendo visto que o papel da expertise por interação é preservar o valor de nossa expertise contributiva. Metaexpertises estão relacionadas à capacidade de julgar a conduta de outros experts e compreendem: expertises externas ou por meio das instituições e internas ou expertises não transmutadas. As expertises transmutadas se reconhecem em discernimento ubíquo obtido por uma pessoa em uma sociedade democrática por meio de suas escolhas e a segunda se dá por meio do discernimento local, como o próprio termo relata, diz respeito ao conhecimento local adquirido em seu habitat (COLLINS, 2010). Enquanto o segundo grupo de metaexpertises independe da transmutação e é contemplado por meio da posse de um nível de expertise, que nos capacita para realizar Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 7 julgamentos como a habilidade de connoisseur técnico, discernimento descendente e expertise referida. Para Collins (2010, p. 23), “[...] a última linha da tabela se refere aos critérios que as pessoas externas ao grupo podem tentar utilizar para julgar entre dois ou mais experts [...]” e complementa que “ [...] o que consideramos como o melhor método de julgamento baseado em metacritérios – avaliar a experiência desses experts”. Ao analisarmos esta Tabela de Expertises conclui-se que, nem todas as pessoas possuem as mesmas expertises , assim como é impossível desenvolver expertise em todas as áreas técnicas especializadas, entretanto, percebe-se que toda expertise humana é consolidada no conhecimento tácito. METODOLOGIA O levantamento de dados para a elaboração desta pesquisa foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica. Para a revisão bibliográfica foram utilizadas como referencial as fontes primárias, mas também se fez uso das fontes secundárias como escopo de contribuições que pudessem complementar e delimitar o foco sob os autores citados. A pesquisa ocorreu por meio de uma minuciosa leitura das fontes primárias com enfoque crítico e sistemático, por meio de fichamentos, resenhas, catalogação e pesquisas de periódicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho em questão pretende demonstrar o papel do conhecimento tácito no empreendimento de expertises, haja vista, que o reconhecimento de expertises é caracterizado apenas pelo viés do aspecto linguístico, formalizado e institucionalizado. Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 8 Desta forma, buscou-se apresentar a nova configuração do desenvolvimento de habilidades por meio da socialização. De acordo com os estudos de Collins & Evans (2011), as expertises são empreendidas e compartilhadas por meio da interação social. Sendo assim, observa-se que os hábitos, costumes e crenças que são instituídos na sociedade, em grande parte resultam da sabedoria popular, que constituem um novo contexto de vida social. Segundo Collins & Evans (2011) há necessidade de repensar a forma de se desenvolver expertises e que o conhecimento tácito adquirido por meio da prática é extremamente relevante. Os autores consolidaram seus estudos acerca do empreendimento de expertises através do conhecimento tácito em uma Tabela Periódica que tem por objetivo classificar e categorizar as diversas modalidades de habilidades desenvolvidas pela interação social que transformam os indivíduos em experts. Neste sentido, este artigo buscou suscitar reflexões acerca da necessidade de fazer uma avaliação sobre as concepções epistemológicas até então institucionalizadas e aponta para a construção de um novo conceito sobre a expertise humana consolidada no conhecimento tácito. Este novo modelo fez emergir algumas indagações sobre a influência da expertise por meio do conhecimento tácito no desenvolvimento do conhecimento científico, e ainda, levantou questões em como identificar as habilidades transmutadas e não transmutadas de forma a explorá-las em sua potencialidade? Quando as metaexpertises são reconhecidas nos indivíduos? Dessa maneira, essa nova concepção de expertise remete a uma série de inquietações a serem exploradas e explicitadas em outro momento que seja propício a continuidade desta pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996. COLLINS, Harry. Mudando a Ordem: Replicação e indução na prática científica. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2011. Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014 9 COLLINS, Harry & EVANS, Robert. Repensando a Expertise. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 23.ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. MARCONI, Marina de Andrade & LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 6.ed.São Paulo: Atlas, 2007. SCHATZKI, Theodore. et al. The Practice Turn in Contemporary Theory. Taylor & Francis eLibrary, 2005. Revista Acadêmica Eletrônica Sumaré 8ª e 9ª edições - ano 2014