Departamento de Economia METAS PARA A INFLAÇÃO, INTERVENÇÕES ESTERELIZADAS E SUSTENTABILIDADE FISCAL Aluna: Beatriz Machado Ribeiro Orientador: Márcio G. P. Garcia Introdução Apesar de transcorridos cinco anos desde a eclosão da crise financeira mundial iniciada nos Estados Unidos em 2008 e de passados os piores momentos desta, as principais economias do mundo permaneciam em recuperação no ano de 2013. As economias norteamericana e europeia permaneciam frágeis, evoluindo em ritmo mais lento do que se esperaria. O crescimento econômico mundial era principalmente alavancado pela China e sua expressiva demanda por commodities, aumentando aceleradamente a demanda por esses bens. Entretanto, mesmo a evolução chinesa mostrava-se menos pujante. Considerando a grande relevância das commodities na economia brasileira, o cenário descrito gerou inicialmente um quadro de superaquecimento da economia, no entanto, apesar da mudança do país em relação ao início da crise, as políticas adotadas não pareciam ter se alterado muito. Medidas de expansão fiscal e redução dos juros, que demonstravam limitada preocupação com a inflação, continuam a vigorar, levando a taxas de inflação altas e crescentes. Mas o jogo parece ter virado e o crescimento econômico brasileiro deixou bastante a desejar, com o pífio crescimento do PIB de 1% em 2012 e de 2,5% em 2013. As altas taxas de juros pagas pelos títulos da dívida soberana do Brasil e as boas perspectivas para o desempenho da economia brasileira nos próximos anos tornaram o Brasil um grande destino para o volumoso excedente de liquidez presente nos mercados financeiros internacionais no contexto pós-crise. Esses fluxos pressionaram para baixo a taxa de câmbio, isto é, tornaram o real mais caro e o dólar mais desvalorizado. A consequência de tal apreciação é que produtos brasileiros se tornam menos competitivos no mercado internacional, e por outro lado, produtos importados chegam mais baratos, prejudicando a indústria nacional. Assim, as autoridades brasileira reagiram ao quadro econômico descrito adotando duma série de políticas para simultaneamente conter a apreciação cambial e o desvio da meta de inflação. Como resultado de tais políticas, juntamente às perspectivas de melhora a cerca das condições da economia norte-americana, o Real vem se desvalorizando cada vez mais. Além disso, a inflação crescente também obrigou o Banco Central a elevar juros. Objetivo Estudar o quadro macroeconômico brasileiro em 2013 a partir de dados e gráficos obtidos e formulados, enfocando na política monetária adotada como reação aos fluxos de capitais que se intensificaram no pós-crise. Mais especificamente, um dos focos de nossa pesquisa é mostrar, através de evidências empíricas e teóricas, que a adoção da prática das intervenções esterilizadas da maneira como vem sendo feita, na qual a taxa de juros e não a base monetária é restaurada após uma intervenção utilizando as reservas de moeda estrangeira (tipicamente dólar), pode ter efeito expansivo sobre a demanda da economia. Intervenções esterilizadas A abundância de liquidez existente no mercado financeiro internacional, aliado às perspectivas de bom desempenho econômico de alguns países emergentes tem gerado um Departamento de Economia fluxo intenso de capital para os mesmos. Esse fluxo de entrada de divisas tem causado uma forte pressão para valorização do real. Algumas dessas economias, a fim de impedir a apreciação nominal de suas moedas em decorrência da grande entrada de divisas, têm recorrido a intervenções no mercado de câmbio. Essas intervenções são chamadas de intervenções esterilizadas, pois a compra de câmbio, e consequente expansão da base monetária, é compensada pela venda de títulos públicos em operações de mercado aberto. Seguindo uma política monetária de metas para a taxa básica de juros, o Banco Central vende títulos, contraindo a base monetária, até que seja restaurada a taxa de juros inicial. A efetividade das compras esterilizadas de câmbio na manutenção de uma taxa de câmbio favorável é discutível e o custo dessas operações é muito alto, sendo, portanto, um assunto controverso entre economistas. Porém, é de comum acordo que elas são neutras no que se refere à oferta de moeda. Ou seja, não alteram, teoricamente, a base monetária O gráfico seguinte mostra, em azul, a taxa de câmbio realizada e, em cinza, a posição dos investidores no mercado futuro de dólar. Pode-se inferir que existe uma acentuada mudança na posição dos investidores, isto é, grande entrada de dólares no Brasil, ao mesmo tempo que em que se dá a apreciação do Real. até meados de 2012 No entanto, a partir dessa data, essa tendência é revertida, e a moeda brasileira passa a sofrer uma depreciação, reduzindo os fluxos de entrada no Brasil Como resposta a esse movimento de forte apreciação cambial e ao já citado superaquecimento da economia brasileira, o governo adotou algumas medidas de controle de capital. A pesquisa também pretende avaliar os efeitos da adoção desses controles sobre variáveis macroeconômicas relevantes. Os controles começaram a ser revertidos quando a economia começou a perder fôlego. Inclusive, é possível que os controles de capital adotados tenham contribuído para a já mencionada considerável depreciação do real em 2012. 15,0 12,0 9,0 6,0 3,0 0,0 -3,0 -6,0 -9,0 -12,0 -15,0 Bilhões de Dólares Reais / Dólar 2,55 2,50 2,45 2,40 2,35 2,30 2,25 2,20 2,15 2,10 2,05 2,00 1,95 1,90 1,85 1,80 1,75 1,70 1,65 1,60 1,55 Posição dos Investidores Estrangeiros no Mercado de Dólar Futuro Posição dos Investidores Estrangeiros (Bilhões de Dólares) Taxa de Câmbio (Reais por Dólar) O gráfico abaixo, com dados retirados do site do Banco Central do Brasil, mostra a expansão que tem ocorrido na base monetária e a compra de moeda estrangeira que se dá quando são feitas intervenções esterilizadas. No ano de 2010, a base monetária cresceu 25%, ou 40 bilhões de reais, para uma taxa de inflação de 6% e uma taxa de crescimento do PIB de 7,5%. Já a compra de moeda estrangeira totalizou quase que 80 bilhões de reais no Departamento de Economia mesmo período, o que explica parcialmente o enorme aumento em moeda, embora outras operações do Banco Central também devessem ser consideradas. A partir de 2011, por sua vez, quando as operações do setor externo começam a cair, o crescimento da base monetária também se reduz. O gráfico serve de evidência de que a nossa hipótese é plausível. 140,00 120,00 100,00 80,00 Base Monetária e Operações do Setor Externo (BRL bi) Medidas Macroprudenciais Dez/2010 60,00 40,00 20,00 0,00 -20,00 -40,00 Base Monetária - M0 280 260 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 Operações do Setor Externo - Acumulado em 12 meses Fonte: BCB O próximo gráfico mostra o comportamento da média dos juros no Brasil (custo de se obter crédito) e do total de crédito no mercado a partir de 2009. Ele não comprova a hipótese de que intervenções esterilizadas possam ser expansivas, mas também serve como evidência de que a hipótese é plausível. Fonte: BCB Departamento de Economia Nos últimos meses de 2009 e ao longo de 2010, quando os piores efeitos da crise, no Brasil, já haviam passado, verifica-se uma grande expansão do crédito. Porém, a partir do fim de 2009, os juros mudam sua trajetória, antes de queda, permanecendo relativamente estáveis. Como existe uma forte relação entre a taxa básica de juros (Selic) e o custo de se obter crédito, vemos que, sob um regime de metas para taxa de juros, utilizado pelo Banco Central na esterilização de intervenções no mercado de câmbio, o crédito continua se expandindo: sinal de uma economia em expansão. Através de um modelo teórico do tipo IS-LM que utiliza maior variedade de ativos (títulos e empréstimos) que o tradicional, fazemos uma hipótese de que o aumento das reservas bancárias decorrente da intervenção no mercado de câmbio tem efeito, não só sobre a demanda por moeda, mas também sobre a demanda por bens e serviços. Ou seja, para qualquer taxa de juros, a demanda por bens e serviços será maior. Isso significa que igualar os juros à meta para a taxa de juros não será suficiente para neutralizar o efeito expansivo que a compra de divisas teve sobre a demanda interna da economia. Esse resultado é de fundamental importância no contexto econômico brasileiro atual, no qual Banco Central tem utilizado largamente o mecanismo de intervenções esterilizadas, sendo capaz de explicar, em parte, o crescimento assustador da oferta de moeda na economia brasileira até 2012. Regime de Metas para Inflação A importância de se verificar se intervenções esterilizadas têm, realmente, efeitos expansivos sobre a demanda agregada consiste no fato de que o Banco Central estaria estabelecendo uma meta para a taxa básica de juros abaixo dos juros necessários para conter a inflação, dado o regime de metas para a inflação. Destacando apenas a inflação acumulada nos últimos 12 meses e as expectativas para os próximos 12 meses no gráfico abaixo, podemos perceber que sistematicamente estão acima da meta de inflação, de 4,5% e inclusive, estourando o teto da meta, de 6,5% em alguns momentos. Expected Deviation from the Target 9,00% 13,00% 12,00% 11,00% 10,00% 9,00% 8,00% 7,00% 6,00% 5,00% 4,00% 3,00% 2,00% 1,00% 0,00% -1,00% Expected Devianton from Target 8,00% 7,00% 6,00% 5,00% 4,00% 3,00% 2,00% 1,00% 0,00% -1,00% Expected Inflation 12 months ahead Target for 12 months ahead Departamento de Economia Além disso, pode-se perceber as expectativas de inflação estão consideravelmente acima do centro da meta, reflexo da credibilidade comprometida do Banco Central. Trata-se de uma realidade muito preocupante para a economia brasileira, e que se estende ao momento estudado, que já tem uma meta alta e bandas largas para a taxa de inflação. É preciso lembrar que altas taxas de inflação têm efeitos muito negativos sobre a economia causando vastos prejuízos. Sustentabilidade Fiscal Mais uma preocupação que surge na discussão sobre intervenções no mercado de câmbio é a das reservas cambiais. É certo que reter algum montante de reservas possui uma série de benefícios econômicos, por exemplo: um “colchão” contra ataques especulativos à taxa de câmbio. Contudo, o volume de reservas que o Brasil tem acumulado como resultado das freqüentes intervenções cambiais que o Banco Central tem feito parece ser excessivo. O gráfico abaixo demonstra que as reservas até 2012 estavam acima do patamar de 9% do PIB. Além do diferencial dos juros brasileiros e internacionais já citado, existe também a questão de que o governo brasileiro subsidia em larga escala o crédito fornecido por bancos de fomento ao desenvolvimento, por exemplo, o BNDES, que fornece crédito com base na TJLP. A discussão sobre que tipo de crédito é o mais adequado para sustentar o desenvolvimento econômico brasileiro não vem ao caso neste documento, porém é importante ressaltar que é o já sobrecarregado governo federal que arca com o prejuízo advindo deste diferencial de juros. A melhor forma de se observar os verdadeiros juros pagos sobre a dívida líquida (passivo menos ativo) é a taxa de juros implícita. Ela leva em consideração não apenas a taxa básica de juros, mas também outros fatores que aumentam o pagamento de juros. O gráfico abaixo, com dados do Banco Central, contem a taxa SELIC e a taxa de juros implícita. O fato de a taxa de juros implícita estar muito acima da taxa básica de juros é uma forte evidência de que as reservas internacionais estão em patamares excessivamente e que o crédito subsidiado pelo governo ocupa uma parcela maior do que o adequado sobre a oferta total de crédito. Departamento de Economia % a.a. Taxa de Juros Implícita da Dívida Pública Líquida Acumulada em 12 meses X Mensal (Anualizada) X Taxa Selic 30% 25% 20% 15% 10% 5% Taxa de juros Implícita Taxa de Juros Selic Over Taxa de Juros Implícita Acumulada Em 12 meses Fonte: BCB Conclusão O quadro econômico global da recuperação nos países desenvolvido gerou diferentes consequências para a economia brasileira. Primeiro, o real passou por uma apreciação cambial, e ao mesmo tempo, observou-se, uma tendência inflacionária decorrente do superaquecimento econômico. A reação das autoridades em relação à política monetária foi a de relaxamento dos juros, que claramente se encontravam em um patamar inferior àquele que seria necessário para controlar a inflação. A partir de meados de 2012 e durante o ano de 2013, entretanto, o câmbio passou a ser uma fonte de preocupação e o Banco Central se esforçou durante o ano de 2012 para mantê-lo acima de R$/US$ 2,00. Com as melhores perspectivas em relação a economia americana, e a possibilidade de uma reversão do ciclo de política monetária, já anunciada no período posterior ao que a pesquisa se refere, o início do ano de 2013 foi marcado por uma forte depreciação do Real. Enquanto isso, a inflação continua preocupante, e o governo por muito permaneceu relutante em tomar as medidas necessárias para contê-la, visto o quadro de fraco crescimento econômico. Finalmente, quando o quadro inflacionário se mostrou insustentável, e com a credibilidade bastante em comprometida, o Banco Central decidiu elevar a Selic a partir de abril de 2013. Portanto, o desafio maior do governo agora é restaurar sua credibilidade, pois nos últimos anos, as medidas adotadas apontaram ou para uma incapacidade do governo de controlar a inflação, ou para a falta de disposição de se sacrificar algum crescimento em nome do controle inflacionário. Referências bibliográficas Bernanke, B. and A. Blinder, 1988. Credit, Money, and Aggregate Demand, American Economic Review, Maio.