I Congresso Internacional de Estudos do Discurso - USP/2014 Mesa temática: Dispositivos enunciativos: entre razão e emoção Publicidade de cigarros em perspectiva temporal: as tópicas patêmicas da alegria e da tristeza Rosane Monnerat (UFF) Considerações iniciais • Comunicação > várias linguagens> linguagem das palavras (verbal) • Palavras em estado de dicionário: não provocam sentimentos, reações, sensações, não nos comovem. • “Palavras só se tornam significativas no discurso” (ARAÚJO, 2004, p. 26). • “Discurso” como um acontecimento protagonizado por um enunciador e um ou mais destinatários numa dada situação, que inclui o momento histórico e o espaço social (AZEREDO, 2000, p. 34-35), • Foco: discurso da publicidade, partindo do pressuposto de que há uma estreita relação entre a linguagem das emoções e a linguagem publicitária. Apresentação • Para esta amostragem, foram selecionadas duas peças publicitárias, de épocas diferentes, que evocam o tema da propaganda de cigarros, sob prisma antagônico: “Fumar é bom”/ “Fumar faz mal”. • A primeira peça é da década de 60 (século XX) e a segunda, da atualidade. • Análise: efeitos patêmicos desencadeados no públicoalvo, responsáveis pelo desvelamento de ideologias, imaginários sociodiscursivos e estereótipos subjacentes a essas reações emocionais. Quadro teórico • Ponto de vista de uma análise do discurso: o estudo da emoção não pode ser focado naquilo que os sujeitos efetivamente sentem, mas no que a linguagem traz em si mesma: o signo de uma coisa que não está nela, mas da qual é portadora > visada de efeito, instaurada por categorias de discurso e complementada por uma teoria do sujeito e pela situação de comunicação (Charaudeau, 2010, p. 26-33). • Três pontos essenciais: as emoções são de ordem intencional, ou seja, originam-se de uma “racionalidade subjetiva” (CHARAUDEAU, 2007, p. 240), tendo, portanto, uma base cognitiva – racional; são ligadas aos saberes de crenças (qualquer modificação de uma crença leva a uma modificação de emoção); inscrevem-se em uma problemática de representação psicossocial. As emoções no discurso • Patemização: engloba tudo o que se refere a sentimento (noção mais ligada à ordem da moral), paixão, emoção (noção mais ligada à ordem do sensível) e derivados. • Dois níveis de análise: o nível do enunciado e o nível da enunciação. o Nível do enunciado: abordam-se as manifestações materiais de estados emocionais, sejam essas manifestações de ordem lexical, sejam de ordem fônica ou morfossintática; o Nível da enunciação: considera-se o modo como as emoções incidem na construção de sentidos do processo. O sujeito un être de passion • O sentido da enunciação não se esgota na estrutura do enunciado: é preciso considerar, no evento enunciativo, a existência das circunstancias históricas (espaço/tempo) que o engendraram. • A enunciação é transposta pelo enunciado, sendo essa transposição da ordem do “sentimento” (H. Parret,1986, p. 150). • Conclusão: a interpretação de qualquer enunciado implica a projeção de uma cena enunciativa cujo sentido extrapola os limites da estrutura puramente linguística. Tópicas do pathos (Patemias) • • • • • Tópica da “dor” e seu oposto, a ”alegria”; Tópica da “angústia” e seu oposto, a “esperança”; Tópica da “antipatia” e seu oposto, a “simpatia”; Tópica da “atração” e seu oposto a “repulsa”, além de outras figuras, como o “desprezo”, o “desgosto”, a “aversão” e a “fobia”. Discurso publicitário • No caso do discurso da publicidade, na grande maioria das vezes, é ativado o universo das “tópicas” da “felicidade” e do “prazer”. • Em relação à temática da propaganda de cigarros, os efeitos patêmicos se contrapõem entre o ontem e o hoje . O ontem: “A Terra de Malboro” As tópicas do prazer - Imagens: emergência de sensações /emoções positivas em sintonia com o “contrato de comunicação” do discurso publicitário; - Cenografia: no nível da enunciação, respaldada no nível do enunciado - relação de complementaridade entre texto verbal–visual; - Seleção lexical precisa, ajustada a outros elementos, arregimentados pelo texto visual: prevalência de cores quentes, desde os amarelados aos tons de vermelho, em sintonia com o aspecto histórico-geográfico da retratação do oeste americano terra dos cowboys; - Interação entre os seres humanos: todo locutor pretende influenciar seu interlocutor para levá-lo à ação, para orientar seus pensamentos ou para emocioná-lo por meio de estratégias de persuasão ou de sedução; - Discurso publicitário, por sua natureza eminentemente alocutiva (CHARAUDEAU, 2008): campo privilegiado para a disseminação e atuação dessas estratégias; - Levar à ação significa comprar o produto e desfrutar do prazer do cigarro; Quem sabe, se nesse jogo de realidade/ilusão, desencadeado pela publicidade, a ilusão possa falar mais alto, levando o consumidor a “viajar” para a “terra de Malboro” e, ao mesmo tempo, adquirir as qualidades viris dos cowboys retratados? O hoje: o mundo da morte? O cigarro: o grande vilão • - Sociedade contemporânea: apologia à vida saudável, o cigarro começa a aparecer como um grande vilão, já que é o causador de doenças e o responsável direto (segundo estudos médicos) pela morte de milhares de fumantes; • - A “negação da morte” é uma característica do nosso tempo (Castells 2005, p. 54); • - Por estarmos tão perto de desvendarmos os segredos da vida, duas tendências se difundem da medicina para a sociedade: a luta até o fim e a prevenção obsessiva; • - Nessa esteira de pensamento: campanhas antitabagistas promovidas, inclusive, pelo Governo Federal, que, ao interpretar a embalagem de cigarro como um espaço publicitário, determina que se coloquem, no verso dessas embalagens, fotos chocantes para alertar à população sobre os malefícios do cigarro, já que nas embalagens está presente “uma razoável quantidade de vozes” (POSSENTI, 2009, p. 40); - As “embalagens fazem parte da personalidade do produto”, pois passam valores e sensações (CAVALCANTE, 2005, p. 292.), despertando emoções. Pode-se falar do pathos (da trilogia aristotélica logos/ethos/pathos) como transbordamento emocional. A “dramatização” • Patemização no discurso da publicidade: estratégia de captação, que consiste em seduzir ou persuadir o interlocutor, provocando nele certo estado emocional. • Tais estratégias visam a emocionar o sujeito interpretante por meio de procedimentos destinados a evocar os imaginários emocionais. • O sujeito comunicante pode escolher três tipos de atitudes discursivas: a atitude polêmica, a atitude de sedução e a atitude de dramatização. • Na dramatização: descrevem-se fatos que concernem os dramas da vida, por meio de analogias, comparações, metáforas etc. A maneira de contar apoia-se largamente em valores afetivos socialmente compartilhados, pois se trata de fazer sentir certas emoções, procurando-se despertar, no consumidor, uma identificação (ou empatia) coma a situação apresentada no drama relatado. • Nas peças em análise: à vista das imagens associadas à morte e aos horrores das doenças, surgem reações emocionais, como de pavor, medo, aversão, insegurança - sensações essas passíveis de despertarem a reação esperada/projetada pela campanha publicitária - o abandono do vício. • A parte visual, ampliação da verbal, é bem trabalhada, com o detalhamento nefasto das consequências do fumo no organismo humano. Conclusão - Grande maioria dos textos já analisados, no corpus da pesquisa: preponderância das patemias (ou tópicas do pathos) positivas – da felicidade e do prazer. Paralelamente, por conseguinte, as tópicas referentes ao universo da tristeza e da dor se apresentam em menor escala. - Exemplo dessa minoria: campanhas de propaganda contra o fumo, que, via de regra, são veiculadas nos maços de cigarro, apresentando imagens chocantes de pessoas vitimadas por doenças, como o câncer de pulmão. A patemização provém, aí, do eco que esse espetáculo do sofrimento individualizado pode encontrar no público-alvo e, nesse caso, articulam-se o espaço público e o privado. O aparecimento do privado no espaço público terá, então, como consequência, o desvelamento do que está guardado por trás da fachada social. Nas duas peças publicitárias analisadas: os efeitos de patemização se distribuem nessa polaridade positiva/negativa, em espaços temporais distintos, mas em relação ao mesmo produto anunciado. Do foco nas qualidades do produto – Malboro – as quais o singularizam numa aura de felicidade, aventura e poder – passa-se ao outro extremo, do estranhamento, angústia, medo – valores centrados mais nos indivíduos que na marca. Observa-se, portanto, a confirmação de hipótese inicial, segundo a qual ao longo do tempo – século XX a XXI – vem ocorrendo uma transição de foco na avaliação do produto: do foco no produto (qualidades intrínsecas) está-se passando ao foco nos valores sócio-ideológicos veiculados pela marca, os quais desencadeiam efeitos patêmicos diversos. Referências • • • • • • • • • • • • • • ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofía da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da gramática do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2000. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991. BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral II. Campinas/SP:Pontes, 1989. CASTELLS, M. A sociedade em rede. 8ª Ed., São Paulo:Paz e Terra. CAVALCANTE, T. M. O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios. Revista de psiquiatria clínica. São Paulo, vol 32, no, 5, setembro/outubro 2005. Disponível em http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n5/283.html. Acesso em 21 de abril de 2013 CHARAUDEAU, Patrick. A patemização na televisão como estratégia de autenticidade. In: MENDES, Emilia; MACHADO, Ida Lucia (orgs.) As emoções no discurso, volume II. Campinas/SP; Mercado de Letras, 2010. ______Linguagem e discurso – modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008. ______. Pathos e discurso político. In: MACHADO, Ida Lúcia; MENEZES, William; MENDES, Emília. As emoções no discurso, volume 1. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. 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