0 FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Luiz Fernando Campos Barbosa ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE Pará de Minas 2014 1 FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Luiz Fernando Campos Barbosa ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE Trabalho apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas (FAPAM), segundo avaliação semestre parcial de 2014, da disciplina Metodologia da Pesquisa Jurídica. Professora: Ana Paula Santos Diniz Pará de Minas 2014 como 2 Luiz Fernando Campos Barbosa ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE Trabalho apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas (FAPAM), segundo semestre de 2014, como avaliação parcial da disciplina Metodologia da Pesquisa Jurídica. Aprovada em ____/____/____ ________________________________________ Ana Paula Santos Diniz ________________________________________ (título e nome do professor examinador) 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................5 2 DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA MODERNIDADE...............................................................................................................7 2.1 As Escolas Penais ....................................................................................................7 2.1.1 A Escola Clássica ....................................................................................................7 2.1.2 A Escola Positiva....................................................................................................12 2.2 Defesa Social...........................................................................................................15 3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS SOBRE A PENA DE MORTE ....................................21 3.1 Os Princípios Elementares da Defesa Social.......................................................21 4 A POSSIBILIDADE DE APLICAR A PENA DE MORTE NO BRASIL EM ESTADO DE DIREITO COMO FORMA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE.................................26 5 CONCLUSÃO..............................................................................................................29 REFERÊNCIAS...............................................................................................................29 4 RESUMO O referido trabalho dedica-se a entender a aplicabilidade e eficiência do instituto da pena da morte como ferramenta da tutela social, a partir da fixação dos elementos históricos do instituto, realizada de acordo com o estudo das Escolas Penais, e da concepção de seus maiores expoentes, como a explicação de seus elementos teóricos, ao norte dos princípios que baseiam o Sistema Penal. Junto com os elementos doutrinários analisados na parte inicial do trabalho e os fundamentos da realização do instituto na prática, será plausível resolver a problemática a respeito da aplicação da pena capital de modo eficaz de defesa social em combate à criminalidade. Palavras-chave: Pena de morte. Criminalidade. Alternativa. 5 1 INTRODUÇÃO O assunto “pena de morte” é polêmico. Este trabalho tem por objetivo estudar os argumentos históricos e teóricos desse instituto como forma de defesa da sociedade, e também analisar a sua aplicação nos Estados Unidos da América e eventual possibilidade de aplicação do Brasil, para apontar até onde é possível falar em eficácia da medida, como forma de reduzir a criminalidade. Para tanto, o capítulo um discorreu sobre os princípios históricos da pena capital, de acordo com o estudo das Escolas Penais Clássicas e Positiva, e também a defesa social como justificativa da existência da pena. O estudo das Escolas Penais é feito por uma aproximação da obra de Cesare Beccaria, que foi pioneiro da Escola Clássica, com opiniões e idéias desfavoráveis à violência demasiada das penas aplicadas na Idade Média, inclusive à pena capital, onde mostra inúmeras razões no enfoque de mostrar sua ineficácia. Mas, este autor a defende nos episódios instáveis para a ordem social, ou seja, situações de risco à paz social de uma Nação, e também nas situações onde ela seja a excepcional forma capaz de deslocar a pessoa do cometimento de infrações penais. Depois, mostrou-se o estudo da Escola Clássica com seus autores. Observou-se que essa Escola entende o crime como um ente jurídico, inspirando-se no direito natural, utilizando o procedimento dedutivo, acredita que o delito é o resultado do desejo livre e da liberdade de almejar a consequência do ilícito cometido, pois age conforme seu livre-arbítrio, discernimento e consciência. A Escola vai, portanto, estudar o crime como entidade jurídica, por se tratar do problema mais grave da criminalidade. No entanto, a Escola Positiva, se utiliza do método indutivo ou positivo para analisar os delinqüentes, de acordo com sua morfologia e psicologia. Imaginavam que analisando e observando os criminosos poderiam descobrir características semelhantes e comuns, e que através da identificação dessas características poderiam segregar mais transparentemente aqueles que as tivessem, observando e encontrando, assim, a origem da criminalidade e tentando controlá-la. Mediante esse entendimento, os dominadores da Escola Positiva vão substituir a imagem do livre-arbítrio por uma ciência da sociedade, com o intuito de investigar 6 cientificamente a motivação dos crimes, facilitando a “luta” contra a criminalidade. O delito não será mais um ente jurídico e passará a ser um fato social, praticado por um indivíduo que mostrará sua conduta anti-social e sua personalidade perigosa e desequilibrada, sendo, portanto, incorrigível. Sendo assim, a pena de morte se torna um tratamento característico dessa Escola e de seu paradigma de defesa social. Depois de observados os fundamentos históricos da pena de morte passou-se à análise dos elementos teóricos do instituto. Os princípios que norteiam o Sistema Penal são: o Princípio do Bem e do Mal, que analisa o crime como um perigo social e o criminoso como um fator negativo e disfuncional do sistema; o Princípio da Legitimidade, onde o Estado é a fisionomia da sociedade, agindo, no entanto com legitimidade em defesa social; o Princípio da Culpabilidade, onde o crime é a expressão e o semblante da atitude interior criticável de seu autor; o Princípio da Igualdade, que reza que o Direito Penal é igual para todos, e o comportamento penal é usado a todos os delinquentes de forma igualitária; o Princípio da Legalidade, que certifica que o Estado é autolimitado pelo Direito Penal no exercício de sua função de punir; o Princípio do Interesse Social e Delito Natural, que reza que os tipos penais são desobediências dos interesses e obrigações próprias de todo o meio social, e finalizando, o Princípio da Finalidade ou Prevenção, que mostra que a pena não tem o objetivo de compensar o crime, mas somente de prevenir novos delitos. Porém todos estes princípios não serão aceitos pela Criminologia Crítica, ou seja, uma série de levantamentos vai rejeitar a todos, mostrando que o Sistema Penal não atua em conformidade com os eles. Por fim, realizou-se um estudo e levantamento de caso sobre a pena capital nos Estados Unidos da América, para verificar se o Sistema que apresenta o instituto está exercendo conforme os seus elementos teóricos ou está operando de modo seletivo e rotulante, dispensando os Princípios em que deveria se nortear. Por isso, examinou-se examinado o funcionamento da pena, bem como suas atribuições, ao longo dos anos de 1993, 1996, 1999 e 2002. Em decorrência do estudo dos princípios e fundamentos históricos e teóricos da pena capital, em análise com seu real mecanismo de funcionamento, é que se conseguiu tratar da eficácia da medida, finalidade deste trabalho. 7 2 A DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA MODERNIDADE Neste capítulo serão vistos os princípios históricos da pena capital, de acordo com o estudo das Escolas Penais Clássicas e Positiva, e também a defesa social como justificativa da existência da pena. 2.1 As Escolas Penais O estudo das Escolas Penais é feito por uma aproximação da obra de Cesare Beccaria, que foi pioneiro da Escola Clássica, com opiniões e ideias desfavoráveis à violência demasiada das penas aplicadas na Idade Média, inclusive à pena capital. 2.1.1 A Escola Clássica É de longa data a aplicação do instituto da pena capital contra o ameaçador da paz social. Na Idade Média, o sistema penal garantia aos criminosos execuções públicas regadas com uma violência exagerada1, com direito a fogueira, retalhamento, enforcamento estrangulamento e guilhotina, e vários outros2. O violento sistema de punição do feudalismo é criticado por Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e das Penas, onde o autor propõe uma reforma penal, com a humanização do Direito Penal, analisando também a aplicabilidade da pena de morte. Na referida obra, o autor traz a ideia de uma reforma judiciária, com a racionalização das penas e do processo, abominando as penas corporais, a tortura e também a pena de morte. Para ele cada pessoa deveria ser responsável por suas atitudes, seguindo seu livre-arbítrio em perfeita harmonia com o Contrato Social, que era a soma das vontades e interesses da população. Isso porque, na época cada pessoa cederia uma parcela de sua liberdade para um “depósito público” e a soma dessas porções mínimas é que daria o direito de punir Sendo assim, quem se acostumasse com o sistema de Estado 1 2 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988, p. 21-22. PINTO FILHO, Edison. Pena de Morte: A possibilidade jurídica da aplicação da pena de morte no Brasil 8 baseado no Contrato, teria sua liberdade e convivência social assegurados pelo Estado. Foi no Contrato Social que Beccaria encontrou fundamento e legitimidade para as penas e para o direito de punir, pois achava que “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade. [...] A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir”3, ou seja, o direito de punir teria seu requisito na ideia do contratualismo, justamente para preservar a nova ordem social predominante, daqueles que não se adequavam a ela, devendo ser punidos, pois a sociedade legitimou o Estado para tal. Sobre a pena, Beccaria acreditava que deveria ser imposta pelo Estado como punição pela ameaça à harmonia e ao Contrato Social e que ela deveria ser proporcional ao dano4. Essa proporcionalidade entre as penas e os delitos seria necessária, pois a finalidade das leis não é apenas punir os delitos, mas também evitar que os crimes mais severos sejam os de maior número5. Para os crimes graves, punições mais severas, havendo assim um nexo quantitativo entre o crime e a pena, pois se dois atos ferem desigualmente a sociedade, e recebem a mesma punição, não haveria razão para o criminoso escolher o menos grave6. Ele atribuía à pena a finalidade preventiva, que impedisse o aumento da criminalidade. Era, portanto, seguidor da concepção da Teoria da Prevenção Geral Negativa, que tem como finalidade a intimidação do delinquente, para impedi-lo de praticar o delito, ou reincidir. Condenava veementemente a pena de morte, com exceção nos casos de anarquia ou guerra, casos em que a nação fica a ponto de perder ou recuperar sua liberdade, ou em épocas de confusão, conflito interno, onde um cidadão ameaça a segurança pública, podendo atrapalhar o governo atual. Para ele, a aplicação da pena capital não expressava a redução do número de crimes, pois acreditava que o indivíduo resiste à violência das dores extremas e rápidas mais facilmente do que as pequenas dores, porém constantes. Portanto, a pena de 3 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.50. 4 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 23-24. 5 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. I, Tomo I. 4ºed., São Paulo: Editor Max Limonad.p. 59 6 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 59. 9 morte, apesar de severa e extrema, é rápida, e seria para um homem mais fácil suportá-la do que uma pena perpétua, por exemplo, onde o pesar é longo e constante7. Também condenava a violência usada nos castigos impostos nos séculos anteriores, como suplícios e mutilações8. A pena, deveria se encontrar prevista na lei como modo de advertir as pessoas que pudessem cometer delitos9, e seria justa aquela pena que tivesse o rigor certo para tirar de rota os indivíduos dos crimes 10. Assim, a pena perpétua seria a mais certa para impedir os delinquentes de delinquir, pois ela teria todo o temor necessário para isso, visto que, para ele, o indivíduo resiste mais às angústias rápidas e passageiras, do que as contínuas11. Nesse contexto, Beccaria vai se nortear pela imposição de segurança individual contra a arbitrariedade do Poder Punitivo, além de empenhar-se com “a fixação de um regime estrito de legalidade [...] que impossibilite toda a incerteza do poder punitivo, no mesmo instante em que incentive a sua humanização e instrumentalização utilitária 12”. Com suas visões inovadoras e projetos contra a crueldade das penas, Beccaria, dividiu o Direito Penal em antes e depois de seu livro Dos Delitos e das Penas. Muitos doutrinadores, como Rossi, Carmignani, Carrara e Romagnosi seguem seus estudos e concepções, ampliando, complementando e fortalecendo sua obra, sendo fundado nesse contexto, ao final do século XVIII, no período Iluminista13, a Escola Clássica. Giovanni Domenico Romagnosi (1761 a 1835) era um jusnaturalista e compreendia que o Direito Penal seria o direito de defesa, buscando a defesa social e não somente a defesa individual, tendo como propósito eliminar o cometimento de delitos. Para ele o Direito não dependia dos acordos humanos. Tinha consciência que a sociedade se defendia do delito por meio da pena, pois ela impedia novos delitos, sendo, portanto, equivalente ao impulso criminoso e não ao dano ocasionado14. Giovanni Carmignani (1768 a 1847), era também um jusnaturalista, diferenciava 7 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24. 9 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24. 10 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.35. 11 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34-35. 12 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.50. 13 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.45. 14 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000, p.161-162. 8 10 o Direito Natural do Direito Político e também diferenciava a Moral do Direito. Para esse pensador, a pena deveria ter feição preventiva, com intuito de defesa, e não feição punitiva, ou retributiva. O Direito Penal seria uma necessidade da exigência de preservação da sociedade15. Pelegrino Luiz Eduardo Rossi (1768 a 1847) compreendia que a pena tem poder educacional, agindo de modo corretivo, sendo modo de utilidade social. A pena existiria para punir o delinquente e para que ele não voltasse a cometer crimes16. Francesco Carrara (1805 a 1888) definia o delito como um ente jurídico, como uma infração e não como uma ação, um ente de fato que analisaria em todos seus pontos de vista e resultados. Para Carrara, o crime é um ente jurídico, pois se mostra na violação de um direito, firmado na Norma Penal incriminadora. Segundo ele, “O delito é um ente jurídico, porque a sua estrutura deve forçosamente consistir na violação de um direito17”. A Escola se guiava no Direito Natural, aplicando em seus estudos o procedimento dedutivo, de lógica abstrata, tendo uma direção político social, em combinação com as solicitações dos direitos do homem. Vai delimitar limites ao direito de punir e prosseguir, desaprovando as penas violentas e a pena capital, reivindicando proteções para as pessoas, tanto no processo quanto no emprego da pena. Para os Classicistas, o crime é o fruto da vontade livre e da liberdade, tanto moral, como a responsabilidade moral, o discernimento, a consciência. O delinquente tem a escolha de querer o objetivo ilícito do ato cometido, mas será responsável, criminalmente e moralmente, em razão do livre-arbítrio preservado pela Escola. Portanto, eles tinham em mente que o delito seria uma violação racional e voluntária da norma penal. O compromisso penal dependeria do compromisso moral, que é exercido por meio do livre-arbítrio, sendo assim, preciso que a vontade fosse livre para que fosse culpável18. Nesse contexto, o objeto da Escola era o delito como entidade jurídica, e, 15 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.162. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.163. 17 CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Tradução por José Luiz V. de A.Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. V.1., p.11. 18 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.55-56. 16 11 terminado o Contrato Social da sociedade com o indivíduo, deveria ser aplicada à sanção penal19. Analisando o delito como entidade jurídica, os classicistas vão analisar o crime abstratamente e realçá-lo como objeto fundamental do problema da criminalidade, não observando a personalidade do criminoso, os elementos sociológicos e antropológicos, com que a Escola Positiva vai se interessar posteriormente20. Mediante isso, em posição contrária direta a Beccaria, é que Ferri argumenta que a Escola consolidou seus estudos no delito e na pena, esquecendo o criminoso e o meio em que ele vive, gerando uma estrutura de normas repressivas21. Porém, a Escola não se encarregou com a análise do criminoso por crer que ele seria um indivíduo igual a todos os outros. O delinquente dos Classicistas seria aquele que, atuando em consonância com seu livre-arbítrio, quebrasse conscientemente a norma legal, fazendo, com que o núcleo de suas investigações fosse o fato-crime, e não o autor do fato22. Os Classicistas decaíram e Ferri acreditava que isso aconteceu porque as ideias da Escola sobre o direito individual em relação ao Estado se ultrapassaram, fazendo-se ocultar a individualidade do criminoso e dando muito destaque à entidade jurídica do delito, a ponto de acreditarem que o criminoso seria uma presa da tirania do Estado, além do método de estudo adotado, o dedutivo, fazer o delinquente ficar esquecido23. Para Ferri a consequência das análises e ensinamentos da Escola foi a crescente progressão da criminalidade e da reincidência, justamente o contrário do que precisa a defesa social contra a delinquência24. Assim, acabou-se a Escola Clássica, pois de acordo com o autor: “não se atentando em conhecer cientificamente a realidade humana e os motivos da criminalidade, não era possível que delas apontassem os remédios adequados25”. 19 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160. 21 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 22 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.58. 23 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36-37. 24 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39. 25 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39. 20 12 2.1.2 A Escola Positiva No século XIX, com a Revolução Industrial, e com o capitalismo dominador, surgiu a Escola Positiva, criada pelos doutrinadores Cesare Lombroso, antropólogo que estuda o homem criminoso, Rafaelle Garofalo, jurista que estuda as funções da nova doutrina, e o já mencionado Henrique Ferri, que estuda o delito como fato social26. A Escola Positiva, aplicando o método indutivo ou positivo, observa e classifica os criminosos, estudando sua morfologia e psicologia, comparando-os com pessoas “normais”, observando por meio disso as causas da criminalidade, sempre sob uma visão naturalista. Analisa os elementos da criminalidade, tanto os físicos como os individuais e sociais, mas sem o aspecto filosófico da Escola Clássica, mas observando uma orientação científica, “cuidava-se de acabar sistematicamente com a metafísica do livrearbítrio e trocá-la por uma Ciência da Sociedade apta a analisar cientificamente os motivos do crime e, com isso, propiciar uma luta científica dirigida a extinguir a criminalidade”. O delito deixa de ser o exercício da conduta descrita na lei, o ente jurídico, e começa a ser “um fato natural e social, realizado pelo indivíduo e causalmente determinado, que demonstra a conduta anti-social de uma dada personalidade perigosa do criminoso”, isso acontece pois a Escola Positiva têm grande quinhão de sua influência originada da Sociologia Criminal Ferriana, e da Antropologia de Lombroso. Com Lombroso (1835 a 1909), antropólogo e médico psiquiatra, e sua obra L’Uomo Deliquente, vai se originar a Antropologia Criminal, “que era a analise das qualidades somáticas dos criminosos”. O instituidor vai analisar, por meio de métodos indutivos, o criminoso, para tentar encontrar as causas do delito, notando que era fundamental, primeiramente analisar o crime como ação humana como fenômeno natural e social, antes de estudá-lo como ente jurídico e infração à lei27. Nesse contexto, suas pesquisas destinavam-se a estudar as constituições orgânicas, fisiológicas e psicológicas do criminoso28. 26 27 28 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.40. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 28. 13 Concluiu que o delinquente era um indivíduo biologicamente inferior, e que por isso não dominava seus impulsos, não sendo responsável por seus atos e não procedendo em conforme com seu livre-arbítrio29. Para Lombroso, o indivíduo criminoso era um delinquente nato, detentor de uma personalidade anormal, com atributos anatômicos particularizados, e características físicas especiais que o impossibilitavam de adequar-se à vida em sociedade, sendo que o delito cometido era uma demonstração dessa anormalidade. O seu tipo antropológico excepcional o fazia tendente ao cometimento do crime, o que fez com que nascessem as medidas de segurança para que o Estado coordenasse esses impulsos30. Ele juntou esses traços anômalos e diferentes aos selvagens, negros, orientais, e com o tempo, esses atributos físicas e/ou comportamentais se pareciam com a porção pobre da sociedade31. Achava-se que os pobres eram o fruto de uma seleção natural, e possuíam uma inferioridade tanto biológica quanto moral32. Surgiu, então, a imagem do suspeito, do “elemento perigoso” e esses vão aos poucos sendo eliminados do convívio social, ficando à margem da sociedade, sendo dignos de atitudes repressivas, que dominassem a porção perigosa e ameaçadora de que passaram a fazer parte, pois o motivo do delito, para Lombroso, vai ser o próprio delinquente33. A Criminologia vai ser muito importante para garantir a preservação da ordem social e da segurança pública da época34. Contudo, os resultados a respeito da inferioridade moral e biológica de certas pessoas só vão evidenciar a desigualdade social e legitimar o poder controlador do Estado sobre esses indivíduos excluídos da sociedade35. No entanto, Rafaelle Garofalo (1851 a 1934), jurista italiano e magistrado, fundador do termo Criminologia (1865), deu consideração às reformas jurídicas que ele considerava que precisavam ser feitas na justiça penal, e gerar o conceito da temibilidade do criminoso, que atualmente chama-se de periculosidade, como critério de 29 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 31 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 32 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29. 33 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 31-33. 34 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 32. 35 DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 33. 30 14 penalidade36. Foi também o motivador pela renovação da Escola, com a concepção de que o delinquente nato não detém uma anomalia orgânica, genética, e sim uma anomalia psíquica ou moral. Sua Criminologia vai analisar o crime, sua natureza, origens e processo, e também, o criminoso e a pena37. Porém, Henrique Ferri (1856 a 1929), fundador da Sociologia Criminal, estimulado por um entendimento sociológico, classificou como causas do delito os fatores individuais (psíquicos e orgânicos), os fatores físicos (ambientais), fatores sociais (ambiente social), e isso acabou conduzindo também a distribuição dos criminosos em loucos, habituais, ocasionais, natos e passionais. Ele enfatizava o caráter preventivo da punição e admitia que a pena deveria reativar o delinquente para convivência em sociedade, além de interpretar que o meio influenciava o indivíduo e seus atos, concluindo que um indivíduo poderia nascer um delinquente nato, porém poderia nunca demonstrar esse caráter se o meio em que vivesse não ajudasse com o seu comportamento. É com a Sociologia Criminal que Ferri estudou o meio (família, profissão, estado, bairro, entre outros), e sua importância nos delinquentes, além da ocupação do território e sua utilização. Nesse enredo, fez-se uma analogia entre a sociedade e um organismo biológico, sendo que, para ele, o delito seria uma má operação dos órgãos desse organismo vivo qualificado por sociedade. Para Ferri, o delito é “o resultado previsível estabelecido por inúmeros fatores (biológicos, sociais, físicos e psicológicos) que ajustam a personalidade de uma minoria de pessoas como socialmente perigosa38”. Diante disso, o autor se encaixou nos moldes da Teoria de Prevenção Especial Negativa39, que tem como objetivo a neutralização do delinquente, tanto pelas medidas de segurança por tempo indeterminado, herança da Escola utilizada até hoje, seja através da pena capital. Portanto, a Escola Positiva é aquela que, sob o enfoque do método indutivo, de análise dos fatos, vai elencar o criminoso nas suas formas antropológicas, biológicas e 36 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.41. GAROFALO, Rafaelle. Criminologia: estudo sobre o delito e a repressão penal. Tradução de Júlio Mattos. 38 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.66. 39 Ver nota nº 8 que trata da forma de punição Prevenção Especial Negativa. 37 15 sociológicas, e vai, por meio de seu autor mais expressivo, Henrique Ferri, acreditar em um delinquente biologicamente e psicologicamente atrasado, arcaico, que tem a disposição para o delito em sua essência, sendo, nesse enredo, irrecuperável. Contudo, o instituto da pena capital vai ser um tipo de intervenção repressiva característica da Escola Positiva, e de seu paradigma de Defesa Social. 2.2 Defesa Social Neste contexto, a Escola Positiva mostra a preocupação com os direitos sociais, esquecendo a ideia do livre-arbítrio argumentada pela Escola Clássica. Mostra a Sociologia Criminal, que é a Ciência da Criminalidade e da Defesa Social contra a própria sociedade, que tem como propósito, achar os motivos do delito, e mostrar as possibilidades de eliminá-lo. Deste modo, “a política criminal de proteção social contra o delito, com o objetivo dirigido para a pessoa criminosa submetida à remoção, regeneração, educação e cura, sob o firmamento do estado perigoso do delinquente”, tem o conceito que o indivíduo que nasce com algumas características está impreterivelmente determinado a efetuar delitos. Nesse enfoque, a sociedade fica igualmente decidida a se defender dos atos contra sua posição normal de existência, mostrando isso por meio da pena, que é um modo de defesa social40. O modo de punir para o autor, primeiramente, vai ter um perfil de prevenção, ou seja, de Prevenção Geral Negativa, afinal “como a prevenção não pode impedir que os delitos se cometam, surge a o desejo necessário da repressão”41, sendo essa, neste contexto, a forma defendida pela maior figura da Escola Positiva de fazer a defesa social de seu período. Do século XVIII ao século XIX, período positivista, ocorreram alterações essenciais no controle dos comportamentos desviantes. Alterações estas, ocorridas em atribuição da passagem do sistema feudal para o sistema capitalista, que atraiu com a nova ordem econômica, modificações relevantes para o Direito Penal. 40 41 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.61. FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36. 16 Com o sistema capitalista, o modo de industrialização e um novo porte do mercado, era importante equilibrar a mão de obra e reprimir o proletariado nascente, e as execuções públicas e violentas do sistema feudal já não seriam mais eficientes.42 “Era fundamental um novo sistema dominante e disciplina para socializar a produtividade e criar uma força de trabalho subordinado e perfeitamente regulado”43. O modo de produção deveria achar a maneira punitiva correspondente às suas relações de produção, e nesse contexto, “o poder no sistema capitalista devia ser exercido com o mínimo de custo possível, e suas consequências deveriam ser intensas e extensas: transmitidos a todas as partes da sociedade”44. Assim sendo, como o sofrimento físico e corporal não formavam mais elementos da pena, ficou claro como elemento de punição a razão que desviaria o indivíduo do delito, desviando a punição do corpo para a alma, fazendo da cadeia o método punitivo do atual Sistema Penal.45 A evolução econômica do novo sistema de produção fez com que a acumulação de dinheiro gerasse um enorme desequilíbrio no meio social, ocasionado pela desigualdade social. Essa desigualdade das classes sociais deu margem ao surgimento de uma classe explorada, que foi definida e identificada por um processo muito desigual e seletivo de controle social46. Esse processo seletivo ocorreu devido à ineficácia de operação do Sistema, que, no entanto, é obrigado a rotular quem deve ser classificado como delinquente, pois “Não existe uma justiça penal determinada a punir todas as ações ilegais 47 [...]”. Mostrando ainda essa incapacidade de estrutura do atual Sistema Penal, cita Vera Regina Pereira de Andrade: Se o sistema penal concretizasse o poder criminalizante programado ‘provocaria uma catástrofe social’. E diante da absurda suposição absolutamente indesejável - de criminalizar reiteradamente toda a população, torna-se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere em toda sua extensão. 42 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191. 44 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.196. 45 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.196. 46 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.189-207. 47 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.253. 43 17 Essa tarja de criminoso colocada na parte menos favorecida da sociedade acontece por essa parte ser um pedaço social mais fraco e indefeso, que não está caracterizado dentro dos paradigmas de normalidade definidos pela classe que faz as leis, e porque “as classes menos favorecidas quase nunca podiam utilizar a complexa maquinaria judicial elaborada pela lei por falta, tanto dos conhecimentos intelectuais como os dos meios econômicos”48, além do fato de que: A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na Criminologia positivista e em boa parte da Criminologia liberal atual são apontados como as causas da criminalidade. “O desvio - e a delinquência – não é uma característica intrínseca da ação, mas uma característica delegada a determinados sujeitos por meio de complexos processos de relação social; ou seja, de maneiras formais e informais de definição e seleção”49, isto é, a ideia de que o indivíduo nascia com caracteres que a deixavam predispostas ao delito é trocada pela pré-definição dos indivíduos pertencentes à classe explorada pelo meio capitalista, identificadas como criminosas50. Nesse contexto, o objetivo deixa de ser as causas da deliquência, e passa a ser o comportamento social da conduta desviada, já que nesse momento da metamorfose do Sistema Penal o delito é o produto do comportamento da sociedade51, visto que: [...] devemos reconhecer que não podemos saber se um certo ato vai ser catalogado como desviante até que seja dada a resposta dos demais. O desvio não é uma qualidade presente na conduta mesma, senão que surge da interação entre a pessoa que comete o ato e aqueles que reagem perante o mesmo. Ocorre desse modo, a mudança do modelo etiológico, aquele em que a Escola Positiva, por meio da Criminologia, tenta explicar os motivos do delito por meio de estudos antropológicos e bio-psicológicos sobre o indivíduo criminoso, para o modelo do comportamento social, que é justamente essa seleção feita pela Estado, e pela 48 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.193. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205. 50 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207. 51 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207. 49 18 sociedade, que reage aos delitos praticados pela camada mais fraca e pobre da sociedade, a denotando, desse modo, como a porção causadora da criminalidade52. Passa-se da ideia de que a pessoa com referidas características biológicas e psicológicas não é normal e tende à criminalidade, para a ideia de que certos indivíduos da sociedade foram selecionados pelo Estado, e pela sociedade para serem rotulados, criminalizados, e nesse enredo considerados perigosos, sendo objeto da punição que o Estado só pode apresentar para alguns. A indagação vai deixar de ser, no entanto, sobre os motivos da delinquência e sobre o indivíduo delinquente, para ser sobre o caráter da criminalização, sobre a modo de agir social em relação a conduta desviada53. Em relação a essa mudança de modelo, Vera Regina: Desta forma, ao invés de indagar, como a Criminologia tradicional, ‘quem é criminoso?’, ‘por que é que o criminoso comete crime?’, o labelling passa a indagar ‘quem é definido como desviante?’ ‘por que determinados indivíduos são definidos como tais?’, ‘em que condições um indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?’, ‘que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?’, ‘quem define quem?’ e, enfim, com base em que leis sociais se distribui e concentra o poder de definição?. Desvia-se ainda o interesse do indivíduo do controlado para o indivíduo do controlador, e reporta-se mais atenção ao Sistema, refazendo o objeto criminológico, pois o entendimento desse modo de rotulação, de seletividade, vai fazer parte da compreensão da realidade social da delinquência54. Surge a necessidade de individualizar as penalidades de acordo com os caracteres de cada delinquente, pois uma pena não possui efeito igual em todos os indivíduos, como aponta Michel Foucault: A idéia de um mesmo castigo não tem a mesma força para todo mundo: a multa não é temível para o rico, nem a infâmia a quem já está exposto. A nocividade de um delito e seu valor de indução não são os mesmos de acordo com o status do infrator55; [...]. 52 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.192-206. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207. 54 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207-209. 55 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução por Ligia M. Podre Vassalo. 53 19 Com esse novo enredo, de individualização da pena de acordo com os caracteres do delinquente, nascem inúmeras instâncias da decisão judiciária, para, por meio de guardas, criminólogos, psiquiatras, etc., ajudar o aparato judicial, até então cheio de juízes e juristas, fragmentando, deste modo, “o poder legal de condenar por pequenas justiças e juízes paralelos que aumentaram diante do julgamento principal”, fazendo parte da dupla seleção desempenhada pelo Sistema Penal. Essa dupla seleção se basearia na Seleção Primária que seria a seleção legal, isto é, o próprio Direito Penal seria formatado para auxiliar no processo seletivo através da legislação: Assim, o processo de criação de leis penais (criminalização primária) que define os bens jurídicos protegidos, as condutas tipificadas como crime e a qualidade e quantidade da pena [...], obedece a uma primeira lógica de desigualdade que, mistificada pelo ‘caráter fragmentário’ do Direito Penal pré-seleciona, até certo ponto, os indivíduos criminalizáveis. E na Seleção Secundária, que abrange sobre às instituições do Estado representantes na rotulação e que atuam por meio de agentes do sistema como a polícia, o Ministério Público, e também os juízes: Isso ocorre pela “discricionariedade permitida pela vagueza e ambigüidade da linguagem da lei”; pela falta de modelos precisos na explicação dos tipos penais [...] e para a individualização e aplicação da pena de modo geral [...]; seja pelas lacunas ou contradições do ordenamento jurídico. Portanto, a legislação penal mostra, a princípio, o processo seletivo, levado adiante pelos administradores do sistema que, guiados pela lei, vão agir de forma discriminatória. A atividade oficial do sistema seria agasalhar e preservar a sociedade, e isso deveria acontecer identificando-se os delinquentes, punindo-os ou recuperando-os. Contudo, o sistema age dispensado de identificações, punindo apenas uma pequena parcela social que realmente comete delitos. Parcela esta que é diagnosticada tanto pela lei, quanto por seus administradores, e também pela sociedade por meio da sua reação ao cometimento do crime. Assim, o foco de defesa social não é atingido, sendo que esse processo seletivo não protege a sociedade, pois só alguns são de fato punidos. Nesse enredo, fica explícito que o Sistema Penal é desigual e mostra vários problemas no seu alicerce. 20 Cabe, no entanto, mostrar que não é possível e tampouco eficaz, enfrentar problemas complexos como estes em relação ao modo de punir, com a solução penal utilizada contemporaneamente, que é uma solução de origem do século XIX. Assim, nasce a pergunta acerca de qual solução penal seria competente como instrumento de defesa social. E é justamente essa indagação que vai tentar ser respondida, levando em conta uma dos modos de pena existentes: pena capital. 21 3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS SOBRE A PENA DE MORTE 3.1 Os Princípios Elementares da Defesa Social Por meio de um apanhado realizado sobre as teorias da Escola Clássica, Escola Positiva e do moderno Sistema Penal, o Doutrinador Alessandro Baratta, criou o termo “ideologia da defesa social” e também definiu seus princípios. O estudo destes princípios mencionados por Baratta é relevante, pois são eles que legitimam o funcionamento do Direito Penal, e este por sua vez é a tradução da defesa social, já que atua com o foco de defender a os indivíduos da sociedade. Como conceito de ideologia da defesa social, aponta a Vera Regina: o conjunto das representações sobre o crime, a pena, e o Direito Penal construídas pelo saber oficial e, em especial, sobre as funções socialmente úteis atribuídas ao Direito Penal (proteger bens jurídicos lesados garantindo também uma penalidade igualitariamente aplicada para os seus infratores) e à pena (controlar a criminalidade em defesa da sociedade, mediante a prevenção geral (intimidação) e especial (ressocialização)56. Em relação aos princípios elencados pelo autor temos, a princípio, o Princípio do Bem e do Mal, que trata o crime como um perigo para o meio social e o criminoso como um elemento do mal e disfuncional do sistema57. A sociedade seria o bem, e a conduta desviante, o mal58. A Escola Clássica mostra essa teoria quando acredita que o criminoso é um elemento disfuncional do sistema, pois, agindo conforme seu livre-arbítrio, atenta contra a ordem regida pelo Contrato Social mencionado inicialmente. Já a Escola Positiva mostra o princípio do bem e do mal quando apresenta sua concepção de criminoso, baseada em teorias científicas. Para essa escola, e também para Henrique Ferri, o criminoso positivista seria aquele que, por razão de anomalias biológicas, antropológicas e sociológicas, cometeria o crime, evidenciando sua anormalidade, e se mostrando como um perigo social, não se encaixando no sistema. Baratta relata ainda do Princípio de Culpabilidade, onde o crime seria a 56 ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 58 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 57 22 expressão de uma ação interior não aceitável, já que o autor age de modo com sua vontade livre e consciente, passando por cima de normas sociais, presentes anteriormente de serem sancionadas pelo legislador.59 Esse princípio mostra a teoria da Escola Clássica de que o criminoso comete o delito sobre influência de sua livre e espontânea vontade, que é coordenada por sua responsabilidade moral, de onde se origina a responsabilidade penal. A pessoa tem o poder de decidir se age de acordo com as regras estabelecidas pelo Contrato Social, ou não. No entanto, caso não cumpra essas normas sociais, tem o Estado direito de reprimi-lo, o que nos leva ao Princípio da Legitimidade, que será argumentado adiante. Já para os Positivistas, o crime é traduzido na atitude interior reprovável do delinquente, que ao praticar o delito mostra sua anormalidade biológica, sociológica e antropológica, devendo ser reprimido, no entanto, não pela legitimidade que o Estado possui ao ser autorizado pela sociedade, e sim pela evidente periculosidade social do criminoso. O Princípio da Legitimidade mostra o Estado como expressão da sociedade, e desse modo tem legitimidade para agir com repressão em defesa desta.60 A delinquência seria responsabilidade de algumas pessoas, e o seu controle seria feito por meio de agentes do sistema como a legislação, polícia, juízes, etc.61 Esses agentes representam “a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria, dirigida à reprovação e do desempenho desviante individual e à reafirmação dos valores e regras sociais”.62 Quando o princípio se remete ao Estado como expressão da sociedade, e por isso estaria legitimado para reprimir a delinquência em sua defesa, mostra, nesse modo, como Beccaria, para a função do Contrato Social. Isto é, a ideia de Contrato Social, que surgiu da burguesia insatisfeita com o governo apoiado na religião e nos laços de sangue, pretendendo, um governo baseado na vontade social, passa a legitimar o Estado, que é a expressão dessa sociedade, a agir contra a delinquência para defendê-la. Isso iria acontecer caso alguma pessoa resolvesse conscientemente, 59 FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 61 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 62 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 60 23 por meio do seu livre-arbítrio, não seguir as novas normas impostas, legitimando o Estado a punir aquele indivíduo que resolve não se encaixar no sistema. Portanto no atual sistema penal, a teoria da reação social, vai mostrar esse princípio quando mostra que o sistema atual atua de maneira seletiva e rotulante, e que essa seleção é escolhida a princípio através da legislação, e completada pelos administradores desse sistema, que se traduzem em juízes, na polícia e etc. Porém, o Princípio de Igualdade revel que o Direito Penal é igual para todas as pessoas e a reação penal é exercida em relação a todos os delinquentes igualmente63. A delinquência seria a expressão da atuação de uma minoria que desobedecem diretamente o Direito Penal. O princípio da Igualdade é abrangido pela Escola Clássica quando, se preocupando apenas com o estudo do crime, revela que não tratou de observar o homem delinquente, como feito pela escola posterior, pois para ela os indivíduos seriam meramente iguais. Ferri, no entanto, expõe a teoria de minoria quando aponta que essa parcela que desobedece ao direito diz respeito a uma minoria de pessoas anormais do meio social. Contudo, a parte do princípio que expõe que a criminalidade é a expressão do modo de agir de alguns, que quebram diretamente o Direito Penal, dá margem para a confecção de outro princípio, que é o Princípio da Legalidade. Este princípio mostra que o Estado “não apenas está legitimado para controlar a delinquência, mas é autolimitado pelo Direito Penal no exercício deste cargo punitivo 64”. Isto é, a criminalidade se mostra na quebra da lei penal, o crime constitui a ação descrita na norma penal, o tipo penal. A teoria da Escola Clássica de que a pena e o Direito Penal eram jeitos de se interceder sobre o criminoso, e de defender a sociedade do delito confeccionando uma desmotivação em relação ao delito, fazem parte desse princípio da legalidade, onde existem limites para decretação e imposição da sanção e para as modalidades do Estado praticar seu modo punitivo65. Já o Princípio do Interesse Social e do Delito Natural é aquele que considera que 63 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137. 65 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 31. 64 24 os tipos penais são desobediências de interesses e necessidades próprios de toda a sociedade66. Assim, de acordo com Baratta, o princípio se traduz: No núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais à existência de toda a sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da 67 consolidação destes (delitos artificiais) . Seus argumentos são: a concepção da delinquência como característica ontológica de alguns comportamentos ou pessoas, bem como a homogeneidade dos valores e das conveniências que são amparadas pelo Direito Penal. 68 Relata a ideia de Contrato Social, defendida por Beccaria, anteriormente, quando revela que os interesses que o Direito Penal ampara são comuns a todos os indivíduos, isto é, o Direito estaria legitimado pelos próprios indivíduos a proteger seus interesses, que seriam requisitos principais de existência da sociedade. Revela ainda, a teoria positivista de naturalização da criminologia. Isso ocorre por meio da ideia científica da Escola, que mostra que por motivos biológicos, sociológicos e também antropológicos, o delinquente nasce anormal, isto é, já nasce delinquente. Encerrando, o Princípio da Finalidade ou da Prevenção que revela que a pena não tem desejo de retribuir o crime, mas sim de prevenir novos delitos69. Como sanção abstrata legalmente prevista, tem como foco desmotivar a conduta contrária à lei, participando assim, da Teoria da Prevenção Geral Negativa. E como pena concreta tem o objetivo de reeducar o delinquente, Prevenção Especial Positiva. No caso da sanção abstrata, tem-se como norte o autor Beccaria, que revelava que os crimes deveriam ser eliminados através da Teoria da Prevenção Geral Negativa, isto é, a pena teria o objetivo de desmotivar o comportamento criminoso. E no enredo sobre a sanção concreta, que possui como foco a reeducação e é traduzida pela Teoria da Prevenção Especial Positiva, pode-se mostrar as teorias Ferrianas de repressão como forma para a ressocialização. 66 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 118. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 43. 68 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 117-118. 69 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42. 67 25 Foi por meio desses princípios, que traduzem o entendimento do estudo de Alessandro Baratta sobre as teorias dos principais doutrinadores da Escola Clássica, também da Positiva, que se baseia a legitimidade do Direito Penal em agir em defesa do meio social, sendo, portanto importante estudá-los. 26 4 A POSSIBILIDADE DE APLICAR A PENA DE MORTE NO BRASIL EM ESTADO DE DIREITO COMO FORMA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE O referido assunto argumentado neste trabalho é muito polêmico, sendo alvo de muitas avaliações em todo o mundo. Aqui no Brasil existem inúmeras opiniões a favor e também contrárias à pena capital. De acordo com a matéria refletida neste trabalho chegou-sei a alguns entendimentos, que no ponto de vista do autor desta monografia, podem-se relatar alguns motivos para que a pena capital seja aplicada no ordenamento jurídico pátrio em casos mais graves: 1-A pena capital poderá influenciar no modo de pensar do criminoso para que ele possa ficar intimidado e com medo de praticar o crime ou mais crimes. 2-O regime carcerário contemporâneo não tem dado condições para ressocializar e recuperar o condenado; 3- De acordo com o trabalho das missões religiosas no sistema penitenciário do Brasil, alguns condenados têm saído da prisão melhores que entraram, mas não são todos os indivíduos presos que querem participar destes trabalhos missionários. É muito difícil recuperar um indivíduo que não quer ser recuperado. Quando se tolera a existência dessa personalidade de indivíduos, estar-se-á, tolerando a continuação de suas atitudes; 4-A pena capital pode ajudar a diminuir a lotação das cadeias, dando assim, quem sabe, um ambiente para quem de certa forma pode ser ressocializado. Atualmente, condenados comuns ficam no mesmo espaço e ao lado de condenados perigosos, podendo ser alvos de más influências e coisas ruins semeadas por esses condenados perigosos. 5-O crimes hediondo está relacionado à atrocidade, crueldade, ao desprezo, à desconsideração com a vida do outro. Nada nesse mundo justifica um crime assim; 6-Há indivíduos que possuem distúrbios mentais e psicológicos incuráveis, e efetivam para que esse indivíduo não enxerguem o sofrimento e a angústia da vítima. Principalmente os psicopatas, que não conseguem sentir remorso de outros indivíduos ou sentir arrependimento pelo que fazem. Com isso, pessoas com essas características têm grande chance de reincindir. 8- Povos antigos avançados da antiguidade puniam severamente e inclusive com a morte os delinquentes da época, de acordo com a História Antiga. 9-A China, o Japão, os Estados Unidos, o Irã e outros países autorizam a pena capital. Será que essas nações 27 defendem menos os direitos humanos que o Brasil? 10-Muitos indivíduos poderiam pensar antes de cometer alguns atos tipificados como crimes, pois, muitos calculam os riscos quando projetam as suas atividades. A maior prova disso é o elemento do menor de idade inserido na criminalidade, com o intuito de evitar a punibilidade. Não se quer vingança, e sim justiça. 11-Uma nação que deixa seus condenados perigosos viverem, e deixa que pessoas inocentes morram, promove a injustiça e perpetua a impunidade. 28 5 CONCLUSÃO O essencial sentido deste trabalho foi averiguar a possibilidade de aplicação da pena capital no Brasil em estado de direito, em relação a crimes hediondos, que estão relacionados à atrocidade, crueldade, e ao desprezo à desconsideração com a vida do outro, como opção à diminuição do percentual da criminalidade, podendo sim ser uma medida eficaz e positiva para o meio social, tentando mostrar para esse meio, que o atual Código Penal precisa ser revisto, objetivando aos delitos mais graves um modo de punição mais rígido, adequado e severo. Depois de relatar um pouco historicamente sobre a pena de morte, procurou-se mostrar neste trabalho que a pena capital pode ajudar a diminuir a lotação das cadeias, dando assim lugar a ao indivíduo que quer ser regenerado e fazer valer também que os delinquentes possam começar a pensar antes de cometer alguns delitos mais graves. Para tanto, a pesquisa teve por referencias históricas entrelaçados de acordo princípios basilares do Direito Penal brasileiro, cominando com opiniões do autor da pesquisa ao final deste trabalho. 29 REFERÊNCIAS ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência co controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução por Juarez Cirino dos Santos. 3º ed., Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. De Oliveira. DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução por Ligia M. Podré Vassalo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1987. FERRI, Henrique. Princípios de Direito Criminal. Tradução de Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Ed. Livraria Acadêmica, 1931. PINTO FILHO, Edison. Pena de Morte: A possibilidade jurídica da aplicação da pena de morte no Brasil. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. I, Tomo I. 4ºed., São Paulo: Editor Max Limonad.p. 59 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000, p.161-162. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.162. ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.163. CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Tradução por José Luiz V. de A.Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. V.1., p.11. GAROFALO, Rafaelle. Criminologia: estudo sobre o delito e a repressão penal. Tradução de Júlio Mattos. Ver nota nº 8 que trata da forma de punição Prevenção Especial Negativa.