FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Direito Luiz Fernando

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FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Direito
Luiz Fernando Campos Barbosa
ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA
DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE
Pará de Minas
2014
1
FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Direito
Luiz Fernando Campos Barbosa
ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA
DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE
Trabalho apresentada ao Curso de Direito
da Faculdade de Pará de Minas (FAPAM),
segundo
avaliação
semestre
parcial
de
2014,
da
disciplina
Metodologia da Pesquisa Jurídica.
Professora: Ana Paula Santos Diniz
Pará de Minas
2014
como
2
Luiz Fernando Campos Barbosa
ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE MORTE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO EM ESTADO DE DIREITO COMO UMA
DAS ALTERNATIVAS PARA A DIMINUIÇÃO DO ÍNDICE DE CRIMINALIDADE
Trabalho apresentada ao Curso de Direito da
Faculdade de Pará de Minas (FAPAM), segundo
semestre de 2014, como avaliação parcial da
disciplina Metodologia da Pesquisa Jurídica.
Aprovada em ____/____/____
________________________________________
Ana Paula Santos Diniz
________________________________________
(título e nome do professor examinador)
3
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................5
2 DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA
MODERNIDADE...............................................................................................................7
2.1 As Escolas Penais ....................................................................................................7
2.1.1 A Escola Clássica ....................................................................................................7
2.1.2 A Escola Positiva....................................................................................................12
2.2 Defesa Social...........................................................................................................15
3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS SOBRE A PENA DE MORTE ....................................21
3.1 Os Princípios Elementares da Defesa Social.......................................................21
4 A POSSIBILIDADE DE APLICAR A PENA DE MORTE NO BRASIL EM ESTADO
DE DIREITO COMO FORMA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE.................................26
5 CONCLUSÃO..............................................................................................................29
REFERÊNCIAS...............................................................................................................29
4
RESUMO
O referido trabalho dedica-se a entender a aplicabilidade e eficiência do instituto da
pena da morte como ferramenta da tutela social, a partir da fixação dos elementos
históricos do instituto, realizada de acordo com o estudo das Escolas Penais, e da
concepção de seus maiores expoentes, como a explicação de seus elementos teóricos,
ao norte dos princípios que baseiam o Sistema Penal. Junto com os elementos
doutrinários analisados na parte inicial do trabalho e os fundamentos da realização do
instituto na prática, será plausível resolver a problemática a respeito da aplicação da
pena capital de modo eficaz de defesa social em combate à criminalidade.
Palavras-chave: Pena de morte. Criminalidade. Alternativa.
5
1 INTRODUÇÃO
O assunto “pena de morte” é polêmico. Este trabalho tem por objetivo estudar os
argumentos históricos e teóricos desse instituto como forma de defesa da sociedade, e
também analisar a sua aplicação nos Estados Unidos da América e eventual
possibilidade de aplicação do Brasil, para apontar até onde é possível falar em eficácia
da medida, como forma de reduzir a criminalidade.
Para tanto, o capítulo um discorreu sobre os princípios históricos da pena capital,
de acordo com o estudo das Escolas Penais Clássicas e Positiva, e também a defesa
social como justificativa da existência da pena.
O estudo das Escolas Penais é feito por uma aproximação da obra de Cesare
Beccaria, que foi pioneiro da Escola Clássica, com opiniões e idéias desfavoráveis à
violência demasiada das penas aplicadas na Idade Média, inclusive à pena capital,
onde mostra inúmeras razões no enfoque de mostrar sua ineficácia. Mas, este autor a
defende nos episódios instáveis para a ordem social, ou seja, situações de risco à paz
social de uma Nação, e também nas situações onde ela seja a excepcional forma capaz
de deslocar a pessoa do cometimento de infrações penais.
Depois, mostrou-se o estudo da Escola Clássica com seus autores. Observou-se
que essa Escola entende o crime como um ente jurídico, inspirando-se no direito
natural, utilizando o procedimento dedutivo, acredita que o delito é o resultado do
desejo livre e da liberdade de almejar a consequência do ilícito cometido, pois age
conforme seu livre-arbítrio, discernimento e consciência. A Escola vai, portanto, estudar
o crime como entidade jurídica, por se tratar do problema mais grave da criminalidade.
No entanto, a Escola Positiva, se utiliza do método indutivo ou positivo para
analisar os delinqüentes, de acordo com sua morfologia e psicologia. Imaginavam que
analisando e observando os criminosos poderiam descobrir características semelhantes
e comuns, e que através da identificação dessas características poderiam segregar
mais transparentemente aqueles que as tivessem, observando e encontrando, assim, a
origem da criminalidade e tentando controlá-la.
Mediante esse entendimento, os dominadores da Escola Positiva vão substituir a
imagem do livre-arbítrio por uma ciência da sociedade, com o intuito de investigar
6
cientificamente a motivação dos crimes, facilitando a “luta” contra a criminalidade. O
delito não será mais um ente jurídico e passará a ser um fato social, praticado por um
indivíduo que mostrará sua conduta anti-social e sua personalidade perigosa e
desequilibrada, sendo, portanto, incorrigível. Sendo assim, a pena de morte se torna um
tratamento característico dessa Escola e de seu paradigma de defesa social.
Depois de observados os fundamentos históricos da pena de morte passou-se à
análise dos elementos teóricos do instituto. Os princípios que norteiam o Sistema Penal
são: o Princípio do Bem e do Mal, que analisa o crime como um perigo social e o
criminoso como um fator negativo e disfuncional do sistema; o Princípio da
Legitimidade, onde o Estado é a fisionomia da sociedade, agindo, no entanto com
legitimidade em defesa social; o Princípio da Culpabilidade, onde o crime é a expressão
e o semblante da atitude interior criticável de seu autor; o Princípio da Igualdade, que
reza que o Direito Penal é igual para todos, e o comportamento penal é usado a todos
os delinquentes de forma igualitária; o Princípio da Legalidade, que certifica que o
Estado é autolimitado pelo Direito Penal no exercício de sua função de punir; o
Princípio do Interesse Social e Delito Natural, que reza que os tipos penais são
desobediências dos interesses e obrigações próprias de todo o meio social, e
finalizando, o Princípio da Finalidade ou Prevenção, que mostra que a pena não tem o
objetivo de compensar o crime, mas somente de prevenir novos delitos. Porém todos
estes princípios não serão aceitos pela Criminologia Crítica, ou seja, uma série de
levantamentos vai rejeitar a todos, mostrando que o Sistema Penal não atua em
conformidade com os eles.
Por fim, realizou-se um estudo e levantamento de caso sobre a pena capital nos
Estados Unidos da América, para verificar se o Sistema que apresenta o instituto está
exercendo conforme os seus elementos teóricos ou está operando de modo seletivo e
rotulante, dispensando os Princípios em que deveria se nortear. Por isso, examinou-se
examinado o funcionamento da pena, bem como suas atribuições, ao longo dos anos
de 1993, 1996, 1999 e 2002.
Em decorrência do estudo dos princípios e fundamentos históricos e teóricos da
pena capital, em análise com seu real mecanismo de funcionamento, é que se
conseguiu tratar da eficácia da medida, finalidade deste trabalho.
7
2 A DEFESA SOCIAL COMO FUNDAMENTO HISTÓRICO DA PENA DE MORTE NA
MODERNIDADE
Neste capítulo serão vistos os princípios históricos da pena capital, de acordo
com o estudo das Escolas Penais Clássicas e Positiva, e também a defesa social como
justificativa da existência da pena.
2.1 As Escolas Penais
O estudo das Escolas Penais é feito por uma aproximação da obra de Cesare
Beccaria, que foi pioneiro da Escola Clássica, com opiniões e ideias desfavoráveis à
violência demasiada das penas aplicadas na Idade Média, inclusive à pena capital.
2.1.1 A Escola Clássica
É de longa data a aplicação do instituto da pena capital contra o ameaçador da
paz social. Na Idade Média, o sistema penal garantia aos criminosos execuções
públicas regadas com uma violência exagerada1, com direito a fogueira, retalhamento,
enforcamento estrangulamento e guilhotina, e vários outros2.
O violento sistema de punição do feudalismo é criticado por Cesare Bonesana, o
marquês de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e das Penas, onde o autor propõe uma
reforma penal, com a humanização do Direito Penal, analisando também a
aplicabilidade da pena de morte.
Na referida obra, o autor traz a ideia de uma reforma judiciária, com a
racionalização das penas e do processo, abominando as penas corporais, a tortura e
também a pena de morte.
Para ele cada pessoa deveria ser responsável por suas atitudes, seguindo seu
livre-arbítrio em perfeita harmonia com o Contrato Social, que era a soma das vontades
e interesses da população. Isso porque, na época cada pessoa cederia uma parcela de
sua liberdade para um “depósito público” e a soma dessas porções mínimas é que daria
o direito de punir Sendo assim, quem se acostumasse com o sistema de Estado
1
2
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988, p. 21-22.
PINTO FILHO, Edison. Pena de Morte: A possibilidade jurídica da aplicação da pena de morte no Brasil
8
baseado no Contrato, teria sua liberdade e convivência social assegurados pelo Estado.
Foi no Contrato Social que Beccaria encontrou fundamento e legitimidade para
as penas e para o direito de punir, pois achava que “somente a necessidade obriga os
homens a ceder uma parcela de sua liberdade. [...] A reunião de todas essas pequenas
parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir”3, ou seja, o direito de
punir teria seu requisito na ideia do contratualismo, justamente para preservar a nova
ordem social predominante, daqueles que não se adequavam a ela, devendo ser
punidos, pois a sociedade legitimou o Estado para tal. Sobre a pena, Beccaria
acreditava que deveria ser imposta pelo Estado como punição pela ameaça à harmonia
e ao Contrato Social e que ela deveria ser proporcional ao dano4.
Essa proporcionalidade entre as penas e os delitos seria necessária, pois a
finalidade das leis não é apenas punir os delitos, mas também evitar que os crimes
mais severos sejam os de maior número5. Para os crimes graves, punições mais
severas, havendo assim um nexo quantitativo entre o crime e a pena, pois se dois atos
ferem desigualmente a sociedade, e recebem a mesma punição, não haveria razão
para o criminoso escolher o menos grave6. Ele atribuía à pena a finalidade preventiva,
que impedisse o aumento da criminalidade.
Era, portanto, seguidor da concepção da Teoria da Prevenção Geral Negativa,
que tem como finalidade a intimidação do delinquente, para impedi-lo de praticar o
delito, ou reincidir.
Condenava veementemente a pena de morte, com exceção nos casos de
anarquia ou guerra, casos em que a nação fica a ponto de perder ou recuperar sua
liberdade, ou em épocas de confusão, conflito interno, onde um cidadão ameaça a
segurança pública, podendo atrapalhar o governo atual.
Para ele, a aplicação da pena capital não expressava a redução do número de
crimes, pois acreditava que o indivíduo resiste à violência das dores extremas e rápidas
mais facilmente do que as pequenas dores, porém constantes. Portanto, a pena de
3
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência
do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.50.
4
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 23-24.
5
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. I, Tomo I. 4ºed., São Paulo: Editor Max Limonad.p.
59
6
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 59.
9
morte, apesar de severa e extrema, é rápida, e seria para um homem mais fácil
suportá-la do que uma pena perpétua, por exemplo, onde o pesar é longo e constante7.
Também condenava a violência usada nos castigos impostos nos séculos
anteriores, como suplícios e mutilações8. A pena, deveria se encontrar prevista na lei
como modo de advertir as pessoas que pudessem cometer delitos9, e seria justa aquela
pena que tivesse o rigor certo para tirar de rota os indivíduos dos crimes 10. Assim, a
pena perpétua seria a mais certa para impedir os delinquentes de delinquir, pois ela
teria todo o temor necessário para isso, visto que, para ele, o indivíduo resiste mais às
angústias rápidas e passageiras, do que as contínuas11.
Nesse contexto, Beccaria vai se nortear pela imposição de segurança individual
contra a arbitrariedade do Poder Punitivo, além de empenhar-se com “a fixação de um
regime estrito de legalidade [...] que impossibilite toda a incerteza do poder punitivo, no
mesmo instante em que incentive a sua humanização e instrumentalização utilitária 12”.
Com suas visões inovadoras e projetos contra a crueldade das penas, Beccaria,
dividiu o Direito Penal em antes e depois de seu livro Dos Delitos e das Penas.
Muitos doutrinadores, como Rossi, Carmignani, Carrara e Romagnosi seguem
seus estudos e concepções, ampliando, complementando e fortalecendo sua obra,
sendo fundado nesse contexto, ao final do século XVIII, no período Iluminista13, a
Escola Clássica.
Giovanni Domenico Romagnosi (1761 a 1835) era um jusnaturalista e
compreendia que o Direito Penal seria o direito de defesa, buscando a defesa social e
não somente a defesa individual, tendo como propósito eliminar o cometimento de
delitos. Para ele o Direito não dependia dos acordos humanos. Tinha consciência que a
sociedade se defendia do delito por meio da pena, pois ela impedia novos delitos,
sendo, portanto, equivalente ao impulso criminoso e não ao dano ocasionado14.
Giovanni Carmignani (1768 a 1847), era também um jusnaturalista, diferenciava
7
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24.
9
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 24.
10
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.35.
11
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas, p.34-35.
12
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.50.
13
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.45.
14
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000, p.161-162.
8
10
o Direito Natural do Direito Político e também diferenciava a Moral do Direito. Para esse
pensador, a pena deveria ter feição preventiva, com intuito de defesa, e não feição
punitiva, ou retributiva. O Direito Penal seria uma necessidade da exigência de
preservação da sociedade15.
Pelegrino Luiz Eduardo Rossi (1768 a 1847) compreendia que a pena tem poder
educacional, agindo de modo corretivo, sendo modo de utilidade social. A pena existiria
para punir o delinquente e para que ele não voltasse a cometer crimes16.
Francesco Carrara (1805 a 1888) definia o delito como um ente jurídico, como
uma infração e não como uma ação, um ente de fato que analisaria em todos seus
pontos de vista e resultados. Para Carrara, o crime é um ente jurídico, pois se mostra
na violação de um direito, firmado na Norma Penal incriminadora. Segundo ele, “O
delito é um ente jurídico, porque a sua estrutura deve forçosamente consistir na
violação de um direito17”.
A Escola se guiava no Direito Natural, aplicando em seus estudos o
procedimento dedutivo, de lógica abstrata, tendo uma direção político social, em
combinação com as solicitações dos direitos do homem. Vai delimitar limites ao direito
de punir e prosseguir, desaprovando as penas violentas e a pena capital, reivindicando
proteções para as pessoas, tanto no processo quanto no emprego da pena.
Para os Classicistas, o crime é o fruto da vontade livre e da liberdade, tanto
moral, como a responsabilidade moral, o discernimento, a consciência. O delinquente
tem a escolha de querer o objetivo ilícito do ato cometido, mas será responsável,
criminalmente e moralmente, em razão do livre-arbítrio preservado pela Escola.
Portanto, eles tinham em mente que o delito seria uma violação racional e
voluntária da norma penal.
O compromisso penal dependeria do compromisso moral, que é exercido por
meio do livre-arbítrio, sendo assim, preciso que a vontade fosse livre para que fosse
culpável18.
Nesse contexto, o objeto da Escola era o delito como entidade jurídica, e,
15
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.162.
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.163.
17
CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral. Tradução por José Luiz V.
de A.Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. V.1., p.11.
18
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.55-56.
16
11
terminado o Contrato Social da sociedade com o indivíduo, deveria ser aplicada à
sanção penal19.
Analisando o delito como entidade jurídica, os classicistas vão analisar o crime
abstratamente e realçá-lo como objeto fundamental do problema da criminalidade, não
observando a personalidade do criminoso, os elementos sociológicos e antropológicos,
com que a Escola Positiva vai se interessar posteriormente20.
Mediante isso, em posição contrária direta a Beccaria, é que Ferri argumenta que
a Escola consolidou seus estudos no delito e na pena, esquecendo o criminoso e o
meio em que ele vive, gerando uma estrutura de normas repressivas21.
Porém, a Escola não se encarregou com a análise do criminoso por crer que ele
seria um indivíduo igual a todos os outros. O delinquente dos Classicistas seria aquele
que, atuando em consonância com seu livre-arbítrio, quebrasse conscientemente a
norma legal, fazendo, com que o núcleo de suas investigações fosse o fato-crime, e
não o autor do fato22.
Os Classicistas decaíram e Ferri acreditava que isso aconteceu porque as ideias
da Escola sobre o direito individual em relação ao Estado se ultrapassaram, fazendo-se
ocultar a individualidade do criminoso e dando muito destaque à entidade jurídica do
delito, a ponto de acreditarem que o criminoso seria uma presa da tirania do Estado,
além do método de estudo adotado, o dedutivo, fazer o delinquente ficar esquecido23.
Para Ferri a consequência das análises e ensinamentos da Escola foi a
crescente progressão da criminalidade e da reincidência, justamente o contrário do que
precisa a defesa social contra a delinquência24.
Assim, acabou-se a Escola Clássica, pois de acordo com o autor: “não se
atentando em conhecer cientificamente a realidade humana e os motivos da
criminalidade, não era possível que delas apontassem os remédios adequados25”.
19
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160.
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.160.
21
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36.
22
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.58.
23
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36-37.
24
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39.
25
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39.
20
12
2.1.2 A Escola Positiva
No século XIX, com a Revolução Industrial, e com o capitalismo dominador,
surgiu a Escola Positiva, criada pelos doutrinadores Cesare Lombroso, antropólogo que
estuda o homem criminoso, Rafaelle Garofalo, jurista que estuda as funções da nova
doutrina, e o já mencionado Henrique Ferri, que estuda o delito como fato social26.
A Escola Positiva, aplicando o método indutivo ou positivo, observa e classifica
os criminosos, estudando sua morfologia e psicologia, comparando-os com pessoas
“normais”, observando por meio disso as causas da criminalidade, sempre sob uma
visão naturalista.
Analisa os elementos da criminalidade, tanto os físicos como os individuais e
sociais, mas sem o aspecto filosófico da Escola Clássica, mas observando uma
orientação científica, “cuidava-se de acabar sistematicamente com a metafísica do livrearbítrio e trocá-la por uma Ciência da Sociedade apta a analisar cientificamente os
motivos do crime e, com isso, propiciar uma luta científica dirigida a extinguir a
criminalidade”.
O delito deixa de ser o exercício da conduta descrita na lei, o ente jurídico, e
começa a ser “um fato natural e social, realizado pelo indivíduo e causalmente
determinado, que demonstra a conduta anti-social de uma dada personalidade perigosa
do criminoso”, isso acontece pois a Escola Positiva têm grande quinhão de sua
influência originada da Sociologia Criminal Ferriana, e da Antropologia de Lombroso.
Com Lombroso (1835 a 1909), antropólogo e médico psiquiatra, e sua obra
L’Uomo Deliquente, vai se originar a Antropologia Criminal, “que era a analise das
qualidades somáticas dos criminosos”.
O instituidor vai analisar, por meio de métodos indutivos, o criminoso, para tentar
encontrar as causas do delito, notando que era fundamental, primeiramente analisar o
crime como ação humana como fenômeno natural e social, antes de estudá-lo como
ente jurídico e infração à lei27. Nesse contexto, suas pesquisas destinavam-se a estudar
as constituições orgânicas, fisiológicas e psicológicas do criminoso28.
26
27
28
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.39.
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.40.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 28.
13
Concluiu que o delinquente era um indivíduo biologicamente inferior, e que por
isso não dominava seus impulsos, não sendo responsável por seus atos e não
procedendo em conforme com seu livre-arbítrio29.
Para Lombroso, o indivíduo criminoso era um delinquente nato, detentor de uma
personalidade anormal, com atributos anatômicos particularizados, e características
físicas especiais que o impossibilitavam de adequar-se à vida em sociedade, sendo que
o delito cometido era uma demonstração dessa anormalidade. O seu tipo antropológico
excepcional o fazia tendente ao cometimento do crime, o que fez com que nascessem
as medidas de segurança para que o Estado coordenasse esses impulsos30.
Ele juntou esses traços anômalos e diferentes aos selvagens, negros, orientais, e
com o tempo, esses atributos físicas e/ou comportamentais se pareciam com a porção
pobre da sociedade31. Achava-se que os pobres eram o fruto de uma seleção natural, e
possuíam uma inferioridade tanto biológica quanto moral32.
Surgiu, então, a imagem do suspeito, do “elemento perigoso” e esses vão aos
poucos sendo eliminados do convívio social, ficando à margem da sociedade, sendo
dignos de atitudes repressivas, que dominassem a porção perigosa e ameaçadora de
que passaram a fazer parte, pois o motivo do delito, para Lombroso, vai ser o próprio
delinquente33.
A Criminologia vai ser muito importante para garantir a preservação da ordem
social e da segurança pública da época34. Contudo, os resultados a respeito da
inferioridade moral e biológica de certas pessoas só vão evidenciar a desigualdade
social e legitimar o poder controlador do Estado sobre esses indivíduos excluídos da
sociedade35.
No entanto, Rafaelle Garofalo (1851 a 1934), jurista italiano e magistrado,
fundador do termo Criminologia (1865), deu consideração às reformas jurídicas que ele
considerava que precisavam ser feitas na justiça penal, e gerar o conceito da
temibilidade do criminoso, que atualmente chama-se de periculosidade, como critério de
29
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29.
31
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29.
32
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 29.
33
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 31-33.
34
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 32.
35
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. p. 33.
30
14
penalidade36. Foi também o motivador pela renovação da Escola, com a concepção de
que o delinquente nato não detém uma anomalia orgânica, genética, e sim uma
anomalia psíquica ou moral. Sua Criminologia vai analisar o crime, sua natureza,
origens e processo, e também, o criminoso e a pena37.
Porém, Henrique Ferri (1856 a 1929), fundador da Sociologia Criminal,
estimulado por um entendimento sociológico, classificou como causas do delito os
fatores individuais (psíquicos e orgânicos), os fatores físicos (ambientais), fatores
sociais (ambiente social), e isso acabou conduzindo também a distribuição dos
criminosos em loucos, habituais, ocasionais, natos e passionais.
Ele enfatizava o caráter preventivo da punição e admitia que a pena deveria
reativar o delinquente para convivência em sociedade, além de interpretar que o meio
influenciava o indivíduo e seus atos, concluindo que um indivíduo poderia nascer um
delinquente nato, porém poderia nunca demonstrar esse caráter se o meio em que
vivesse não ajudasse com o seu comportamento.
É com a Sociologia Criminal que Ferri estudou o meio (família, profissão, estado,
bairro, entre outros), e sua importância nos delinquentes, além da ocupação do território
e sua utilização.
Nesse enredo, fez-se uma analogia entre a sociedade e um organismo biológico,
sendo que, para ele, o delito seria uma má operação dos órgãos desse organismo vivo
qualificado por sociedade. Para Ferri, o delito é “o resultado previsível estabelecido por
inúmeros fatores (biológicos, sociais, físicos e psicológicos) que ajustam a
personalidade de uma minoria de pessoas como socialmente perigosa38”.
Diante disso, o autor se encaixou nos moldes da Teoria de Prevenção Especial
Negativa39, que tem como objetivo a neutralização do delinquente, tanto pelas medidas
de segurança por tempo indeterminado, herança da Escola utilizada até hoje, seja
através da pena capital.
Portanto, a Escola Positiva é aquela que, sob o enfoque do método indutivo, de
análise dos fatos, vai elencar o criminoso nas suas formas antropológicas, biológicas e
36
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.41.
GAROFALO, Rafaelle. Criminologia: estudo sobre o delito e a repressão penal. Tradução de Júlio
Mattos.
38
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.66.
39
Ver nota nº 8 que trata da forma de punição Prevenção Especial Negativa.
37
15
sociológicas, e vai, por meio de seu autor mais expressivo, Henrique Ferri, acreditar em
um delinquente biologicamente e psicologicamente atrasado, arcaico, que tem a
disposição para o delito em sua essência, sendo, nesse enredo, irrecuperável.
Contudo, o instituto da pena capital vai ser um tipo de intervenção repressiva
característica da Escola Positiva, e de seu paradigma de Defesa Social.
2.2 Defesa Social
Neste contexto, a Escola Positiva mostra a preocupação com os direitos sociais,
esquecendo a ideia do livre-arbítrio argumentada pela Escola Clássica.
Mostra a Sociologia Criminal, que é a Ciência da Criminalidade e da Defesa
Social contra a própria sociedade, que tem como propósito, achar os motivos do delito,
e mostrar as possibilidades de eliminá-lo.
Deste modo, “a política criminal de proteção social contra o delito, com o objetivo
dirigido para a pessoa criminosa submetida à remoção, regeneração, educação e cura,
sob o firmamento do estado perigoso do delinquente”, tem o conceito que o indivíduo
que nasce com algumas características está impreterivelmente determinado a efetuar
delitos. Nesse enfoque, a sociedade fica igualmente decidida a se defender dos atos
contra sua posição normal de existência, mostrando isso por meio da pena, que é um
modo de defesa social40.
O modo de punir para o autor, primeiramente, vai ter um perfil de prevenção, ou
seja, de Prevenção Geral Negativa, afinal “como a prevenção não pode impedir que os
delitos se cometam, surge a o desejo necessário da repressão”41, sendo essa, neste
contexto, a forma defendida pela maior figura da Escola Positiva de fazer a defesa
social de seu período.
Do século XVIII ao século XIX, período positivista, ocorreram alterações
essenciais no controle dos comportamentos desviantes. Alterações estas, ocorridas em
atribuição da passagem do sistema feudal para o sistema capitalista, que atraiu com a
nova ordem econômica, modificações relevantes para o Direito Penal.
40
41
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.61.
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal. p.36.
16
Com o sistema capitalista, o modo de industrialização e um novo porte do
mercado, era importante equilibrar a mão de obra e reprimir o proletariado nascente, e
as execuções públicas e violentas do sistema feudal já não seriam mais eficientes.42
“Era fundamental um novo sistema dominante e disciplina para socializar a
produtividade e criar uma força de trabalho subordinado e perfeitamente regulado”43.
O modo de produção deveria achar a maneira punitiva correspondente às suas
relações de produção, e nesse contexto, “o poder no sistema capitalista devia ser
exercido com o mínimo de custo possível, e suas consequências deveriam ser intensas
e extensas: transmitidos a todas as partes da sociedade”44.
Assim sendo, como o sofrimento físico e corporal não formavam mais elementos
da pena, ficou claro como elemento de punição a razão que desviaria o indivíduo do
delito, desviando a punição do corpo para a alma, fazendo da cadeia o método punitivo
do atual Sistema Penal.45
A evolução econômica do novo sistema de produção fez com que a acumulação
de dinheiro gerasse um enorme desequilíbrio no meio social, ocasionado pela
desigualdade social.
Essa desigualdade das classes sociais deu margem ao surgimento de uma
classe explorada, que foi definida e identificada por um processo muito desigual e
seletivo de controle social46.
Esse processo seletivo ocorreu devido à ineficácia de operação do Sistema, que,
no entanto, é obrigado a rotular quem deve ser classificado como delinquente, pois
“Não existe uma justiça penal determinada a punir todas as ações ilegais 47 [...]”.
Mostrando ainda essa incapacidade de estrutura do atual Sistema Penal, cita
Vera Regina Pereira de Andrade:
Se o sistema penal concretizasse o poder criminalizante programado
‘provocaria uma catástrofe social’. E diante da absurda suposição absolutamente indesejável - de criminalizar reiteradamente toda a população,
torna-se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a
legalidade processual não opere em toda sua extensão.
42
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.191.
44
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.196.
45
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.196.
46
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.189-207.
47
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.253.
43
17
Essa tarja de criminoso colocada na parte menos favorecida da sociedade
acontece por essa parte ser um pedaço social mais fraco e indefeso, que não está
caracterizado dentro dos paradigmas de normalidade definidos pela classe que faz as
leis, e porque “as classes menos favorecidas quase nunca podiam utilizar a complexa
maquinaria judicial elaborada pela lei por falta, tanto dos conhecimentos intelectuais
como os dos meios econômicos”48, além do fato de que:
A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta
de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que
são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que
na Criminologia positivista e em boa parte da Criminologia liberal atual são
apontados como as causas da criminalidade.
“O desvio - e a delinquência – não é uma característica intrínseca da ação, mas
uma característica delegada a determinados sujeitos por meio de complexos processos
de relação social; ou seja, de maneiras formais e informais de definição e seleção”49,
isto é, a ideia de que o indivíduo nascia com caracteres que a deixavam predispostas
ao delito é trocada pela pré-definição dos indivíduos pertencentes à classe explorada
pelo meio capitalista, identificadas como criminosas50.
Nesse contexto, o objetivo deixa de ser as causas da deliquência, e passa a ser
o comportamento social da conduta desviada, já que nesse momento da metamorfose
do Sistema Penal o delito é o produto do comportamento da sociedade51, visto que:
[...] devemos reconhecer que não podemos saber se um certo ato vai ser
catalogado como desviante até que seja dada a resposta dos demais. O desvio
não é uma qualidade presente na conduta mesma, senão que surge da
interação entre a pessoa que comete o ato e aqueles que reagem perante o
mesmo.
Ocorre desse modo, a mudança do modelo etiológico, aquele em que a Escola
Positiva, por meio da Criminologia, tenta explicar os motivos do delito por meio de
estudos antropológicos e bio-psicológicos sobre o indivíduo criminoso, para o modelo
do comportamento social, que é justamente essa seleção feita pela Estado, e pela
48
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.193.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205.
50
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207.
51
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.205-207.
49
18
sociedade, que reage aos delitos praticados pela camada mais fraca e pobre da
sociedade, a denotando, desse modo, como a porção causadora da criminalidade52.
Passa-se da ideia de que a pessoa com referidas características biológicas e
psicológicas não é normal e tende à criminalidade, para a ideia de que certos indivíduos
da sociedade foram selecionados pelo Estado, e pela sociedade para serem rotulados,
criminalizados, e nesse enredo considerados perigosos, sendo objeto da punição que o
Estado só pode apresentar para alguns.
A indagação vai deixar de ser, no entanto, sobre os motivos da delinquência e
sobre o indivíduo delinquente, para ser sobre o caráter da criminalização, sobre a modo
de agir social em relação a conduta desviada53. Em relação a essa mudança de
modelo, Vera Regina:
Desta forma, ao invés de indagar, como a Criminologia tradicional, ‘quem é
criminoso?’, ‘por que é que o criminoso comete crime?’, o labelling passa a
indagar ‘quem é definido como desviante?’ ‘por que determinados indivíduos
são definidos como tais?’, ‘em que condições um indivíduo pode se tornar
objeto de uma definição?’, ‘que efeito decorre desta definição sobre o
indivíduo?’, ‘quem define quem?’ e, enfim, com base em que leis sociais se
distribui e concentra o poder de definição?.
Desvia-se ainda o interesse do indivíduo do controlado para o indivíduo do
controlador, e reporta-se mais atenção ao Sistema, refazendo o objeto criminológico,
pois o entendimento desse modo de rotulação, de seletividade, vai fazer parte da
compreensão da realidade social da delinquência54. Surge a necessidade de
individualizar as penalidades de acordo com os caracteres de cada delinquente, pois
uma pena não possui efeito igual em todos os indivíduos, como aponta Michel Foucault:
A idéia de um mesmo castigo não tem a mesma força para todo mundo: a multa
não é temível para o rico, nem a infâmia a quem já está exposto. A nocividade
de um delito e seu valor de indução não são os mesmos de acordo com o
status do infrator55; [...].
52
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.192-206.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207.
54
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.207-209.
55
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução por Ligia M. Podre
Vassalo.
53
19
Com esse novo enredo, de individualização da pena de acordo com os
caracteres do delinquente, nascem inúmeras instâncias da decisão judiciária, para, por
meio de guardas, criminólogos, psiquiatras, etc., ajudar o aparato judicial, até então
cheio de juízes e juristas, fragmentando, deste modo, “o poder legal de condenar por
pequenas justiças e juízes paralelos que aumentaram diante do julgamento principal”,
fazendo parte da dupla seleção desempenhada pelo Sistema Penal. Essa dupla
seleção se basearia na Seleção Primária que seria a seleção legal, isto é, o próprio
Direito Penal seria formatado para auxiliar no processo seletivo através da legislação:
Assim, o processo de criação de leis penais (criminalização primária) que define
os bens jurídicos protegidos, as condutas tipificadas como crime e a qualidade
e quantidade da pena [...], obedece a uma primeira lógica de desigualdade que,
mistificada pelo ‘caráter fragmentário’ do Direito Penal pré-seleciona, até certo
ponto, os indivíduos criminalizáveis.
E na Seleção Secundária, que abrange sobre às instituições do Estado
representantes na rotulação e que atuam por meio de agentes do sistema como a
polícia, o Ministério Público, e também os juízes:
Isso ocorre pela “discricionariedade permitida pela vagueza e ambigüidade da
linguagem da lei”; pela falta de modelos precisos na explicação dos tipos penais
[...] e para a individualização e aplicação da pena de modo geral [...]; seja pelas
lacunas ou contradições do ordenamento jurídico.
Portanto, a legislação penal mostra, a princípio, o processo seletivo, levado
adiante pelos administradores do sistema que, guiados pela lei, vão agir de forma
discriminatória.
A atividade oficial do sistema seria agasalhar e preservar a sociedade, e isso
deveria acontecer identificando-se os delinquentes, punindo-os ou recuperando-os.
Contudo, o sistema age dispensado de identificações, punindo apenas uma pequena
parcela social que realmente comete delitos. Parcela esta que é diagnosticada tanto
pela lei, quanto por seus administradores, e também pela sociedade por meio da sua
reação ao cometimento do crime.
Assim, o foco de defesa social não é atingido, sendo que esse processo seletivo
não protege a sociedade, pois só alguns são de fato punidos. Nesse enredo, fica
explícito que o Sistema Penal é desigual e mostra vários problemas no seu alicerce.
20
Cabe, no entanto, mostrar que não é possível e tampouco eficaz, enfrentar problemas
complexos como estes em relação ao modo de punir, com a solução penal utilizada
contemporaneamente, que é uma solução de origem do século XIX.
Assim, nasce a pergunta acerca de qual solução penal seria competente como
instrumento de defesa social. E é justamente essa indagação que vai tentar ser
respondida, levando em conta uma dos modos de pena existentes: pena capital.
21
3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS SOBRE A PENA DE MORTE
3.1 Os Princípios Elementares da Defesa Social
Por meio de um apanhado realizado sobre as teorias da Escola Clássica, Escola
Positiva e do moderno Sistema Penal, o Doutrinador Alessandro Baratta, criou o termo
“ideologia da defesa social” e também definiu seus princípios.
O estudo destes princípios mencionados por Baratta é relevante, pois são eles
que legitimam o funcionamento do Direito Penal, e este por sua vez é a tradução da
defesa social, já que atua com o foco de defender a os indivíduos da sociedade.
Como conceito de ideologia da defesa social, aponta a Vera Regina:
o conjunto das representações sobre o crime, a pena, e o Direito Penal
construídas pelo saber oficial e, em especial, sobre as funções socialmente
úteis atribuídas ao Direito Penal (proteger bens jurídicos lesados garantindo
também uma penalidade igualitariamente aplicada para os seus infratores) e à
pena (controlar a criminalidade em defesa da sociedade, mediante a prevenção
geral (intimidação) e especial (ressocialização)56.
Em relação aos princípios elencados pelo autor temos, a princípio, o Princípio do
Bem e do Mal, que trata o crime como um perigo para o meio social e o criminoso como
um elemento do mal e disfuncional do sistema57. A sociedade seria o bem, e a conduta
desviante, o mal58.
A Escola Clássica mostra essa teoria quando acredita que o criminoso é um
elemento disfuncional do sistema, pois, agindo conforme seu livre-arbítrio, atenta contra
a ordem regida pelo Contrato Social mencionado inicialmente.
Já a Escola Positiva mostra o princípio do bem e do mal quando apresenta sua
concepção de criminoso, baseada em teorias científicas. Para essa escola, e também
para Henrique Ferri, o criminoso positivista seria aquele que, por razão de anomalias
biológicas, antropológicas e sociológicas, cometeria o crime, evidenciando sua
anormalidade, e se mostrando como um perigo social, não se encaixando no sistema.
Baratta relata ainda do Princípio de Culpabilidade, onde o crime seria a
56
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
58
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
57
22
expressão de uma ação interior não aceitável, já que o autor age de modo com sua
vontade livre e consciente, passando por cima de normas sociais, presentes
anteriormente de serem sancionadas pelo legislador.59 Esse princípio mostra a teoria da
Escola Clássica de que o criminoso comete o delito sobre influência de sua livre e
espontânea vontade, que é coordenada por sua responsabilidade moral, de onde se
origina a responsabilidade penal. A pessoa tem o poder de decidir se age de acordo
com as regras estabelecidas pelo Contrato Social, ou não. No entanto, caso não
cumpra essas normas sociais, tem o Estado direito de reprimi-lo, o que nos leva ao
Princípio da Legitimidade, que será argumentado adiante.
Já para os Positivistas, o crime é traduzido na atitude interior reprovável do
delinquente, que ao praticar o delito mostra sua anormalidade biológica, sociológica e
antropológica, devendo ser reprimido, no entanto, não pela legitimidade que o Estado
possui ao ser autorizado pela sociedade, e sim pela evidente periculosidade social do
criminoso.
O Princípio da Legitimidade mostra o Estado como expressão da sociedade, e
desse modo tem legitimidade para agir com repressão em defesa desta.60 A
delinquência seria responsabilidade de algumas pessoas, e o seu controle seria feito
por meio de agentes do sistema como a legislação, polícia, juízes, etc.61 Esses agentes
representam “a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria, dirigida à
reprovação e do desempenho desviante individual e à reafirmação dos valores e regras
sociais”.62
Quando o princípio se remete ao Estado como expressão da sociedade, e por
isso estaria legitimado para reprimir a delinquência em sua defesa, mostra, nesse
modo, como Beccaria, para a função do Contrato Social. Isto é, a ideia de Contrato
Social, que surgiu da burguesia insatisfeita com o governo apoiado na religião e nos
laços de sangue, pretendendo, um governo baseado na vontade social, passa a
legitimar o Estado, que é a expressão dessa sociedade, a agir contra a delinquência
para defendê-la. Isso iria acontecer caso alguma pessoa resolvesse conscientemente,
59
FERRI, Henrique, Princípios de Direito Criminal.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
61
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
62
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
60
23
por meio do seu livre-arbítrio, não seguir as novas normas impostas, legitimando o
Estado a punir aquele indivíduo que resolve não se encaixar no sistema.
Portanto no atual sistema penal, a teoria da reação social, vai mostrar esse
princípio quando mostra que o sistema atual atua de maneira seletiva e rotulante, e que
essa seleção é escolhida a princípio através da legislação, e completada pelos
administradores desse sistema, que se traduzem em juízes, na polícia e etc.
Porém, o Princípio de Igualdade revel que o Direito Penal é igual para todas as
pessoas e a reação penal é exercida em relação a todos os delinquentes igualmente63.
A delinquência seria a expressão da atuação de uma minoria que desobedecem
diretamente o Direito Penal.
O princípio da Igualdade é abrangido pela Escola Clássica quando, se
preocupando apenas com o estudo do crime, revela que não tratou de observar o
homem delinquente, como feito pela escola posterior, pois para ela os indivíduos seriam
meramente iguais.
Ferri, no entanto, expõe a teoria de minoria quando aponta que essa parcela que
desobedece ao direito diz respeito a uma minoria de pessoas anormais do meio social.
Contudo, a parte do princípio que expõe que a criminalidade é a expressão do
modo de agir de alguns, que quebram diretamente o Direito Penal, dá margem para a
confecção de outro princípio, que é o Princípio da Legalidade.
Este princípio mostra que o Estado “não apenas está legitimado para controlar a
delinquência, mas é autolimitado pelo Direito Penal no exercício deste cargo punitivo 64”.
Isto é, a criminalidade se mostra na quebra da lei penal, o crime constitui a ação
descrita na norma penal, o tipo penal.
A teoria da Escola Clássica de que a pena e o Direito Penal eram jeitos de se
interceder sobre o criminoso, e de defender a sociedade do delito confeccionando uma
desmotivação em relação ao delito, fazem parte desse princípio da legalidade, onde
existem limites para decretação e imposição da sanção e para as modalidades do
Estado praticar seu modo punitivo65.
Já o Princípio do Interesse Social e do Delito Natural é aquele que considera que
63
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica, p.137.
65
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 31.
64
24
os tipos penais são desobediências de interesses e necessidades próprios de toda a
sociedade66. Assim, de acordo com Baratta, o princípio se traduz:
No núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações
civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais à existência de toda a
sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a
todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação
de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da
67
consolidação destes (delitos artificiais) .
Seus argumentos são: a concepção da delinquência como característica
ontológica de alguns comportamentos ou pessoas, bem como a homogeneidade dos
valores e das conveniências que são amparadas pelo Direito Penal. 68
Relata a ideia de Contrato Social, defendida por Beccaria, anteriormente, quando
revela que os interesses que o Direito Penal ampara são comuns a todos os indivíduos,
isto é, o Direito estaria legitimado pelos próprios indivíduos a proteger seus interesses,
que seriam requisitos principais de existência da sociedade.
Revela ainda, a teoria positivista de naturalização da criminologia. Isso ocorre
por meio da ideia científica da Escola, que mostra que por motivos biológicos,
sociológicos e também antropológicos, o delinquente nasce anormal, isto é, já nasce
delinquente. Encerrando, o Princípio da Finalidade ou da Prevenção que revela que a
pena não tem desejo de retribuir o crime, mas sim de prevenir novos delitos69. Como
sanção abstrata legalmente prevista, tem como foco desmotivar a conduta contrária à
lei, participando assim, da Teoria da Prevenção Geral Negativa. E como pena concreta
tem o objetivo de reeducar o delinquente, Prevenção Especial Positiva.
No caso da sanção abstrata, tem-se como norte o autor Beccaria, que revelava
que os crimes deveriam ser eliminados através da Teoria da Prevenção Geral Negativa,
isto é, a pena teria o objetivo de desmotivar o comportamento criminoso.
E no enredo sobre a sanção concreta, que possui como foco a reeducação e é
traduzida pela Teoria da Prevenção Especial Positiva, pode-se mostrar as teorias
Ferrianas de repressão como forma para a ressocialização.
66
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 118.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 43.
68
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 117-118.
69
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal. p. 42.
67
25
Foi por meio desses princípios, que traduzem o entendimento do estudo de
Alessandro Baratta sobre as teorias dos principais doutrinadores da Escola Clássica,
também da Positiva, que se baseia a legitimidade do Direito Penal em agir em defesa
do meio social, sendo, portanto importante estudá-los.
26
4 A POSSIBILIDADE DE APLICAR A PENA DE MORTE NO BRASIL EM ESTADO
DE DIREITO COMO FORMA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE
O referido assunto argumentado neste trabalho é muito polêmico, sendo alvo de
muitas avaliações em todo o mundo. Aqui no Brasil existem inúmeras opiniões a favor e
também contrárias à pena capital.
De acordo com a matéria refletida neste trabalho chegou-sei a alguns
entendimentos, que no ponto de vista do autor desta monografia, podem-se relatar
alguns motivos para que a pena capital seja aplicada no ordenamento jurídico pátrio em
casos mais graves: 1-A pena capital poderá influenciar no modo de pensar do criminoso
para que ele possa ficar intimidado e com medo de praticar o crime ou mais crimes. 2-O
regime carcerário contemporâneo não tem dado condições para ressocializar e
recuperar o condenado; 3- De acordo com o trabalho das missões religiosas no sistema
penitenciário do Brasil, alguns condenados têm saído da prisão melhores que entraram,
mas não são todos os indivíduos presos que querem participar destes trabalhos
missionários. É muito difícil recuperar um indivíduo que não quer ser recuperado.
Quando se tolera a existência dessa personalidade de indivíduos, estar-se-á, tolerando
a continuação de suas atitudes; 4-A pena capital pode ajudar a diminuir a lotação das
cadeias, dando assim, quem sabe, um ambiente para quem de certa forma pode ser
ressocializado. Atualmente, condenados comuns ficam no mesmo espaço e ao lado de
condenados perigosos, podendo ser alvos de más influências e coisas ruins semeadas
por esses condenados perigosos. 5-O crimes hediondo está relacionado à atrocidade,
crueldade, ao desprezo, à desconsideração com a vida do outro. Nada nesse mundo
justifica um crime assim; 6-Há indivíduos que possuem distúrbios mentais e
psicológicos incuráveis, e efetivam para que esse indivíduo não enxerguem o
sofrimento e a angústia da vítima. Principalmente os psicopatas, que não conseguem
sentir remorso de outros indivíduos ou sentir arrependimento pelo que fazem. Com isso,
pessoas com essas características têm grande chance de reincindir. 8- Povos antigos
avançados da antiguidade puniam severamente e inclusive com a morte os
delinquentes da época, de acordo com a História Antiga. 9-A China, o Japão, os
Estados Unidos, o Irã e outros países autorizam a pena capital. Será que essas nações
27
defendem menos os direitos humanos que o Brasil? 10-Muitos indivíduos poderiam
pensar antes de cometer alguns atos tipificados como crimes, pois, muitos calculam os
riscos quando projetam as suas atividades. A maior prova disso é o elemento do menor
de idade inserido na criminalidade, com o intuito de evitar a punibilidade. Não se quer
vingança, e sim justiça. 11-Uma nação que deixa seus condenados perigosos viverem,
e deixa que pessoas inocentes morram, promove a injustiça e perpetua a impunidade.
28
5 CONCLUSÃO
O essencial sentido deste trabalho foi averiguar a possibilidade de aplicação da
pena capital no Brasil em estado de direito, em relação a crimes hediondos, que estão
relacionados à atrocidade, crueldade, e ao desprezo à desconsideração com a vida do
outro, como opção à diminuição do percentual da criminalidade, podendo sim ser uma
medida eficaz e positiva para o meio social, tentando mostrar para esse meio, que o
atual Código Penal precisa ser revisto, objetivando aos delitos mais graves um modo de
punição mais rígido, adequado e severo.
Depois de relatar um pouco historicamente sobre a pena de morte, procurou-se
mostrar neste trabalho que a pena capital pode ajudar a diminuir a lotação das cadeias,
dando assim lugar a ao indivíduo que quer ser regenerado e fazer valer também que os
delinquentes possam começar a pensar antes de cometer alguns delitos mais graves.
Para tanto, a pesquisa teve por referencias históricas entrelaçados de acordo
princípios basilares do Direito Penal brasileiro, cominando com opiniões do autor da
pesquisa ao final deste trabalho.
29
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de, A ilusão de segurança jurídica: do controle da
violência à violência co controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução por Juarez Cirino dos Santos. 3º ed., Rio de
Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. De Oliveira.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é crime. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução por
Ligia M. Podré Vassalo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1987.
FERRI, Henrique. Princípios de Direito Criminal. Tradução de Luiz de Lemos
D’Oliveira. São Paulo: Ed. Livraria Acadêmica, 1931.
PINTO FILHO, Edison. Pena de Morte: A possibilidade jurídica da aplicação da
pena de morte no Brasil.
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Vol. I, Tomo I. 4ºed., São Paulo:
Editor Max Limonad.p. 59
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Ed. OAB/SC,
2000, p.161-162.
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.162.
ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. p.163.
CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte Geral.
Tradução por José Luiz V. de A.Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva,
1956. V.1., p.11.
GAROFALO, Rafaelle. Criminologia: estudo sobre o delito e a repressão penal.
Tradução de Júlio Mattos.
Ver nota nº 8 que trata da forma de punição Prevenção Especial Negativa.
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