População em situação de prostituição na BR 116 no

Propaganda
População em situação de prostituição na BR 116 no município de Teófilo Otoni e
políticas públicas
Higo Gabriel Santos Alves1
Leonardo Nogueira Alves2
Diogo Prado Evangelista3
Resumo
O presente artigo pretende traçar algumas características acerca das mulheres em situação de
prostituição no município de Teófilo Otoni. Com isso, buscaremos realizar uma abordagem
histórico-social da prostituição na sociedade burguesa moderna. Neste caso, compreendendo a
prostituição como um das formas de manifestação do processo de mercantilização do corpo e
da vida. Assim, abordam-se as especificidades dessa atividade na BR 116, perímetro urbano
do município de Teófilo Otoni, nordeste de Minas Gerais, entre estas, compreendendo que
esta atividade se desenvolve no município a partir das contradições do capitalismo. Por fim,
aborda como as políticas públicas voltadas para esta população tem se efetivado e a situação
de estigma e preconceito.
Palavras-chave: Prostituição, Capitalismo, Políticas Públicas.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo traçar algumas características acerca da prostituição
de rua, em especial de mulheres e travestis na BR 116 no município de Teófilo Otoni.
Fruto de um trabalho de campo realizado pelos estudantes na disciplina do curso de
Serviço Social da UFVJM intitulada “Questão Social e Globalização”, essa aproximação ao
tema nos possibilitou refletir sobre a condição da prostituição na sociedade capitalista e como
essa população tem acessado as políticas públicas no município, em especial a de assistência
social e saúde.
Com isso procuramos traçar o processo de construção da representação social da
prostituição e da prostituta, tendo em vista a necessidade de considerar esses sujeitos a partir
de suas peculiaridades, numa tentativa de desconstrução de uma abordagem homogênea dessa
prática histórica.
Nesta direção, compreendemos que é de extrema importância caracterizar a sociedade
que se efetiva essa prática, ou seja, as determinações que são postas a todos os indivíduos no
1
Estudante do 5° Período do curso de serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri – [email protected]
2
Estudante do 5° Período do curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri - [email protected]
3
Mestre em Serviço Social pela UNESP e Professor Assistente do Curso de Serviço Social da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – [email protected]
modo de produção capitalista. Feita essas considerações, efetuamos uma abordagem que nos
direciona a apreender o fenômeno da mercantilização, que se expressa nessa sociedade, para
tratarmos de modo peculiar a prostituição neste sistema.
Por fim, identificamos a relação entre prostituição e as políticas públicas de saúde e
assistência social, tendo em vista os desafios para uma efetiva aproximação destas políticas
com essas usuárias, tecendo caraterísticas da violação de seus direitos sociais.
2 REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA PROSTITUIÇÃO
Ao falarmos sobre prostituição, ao que parece, possuímos categorias explicativas que
supõem dar conta do fenômeno, o que apenas o reduz ou o aprisiona em amarras sociais,
políticas e morais que dificultam uma compreensão dessa atividade, uma vez que o que temos
é a conjunção de fatores econômicos, sociais, culturais e políticos, não excludentes entre si,
que dificulta a compreensão do fenômeno que é a prostituição.
Ancoradas no pressuposto de que essas mulheres, supostamente despossuídas de
condições de inserção no mercado de trabalho, a representação dessas é apresentada como um
ser lascivo, insaciável, pecaminoso e ameaçador à moral e aos “bons costumes” da sociedade
moderna burguesa. É recorrente, também, a justificativa da sujeição dessas mulheres a uma
atividade resultante da condição de miséria.
É imprescindível compreender a prostituição como um fenômeno social complexo e
heterogêneo, distante da homogeneidade que por vezes lhe é atribuída, pois como diz
Rodrigues (2010), podemos falar em prostituições, pois são diversas as maneiras de se
prostituírem, seja ela a prostituição doméstica, acompanhantes de luxo, a prostituta que
precisa ir para as ruas como única forma de ganhar dinheiro para consumo de subsistência.
Datam que a prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo. A sua atuação
e o modo no qual a mesma era visualizada na sociedade varia de acordo com o modo de
produção. Entretanto, enquanto conceito surge no século XIX, elaborado por sanitaristas e
policiais, já que se constituía numa ameaça ao modelo de família patriarcal burguesa. Como
percebemos no fragmento do documento elaborado pelo Ministério da Saúde4 (2002, pg. 33):
Os primeiros estudos sobre a prostituição foram feitos principalmente por
médicos higienistas e criminologistas, com a preocupação de salvaguardar a
saúde e a moral das famílias. Contudo, essa preocupação com as
“sexualidades vagabundas”, por parte dos doutores, revelava, em verdade, a
intenção de assumirem o papel de mentores dos códigos de moralidade
4
Profissionais do sexo: documento referencial para ações de prevenção das DST e da AIDS.
pública... a prostituta era considerada como uma ameaça para a construção
da família higienizada. Ela era vista como responsável pela degradação física
e moral dos homens e, por extensão, pela destruição das crianças e da
família.
Ao aceitarmos o argumento que a prostituição enquanto categoria surge no
capitalismo, o ato é ulterior a essa designação. De acordo com Botelho (2003) durante um
período histórico, numa sociedade matriarcal a prostituição era sagrada, pois a cultura, a
religião e a sexualidade estavam interligadas. A relação entre espiritualidade de sexualidade
estava intrínseca. As mulheres que realizavam tais práticas eram consideradas Deusas por
serem criadoras da vida. Com o passar do tempo, na Idade Média o Cristianismo as
repugnavam, mas consideravam um mal necessário.
Na sociedade capitalista, na qual há uma transformação societária que advém com a
industrialização, urbanização e as formas de ocupação feminina na mesma, conceituar
prostituição é saber que é um fenômeno basicamente urbano, inscreve-se numa economia do
desejo, característica de uma sociedade em que predominam as relações de troca, e em todo
um sistema de codificações morais, que valoriza a união monogâmica, a família nuclear, a
virgindade, a privatização do sexo, a fidelidade feminina.
Concordamos com Rago (2008) ao falar que a construção da identidade prostituta feita
de maneira masculina significou silenciá-la e estigmatizá-la. À família cabe ao homem
decidir, ser o chefe da família e à mulher ser a administradora doméstica. Essa imagem da
prostituta foi construída como um contra-ideal necessário para atuar como limite a liberdade
feminina.
Segundo a mesma autora as perturbações com a prostituição deram início a partir do
capitalismo, e consigo policiais, médicos, higienistas, juristas elaboraram suas observações.
Tais atividades silenciaram e estigmatizaram as prostitutas e por outro lado ofereceram
explicações econômicas sobre a mercantilização do corpo feminino, isto é, alocaram a
prostituta na condição de vítima. Seguindo essa lógica a prostituição é focalizada como
resposta a uma situação de miséria da mulher para a vida saudável a ordem capitalista,
entretanto essa mesma sociedade é a que silencia, corrompe os direitos das prostitutas
enquanto mulheres e trabalhadoras. Sua função, na sociedade capitalista, é a de “aliviar”
esporadicamente a tensão criada pela imposição de regras de comportamento sexual,
liberando os homens dar vazão aos impulsos libidinais reprimidos no interior das famílias
burguesas.
Nesse sentido a prostituta é visualizada como a que vende o corpo e a sua sexualidade
como mercadoria. Rago (2008, pg. 46) ao falar sobre essa dualidade protela:
Ela simbolizava um mundo, como observou Baudelaire, onde tudo se
transformava em mercadoria, o que levava o poeta a identificar-se com
aquela que vendia o corpo no mercado. Simultaneamente vendedora e
mercadoria, ela simbolizava aquilo que se via como degradação: uma
sociedade onde as relações sociais são mediadas pelo equivalente geral, o
dinheiro...
Vendendo partes do seu corpo, a relação que se estabelece entre prostituta e
freguês não configura uma relação entre indivíduos, mas entre objetos
parciais, o que é absolutamente degradante para uma sociedade que aposta
em construir uma forma de subjetividade a partir de um corpo pessoal.
Nesse sentido, a compreensão da prostituição amparada pelo modelo econômico
cumpre finalidades que não podem deixar de serem elucidadas. Os aspectos socioculturais que
sacralizam o sexo, tornando pecaminoso toda e qualquer manifestação de conduta sexual que
não esteja associado à questão da reprodução, a inquietação frente a prostituição se instala e
torna-se necessário encontrar uma lógica, seja qual for, para que o ato do sexo mediado pelo
prazer/dinheiro seja menos indigesto.
Por outro lado, a justificativa da necessidade financeira e de sobrevivência induz a
representação social da prostituição. Por outro a figura da prostituta torna-se um incômodo
tolerado, pois ela funcionaria como uma válvula de escape para o incontrolável desejo sexual
dos homens. Com isso preserva-se a figura sagrada da esposa, no qual o sexo é vinculado à
reprodução.
Abarcadas a essas justificativas, que segundo a moral jurídico-cristã, colocam em risco
os “valores” da sociedade e o sistema socioeconômico, a perpetuação e a legitimação da
diferença enquanto expressão da desigualdade que separa a unidade social, identificamos em
especial a certeza da relação entre a prostituição e a marginalidade, através da presença do
tráfico e o consumo de drogas ilícitas, da violência, da situação espacial na qual exercem a
atividade e de outras práticas criminosas.
De tal modo, o uso e o tráfico de drogas, a violência física, os assaltos e brutalidades
passam a compor organicamente a representação social das prostitutas, isto é as questões
espaciais, culturais e econômicas fazem parte da construção dessa identidade social, e dos
mecanismos de discriminação e preconceitos em relação ao exercício da prostituição.
3 A PROSTITUIÇÃO NO CAPITALISMO
Mover esforços para compreender a prostituição no capitalismo significa partir de uma
concepção teórico-metodológica que apreende a sociedade burguesa em sua totalidade, tendo
em vista que esta ocupa todos os espaços da vida social. Neste sentido, para desvendar o
significado da prostituição, enquanto uma prática histórica é necessário elucidar quais são as
características determinantes do momento histórico que vivemos.
O capitalismo se concretizou, em escala planetária, como modo de produção
dominante. Neste percurso inaugurou uma série de caraterísticas inerentes ao seu próprio
desenvolvimento. Uma abordagem central pode ser encontrada na compreensão da
mercadoria e de seus determinantes. Para Marx (1996 pág. 165) “a riqueza das sociedades em
que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de
mercadorias”.
Tendo em vista que a riqueza social é pautada na produção da mercadoria, os homens
e mulheres enquanto produtores dessas mercadorias estabelecem, portanto, uma relação
peculiar, no que diz respeito a produção e ao consumo. Nesta direção, resgatar que neste
modo de produção existe uma contradição intrínseca caracterizada pela forma como são
apropriados à riqueza socialmente produzida é elementar. Existem neste caso, as pessoas que
são proprietárias dos meios de produção e aquelas que possuem apenas a sua capacidade (ou
força) de trabalho. Nessas condições, o trabalho deixa de ser um meio para satisfazer as
necessidades sociais, mas um meio para satisfazer as necessidades exteriores aos
trabalhadores.
Com isso, alguns poderão apropriar-se da riqueza, do excedente e os outros poderão
apenas vender sua força de trabalho, como mais uma mercadoria, em troca de salário. Essa
relação desigual e de exploração é uma contradição necessária para a manutenção do sistema
capitalista, bem como é responsável por construir novas contradições. Refere-se,
prioritariamente, ao fato de percebemos que a prostituição na sociedade capitalista é
mediatizada por elementos que anteriormente não eram determinantes.
Para sintetizar esta relação de exploração do trabalho e apropriação privada da riqueza
social na sociedade capitalista, Marx (1993, pág. 65) resume,
O operário torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção cresce em poder e volume. O operário torna-se uma
mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a
valorização do mundo das coisas cresce a desvalorização do mundo dos
homens em proporção direta. O trabalho não produz apenas mercadorias, e
com efeito na mesma proporção em que produz mercadorias em geral.
Desse modo, a mercantilização é uma característica fundamental para compreender o
modo de produção capitalista. Essa relação não é pautada exclusivamente na produção das
mercadorias, mas produção e simultaneamente reprodução de relações sociais determinadas
pela lógica do capital. O capitalismo não produz apenas mercadorias, excedente e mais-valia.
Em sua lógica ele produz a reprodução da vida social, ocupa todos os espaços possíveis,
inclusive a sexualidade humana.
Nas palavras de Marx apud Braz e Netto (2008 pág. 137)
(...) O processo de produção capitalista, considerando como um todo
articulado ou como processo de reprodução, produz, por conseguinte não
apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a
própria relação capital, de um lado o capitalista, de outro o trabalhador
assalariado.
Nesta lógica em curso, podemos reconhecer que na produção e reprodução da relação
social como capital consiste a “questão social”. Para compreender esse debate é necessário
fazer referência ao processo que Marx classificou como “Lei Geral de Acumulação
Capitalista 5 ”. Marx identifica essa tendência do capitalismo, em que seu desenvolvimento
seria paralelo ao aumento da exploração, da pobreza, em suma, da degeneração das condições
de vida classe trabalhadora, numa relação onde a pobreza crescia vinculada diretamente ao
aumento da produção de riqueza social.
Para Netto (2008 pág. 132) “a principal consequência para os trabalhadores é a
constituição o que Engels (...) designou como exército industrial de reserva – ou seja, um
grande contingente de trabalhadores desempregados, que não encontravam compradores para
sua força de trabalho”. O autor salienta ainda que apesar do exército industrial de reserva não
ser uma construção consciente do sistema capitalista, este é um componente necessário e
constitutivo da própria ordem social vigente.
O que Marx caracterizou como exército industrial de reserva não é algo homogêneo e
estático, mas um conjunto de sujeitos sociais que mantem uma relação de trabalho que oscila
entre formal/provisória e noutros casos sem nenhuma perspectiva de emprego6.
5
Baseada numa tendência contínua de aumento da acumulação a partir das características da concentração e
centralização de Capital, num processo permanente de aumento da composição orgânica do Capital – diminuição
da relação entre capital variável (força de trabalho) e capital constante (forças produtivas). Esse processo
também caracterizado com o aumento da desigualdade social e do pauperismo, tendo em vista que este é
ineliminável no modo de produção capitalista. Para uma maior análise do tema, além do O’ Capital, Livro 1 cap.
23, ver Braz e Netto (2008, cap. 5).
6
Essa relação também é importante para pensarmos como os salários são regulados a partir do contingente de
pessoas tidas como inaptas ao trabalho regulamentado, dando possibilidades ao capitalista para diminuir os
salários, ou em momentos especiais, mobilizar segmentos desempregados para suprir suas necessidades.
Nesse processo simultâneo entre o aumento da riqueza social e as desigualdades
sociais, tendo em vista a apropriação privada dessa riqueza, a luta de classe atinge um
momento em que a classe trabalhadora passa a se organizar em busca de melhores condições
de vida. É neste momento que se torna necessário que o Estado busque formas de intervenção,
surgindo uma mediação importante: a política social. O Estado Burguês passa a administrar
conflitos existente oriundos da chamada questão social. Esta por sua vez, deve ser vinculada
ao conflito ineliminável da ordem burguesa: a relação entre capital e trabalho7.
É necessário não perder de vista que a questão social possui um fundamento particular
vinculado à dinâmica da ordem burguesa. A sociedade capitalista, em suas múltiplas
determinações, experimenta um processo em que a questão social se manifesta sobre diversas
formas, obrigando os examinadores efetuar uma análise social, histórica, política, econômica
e cultural, pois ainda que exista um fundamento único, ela se manifesta em diversas
expressões.
É nessas condições que nos propomos a fazer uma análise da prostituição nos marcos
da sociedade capitalista, tendo em vista suas contradições imanentes e, sobretudo as
condições que são submetidas à população em situação de prostituição na BR 116 no
município de Teófilo Otoni, Minas Gerais.
A prostituta, na sociedade capitalista, se relaciona como uma mercadoria. Essa mesma
sociedade que cria condições para o exercício da prostituição, a partir da lógica da
mercantilização, coloca essa população numa condição de exploração e estigma, ao mesmo
tempo em que proporciona deliberadamente a violação dos direitos sociais.
A mercantilização do corpo, da sexualidade e da vida das mulheres encontra espaço
privilegiado na sociedade capitalista. A indústria cultural, em especial a erótica, quando
divulga a liberdade feminina faz de modo que essa pseudo-liberdade esteja atrelada ao
consumo. A suposta “revolução” sexual contra a opressão masculina tem servido como
pretexto para fomentar o consumo em massa, pois a busca pela emancipação feminina vem se
efetivando no âmbito do mercado, numa relação direta com as condições de acesso ao
consumo de mercadorias.
4 PROSTITUIÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS EM TEÓFILO OTONI
7
Para uma análise sócia histórica sobre este contexto ver Netto (2011 pág. 19-34).
Teófilo Otoni é um município polo localizado no Vale do Mucuri, cortado por duas
rodovias, a BR 116 e a MG 418, o que contribui para o fluxo intenso de veículos e pessoas.
No Estado de Minas Gerais se visualizarmos as 10 cidades com o pior Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) vemos que quatro desses municípios fazem parte da região
do Vale do Mucuri. Percebemos que a atividade econômica dessa região está estagnada, não
por ela não ser produtiva, mas pelo fato de que o Capital ainda não precisou utilizar as forças
produtivas dessa região.
Por sua vez a cidade de Teófilo Otoni, de acordo com Fundação João Pinheiro (2011)
a cidade contabiliza 134.745 habitantes e levando em consideração a problemática da região a
oferta de emprego é escassa. Segundo o Índice Mineiro de Desenvolvimento Social 23.754
cidadão tem emprego formal, o que representa 26,80% a taxa de empregos formais.
Diante da questão econômica anunciada e da situação espacial que favorece a
prostituição, muitas mulheres impossibilitadas de venderem sua força de trabalho de forma
legalizada pelos direitos trabalhistas8, acabam vendendo seu corpo e sua sexualidade.
Neste trabalho nos propusemos a perceber como as políticas públicas de saúde e
assistência social tem efetivado em Teófilo Otoni. Para isso, compreendemos que estes
serviços estão regulamentos na Constituição Federal de 1988, tendo como princípios o direito
do cidadão e o dever do Estado.
Nesta direção, nos referimos diretamente às políticas de assistência social e saúde pelo
papel que desempenham no âmbito da seguridade social e no sistema de proteção social
regulamentado no Brasil. Também partimos do pressuposto que tais políticas, são
atravessadas por contradições e tensões, no que dizem respeito ao próprio caráter da formação
social e histórica brasileira.
No que diz respeito a política de assistência social é necessário afirmar que esta só
ganha destaques com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Entretanto,
esse contexto era marcado por uma inflexão do Brasil nos ajustes neoliberais em curso no
mundo desde a década de 1970. A década de 1990 foi um momento onde esses ajustes
neoliberais interferiram diretamente na efetivação das políticas sociais, contribuindo para uma
8
Em 2002 as profissionais do sexo entraram para a Classificação Brasileira de Ocupações. No ano seguinte, o
deputado Fernando Gabeira apresentou o projeto de Lei 98/2003 que propõe legalizar a prostituição, embora no
ano anterior a profissional do sexo já esteja inserida do COB, mas a prostituição só é aceita a feminina e que não
seja agenciado por terceiros e nem pode haver casas para abrigá-las. O autor ao defender o projeto interpela “a
prostituição é atividade contemporânea à própria civilização e nunca deixou de existir porque a própria
sociedade que a condena a mantém. O único caminho digno é admitir a realidade, tornando possível a exigência
de pagamento pelos serviços prestados e, por consequência, reduzindo os malefícios resultantes da
marginalização da atividade.”. Ver mais em:
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/documentos/0017.html
lógica que combina continuidade e rupturas com o modelo de proteção social até então
estabelecido no Brasil. Essa lógica pode ser apreendida a partir das orientações neoliberais
que combinam privatização, focalização e descentralização como fio condutor das políticas
sociais.
Com inúmeras resistências dos setores progressistas, de acordo com Behring e
Boschetti (2011 pág. 148) esse período foi marcado por:
(...) Reformas orientadas ao mercado, num contexto em que os problemas no
âmbito do Estado brasileiro era apontado como causas centrais da profunda
crise econômica e social vivida pelo país desde o início dos anos 1980.
Reformando-se o Estado, com ênfase especial nas privatizações e na
previdência social, e, acima de tudo desprezando as conquistas de 1988, no
terreno da seguridade social (...).
A política de assistência social foi fortemente impactada. Pode-se perceber que desde
a aprovação da LOAS, o único benefício que foi implementado refere-se ao BPC – Benefício
de Prestação Continuada, que prevê um benefício no valor do salário mínimo vigente,
destinado a idosos, deficientes mentais e físicos, entre outros. Nos últimos anos,
particularmente a partir de 2003 a assistência social percorre um ciclo de expansão,
principalmente com a aprovação da PNAS – Política Nacional de Assistência Social e a
criação do SUAS – Sistema Único da Assistência Social. Com isso, houve uma ampliação dos
serviços sócio assistenciais, bem como a unificação dos serviços já prestados.
Nas palavras de Behring ( 2012 pág. 161) “desde a aprovação da LOAS , em 1993, até
2004, não houve, à frente dessa política social que compõe o tripé da seguridade social
brasileira, uma direção política com compromissos estratégicos com os princípios ali
preconizados”.
Neste momento, a política de assistência social passa a se referenciar a partir dos eixos
de territorialidade e matricialidade sócio familiar. Esses eixos serão determinantes para
compreender como a população em situação de prostituição será violada de seus direitos
sociais.
A matricialidade sócio familiar se organiza com base na centralidade da família para a
política de assistência social, no que diz respeito aos seus programas, projetos e serviços. Esse
princípio implica reconhecer o papel da família na garantia dos direitos sociais e potencializar
seu papel na efetivação destes. Entretanto, essa lógica de centralidade na família tem ligações
profundas com o direcionamento das políticas sociais no Estado neoliberal, em que estão em
voga as necessidades de desresponsabilização do Estado face demandas sociais, bem como
seu papel regulador e provedor dos direitos sociais.
De acordo com Mioto (2008 pág. 141)
O incremento da ideia de família como centro da proteção e com ela o amplo
desenvolvimento do voluntariado, das entidades não governamentais e o
delineamento de “novas profissões” no interior das políticas sociais,
inclusive nas públicas, vai favorecer não só a reativação exponencial da ideia
liberal de responsabilidade da família em relação a provisão de bem estar,
como também a reativação de práticas disciplinadoras tão comuns nos
séculos anteriores, principalmente em relação as famílias pobres.
Com essas considerações sobre como a centralidade na família tem direcionado a
política de assistência social no Brasil, como princípio da PNAS, a família passa a ocupar um
papel de destaque em face ao papel do Estado. É importante ressaltar que a própria PNAS
(2004 pág. 35) tem como pressuposto que a família deve “prevenir, proteger, promover e
incluir seus membros (...) garantir condições de sustentabilidade para tal”. Esse princípio será
norteador dos programas de proteção social básica e especial à família, desenvolvido nos
equipamentos CRAS e CREAS9.
Outro princípio diz respeito a territorialidade, que além de levar em consideração a
descentralização política e administrativa da assistência social, proporciona uma
caracterização dos municípios a partir das necessidades das população local. Entretanto, essa
lógica também proporciona que os equipamentos (em especial os CRAS) se desenvolvam e
articulem territórios específicos para sua atuação no âmbito da proteção social básica. Em
geral, essas unidades se desenvolvem em territórios específicos, como um agrupamento de
bairros.
Esses dois eixos norteadores da assistência social no Brasil são de extrema relevância
quando pretendemos abordar como a população em situação de prostituição, neste caso nos
referimos à prostituição de rua, localizada na BR 116 no município de Teófilo Otoni, terá
acesso a esta política pública. Esta situação que combina prostituição com tráfico e uso de
drogas, coloca desafios para que as usuárias consigam ter acesso a estas políticas sociais.
Outro fato importante diz respeito que, em sua grande maioria, não são portadoras de vínculos
familiares e residência fixa, alternando de moradia frequentemente.
9
Os Centros de Referência da Assistência Social e os Centros de Referência Especializados da Assistência
Social, respectivamente, formam uma rede sócio-assistencial, no âmbito do Sistema Único da Assistência Social
(SUAS), desenvolvendo programas, projetos e serviços para atender as famílias em situação de “vulnerabilidade
social”. Cabe destacar que essas ações são norteadas pela concepção de atenção básica as famílias (CRAS) e
atenção especial de média e alta complexidade (CREAS).
É necessário ainda nos remeter a condição de travestilidade10 das inúmeras prostitutas
que vendem seu corpo e sua sexualidade nesta região. Em geral, devido essa condição não
residem com sua família biológica, não mantendo vínculo em território que residiam antes
desta condição11.
Dessa forma, essas mulheres permanecem numa condição em que a própria política de
assistência não oferece condições para ampará-la, levando em consideração que os próprios
eixos norteadores são falhos, não permitindo o acesso dessa população especificamente aos
programas, projetos e serviços da proteção social básica e especial.
No que tange as políticas públicas destinadas às mulheres, desde o século XX elas
foram inseridas, entretanto eram ações limitadas à atenção maternal-infantil, com ênfase na
fase pré e pós-gravidez. Em 1984 cria-se o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
– PAISM – que foi considerado um marco histórico, pois orientou um novo enfoque nas
políticas públicas voltadas para a saúde da mulher em todas as fases de seu ciclo vital.
Tendo como pressuposto os princípios do Sistema Único de Saúde – SUS –, que determina o
acesso universal, integral, equitativo, as ações do PAISM pretendeu educação e promoção em
saúde, acesso aos serviços de saúde, atenção à saúde sexual e reprodutiva.
Outro marco deu-se na criação, em 2003, da Secretaria Especial de políticas para as
Mulheres da Presidência da República, visto a necessidade de assessorar, elaborar, coordenar
as políticas públicas para as mulheres.
Com o crescimento da AIDS a partir da década de 1990 e principalmente entre as
mulheres vigora desde 2007 o Plano Integrado de Enfrentamento à Feminização da AIDS e
outras DST. (BRASIL 2011, pg. 17)
Do total de casos notificados até junho de 2010, 65% foram do sexo
masculino (385.818 casos) e 35% do feminino (207.080 casos) e, em 2009, a
taxa de incidência foi de 25,0 por 100.000 hab. entre homens e 15,5 por
100.000 hab. entre mulheres. A razão de sexos (M/F) diminuiu
consideravelmente do início da epidemia para os dias atuais: em 1986, a
razão era de 15,1:1, ou seja, para cada 15 casos em homens, havia um caso
em mulher e, a partir de 2002, estabilizou-se em 1,5:1 (para cada 15 casos
10
Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo
biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade. Muitas travestis modificam
seus corpos por meio de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém, vale ressaltar
que isso não é regra para todas (definição adotada pela Conferência Nacional LGBT em 2008. Diferentemente
das transexuais, as travestis não desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual (mudança de órgão genital).
ABLGBT. Manual de comunicação LGBT.
11
Essa situação é levada em consideração pois nos remete a refletir as especificidades das travestis que
prostituem na BR 116, tendo em vista que a violação de seus direitos se agrega ao estigma vivenciado pelo sua
identidade de gênero. Além disso, essas mulheres em geral sofrem os rebatimentos da homofobia e da negação
dos vínculos familiares de maneira mais efetiva.
em homens, há dez casos em mulheres. Chama atenção a análise da razão de
sexos em jovens de 13 a 19 anos. Nessa faixa etária, o número de casos de
aids é maior entre as mulheres. A inversão ocorreu em 1998, com 8 casos em
meninos para cada 10 casos em meninas e se mantém nesse patamar desde
então.
Este se faz através do reconhecimento das desigualdades de gênero, em interação com
a pobreza, o racismo, a violência, o estigma e, também, a discriminação relacionada à
orientação sexual e identidade de gênero, estilo de vida e a prostituição. Além de ter incluído
as mulheres em situação de prostituição, as transexuais e as MSM (mulheres que fazem sexo
com mulheres) na agenda de ações de enfrentamento ás DST.
Em 2001 surgiu a Política de Preservativos Masculinos e Femininos do Ministério da
Saúde, como parte integrante do Programa nacional de DST/AIDS. Em 2003 foram
distribuídos 256,7 milhões de preservativos masculinos e 2,5 milhões de preservativos
femininos, alcançando público das prostitutas (AQUINO, PINHEIRO e XIMENES 2010, pq.
20).
Em 2002 o Ministério da Saúde dispõe um documento que convém para os técnicos da
saúde e profissionais do sexo. No qual direciona para os que planejam, executam e avaliam
programa de prevenção das DST e da AIDS. Em 2002, também, o Seminário Nacional AIDS
e Prostituição convocado pelo ministério da Saúde.
Aliado a tudo que foi dito, as profissionais do sexo foram particularmente associadas á
epidemia da AIDS desde o seu primórdio. Justificativa de uma conjunção de fatores que
decorre tanto de sua atividade profissional como de seu gênero, da discriminação e do
estigma. Sobre esse último ponto o mesmo documento (BRASIL 2002, pg. 35) faz a seguinte
observação:
O indivíduo, ao portar sinais característicos capazes de provocar o desdém de uma
coletividade que se julga superior, sofre um processo continuado de desqualificação enquanto
sujeito e tem o seu status de cidadão negado. O estigma se constitui um atributo imposto pela
sociedade com base naquilo que esta considera uma diferença ou desvio indesejável.
Tais fatores, não obstante serem centrais para as prostitutas permanecem invisíveis
para a população geral, como pode ser examinado pela sua ausência na formulação e controle
de políticas públicas, no nível municipal, estadual ou federal. Por mais que o governo federal
tem criado ações na área da saúde precisamos efetivar as existentes e contar com o público
alvo na participação da criação e da implementação das mesmas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, sabemos que a prostituição é mais uma das formas de manifestação
do processo de venda, perda e alienação humana de suas atividades sociais e de si mesma.
Estar inserida na sociedade capitalista e mercantilizar sua sexualidade tornam as mulheres em
situação de prostituição sujeitos alienados como os outros trabalhadores que vendem sua força
de trabalho.
As condições de trabalho são desiguais, exploratórias, enfrentam violação dos direitos,
enquanto cidadãs, além do impacto na saúde física e psicológica dessas mulheres. Desse
modo a violência física, falta de informação sobre prevenção de DST, assaltos, tráfico de
drogas passam a compor a representação social dessas mulheres.
Embora haja algumas iniciativas de políticas públicas, elas têm se mostrado
insuficientes para essa parcela da sociedade. Apesar de serem minimamente contempladas na
área da saúde, questões de cidadania e dos direitos humanos ficam aquém do necessário. É
imperativo que haja formulação de políticas públicas destinadas às mulheres em situação de
prostituição, mas que essas possam participar na elaboração das políticas, uma vez que possa
resultar num trabalho interdisciplinar, promovendo ações não só focadas na saúde, mas
também, na assistência e nos direitos civis.
Abstract: This paper aims to outline some features about women in prostitution in the city of
Teófilo Otoni. With that, we will try to perform a social-historical approach of prostitution in
modern bourgeois society. In this case, understanding of prostitution as a form of
manifestation of the process of commodification of the body and life. Thus, addressing the
specificities of this activity in BR 116, the urban perimeter of Teófilo Otoni, northeast of
Minas Gerais, among these, realizing that this activity develops in the county from the
contradictions of capitalism. Finally, it discusses how public policies targeting this population
has been effected and the situation of stigma and prejudice.
Keywords: Prostitution, Capitalism, Public Policy.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Priscilla de Souza; PINHEIRO, Ana Carina Bezerra; XIMENES, Lorena Barbosa.
Políticas públicas de saúde voltadas à atenção à prostituta: breve resgate histórico. Rev.
Enfermagem em Foco. v 1 nº 1 pag. 18 – 22. Salvador: 2010
BEHRING, Elaine R. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservadorismo nas políticas
sociais. In: BEHRING, E. R; ALMEIDA, M. H. T. Trabalho e Seguridade Social: percursos
e dilemas. São Paulo: Editora Cortez. 2002
BEHRING, Elaine R; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e história. 8°
Edição. São Paulo: Editora Cortez. 2011.
BRASIL. Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia da AIDS e
outras DST. Ministério da Saúde. Disponível em < http://www.aids.gov.br/publicacao/planointegrado-de-enfrentamento-da-feminizacao-da-epidemia-de-aids-e-outras-dst> Acesso em
28 ago 2012.
BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate a Fome. Brasília. 2004.
BRASIL. Profissionais do sexo: documento referencial para ações de prevenção das DST
e da AIDS. Ministério da Saúde. Brasília. 2002
BRAZ, Marcelo; NETTO, José Paulo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Editora Cortez. 2008
EDUCAÇÃO PÚBLICA. PROJETO DE LEI 98/2003 – Prostituição. Disponível em <
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/documentos/0017.html>. Acesso em 05 set
de 2012.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Disponível
em
<
http://www.fjp.gov.br/index.php/indicadores-sociais/-imrs-indice-mineiro-deresponsabilidade-social>. Acesso em 05 set de 2012.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. Lisboa: Editora Avante 1993
MARX, Karl. O’ Capital: Crítica da Economia Política. Volume 1. Ed. São Paulo: Nova
Cultural.1996
MIOTO, Regina C. T. Família e políticas sociais. In: BEHRING, E, R (orgs.) et all. Política
Social no Capitalismo: Tendências Contemporâneas. São Paulo: Editora Cortez. 2008.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8° Edição. São Paulo:
Editora Cortez. 2011.
RAGO, Margareth. Os Prazeres da Noite. 2ª Edição. São Paulo: Editora Paz e Terra. 2008.
RODRIGUES, Marlene Teixeira. A prostituição no Brasil contemporâneo: um trabalho como
outro qualquer? Revista Katálysis. v. 12 n. 1 pag. 68-76 jan/jun. Florianópolis: 2009.
Download