curso de especialização em gestão pública e controle externo

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA
Credenciamento MEC – Portaria nº 1965/06
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA E
CONTROLE EXTERNO
SISTEMA DE PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO FINANCEIRA,
EM ESPECIAL O ORÇAMENTO PÚBLICO: USO ADEQUADO E POSSIBILIDADE DE CONTROLE PELO JUDICIÁRIO.
LUIZ CARLOS DA SILVA ARAÚJO
PORTO ALEGRE
2008
RESUMO
O presente trabalho foi desenvolvido com o intuito de demonstrar algumas mazelas ainda existentes na administração pública, fruto do tratamento
inadequado que vem até então sendo dado ao Orçamento Público e aos outros
dois instrumentos do sistema de planejamento e orçamento, bem como apresentar sugestões para a busca e manutenção do equilíbrio das contas públicas. Inicialmente, listou-se uma série de conceitos importantes ao entendimento do tema. A seguir, procurou-se dar ênfase a questões atinentes à receita e à
despesa públicas, figuras basilares do Orçamento Público, fazendo-se um histórico sobre o surgimento universal e local desta importante peça. Salientou-se,
também, que o comportamento da receita pública é que deve dar sustentabilidade aos gastos públicos, não havendo mais espaço para improvisos na gestão pública. Posteriormente, teceu-se comentários sobre a atuação dos mecanismos de controle: interno, externo e popular (social). Finalizando, sugeriu-se
algumas medidas de possível implementação nas entidades públicas com vistas a tornar a administração mais eficiente e efetivamente voltada ao cidadão,
a razão da sua existência, bem como enfatizou-se a possibilidade de controle
judicial do Orçamento Público, pelo Supremo Tribunal Federal, tanto na parte
afeta à técnica de elaboração (formal), quanto ao conteúdo da peça orçamentária (materialidade).
Palavras-chave: Orçamento Público. Gestão. Receita. Despesa. Administração Pública. Controle.
ABSTRACT
This work was developed in order to show some of the problems still
existing in public administration, result of the improper treatment which comes
so long being given to the Public Budget and to other two instruments of the
system of planning and budging, as well as show suggestions to the search and
conservation of the public accounts equilibrium. Initially, it was listed a series of
important concepts for the understanding of the subject. After, is was emphasized issued relative to the revenue and the public spending, figures from the
base of the Public Budget, being made a history about the universal appearance and local from this important piece. It was also pointed, that the behavior
of the public revenue should give sustainability to public waste, not having more
space for improvisations in management issues. Posteriorly, comments were
made about the performance of the control mechanisms: internal, external and
popular (social). Concluding, it was suggested some measures of possible implementations in public bodies aiming to make administration more effective
and directed to the citizen, the reason of his existence, as well as it was emphasized the possibility of judicial control of Public Budget, by the Supreme
Court, both in the technique of preparation affects the (formal), as the contents
of the budget document (materiality).
Keywords: Public Budge. Management. Revenue. Waste. Public Administration. Control.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 13
2
FINANÇAS PÚBLICAS .......................................................................... 15
2.1
ESTADO................................................................................................ 16
2.2
NECESSIDADES PÚBLICAS E ATIVIDADE FINANCEIRA
DO ESTADO ........................................................................................ 17
2.2.1
Necessidades Públicas .................................................................... 18
2.2.1.1 Necessidades Individuais.................................................................. 18
2.2.1.2 Necessidades Coletivas.................................................................... 19
2.2.1.3 Necessidades de Interesse Público................................................. 19
2.3
RECEITA PÚBLICA ............................................................................ 19
2.3.1
Estágios Clássicos da Receita Pública .......................................... 20
2.3.1.1 Lançamento ....................................................................................... 20
2.3.1.2 Arrecadação ...................................................................................... 21
2.3.1.3 Recolhimento .................................................................................... 21
2.4
DESPESA PÚBLICA .......................................................................... 21
2.4.1
Estágios Clássicos da Despesa Pública ......................................... 22
2.4.1.1 Empenho ............................................................................................ 22
2.4.1.2 Liquidação ......................................................................................... 23
2.4.1.3 Pagamento ......................................................................................... 23
2.4.2
Créditos Adicionais ........................................................................... 23
2.4.2.1 Créditos Suplementares ................................................................... 24
2.4.2.2 Créditos Especiais ............................................................................ 24
2.4.2.3 Créditos Extraordinários .................................................................. 24
3
INSTRUMENTOS DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO
E ORÇAMENTO .................................................................................. 26
3.1
FINALIDADE ........................................................................................ 26
3.2
PLANO PLURIANUAL (PPA) .............................................................. 27
3.3
LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS LDO) ................................. 28
3.4
LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA) .............................................. 29
3.4.1
Princípios Orçamentários .............................................................. 31
3.4.1.1 Princípio da Legalidade .................................................................. 32
3.4.1.2 Princípio da Unidade ...................................................................... 32
3.4.1.3 Princípio da Universalidade ........................................................... 33
3.4.1.4 Princípio da Anualidade ou da Periodicidade .............................. 33
3.4.1.5 Princípio da Exclusividade ............................................................ 33
3.4.1.6 Princípio do Orçamento Bruto ....................................................... 34
3.4.1.7 Princípio da Não-Afetação ou Não-Vinculação
das Receitas Públicas ..................................................................... 34
3.4.1.8 Princípio da Discriminação ou Especialização ............................ 35
3.4.1.9 Princípio da Publicidade ................................................................ 35
3.4.1.10 Princípio da Programação .............................................................. 36
4
USO ADEQUADO DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO E
PROGRAMAÇÃO FINANCEIRA, PRINCIPALMENTE DO
ORÇAMENTO PÚBLICO .................................................................. 37
4.1
ASPECTOS HISTÓRICOS DO ORÇAMENTO PÚBLICO ................. 38
4.2
EVOLUÇÃO CONCEITUAL DO ORÇAMENTO PÚBLICO ............... 41
4.2.1
Orçamento Tradicional .................................................................... 43
4.2.2
Orçamento-Programa ...................................................................... 45
4.2.3
Orçamento com Participação Popular ........................................... 47
4.3
O ORÇAMENTO PÚBLICO QUANTO A SUA CONCEPÇÃO ........... 49
4.4
O ORÇAMENTO PÚBLICO, INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO,
DIANTE DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL N° 101/2000 ........... 64
4.5
A TRANSPARÊNCIA DO GASTO PÚBLICO E A INCLUSÃO DA NO-
VA EXPRESSÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES:
A ACCOUNTABILITY ........................................................................ 67
4.6
EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E O CHOQUE CONTRA
A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL ......................................... 69
4.7
IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE CUSTOS NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA ............................................................................................ 72
4.8
MONITORAMENTO MENSAL DA RECEITA REALIZADA COMO
SUBSÍDIO (FONTE) AO EMPENHAMENTO DAS DESPESAS ......... 75
5
POSSIBILIDADE DE CONTROLE SOBRE
O ORÇAMENTO PÚBLICO ................................................................... 79
5.1
MECANISMOS DE CONTROLE INTERNO E EXTERNO E A
POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL SOBRE O
ORÇAMENTO PÚBLICO .................................................................... 80
5.1.1
Controle Interno ................................................................................ 80
5.1.2
Controle Externo ............................................................................... 80
5.1.3
Controle Social .................................................................................. 82
5.1.4
Controle Judicial do Orçamento Público ........................................ 85
6
CONCLUSÃO ..................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 93
13
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva a demonstrar a importância dos instrumentos integrantes do sistema de planejamento e orçamento, principalmente o
Orçamento Público. Serão abordados, na parte inicial, uma série de conceitos
importantes ao entendimento da matéria, inclusive comentários sobre a biografia mundial do Orçamento Público.
Em nível nacional, abordar-se-á o aparecimento do orçamento e a sua
evolução, desde a época em que era uma peça neutra em termos de política
financeira e que também possuía pouco significado econômico, constituído de
uma mera descrição dos meios, com seus respectivos valores, denominado de
Orçamento Tradicional, também intitulado de “Lei de Meios”, ou seja, meios
que o Poder Público necessitava para por em prática as suas ações, passando, a seguir, pela análise do Orçamento-Programa até o orçamento com a participação popular.
Ainda no que diz respeito à evolução da peça orçamentária, será enfocado o surgimento do Orçamento-Programa, a partir da necessidade de um
instrumento de curto prazo que possibilitasse o gerenciamento mais amplo sobre a receita e a despesa a serem realizadas, deixando de ser tão-somente um
mero rol de meios (receitas), sem no entanto abdicar destes meios para cumprir suas metas ou o seu plano de governo, porém, agora, desenvolvido com
maior apuro, maior riqueza de detalhes, estruturado de forma mais técnica.
Também serão feitas considerações acerca das legislações nacionais
que envolvem a matéria, sobremaneira a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar Federal nº 101/2000), a qual instituiu um novo paradigma na
gestão das contas públicas.
Além disso, será destacada a atuação dos modais de controle, em
especial o processo denominado de judicialização, que é a participação do Supremo Tribunal Federal (STF) como órgão de controle, tanto na parte afeta à
14
técnica orçamentária como na parte concernente à execução dos recursos
propriamente ditos, a fim de certificar e garantir que o plano prévio de governo,
aquele que serviu de motivação para que o agente político tivesse seu nome
aprovado nas urnas, seja rigorosamente mantido ou executado.
Assim, em função da necessidade de uma nova formatação na administração pública, voltada ao cidadão, voltada, em outras palavras, ao contribuinte, o mantenedor da estrutura pública com recursos subtraídos de seu patrimônio via tributação, que obtive inspiração para desenvolver meu trabalho,
apresentando algumas idéias acerca de remodelamento do Orçamento Público, até porque este tema não vem recebendo dos administradores públicos a
devida importância.
15
2 FINANÇAS PÚBLICAS
Atualmente, comenta-se muito sobre finanças públicas. Até mesmo
pessoas não afetas à área pública, ou aquelas menos habilitadas ou com poucos conhecimentos da matéria, abordam questões relativas às finanças do setor público. Isto tudo decorre das dificuldades que os governos cada vez mais
encontram para honrar seus compromissos, em especial aqueles das campanhas políticas, que integram o plano de governo estabelecido, informações obtidas, por vezes, a partir da forte publicidade dada ao tema pela mídia (rádio,
tv, jornal, etc.), o que vem a facilitar parcialmente a compreensão do assunto
pelos cidadãos comuns.
Esta ciência denominada Finanças Públicas é muito ampla. Ela enfoca
as receitas públicas, fonte de sustentação de toda a estrutura governamental,
bem como trata das despesas públicas, os gastos efetuados com os recursos
arrecadados, conclusão básica que dá um tom equivocado de simplicidade à
disciplina.
A amplitude da matéria, contudo, não serve como impeditivo, como limitador ou como balizador para que se deixe de introduzir novas modalidades
de controle com vistas a tornar a administração cada vez mais competitiva. O
foco disso, é lógico, é o cidadão. Assim, as sistemáticas de controle implementadas objetivam frear o mau uso dos recursos públicos.
É indispensável que os recursos captados junto aos contribuintes gozem de um gerenciamento mais profissional. Deve haver, indubitavelmente,
cuidado e zelo na arrecadação e na consumpção dos recursos dispostos ao
governo. E é isto que o contribuinte espera, um retorno melhor dos recursos
extraídos de forma coercitiva do seu patrimônio privado, os quais compõem o
chamado Erário.
Como se pode observar, a ciência das Finanças Públicas se preocupa
com as questões concernentes à movimentação financeiro-tributária do poder
16
público, nelas incluídas as atividades de fiscalização, gerenciamento, aplicação
e controle de recursos públicos conquistados.
2.1 ESTADO
Deve-se ressaltar, antes de qualquer comentário, o estudo da figura do
Estado, que é um ente político.
O nascimento, o surgimento, a ascensão do Estado não ocorreu instantaneamente. O processo foi lento até a forma que hoje nós conhecemos.
A palavra Estado possui várias acepções. Entre elas convém se destacar duas da lição de SILVA (2003, p. 58-9): prisma sociológico e prisma jurídico.
Sociológico - é uma associação humana, vivendo sob um governo capaz de assegurar a ordem numa área territorial e para tanto utilizando de um
poder originário. Assim, neste aspecto, o Estado tem como finalidade a manutenção da coexistência social.
Jurídico - é a pessoa jurídica soberana, constituída de um povo organizado sobre um território, sob o comando de um poder supremo, para fins de
defesa, ordem, bem-estar e programa social. Também, é a sociedade humana
juridicamente organizada, dentro de um território, com um governo, para a realização de determinados fins.
Este Estado, sentido macro (União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios), serve como intermediário das relações dos cidadãos entre si.
O Estado possui como principais características a soberania em relação aos indivíduos, a representação política da coletividade, a representação
do poder superior, a assunção de diversas funções (políticas públicas: segu-
17
rança, educação, saúde, previdência e assistência social, entre outras), a incumbência para estipular as regras de convívio social e cumprimento de diversas atividades de interesse coletivo, e, por fim, possui como regra básica: o
interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual.
Assim, a finalidade do Estado, a razão da sua existência, é a promoção
do bem comum, do bem-estar dos cidadãos. Para isso, Ele (Estado) desenvolve uma série de atividades com vistas à captação dos recursos necessários
para pôr em prática as suas políticas públicas. Essas atividades desenvolvidas
pelo Estado para a captação dos recursos desdobram-se em oferta de determinados produtos e serviços e o poder soberano (império), este último evidenciado pela atividade tributária (fiscalização e arrecadação de tributos). A partir
da obtenção dos recursos pelo exercício da atividade financeira surgem as
condições para o atendimento das necessidades públicas.
O desenvolvimento do Estado e a prestação de serviços públicos se
traduzem em despesas, que devem ser amortizadas por intermédio da arrecadação de recursos equivalentes. Esses recursos advêm do patrimônio do indivíduo, em virtude da soberania fiscal e mediante coação do Estado.
Assim funciona o Estado que conhecemos.
2.2 NECESSIDADES PÚBLICAS E ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO
O Estado, para fins de dar cumprimento a sua função legal e fomentar
as condições indispensáveis para a sobrevivência dos cidadãos, bem como
para manter a máquina pública devidamente ativada, precisa valer-se do seu
poder de império e exigir tributos dos próprios cidadãos como forma de angariar recursos para suportar esses pesados encargos.
18
2.2.1 Necessidades Públicas
As necessidades públicas são satisfeitas por meio de serviços de interesse geral, chamados de públicos e tutelados pelo Estado. Assim, entre estes
serviços de interesse geral (públicos) estão diversas atividades integrantes das
necessidades públicas, como a defesa da ordem, o bem-estar e o progresso
social.
Pode-se destacar entre as principais características dos serviços públicos a seletividade, universalidade, coercibilidade e a não-reciprocidade.
Há outro conceito também bastante difundido acerca das necessidades públicas. Elas compõem o conjunto de bens e serviços que servem para a
satisfação do homem, que servem para o atendimento dos anseios do cidadão.
Estas necessidades dividem-se em: individuais, coletivas e públicas.
Neste estudo, o que nos interessa são as necessidades públicas. Far-se-á,
entretanto, uma abordagem sucinta dos três tipos de necessidades.
2.2.1.1 Necessidades Individuais
As necessidades individuais dispensam maiores comentários, na medida em que cada um dos interessados deve procurar os meios para satisfazêlas. São aquelas realizadas pelo esforço do individuo, dentro da sua expectativa de vida. Exemplos: alimentação, vestuário, habitação, etc.
19
2.2.1.2 Necessidades Coletivas
São aquelas necessidades satisfeitas pelo esforço coordenado da sociedade. Entre outras: necessidades de escolas particulares, de oficinas mecânicas, de transportes coletivos, etc.
2.2.1.3 Necessidades de Interesse Público
São as que nos interessam no presente estudo. São aquelas tuteladas
pelo Estado, que toma para si o encargo da execução. A saber: manutenção
da ordem pública, a defesa nacional, a proteção da ordem interna, a proteção
da saúde pública, a previdência social, a proteção trabalhista, etc.
O Poder Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entes
da Administração Indireta) é o responsável pelo atendimento destas necessidades públicas. E como o Poder Público faz para acudir, suprir, saciar estas
necessidades públicas? Pois bem, é por intermédio da arrecadação de recursos (tributação), matéria que será demonstrada em próximos tópicos.
2.3 RECEITA PÚBLICA
A receita é a fonte de onde advêm os recursos para que o Estado execute as suas políticas públicas. Em outras palavras, são os recursos de que o
Estado precisa para satisfazer as necessidades públicas dos cidadãos ou da
coletividade.
Quando se fala em receita pública, está se falando, em sentido estrito,
em receita orçamentária, que é a que nos interessa na presente abordagem,
20
em que pese a receita pública possuir várias classificações (quanto à afetação
patrimonial, quanto à regularidade, quanto à natureza, etc.). Desse modo, estarão, a seguir, destacados os estágios clássicos pelos quais percorrem a receita
pública orçamentária.
2.3.1 Estágios Clássicos da Receita Pública
Por que estágios clássicos da receita pública orçamentária? É porque
não há consenso entre os autores acerca do tema. Assim, trata-se aqui como
estágios clássicos porque não há uniformidade entre os estudiosos do tema
sobre os estágios pelos quais transitam as receitas públicas. Alguns autores
defendem a existência de bem mais do que os três estágios que aqui serão
apresentados, incluindo questões inerentes à modalidade licitatória que deu
origem a realização de determinado gasto entre os estágios da despesa pública. Contudo, ótica defendida neste trabalho, há apenas três estágios consagrados.
2.3.1.1 Lançamento
É o primeiro estágio da receita pública. Conforme artigo 53 da Lei Federal nº 4.320/64 “é o ato da repartição competente, que verifica a procedência
do crédito fiscal e a pessoa que lhe é devedora e inscreve o débito desta”.
Importante mencionar que o lançamento pode ser realizado sob três modalidades: Lançamento direto ou de ofício (efetuado pela repartição pública
competente), lançamento por declaração ou misto (efetuado pela unidade administrativa com a colaboração do contribuinte) e lançamento por homologação
ou autolançamento (efetuado pelo próprio contribuinte).
21
2.3.1.2 Arrecadação
É o segundo estágio da receita pública. É o instante em que o Estado
recebe os tributos, multas e demais créditos a ele devidos. Previsto no artigo
55 da Lei Federal nº 4.320/64. A arrecadação poderá ser efetuada pelo próprio
Estado ou por agentes arrecadadores privados (arrecadadores indiretos).
2.3.1.3 Recolhimento
É o terceiro estágio da receita pública. É a entrega de numerário, arrecadado pelos agentes públicos ou privados, às repartições ou ao Banco Oficial.
De outra forma, podemos definir como o instante em que os recursos estão à
disposição do Erário. Previsto no artigo 56 da Lei Federal nº 4.320/64.
2.4 DESPESA PÚBLICA
São todos os desembolsos realizados pelo Estado com vistas à execução dos serviços e encargos decorrentes do interesse geral, da coletividade.
São os gastos efetivados na busca da satisfação das necessidades públicas.
Quando se fala em despesa pública, está se falando, em sentido estrito, em despesa orçamentária, que é a que interessa à presente abordagem,
em que pese a despesa pública possuir várias classificações (quanto à afetação patrimonial, quando à regularidade, quanto à natureza, etc.). Desse modo,
estarão, a seguir, demonstrados os estágios clássicos pelos quais percorrem a
despesa pública orçamentária.
22
2.4.1 Estágios Clássicos da Despesa Pública
Quando se fala em despesa pública, normalmente está se falando, em
sentido estrito, em despesa orçamentária, ainda que a despesa possua várias
classificações (segundo a categoria econômica, segundo a regularidade, segundo a afetação patrimonial, etc.). De qualquer modo, o que interessa no presente estudo são as despesas orçamentárias, aquelas que integram o Orçamento Público. Pois bem, estas despesas orçamentárias percorrem três estágios até o seu ponto culminante, que é o pagamento. A propósito, para o credor é o pagamento; para o Estado, é a própria execução dela, em se tratando
de despesa processada (liquidada - aquela em que o bem é recebido ou o serviço foi efetivamente prestado). Assim, serão destacados os três estágios clássicos pelos quais percorre a despesa pública orçamentária. Ademais, trata-se
aqui como estágios clássicos porque não há uniformidade entre os autores acerca dos estágios pelos quais passam as despesas públicas. Alguns autores
defendem a existência de bem mais do que três estágios.
2.4.1.1 Empenho
É o primeiro estágio da despesa pública. Sem ele a despesa não pode
ser técnica e legalmente executada. Conceitualmente, segundo o artigo 58 da
Lei Federal n° 4.320/64, “é o ato emanado de autoridade competente que cria
para o Estado uma obrigação de pagamento pendente ou não de implemento
de condição”. Mas a característica mais importante do gravame de empenho é
que ele dever ser efetuado previamente, isto é, antes da consumpção da despesa. A matéria é tratada também nos artigos 59, 60 e 61 da Lei Federal n°
4.320/64.
23
2.4.1.2 Liquidação
É o segundo estágio da despesa pública. Conceitualmente, consoante
o artigo 63 da Lei Federal n° 4.320/64, “consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do
respectivo crédito”. Em outras palavras, a caracterização do estágio liquidação
está no direito do credor a partir da comprovação de que tenha efetuado a entrega de bem ou prestado serviço ao Estado. A matéria também consta no artigo 62 da Lei Federal n° 4.320/64.
2.4.1.3 Pagamento
É o terceiro e último estágio clássico da despesa pública. Diz o artigo
64 da Lei Federal n° 4.320/64: “é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga”. Também pode-se dizer que o
pagamento é o ato pelo qual a Fazenda Pública satisfaz o credor e extingue a
obrigação. Ainda, para uma despesa ser paga ela deve cumprir rigorosamente
todos os estágios da despesa pública. A matéria possui enfoque também nos
artigo 65 e 67 da Lei Federal n° 4.320/64.
2.4.2 Créditos Adicionais
São as autorizações de despesas não contempladas ou insuficientemente dotadas na lei orçamentária anual. Estes créditos adicionais acarretam
alteração na despesa que fora fixada quando da elaboração do Orçamento
Público. Eles se dividem em três tipos.
24
2.4.2.1 Créditos Suplementares
Objetivam reforçar a dotação que se revelou insuficiente durante a execução do orçamento, bem como visam à correção de distorções detectadas
somente após o processo de execução orçamentária. Outrossim, a Lei Orçamentária Anual poderá conter dispositivo tornando possível a abertura de Créditos Adicionais Suplementares durante a execução do orçamento, até determinado limite e sem a necessidade de obter autorização legislativa para isso.
2.4.2.2 Créditos Especiais
Usado para atender despesas para as quais não foram contempladas
dotações orçamentárias específicas quando da elaboração do orçamento Público. Estas circunstâncias podem ter se originado por erros na concepção do
orçamento, como também pela falta de uma melhor visão dos administradores
acerca dos fatos relativos à gestão.
2.4.2.3 Créditos Extraordinários
Seu uso está adstrito ao atendimento de despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerras, comoção interna ou calamidade pública.
Ademais, relevante destacar que todos os créditos adicionais são abertos por Decreto do Poder Executivo com a prévia autorização do respectivo
Poder Legislativo e, principalmente, com a indicação dos recursos que serão
usados (artigo 43 da Lei Federal nº 4.320/64), exceto quanto aos Créditos Extraordinários que, em função da urgência das situações que o geraram, podem
25
ser abertos, no âmbito federal, por Medida Provisória editada pelo Poder Executivo com ciência imediata ao Congresso Nacional e sem a necessidade de
indicar os recursos para esse fim. Já em relação aos Estados, Distrito Federal
e Municípios, os Créditos Extraordinários serão abertos por decretos dos pertinentes poderes executivos com cientificação imediata dos respectivos poderes
legislativos, também sem a necessidade de indicar os recursos a serem usados. Ou seja, diferentemente dos outros tipos de créditos adicionais, os Créditos Extraordinários não exigem a autorização prévia, bem como a indicação
prévia dos recursos a serem executados, até porque as situações de urgência
não podem esperar.
26
3 INSTRUMENTOS DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO
Os instrumentos do sistema de planejamento e orçamento foram instituídos com o objetivo de dar orientação à administração pública com vistas à
consecução das metas contidas no seu plano de governo. Sem sombra de dúvidas, são mecanismos imprescindíveis para gerenciamento e tomada de decisão.
3.1 FINALIDADE
As combalidas finanças públicas, sobremaneira as dos Estados e as
dos Municípios, necessitavam instrumentos cada vez mais eficazes para auxiliar e facilitar o gerenciamento dos gastos públicos e a projeção das receitas a
serem auferidas para fazer frente a estes gastos. Desse modo, foi instituído o
sistema de controle, chamado Sistema de Planejamento-Orçamento, no Brasil
dito como integrado.
Destarte, esse sistema de planejamento integrado, tecnicamente conhecido como Sistema de Planejamento-Orçamento, consubstancia-se nos
seguintes instrumentos, concebidos a partir da Constituição Federal de 1988,
precisamente expressos no artigo 165, incisos I, II e III, que são o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e os Orçamentos Anuais, que serão a
seguir explanados. Antes, porém, convém que se destaque o contido no parágrafo 1º do artigo 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000):
A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social
27
e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por
antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
3.2 PLANO PLURIANUAL (PPA)
Embasamento legal, artigo 165, § 1º, da Constituição Federal:
A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as
diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas
de duração continuada.
Vejamos, outrossim, o que trata o artigo 167, § 1º, também da Constituição Federal:
Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
Assim, o Plano Plurianual (PPA) é um plano de médio prazo, através
do qual se procura ordenar as ações de governo que levarão ao atingimento
dos objetivos e metas fixados para um período de 4 anos, ao nível de governo
federal, e também de quatro anos ao nível dos governos estaduais e municipais. É uma peça de planejamento estratégico para um período temporal de
quatro anos, correspondendo o primeiro exercício ao segundo ano de mandato
e o último exercício ao primeiro ano do mandato subseqüente.
Como se pode observar, o objetivo desse primeiro instrumento, considerado de médio prazo, é um planejamento mais amplo das ações (investimentos e recursos para a sua manutenção), do plano de governo, com vistas a
satisfazer as necessidades dos cidadãos, dentro de uma linha lógica. O que
significa dizer, se determinado agente político idealizar um plano de governo
28
utópico não terá condições financeiras e nem técnicas de implementá-lo. Sendo assim, os investimentos cuja execução seja levada a efeito por períodos
superiores a um exercício financeiro só poderão ser iniciados se previamente
incluídos no PPA ou se neles incluídos por autorização legal. A não observância deste preceito caracteriza crime de responsabilidade do agente político que
lhe deu causa.
Finalizando, o PPA, que é a lei que define as prioridades do Governo
para o período de 4 anos, deverá ter seu projeto de lei enviado pelo titular do
Poder Executivo ao Poder Legislativo até 31 de agosto do primeiro ano do seu
mandato (4 meses antes do encerramento da sessão legislativa).
3.3 LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO)
Embasamento legal, artigo 165, § 2º, da Constituição Federal:
A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, oríentará a elaboração da lei orçamentária anual,
disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política
de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), introduzida a partir da Constituição Federal de 1988, estipula prioridades e metas para o orçamento anual
do exercício financeiro subseqüente, devendo estar em consonância com o
Plano Plurianual (PPA) que é o primeiro elo da cadeia orçamentária, ou seja,
as despesas de capital para o exercício subseqüente deverão constar da LDO,
sob pena de o Poder Público ficar inviabilizado de colocá-las no orçamento.
Destarte, a LDO tem a finalidade de nortear a elaboração dos orçamentos anuais (fiscal, seguridade social e de investimentos), de forma a adequá-los às diretrizes, objetivos e metas da administração pública, estabelecidas
29
no PPA. Atualmente, após a edição de Lei de Responsabilidade Fiscal (ano de
2000), a LDO teve a sua importância ampliada.
Ademais, a LDO deve estar acompanhada dos Anexos de Metas Fiscais, os quais deverão conter, entre outras informações relevantes, metas anuais para receitas e despesas, avaliação do cumprimento das metas relativas ao
ano anterior, demonstrativo de metas anuais, demonstrativo da evolução do
patrimônio líquido nos últimos três exercícios, avaliação dos passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas.
Ainda, vejamos o que diz o parágrafo primeiro do artigo 169 da Constituição Federal:
A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação
de cargos ou alteração de estrutura de carreira, bem com a admissão de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou
indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Em suma, a LDO, que é lei anterior à Lei Orçamentária Anual, deverá
ter o seu projeto enviado pelo titular do Poder Executivo ao Poder Legislativo
até 15 de abril de cada ano (8 meses e meio antes do encerramento da sessão
legislativa).
3.4 LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA)
Embasamento legal, artigo 165, § 5º, da Constituição Federal:
A Lei Orçamentária Anual (LOA) compreenderá:
30
I – O orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento de seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ele vinculados, da administração direta e indireta, bem como os fundos
e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
De maneira bastante prática se diz: o orçamento se caracteriza por ser
o instrumento mediante o qual o Poder Público fica autorizado a fazer despesas, ou, também, é o instrumento utilizado para a conseqüente materialização
do conjunto de ações e objetivos que foram planejados visando ao melhor atendimento e bem-estar da coletividade.
Convém se realçar que o orçamento público, inicialmente chamado de
Orçamento Público Tradicional, tinha como finalidade principal o controle político das ações governamentais que o Poder Legislativo exercia sobre as atividades do Poder Executivo, principalmente sob o aspecto contábil-financeiro. As
informações e decisões várias sobre todos os assuntos concorrentes ao governo, contidas no orçamento, consubstanciam-se, em resumo, na seguinte
definição:
O orçamento é um ato de previsão da receita e de fixação da despesa
para um determinado período de tempo, geralmente um ano, e constitui documento fundamental das finanças do Estado, bem como da Contabilidade Pública.
Modernamente, entretanto, em face da integração do orçamento público ao Sistema de Planejamento, como uma de suas engrenagens, seu conceito se ampliou. Portanto, pela extensão, temos que:
Orçamento é o processo pelo qual se elabora, expressa, executa e avalia o nível de cumprimento da quase totalidade do programa de governo, para cada período orçamentário. É um instrumento de governo, de administração
31
e de efetivação e execução dos planos gerais de desenvolvimento sócioeconômico.
Por fim, destaco que a Lei Orçamentária Anual deverá ser encaminhada até 31 de agosto de cada ano pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo,
devidamente acompanhada de uma Mensagem do Chefe do Poder Executivo
contendo uma exposição da situação econômica e as suas perspectivas. Esta
lei orçamentária anual deverá ser votada e aprovada até o dia 15 de dezembro,
data final encerramento da legislatura. Após aprovado, este projeto é sancionado e publicado pelo pertinente Chefe do Poder Executivo, instante em que
se transformará na Lei Orçamentária Anual.
Em suma, a tríade de instrumentos do processo de planejamento e
orçamento possui em comum duas situações: natureza de lei e a iniciativa
do Poder Executivo na concepção destes instrumentos.
3.4.1 Princípios orçamentários
O Orçamento Público possui uma série de regramentos relativos ao
desenvolvimento do processo orçamentário com o fito de lhe dar consistência
como peça de cunho legal. Estes regramentos são chamados de princípios.
Estes princípios, lamentavelmente, não possuem tratamento unânime por parte
dos autores e estudiosos da matéria. Mas alguns deles possuem previsão expressa na Constituição da República, na Lei Federal n° 4.320/64 e na Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000), já que a sua
existência é fundamental, imprescindível, basilar, para que as peças orçamentárias tenham padrão e até mesmo para que possibilitem aos poderes legislativos se familiarizarem com a forma e conteúdo do documento, já que haverá,
por parte destes, o exercício do controle sobre o orçamento.
32
Em suma, os princípios regem a elaboração, a execução e também
auxiliam o controle aplicado sobre o Orçamento Público.
A seguir serão destacados os princípios mais importantes.
3.4.1.1 Princípio da Legalidade
O orçamento é objeto de uma lei especifica (no Brasil, Lei Ordinária. Aliás, todas as leis orçamentárias são editadas por meio de Leis Ordinárias, inclusive aquelas referentes à abertura de créditos adicionais suplementares e
especiais) e como tal deve cumprir o rito legislativo próprio. Chamado, contudo,
de lei de eficácia reduzida (sua duração não ultrapassa um exercício financeiro), lei autorizativa, mas, de qualquer modo, é uma lei.
3.4.1.2 Princípio da Unidade
O orçamento deve compreender, em peça única, todas as receitas e
todas as despesas de cada ente federativo, ou seja, a União, os Estados e os
Municípios deverão elaborar, cada um deles, apenas um orçamento no ano. A
propósito, em vista de que no orçamento se encontram somadas as projeções
de todos os órgãos, fundos, etc., integrantes de determinado ente público, surgiu uma nova nomenclatura para esse princípio, qual seja: princípio da totalização orçamentária. Este princípio encontra guarida nos artigos 2º e 6° da Lei
Federal n° 4.320/64.
33
3.4.1.3 Princípio da Universalidade
Todas as receitas e todas as despesas de todos os poderes, órgãos e
fundos deverão constar no orçamento anual. É um princípio indispensável ao
controle parlamentar sobre as finanças, já que a partir dele num só documento
estarão presentes todas as informações necessárias para o exame a ser efetuado pelos órgãos de controle. Além disso, ele se encontra consagrado nos
artigos 2º, 3º e 4° da Lei Federal nº 4.320/64, bem como no § 1º do artigo 5º da
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000).
3.4.1.4 Princípio da Anualidade ou da Periodicidade
O ciclo orçamentário deve abarcar um período limitado de tempo, um
ano, coincidindo com o ano civil (artigo 34 da Lei Federal nº 4.320/64), tecnicamente chamado de exercício financeiro, compreendido entre primeiro de janeiro e 31 de dezembro, também denominado ciclo orçamentário. Como se
vê, o Orçamento Público deve ser projetado e autorizado para que sua execução ocorra em período específico de tempo, no caso brasileiro é de um ano
este período determinado, também chamado de periodicidade anual. Este é
outro princípio com comando no artigo 2° da Lei Federal n° 4.320/64, bem como no § 5º do artigo 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar
Federal nº 101/2000).
3.4.1.5 Princípio da Exclusividade
A lei orçamentária anual somente poderá expressar matéria de cunho
financeiro, proibida a inclusão de qualquer tema que não seja afim à estimativa
da receita e à fixação da despesa. Há, no entanto, a possibilidade de inclusão
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de matérias atinentes à abertura dos créditos adicionais suplementares, aumentando a despesa, e às Operações por Antecipação da Receita Orçamentária (operações ARO), aumentando a receita e conseqüentemente a despesa, já
que estas situações não são estranhas ao orçamento público, conforme incisos
I e II do artigo 7º da Lei Federal nº 4.320/64. Princípio expresso no parágrafo
8° do artigo 165 da Constituição da República.
3.4.1.6 Princípio do Orçamento Bruto
Todas as receitas e todas as despesas deverão estar previstas no orçamento pelos seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução, ou seja,
não deverão estar lançadas pelos valores líquidos. A Lei Federal nº 4.320/64,
em seu artigo 6º, regulamenta este princípio: “todas as receitas e despesas
constarão da lei do orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções.”
3.4.1.7 Princípio da Não-Afetação ou Não-Vinculação das Receitas Públicas
É vedada a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, exceto as transferências constitucionais previstas para a manutenção e
desenvolvimento do ensino (MDE) e para as ações e serviços públicos da saúde (ASPS), bem como as partições constitucionais (substitutos tributários; como exemplo, no caso do imposto renda, os Municípios, o Distrito Federal e os
Estados, consoante artigos 158 e 159 da Constituição da República) e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita. Princípio previsto no inciso IV do artigo 167 da Constituição da República.
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3.4.1.8 Princípio da Discriminação ou Especialização
As receitas e as despesas deverão estar contidas no orçamento de
forma discriminada, detalhada, a fim de que se possa saber, com riqueza de
detalhes, a origem (fonte) dos recursos e sua aplicação (emprego, uso). Este
também é outro princípio que se caracteriza pelo forte apelo político. Possui
égide no artigo 5° da Lei Federal n° 4.320/64: “a lei de orçamento não consignará dotações globais destinadas a atender indiferentemente a despesas de
pessoal, material, serviços de terceiros, transferências ou quaisquer outras,
ressalvado o disposto no artigo 20 e seu parágrafo único”.
3.4.1.9 Princípio da Publicidade
O orçamento, após a sua aprovação e transformação em lei, deve ser
sempre divulgado. Deve merecer ampla publicidade.
Relevante destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000) exige, conforme artigo 52, a publicação do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) até trinta dias após o
encerramento de cada bimestre. O equivale a dizer, publicidade concernente
também aos valores executados no Orçamento Público, nos modais jornal, mural e internet, e não só atinente à concepção do instrumento orçamentário, como até então vinha sendo feita. Também deverá ser publicado o Relatório da
Gestão Fiscal (RGF) relativo a cada quadrimestre, em até trinta dias após o
seu encerramento, consoante § 2º do artigo 55 (Lei Complementar Federal nº
101/2000), nos três modais já citados.
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3.4.1.10 Princípio da Programação
O orçamento deve ter o seu conteúdo exposto em forma de programação. A programação consiste em definir os objetivos traçados, a serem buscados pela administração pública, bem como as fontes de recursos suficientes
para alcançá-los. É considerado um princípio moderno, oriundo do processo
que revelou o avanço da peça orçamentária até transformar-se no OrçamentoPrograma.
Afora os princípios aqui abordados, há outros mais, como, por exemplo, os princípios da clareza, da exatidão, do equilíbrio orçamentário, que merecem, a meu juízo, apenas esta breve citação no corpo do presente trabalho.
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4 USO ADEQUADO DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO
FINANCEIRA, PRINCIPALMENTE DO ORÇAMENTO PÚBLICO.
Primeiramente, deve-se destacar a expressão orçar, da qual deriva a
palavra orçamento. Assim, o significado de orçar é prever, antever, projetar
algo de possível ocorrência. É um princípio de prudência, visão futurista, medida acautelatória, de quem não quer ser surpreendido de forma negativa no exercício de uma gestão pública, almejando honrar os compromissos anteriormente assumidos ou mesmo os de campanha (aqueles prometidos). Também,
é um instrumento imprescindível para o desenvolvimento das políticas públicas
de governo, bem como se revela fundamental para a atuação dos órgãos de
controle.
Em relação à natureza jurídica do Orçamento Público, não há dúvidas,
é uma lei em sentido formal, todavia, é uma lei que se envolve somente com a
fixação das despesas e a estimativa das receitas, não criando direitos subjetivos e nem modificando as leis tributárias e financeiras existentes. Destarte, a
Lei Orçamentária Anual é uma lei autorizativa de eficácia reduzida.
Atualmente, não só a iniciativa pública trabalha com a figura do orçamento. Até mesmo a iniciativa privada hoje projeta suas ações com base num
orçamento de exercício. A propósito, é bom se realçar que os cidadãos, em
seu orçamento doméstico (familiar), usam esse instrumento como forma de
controlar os seus gastos e chegar ao final do mês sem quaisquer percalços.
Como se pode observar o sistema de planejamento e programação financeira tornou-se bem mais que uma exigência legal: é uma necessidade
moderna.
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4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO ORÇAMENTO PÚBLICO
Desde o século XIII, precisamente ano 1215, na Inglaterra, surgiram os
primeiros esboços do orçamento público que se conhece hoje, a partir de informação contida no artigo 12 da Carta Magna outorgada pelo Rei João Sem
Terra. Este artigo abordava, de forma singela, a competência atribuída ao
Conselho Comum (Common Consuel) do Reino para instituir tributos.
Mas foi a contar de 1822 que foi apresentado ao parlamento britânico
um documento contendo a descrição, ainda que sucinta, da receita e da despesa a serem executadas pela coroa inglesa em cada exercício financeiro. Esta é a data considerada por boa parte dos autores como o início do orçamento
plenamente desenvolvido na Grã-Bretanha, ou seja, é o marco da história do
orçamento.
De posse desse documento, desta proposta de orçamento público, o
parlamento tinha poder de aprová-lo, reduzi-lo ou rejeitá-lo, além, é óbvio, de
praticar o controle da execução deste orçamento, após a sua conseqüente aprovação.
Com o passar dos anos, este instrumento foi sendo aperfeiçoado por
lá, todavia jamais perdendo a sua essência, qual seja: estimação da receita e
fixação da despesa a serem executadas em determinado período, normalmente um exercício financeiro. Em função disso, esta peça tornou-se importantíssimo instrumento de política econômica e financeira para o Estado, estando
em uso na atualidade em praticamente todo o planeta.
No Brasil, nosso caso presente, o orçamento teve seu início com a
chegada da Família Real, a “Coroa Portuguesa”, precisamente D. João VI. Foi
neste instante que o Brasil instituiu o processo de organização das suas finanças públicas. Foram criados, em 1808, o Erário Público (Tesouro) e o Regime
de Contabilidade.
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Contudo é na Constituição Imperial de 1824, precisamente em seu artigo 172, que se têm as primeiras notícias acerca das exigências para a elaboração de orçamentos formais pelas instituições imperiais.
Em razão do progressivo procedimento para o período, ocorrem inúmeros entraves para a execução desta peça nos moldes de sua concepção.
Havia falta de cultura, vícios por parte dos gestores da época na condução da
coisa pública, todas essas situações dificultaram a execução daquele orçamento. Mesmo com todos esses tipos de cerceamento na implementação e execução do orçamento ele conseguiu se desenvolver.
De toda a sorte, o orçamento se fez presente na Carta de 1891. A única diferença é que lá ele estava como prerrogativa do Congresso Nacional a
função de elaboração da peça orçamentária.
Assim, o Orçamento Público foi seguindo, cada vez mais ele foi se encorpando. Inseriram-se nele mais detalhes, ele foi ficando cada vez mais organizado, mas nunca esquecendo da sua função primordial: demonstrar o plano
de governo, a política de governo, por intermédio das fontes de recursos (estimação da receita a ser auferida) para execução das políticas públicas (fixação
das despesas a serem realizadas), e, ainda, estando a mercê dos órgãos de
controle da época, mesmo incipientes, até porque o Orçamento Público também é um instrumento de controle.
Bem, outro marco importante na história do orçamento Público, na sua
biografia, na sua certidão de nascimento, bem como para as finanças públicas,
foi a aprovação do Código de Contabilidade da União em 1922, instrumento
importante para a técnica de elaboração, no caso dos Poderes Executivos,
bem como para o exercício das atividades de controle, no caso dos respectivos
Poderes Legislativos. Avanços significativos orbitavam em torno deste importante instrumento de planejamento.
40
Em 1933, com a edição do Decreto-lei n° 23.150, houve a instituição
de um novo critério de classificação da despesa dentro do Orçamento. Era o
Orçamento público avançando ainda mais na modernidade, entretanto sem
perder a sua essência (estimação da receita e fixação da despesa).
Seguindo, precisamente no ano de 1964, 17 de março é a data, houve
a edição da Lei Federal 4.320, que representou um novo marco na história do
orçamento público e da contabilidade pública brasileiros. A partir de então, sobretudo pelo momento político em que o Brasil passava, teve-se uma certeza:
o Orçamento Público veio para ficar e adquirira a sua maioridade.
O Orçamento Público, bem como todas as peças que o circundam,
continuaria sendo aperfeiçoado ou melhorado com o passar dos tempos, até
porque sempre se pode aprimorar algo que já está implementado. De qualquer
modo, ainda falando em Lei Federal n° 4.320/64, nela surgiram como novidades, entre outras, a classificação funcional e econômica das despesas.
O Decreto-Lei nº 200, de 1967, também dedicou uma parte de seu
conteúdo aos instrumentos do Sistema de Planejamento e Orçamento, sobretudo no título III do Capítulo V, do Planejamento do Orçamento-Programa e da
Programação Financeira, artigos 15 a 18, bem como no Capítulo I, do Planejamento.
Com a edição da Constituição Federal em 1988, foram acrescentadas
algumas novidades no Sistema Orçamentário Brasileiro até então conhecido,
mais precisamente fora incluída a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), além
de algumas inovações trazidas junto ao Plano Plurianual de investimentos
(PPA). Esses dois instrumentos citados compõem, junto com a Lei Orçamentária Anual (LOA), o Sistema de Planejamento e Orçamento, fulcro nos incisos I,
II e II do artigo 165.
Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal
nº 101, de 04 de maio de 2000), também trouxe contribuição ao aperfeiçoamento dos três instrumentos do Sistema de Planejamento e Orçamento, no
41
seu Capítulo I, Seções I, II e III, demonstrando a preocupação do legislador
com esta matéria.
A partir de então, planejamento e orçamento ficaram associados como
engrenagens de um mesmo sistema, como já comentados no presente trabalho.
4.2 EVOLUÇÃO CONCEITUAL DO ORÇAMENTO PÚBLICO
O Orçamento Público é uma peça escritural ou virtual, porém de grande importância na administração pública para a busca do desenvolvimento da
sua atividade-fim, qual seja, o bem-estar da coletividade, sem abdicar, no entanto, da preservação do trinômio eficiência-eficácia-economicidade. A propósito, hodiernamente, a figura do orçamento está sendo concebida também pela
iniciativa privada, em modelo um tanto diferente, mas com o mesmo escopo da
administração pública.
Desde os primórdios, daquele incipiente procedimento adotado pelo
Brasil lá no longínquo ano de 1824, embrião do Orçamento Público, até os dias
de hoje, a peça orçamentária trilhou diversos, árduos e espinhosos, caminhos
para chegar ao modelo que se tem hoje. Houve um processo perene de aperfeiçoamento, do qual várias administrações deixaram a sua contribuição, a sua
marca.
A escassez de recursos hoje tão reclamada não é um “privilégio” apenas dos gestores de agora. Numa análise mais aprofundada, observar-se-á
que sempre ocorreram dificuldades de cunho financeiro para que os gestores
dessem continuidade a seus programas de governo. Faltavam, na verdade,
maiores informações acerca dos fatos vivenciados por aqueles administradores
públicos de outrora, aliado a processos políticos em que o Governo Federal
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complementava financeiramente os Estados-membros para que o equilíbrio
entre despesa e receita fosse mantido.
A propósito disso, é bom destacar o que se sucedeu poucos anos após
a edição da Lei Federal n° 4.320/64, que foi o evento instituído para alavancagem do crescimento econômico no país e que ficou conhecido como o “Milagre
Econômico Brasileiro”, introduzido no Governo Médici, entre 1969 e 1973. Esta
medida teve como seu idealizador o Ministro da Fazenda da época, Antônio
Delfim Neto, objetivando o crescimento rápido do país, com a inserção de capital estrangeiro. Como o Brasil não recebia investimentos estrangeiros em função da instabilidade econômica, da inflação e dos sobressaltos políticos dos
governos de até então, o governo brasileiro ditatorial militar - “anos de chumbo”
- se encarregou de manter o país em permanente estabilidade política e econômica, bem como corrigiu outras alterações locais com vistas a atrair os recursos de fora. Isto acabou dando certo, já que o país apresentou um crescimento elevado, contudo em detrimento da liberdade e a custos muito altos para a democracia. Naquele período, os administradores também clamavam a
carência de recursos públicos.
Com o passar dos anos, todavia, os Estados brasileiros tiveram que se
adequar a nova realidade nacional da qual redundou a expressão “andar com
as próprias pernas”, isto é, o Governo Federal, a partir do avanço democrático
do país e também pela necessidade constante de manter a estabilidade financeira dos seus cofres, deixou de bancar os déficits cotidianos dos entes federados.
Com efeito, começava a vigorar uma nova ordem nacional, a do realismo orçamentário, ficando os recursos repassados até então pelo Governo
Federal aos Estados como se fossem empréstimos a serem rigorosamente
honrados por eles. Era o corte do cordão umbilical que prendia os estados e os
municípios ao governo federal.
Essas novas dificuldades enfrentadas pelos estados e municípios para
fazer frente a seus programas de governo começaram a gerar reclamações
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deles. Agora o alvo passou a ser o federalismo fiscal. Alegavam a obsolescência do processo tributário nacional e questionavam veementemente a repartição das receitas por parte do governo federal.
Atualmente, a partir da Lei Complementar Federal n° 87/96, conhecida
como Lei Kandir, que tratou da desoneração das exportações, cujo fito era tornar o produto brasileiro mais competitivo no mercado internacional, os produtos
brasileiros remetidos para fora do país não trazem na formação de seu preço
final os ônus com o ICMS e o IPI. Havia a promessa de compensação financeira dessa desoneração por parte do Governo Federal aos estados brasileiros,
em função do montante exportado por eles, com prejuízos subseqüentes aos
municípios, pelo repasse dos estados a estes. De fato, a compensação financeira não vem se realizando a contento, não está proporcional ao esforço promovido pelos estados brasileiros, dando razão a boa parte das reclamações
feitas.
Há, ainda, algumas situações anômalas, destoantes do que se espera
para uma nova realidade. Muitos municípios brasileiros sobrevivem de recursos
advindos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que vem a demonstrar quão erradas foram as suas instalações.
A partir de tudo o que até hoje ocorreu no cenário nacional, de tudo
que vem ocorrendo e de tudo que ainda poderá ocorrer, o Orçamento Público,
bem como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA),
estas últimas duas a partir de 1988 com a edição da Constituição Federal, tornou-se a “bíblia do bom administrador público”.
4.2.1 Orçamento Tradicional
Era uma peça onde constavam apenas a fixação da despesa e a previsão da receita. Não havia, nesta peça, nenhuma espécie de planejamento das
ações a serem desenvolvidas pelo governo. Era, também, um instrumento de
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cunho contábil e financeiro, demonstrando, de forma simplória, os recursos
para a realização das atividades de governo. Logo inexistia, neste modelo de
orçamento, preocupação com o desenvolvimento de programas de governo. As
tarefas eram realizadas sem observar metas, objetivos e estratégias. A saber,
não era mais do que um rol analítico das receitas a arrecadar e das despesas
de custeio fixadas, desprovido de qualquer preocupação com a execução de
uma estratégia ou política de governo.
Também chamado de Orçamento Clássico, Comum ou, segundo os
mais antigos, Orçamento Romântico, já que não tinha a preocupação que se
tem, por exemplo, com a satisfação das necessidades dos cidadãos, os quais
contribuíam, por intermédio da tributação, com a composição orçamentária da
receita. A preocupação era com os meios (os recursos arrecadados) e não
com os fins (o que devia ser feito), dando origem à famosa expressão ”Lei de
Meios”: meios pelos quais o Poder Público se valia para gerir a coisa pública.
Características do Orçamento Tradicional:
a) objetivava de forma discreta a manutenção do equilíbrio entre os
ingressos e os gastos públicos;
b) era uma peça de cunho político, contábil, financeiro e jurídico; e
c) não tinha como ideal ser um instrumento de ação direta sobre a economia, apenas, sim, servia como um rol de recursos que deveriam estar disponibilizados para gastos do Poder Público.
No início, viu-se que este tipo de orçamento era apenas uma peça de
previsão das receitas e fixação das despesas públicas, sem sequer abordar as
reais necessidades da administração pública, tanto que a sua elaboração era
pertinente a órgãos de contabilidade sem qualquer participação dos agentes
políticos. Então, observou-se que a metodologia usada no Orçamento Tradicional era pobre, isto foi até o início dos anos sessenta (até o advento da Lei
Federal n° 4.320/64), instante em que se concluiu que o Orçamento Público
necessitava bem mais do que limitar alguns poucos gastos como objetivos a
serem atingidos. A propósito, inexistia no Orçamento Tradicional previsão, projeção ou planejamento de recursos para investimentos. Estes só seriam reali-
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zados em caso da arrecadação superar as despesas de custeio, o que se
constaria somente durante a fase de execução. Vigia o planejamento circunstancial.
Em suma, como instrumento de planejamento, o Orçamento Tradicional deixava muito a desejar, já que não havia nele, como preocupação primeira, o desejo de saciar as necessidades públicas dos cidadãos.
4.2.2 Orçamento-Programa
Sua introdução, no Brasil, ocorreu com o advento da Lei federal nº
4.320/64 e a edição Decreto-lei nº 200/67. Para ser preciso, a mola propulsora
deste avanço no Orçamento Público, para a época, foi a edição da Lei Federal
n° 4.320/64. Ela foi quem estimulou a que o Orçamento Público desse este
salto de qualidade. O Orçamento Público deve ser visto, a bem da verdade,
como um plano de governo, um plano de ações a serem realizadas pelo governo em determinado período, por intermédio da identificação das necessidades públicas, aquelas que envolvem a coletividade, visando ao desenvolvimento de projetos e atividades para saciar estes anseios dos cidadãos. É neste
instante em que o Poder Público efetivamente realiza as suas políticas públicas. Como destaque, foi o Estado do Rio Grande do Sul a primeira a unidade
da federação a adotar o Orçamento-Programa, isto envolveu os anos de 19631966. É bom que se diga, foi uma experiência de vanguarda e de notável resultado, demonstrando o foco do estado gaúcho para o planejamento no uso das
riquezas públicas.
Cabe tecer alguns comentários acerca da Lei Federal n° 4.320/64. Ela
é uma lei ordinária, mas de conteúdo complementar, cujo texto culminou recepcionado pela Constituição Federal de 1988, até a edição de nova lei complementar contemplando diversas matérias de cunho financeiro e contábil, como exercício financeiro, vigência, prazos, elaboração e organização do Plano
Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Público, além
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de outras tantas questões afins. Todavia, já tendo se passado vinte anos da
edição da Constituição da República e ainda que a edição de uma nova legislação tenha sido expressamente fixada no parágrafo 9° do seu artigo 165, a Lei
Federal n° 4.320/64 resiste, com pequenas adaptações, muito bem aos avanços.
Importante se mencionar que a modernização do orçamento também
se iniciou nos Estados Unidos da América, na década de 60, lá sendo chamado de ”Planning Programming and Budgetting System” (PPBS), cujo objetivo
era a associação do orçamento ao planejamento. Assim, pode-se dizer que o
Orçamento-Programa brasileiro guarda semelhanças com o PPBS americano,
na medida em que almejava também tornar o Orçamento Público um efetivo
instrumento de planejamento.
Também há certa similitude do Orçamento-Programa com o americano
“Performance Budget”, que significa Orçamento de Desempenho. Todavia residem algumas diferenças sutis entre eles, como a preocupação com os custos
e a atenção voltada aos níveis organizacionais responsáveis pela execução, no
caso do modelo americano. Já o modelo brasileiro preocupa-se com a programação e o planejamento e sua relação com o todo, o que deixa o nosso Orçamento-Programa mais próximo do PPBS.
Há, no Orçamento-Programa, preocupação com objetivos e metas, ou
seja, existe preocupação em suprimir, eliminar ou mesmo atenuar as carências
dos cidadãos. É neste modelo em que se começa a pensar na satisfação do
cidadão, contribuinte, que é quem dá sustentabilidade à administração pública
através do desembolso de seus recursos sob a forma de tributos. Surge a contrapartida legal ao poder coercitivo do Estado na parte afeta à tributação.
Também pode-se definir o Orçamento-Programa como um plano de
trabalho do governo no qual se especificam as proposições concretas que ele
pretende realizar durante o ano financeiro. Para a consecução dos propósitos,
dos objetivos e das metas, a Administração solicita os fundos necessários, identifica os custos dos programas para alcançar os resultados, bem como apu-
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ra os dados quantitativos que medem as realizações e o trabalho executado
dentro de cada programa.
Características do Orçamento-Programa:
a) é um plano de trabalho do governo;
b) a aplicação dos recursos possui objetivos definidos;
c) mostra os objetivos e metas para os quais se solicita as dotações
necessárias;
d) os dados quantitativos medem as realizações e o esforço realizado
em cada programa;
e) evolução da conceituação tradicional de orçamento; e
f) serve como instrumento de programação econômica.
E é no Orçamento-Programa que surge uma figura nova: a classificação Funcional-Programática. Formada de um hibridismo entre a classificação
funcional (áreas em que as despesas serão realizadas) e a classificação de
programas (identificação dos objetivos da despesa), esta decorrente da introdução do Orçamento-Programa, enquanto aquela advém da Lei Federal n°
4.320/64. A propósito, o Rio Grande do Sul também foi o Estado pioneiro no
uso e no desenvolvimento desta técnica de identificação mais analítica das
ações de governo, ou seja, em Função, Programa, Subprograma e Projeto ou
Atividade. Assim, o código de classificação Funcional-Programática se compõe
de treze algarismos identificadores, cujo objetivo era detalhar e dar maior visibilidade às despesas.
4.2.3 Orçamento com Participação Popular
É uma etapa moderna na vida do Orçamento Público. Trata-se da participação popular na eleição de prioridades a serem colocadas no Orçamento
Público e, por conseguinte, influenciando no aproveitamento de uma parcela
dos recursos a serem executados.
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Pode-se dizer, também, que é um aperfeiçoamento do Orçamento Público, um refinamento dele, é a flexibilização da peça orçamentária, pois os
principais interessados assumem a responsabilidade por definir o que lhes é
interessante.
Este processo participativo surgiu nas administrações municipais, tendo Lages, município catarinense, como a primeira experiência brasileira que se
tem conhecimento. Isto ocorreu no final dos anos 70. Mais adiante, nos anos
80, seguiram-se experiências desenvolvidas pelos municípios de Boa Esperança (ES), Diadema (SP) e Recife (PE).
Já sob o nome de “Orçamento Participativo”, o modelo iniciou-se no
município de Pelotas, ano de 1986, gestão de Bernardo de Souza, como um
processo dinâmico, adaptado periodicamente às necessidades locais, no qual
o cidadão, contribuinte e principal interessado envolve-se no projeto e toma
parte dele. Foi considera a primeira e mais complexa experiência brasileira e
americana de participação popular.
Posteriormente, este tipo de comando para o Orçamento Público teve
reaparecimento nas administrações do Partido dos Trabalhadores, marcadamente na Prefeitura de Porto Alegre, ano de 1989.
Os cidadãos, por intermédio de organizações sociais ou individualmente, envolvem-se diretamente no Orçamento Público. Os projetos de interesse
de determinados grupos são discutidos por eles em reuniões preparatórias,
votados e eleitos aqueles de interesse da maioria, para após serem inseridos
na peça orçamentária, obedecendo aos critérios da participação e os limites
determinados pelo Poder Executivo.
São celebradas reuniões denominadas Assembléias Regionais e Temáticas, entre abril e maio, nas quais a população elege seus representantes,
denominados Conselheiros e Delegados. Posteriormente, são realizados fóruns de Delegados com o fim de selecionar os projetos pela ordem de priorida-
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des, para, a partir de então, fazê-los chegar ao Poder Público como desejo dos
cidadãos e tomar parte no Orçamento Público.
Neste processo de Orçamento com Participação Popular é a população quem decide diretamente a aplicação de boa parte dos recursos em obras
e serviços de seu interesse, ficando o Poder Público apenas como executor do
projeto.
Relevante se suscitar a importância que a participação popular vem
tomando ao longo dos anos em projetos que dizem respeito aos interesses dos
cidadãos, a ponto de que o Estatuto das Cidades, Lei Federal nº 10.257, de 10
de julho de 2001, assegurou que o Plano Diretor, a ser instituído por municípios com população superior a 20.000 habitantes ou para aqueles com população inferior a 20.000 habitantes mas integrantes de regiões metropolitanas ou
conglomerados urbanos, terá obrigatoriamente a participação da sociedade por
meio de seus representantes na discussão e tomada de decisão.
4.3 O ORÇAMENTO PÚBLICO QUANTO A SUA CONCEPÇÃO
No Brasil, os poderes executivos desenvolveram a cultura de elaborar
o orçamento público em equilíbrio, isto é, montante da despesa fixada igual ao
montante da receita estimada. Há motivos para isso. Os objetivos de quem
adota esta postura são os melhores, pois não desejam extrapolar com as despesas públicas o montante a ser arrecadado (receitas públicas). Contudo, deve
se ter alguns cuidados, sobremaneira porque as despesas possuem oportunidade de serem aumentadas durante a sua execução. O que significa dizer que
o Orçamento Público não é imutável como muitos podem pensar. Há possibilidade de se efetuar ajustes no Orçamento Público durante a sua execução.
Poderá ser dito, a partir de então, que a peça orçamentária fora mal
concebida e isto talvez seja verdadeiro. Contudo não se pode inviabilizar o trabalho de uma gestão apenas por questão de vaidade pessoal, fugindo, assim,
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de eventuais críticas de toda ordem acerca da forma como ocorrera a elaboração.
Em suma, o Orçamento Público poderá ser alterado. Os Créditos Adicionais (suplementares, especiais e extraordinários) acarretam esta alteração
na Despesa Fixada. Há, inclusive, em alguns orçamentos autorizações legislativas na concepção do instrumento possibilitando a abertura de créditos adicionais suplementares em determinado percentual, sendo o mais usual 10%, situação denominada de contingencial (reserva de contingência), ficando o Chefe
do Poder Executivo com livre arbítrio para promover esse agregamento de valor ao Orçamento Público no momento em que entender mais adequado. Além
disso, a Lei Federal nº 4.320/64 (caput do seu artigo 43, incisos I a IV e parágrafos) possibilita 4 oportunidades para a abertura dos Créditos Adicionais, em
que o percentual final de incremento na despesa até então fixada superará os
10% inicialmente estipulados.
Outrossim, um percentual de reserva de contingência fixado em índice
superior a 10%, além de se revelar antiprodutivo, retira força do Poder Legislativo competente que o aprovou, podendo causar distorções profundas no conteúdo da peça orçamentária anteriormente aquiescida. A saber, o Chefe do
Poder Executivo poderá até mesmo efetuar uma revisão posterior no Programa
de Governo, o que comprometeria o objetivo da Lei Orçamentária Anual como
instrumento do sistema de planejamento e orçamento. A propósito, certa feita,
um município do Rio Grande do Sul fez constar em sua lei orçamentária o percentual de 50% a título de reserva de contingência, o que veio a ser uma verdadeira cirurgia no orçamento, além de contrariar ao comando do inciso III do
artigo 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº
101/2000).
De qualquer modo, o uso das 4 situações legalmente permissíveis para
abertura de créditos adicionais exige o cumprimento rigoroso das regras contidas no caput do artigo 43, incisos I a IV e seus parágrafos, da Lei Federal nº
4.320/64, ou seja, com o uso de recursos do superávit financeiro apurado em
balanço patrimonial do exercício anterior, dos provenientes de excesso de ar-
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recadação, dos resultantes da anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais autorizados em lei, bem como do produto de
operações de crédito autorizada, em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo executá-las. Na prática, todavia, não tem acontecido este cumprimento rigoroso do que preceitua a legislação. Mas por que isso ocorre?
Para que se possa compreender melhor a natureza dos problemas enfrentados, boa parte dos créditos adicionais abertos, embora tenha como suporte qualquer uma das situações explicitadas na Lei Federal nº 4.320/64, tem
o procedimento efetuado pró-forma; apenas visam a dar aspecto de legalidade
à situação, induzindo ao erro ou à interpretação equivocada os integrantes dos
poderes legislativos, sobretudo os municipais, já que sua composição, por vezes, possui políticos com pouco ou nenhum conhecimento da matéria. Aliás,
alguns chefes de poderes executivos municipais se aproveitam da baixa qualificação técnica dos integrantes dos respectivos poderes legislativos, bem com
se valem de coalizões políticas momentaneamente celebradas para obterem a
aprovação das leis de abertura dos créditos adicionais.
Caso mais comum ocorre quando é utilizado como recurso útil o excesso de arrecadação, que, a meu ver, é a mais pura das possibilidades para
abertura de créditos adicionais suplementares e especiais, desde que apurado
de forma verdadeira. Os gestores desenvolvem raciocínio tendente a demonstrar aos seus respectivos legislativos que a projeção confirmará ao final do exercício uma arrecadação superior à estimada, mostrando que estes recursos
excedentes a serem ingressados nos cofres públicos são fontes fidedignas para incremento da despesa pública orçamentariamente fixada, ou seja, são recursos verazes para o aumento desta através de créditos adicionais. Contudo,
esta receita ao final do ano não se realiza como, em tese, a sua projeção.
Por que isto acontece?
Uma variável importante desse problema é o erro de cálculo. Um erro
nestas condições causará efeitos devastadores para a administração pública,
até mesmo para as gestões subseqüentes. Todo o cuidado deve ser dispensa-
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do na hora de se apurar os valores, sob pena de se comprometer integralmente um programa de governo traçado há anos.
A sazonalidade da receita também é outro componente importante. As
peculiaridades locais no andamento da arrecadação devem ser relevadas
quando da mensuração do possível excesso de arrecadação, a fim de evitar
distorções no valor quantificado. O que se quer dizer é que o cálculo do excesso de arrecadação projetado para o exercício não deve envolver tão-somente
um cálculo efetivado pela média aritmética simples, mas, sim, deverá considerar a tendência de realização arrecadatória pela base produtiva local e os respectivos períodos de maior incidência dos ingressos. As características regionais dos Municípios e dos Estados brasileiros não devem ser desprezadas na
quantificação do excesso de receita.
Além disso, deve ser observada a previsibilidade de surgimento de algumas situações indesejáveis no decorrer do exercício financeiro, oriundas,
muitas vezes, do desenvolvimento de fenômenos meteorológicos, com reflexos
diretos na produção de bens e serviços e, logicamente, na arrecadação. Em
momento algum devem ser desprezadas essas ocorrências alheias à vontade
dos administradores e que transmitem seus impactos à vida orçamentária. No
caso da receita, surge a quebra das safras agrícolas; no caso despesa, o Poder Público, por intermédio de despesas extraordinárias, é obrigado a suprir os
cidadãos vitimados por flagelos.
A inobservância destes eventos na mensuração do excesso de arrecadação gerará a apuração fictícia desta. Afora isto, poderá ocorrer a quantificação realizada de má-fé por parte de alguns gestores do excesso de arrecadação, a fim produzir dotação orçamentária - apenas escritural - para o gravame
de empenho de despesas de curto prazo.
Qual a repercussão destes fatos?
Indubitavelmente, compromissos de impossível liquidez. Não haverá
recursos financeiros para pagar os débitos constituídos perante os credores. A
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repercussão de um ato isolado e irresponsável como esse mexerá com toda a
economia local, basta dizer que os credores e fornecedores de bens e serviços
desta administração terão inúmeras dificuldades para resgatar os seus compromissos, caso não possuam Capital Circulante Líquido (CCL = nova expressão, usada em substituição à antiga Capital de Giro). Todos ficarão na expectativa dos pagamentos a serem realizados pelo Poder Público. São danos profundos decorrentes do famoso “efeito dominó”. Logo, quem administra recursos públicos deve ser responsável ao extremo ao avaliar as decisões a tomar,
sob pena de conduzir terceiros de boa fé ao fracasso em suas gestões (falências, etc.). Os gestores que ocasionarem esse tipo de prejuízo a outrem devem
ser responsabilizados por isso. Não se pode isentar administradores públicos
tendenciosos dos problemas derivados de seus atos praticados sem o zelo
pertinente. Esses tipos de atos, por vezes, comprometem a vida de pessoas. É
preciso concentrar toda a atenção e zelo na administração dos recursos públicos, já que o mínimo deslize poderá ser fatal para o desempenho da gestão.
Ainda, uma execução de despesa com lastro em situação não realizável faticamente comprometerá a gestão presente e, obviamente, acarretará
dificuldades ao próprio gestor no exercício subseqüente, já que seu governo
partirá de um déficit orçamentário e financeiro, sobretudo o último. Também,
no caso de troca de gestor ao final do exercício, tal situação ocasionará percalços de toda ordem à nova administração. Haverá, sem sombra de dúvidas,
prejuízo ao desenvolvimento desta nova gestão, de seu plano de governo, já
que terá que honrar compromissos da gestão anterior, em razão do princípio
da continuidade na administração pública.
Importante se mencionar que, em obediência ao artigo 5º da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), os pagamentos
dos débitos deverão ser efetivados em ordem decrescente do vencimento de
suas exigibilidades, isto é, aqueles constituídos a mais tempo terão privilégios
no momento dos pagamentos; é o que se chama de grau de liquidez mais antigo. Logo, os reflexos oriundos da abertura de créditos adicionais com lastros
fictícios causarão efeitos nefastos ao Poder Público, bem como à iniciativa pri-
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vada. Em suma, o novo gestor se encarregará de honrar os débitos constituídos na gestão pretérita.
Quanto às três restantes modalidades de recursos a serem empregados na abertura dos créditos adicionais suplementares e especiais, cabem cuidados por parte dos administradores públicos, sobremaneira no que tange aos
créditos resultantes da anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou
de créditos adicionais autorizados em lei, situação popularmente conhecida
como remanejo de dotações.
Primeiramente, devo destacar que é legal o remanejo, a transposição
ou a transferência de dotação de uma categoria de programação para outra,
desde que com o aval do respectivo Poder Legislativo (prévia autorização legislativa), possibilidade contemplada no inciso VI do artigo 167 da Constituição
da República. Inconcebível, todavia, a forma açodada que este procedimento
vem sendo adotado por algumas administrações. Constata-se, por vezes, que
determinada dotação concede recursos a uma segunda e, posteriormente, esta
primeira acaba sendo complementada com recursos de uma terceira. Ou seja,
dotação “X” concede recursos à dotação “Y” e, posteriormente, esta dotação
“X” é complementada com recursos da dotação “Z” . Este tipo de procedimento
apenas escancara o péssimo tratamento que vem sendo dado ao Orçamento
Público. Neste caso, o Orçamento Público não se revela como instrumento de
planejamento, mas como uma peça desenvolvida apenas pró-forma. O Orçamento Público, neste caso, torna-se uma peça de ficção.
O objetivo do legislador ao limitar a ação dos gestores públicos acerca
do remanejo, da transposição ou da transferência de dotação de uma categoria
de programação para outra é evitar que o exame, a inclusão de emendas e a
aprovação do Orçamento Público efetuado pelos Poderes Legislativos se revele como um procedimento ineficaz, improdutivo, inservível, já que após estes
procedimentos o Chefe do Poder Executivo, por ato de liberalidade exclusivo
seu, alteraria completamente o conteúdo da peça orçamentária, transferindo
dotações de uma para outra categoria, além de outras alterações que julgasse
conveniente.
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Afora estas incongruências decorrentes de uso inveterado de créditos
adicionais com base em lastro incerto, muitos dos problemas estão, por vezes,
na concepção da peça orçamentária sob a ótica futurista irrealizável, em especial a receita. Assim, um Orçamento Público projetado com uma receita estimada inatingível e conseqüentemente ocorrendo a execução integral da despesa fixada no decorrer do exercício (celebrada em igualdade com a receita
estimada), pela virtualidade do orçamento, tal situação acarretará o desequilíbrio orçamentário do exercício, déficit real apurado no Balanço Orçamentário,
que deverá ser suprimido ao longo dos exercícios vindouros. Não há fórmula
mágica. As fontes de recursos são apenas aquelas conhecidas, logo terão de
ser feitos sacrifícios posteriores para a conquista do equilíbrio das contas públicas por determinada administração. Depois disso, deverá ser buscada a manutenção deste equilíbrio. É neste ponto que reside um dos objetivos de criação e instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal
n°. 101/2000). Logo, deve-se acabar com o improviso vigente na administração
pública, deve-se implementar, de fato, o planejamento, mas sempre visando ao
cumprimento das políticas públicas, da metas de governo.
Além disso, pode ocorrer a frustração na execução da receita pública,
no seu ingresso efetivo no Erário, ainda que o Orçamento Público tenha sido
concebido dentro da lógica local. Esta frustração na expectativa arrecadatória
da receita, decorrente de fatores alheios à previsibilidade e à vontade dos administradores, deve ser quantificada e na medida do possível transferida na
mesma proporção para a despesa fixada a ser executada, ou seja, efetuados
cortes e ajustes, sob pena de que esta circunstância venha comprometer os
resultados da gestão atual e/ou de futura(s).
Dificuldades de toda ordem surgem à Administração Pública, como no
caso do aparecimento de déficits em determinados exercícios. Contudo, os
déficits estruturais, aqueles sabidos já no projeto de idealização da peça orçamentária, em função da forma em que fora projetado este documento, fora da
realidade local, devem acarretar a responsabilização também dos respectivos
poderes legislativos que o aprovaram, além, é lógico, do chefe do Poder Exe-
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cutivo. É o que se chama de co-responsabilidade pela situação ou responsabilidade solidária, uma vez que aprovaram um Orçamento Público contrário à
realidade, comprometendo, mormente, as finanças públicas locais. Devem
responder por isso, não há dúvidas, caso fique comprovado que os integrantes
dos poderes legislativos estavam cientes da impossibilidade de execução da
receita prevista, e mesmo assim anuíram tal peça orçamentária, o que é uma
situação grave. Na Administração Pública não há mais espaço para aprendizado em área tão importante, vital para a saúde financeira do Poder Público, como a área orçamentária e, por conseguinte, financeira.
As estruturas do Estado brasileiro atual apontam algumas situações
que exigem reflexão. Em pleno século XXI não há mais oportunidade para devaneios, empirismos e experimentos na condução do timão da administração
pública. Erros são naturais no exercício cotidiano de qualquer atividade, tanto
pública como privada. Mas eles devem ser evitados ao extremo, sobremaneira
quando se lida com a vida de outras pessoas, caso da saúde mais precisamente, até porque os gestores públicos constantemente alegam a carência de
recursos públicos para por em prática suas políticas de governo.
Sabe-se que é, por demais, complicado o exame da peça orçamentária, evento que exige todo o zelo e conhecimento de quem incumbe esta atribuição e que normalmente é um agente político advindo de setores diferentes da
economia ou com formação em área completamente estranha a isso. Os agentes políticos, em razão disso, podem e devem fazer uso de servidores com conhecimento da matéria, a fim de subsidiá-los e municiá-los com informações
técnicas relevantes para a tomada de decisão, diga-se de passagem, importantíssima decisão. As comissões legislativas que analisam o projeto de lei orçamentária devem fazer uso desta atividade decorrente da parte técnica, pela
importância no todo, bem como pela influência forte que a decisão trará para a
execução das políticas públicas.
A Lei Federal n° 4.320/64 permite que o Orçamento Público possa sofrer variações profundas nos valores projetados de um exercício financeiro para outro, desde que plenamente motivadas e que tais circunstâncias sejam es-
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clarecidas aos integrantes do Poder Legislativo, órgão responsável pela inserção de emendas no respectivo projeto de lei e pertinente aprovação, para que
possam embasar melhor suas conclusões. Tal possibilidade está contemplada
no artigo 30 da Lei Federal nº 4.320/64. O conteúdo deste ordenamento, no
entanto, objetiva dar realismo à peça orçamentária, jamais podendo ser confundido, como por vezes ocorre, como um subterfúgio para a superestimação
orçamentária imotivada (fora da realidade).
Em função disso, a mera alegação de instalação, por exemplo, de uma
montadora de automóveis em um determinado município não pode servir como
justificativa plausível para a elevação substancial da Receita Estimada e, por
via de conseqüência, da Despesa Fixada. Tais circunstâncias exigem aprimoramento técnico por parte dos agentes políticos integrantes dos poderes legislativos acerca da matéria. Não podem e não devem aprovar um projeto contendo alteração vultosa em relação ao exercício anterior sem contemplar discriminadamente e com a devida mensuração os reflexos nas fontes de receita,
ou seja, demonstrativos fidedignos de como se comportará a receita no exercício em um ambiente normal, favorável, sem imprevistos. São cuidados imprescindíveis para a tomada de decisões com vistas a salvaguardar a saúde financeira da administração pública. Caso assim não ajam os poderes legislativos,
eles devem, a meu ver, ser apontados pelos órgãos de controle como responsáveis subsidiários, na medida em que aquiesceram a um documento de crédito duvidoso ou de realização fática irreal.
Em decorrência de todos esses cuidados anteriores à aprovação de
um projeto deste porte, tem-se que o comportamento da receita deve ser sempre a base de sustentação para a execução dos gastos públicos (despesas
públicas).
Num mundo hodiernamente globalizado, com avanços cibernéticos por
todas as partes do planeta, como a Internet e demais meios de comunicação
à disposição, além do antigo e sempre usual intercâmbio de informações entre
as pessoas, inexistem motivos para surpresas quanto à repercussão de projetos fabris instalados em municípios, estados e país com vistas a se poder
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quantificar as repercussões de cunho financeiro decorrentes da instalação de
novas unidades nestas regiões. Definitivamente, não há mais chance para improvisações e amadorismos no trato da “res” pública. Quem quer atuar como
agente político deve estar ciente dos percalços que poderão custar à coletividade essas atitudes desprovidas de acuro, desenvolvidas de forma alheia às
questões de legalidade e à realidade.
Assim, o Orçamento Público concebido de modo superestimado, aquele que extrapola a capacidade que possui o Poder Público para arrecadar recursos para fins de sustentação das suas despesas (além da realidade vigente), deve implicar a responsabilização direta do Chefe do Poder Executivo e
indireta dos representantes do pertinente Poder Legislativo, uma vez que a sua
execução trará prejuízos diferíveis por vários exercícios financeiros.
Por outro lado, o Orçamento Público pode ser subdimensionado no
momento da sua concepção. Ao contrário do que se possa pensar, ele, celebrado nestas condições, será tão nocivo para a administração pública quanto
aquele orçamento concebido de forma superestimada.
Idealizado sob a forma subdimensionada, aquém da realidade vigente,
o Orçamento Público carecerá de fidelidade, pois não evidenciará a situação
real, tornando-se uma peça imprópria já no início da sua execução, o que será
lamentável. Todavia, como deste modo o orçamento não se revelará exeqüível
o suficiente a ponto de satisfazer o programa de governo, bem como para viabilizar o seguimento da gestão, ele será fulminado pela abertura de quantitativo
elevado de créditos adicionais, procedimento reprovável sob todos os aspectos, ainda que para isso conte com a aquiescência do respectivo Poder Legislativo e possua o pertinente lastro financeiro para suportar esse tipo de ação.
Significa que o Orçamento Público assim complementado causará distorções
profundas no seu sentido de criação e principalmente de sua inclusão como
instrumento do sistema de planejamento e programação, partindo-se do pressuposto que tal posição tenha ocorrido apenas por equívoco ou por qualquer
ato desenvolvido de forma involuntária por quem tem a prerrogativa de elaborar a peça orçamentária. Com isto não significa que se está inocentando a atu-
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ação do administrador, tão-somente está se atenuando, e parcialmente, a sua
responsabilização.
De toda a sorte, caso fique comprovado que o responsável pela concepção do Orçamento Público tenha forçado o desenvolvimento da peça orçamentária em moldes avessos à realidade local, objetivando, assim, rever e
alterar o conteúdo do instrumento no instante da execução, relegando a discussão, a inserção de emendas e a aprovação efetuadas por parte do respectivo Poder Legislativo a um plano inferior, o que equivale a tornar improdutivo
este comando no contexto, a circunstância apresentará o componente de gravidade em seu bojo. Tal situação deve redundar em punição a esses responsáveis, pois a peça orçamentária idealizada induziu os integrantes do Poder
Legislativo ao erro. Houve má-fé na concepção.
Outrossim, independente de se apurar a falta de veracidade e de fidelidade na elaboração do Orçamento Público subdimensionado, subavaliado ou
subestimado como de boa ou má-fé, deve se salientar que a abertura de créditos adicionais em quantitativo elevado, dos três tipos, fará com que este importante instrumento de gestão mais pareça uma colcha de retalhos do que uma
ferramenta de gestão. A propósito, nem mesmo naqueles orçamentos concebidos racionalmente se pode admitir ou assimilar que se abram créditos adicionais já no terceiro ou quarto mês de execução, o que apontaria problemas estruturais concernentes à concepção, decorrentes da falta de lógica de quem o
idealiza.
Não há dúvidas de que os Tribunais de Contas devem dar maior atenção à análise do Orçamento Público, já que este é um instrumento que serve
de apoio a tudo que ocorre na administração pública. Tudo passa por ele.
Qualquer despesa paga teve previsão contida nele. As receitas arrecadadas,
ainda que se espere arrecadar mais que o estimado, tiveram previsão nele,
gênese nele. Logo, uma boa fiscalização nesta peça, aplicando inequivocamente as punições necessárias, inibirá a ação daqueles que objetivam através
do Orçamento Público ocultar vícios, ilicitudes, malversações de recursos públicos, enfim, todos os tipos de fraudes contra os recursos de uma coletividade.
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A bem da verdade, até deveria ser desnecessário tocar-se neste assunto, já
que quem gerencia recursos públicos deveria estar a par das implicações a
sua gestão em função de fim diverso dado aos recursos públicos.
Quanto à elaboração do Orçamento Público propriamente dito, os chefes de poder executivo, já que a elaboração do orçamento é uma prerrogativa
dos responsáveis por esse poder, possuem o dilema de como efetuar o seu
orçamento. Há muitas dúvidas acerca da matéria.
Existe a obrigatoriedade de que o Orçamento Público seja concebido
em equilíbrio?
Normalmente, os gestores públicos, até mesmo por falta de conhecimento técnico ou mesmo pela propalada falta de recursos públicos em caixa,
celebram o Orçamento Público em equilíbrio, isto é, Receita Estimada igual a
Despesa Fixada. Esta é a praxe, é a situação mais cômoda. É o que mais se
vê acontecer. É o que é mais usual no Orçamento Público.
Porém não devia ser efetuado sempre assim. A propósito, em municípios de pequeno porte, constata-se que o orçamento muitas vezes é o mesmo
do exercício anterior, apenas com a inclusão do efeito inflacionário sobre os
valores lá contidos, já que os programas e metas de governo são rigorosamente os mesmos. Tecnicamente este procedimento é inadequado, uma vez que o
orçamento deve espelhar a realidade local, deve retratar o programa de governo.
Assim, em relação à sua concepção, o Orçamento Público pode ser elaborado sob duas formas: em equilíbrio ou em desequilíbrio, sendo que a
última forma pode ser desdobrada em outras duas: com superávit ou com déficit. Contudo, importante se ressaltar que mesmo assim o Orçamento Público
deverá envolver lógica na sua idealização. Ou seja, em momento algum a peça
orçamentária deverá estar superestimada ou subdimensionada.
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Orçamento em equilíbrio - É do que, a priori, se trata ao longo do trabalho. Significa Receita Estimada igual a Despesa Fixada. Apenas para lembrar, a expectativa de todo administrador público é que a receita pública surpreenda positivamente o seu comportamento durante a execução no exercício
financeiro, para que os recursos excedentes possam ser aplicados ainda mais
no bem-estar do cidadão, principal responsável pela existência da administração pública. A praxe é o Orçamento Público ser celebrado em equilíbrio, orçamento ortodoxo.
De qualquer modo, não há óbice para que o Orçamento Público seja
concebido de forma inaudita, rara, incomum à que normalmente se espera, isto
é, seja confeccionado apresentando desequilíbrio na sua consecução. Assim,
nesta modalidade de concepção, em desequilíbrio, há dois tipos de orçamento:
orçamento em desequilíbrio com superávit e orçamento em desequilíbrio com
déficit.
Orçamento em desequilíbrio com superávit - É aquele em que a receita é estimada ou prevista em valor superior ao da despesa fixada. Atualmente, é uma cena rara encontrar-se uma peça orçamentária desenvolvida
nesta condição. Contudo, quem o elabora desta forma objetiva normalmente
suprir deficiências de caixa e bancos (disponibilidades financeiras), oriundas,
na maioria das vezes, da existência de um estoque de Resíduos Passivos ou
Restos a Pagar ao final do exercício anterior desprovido de disponibilidades
financeiras para quitação. Em verdade, nos orçamentos anteriores houve a
execução de despesas em montante superior ao que deveria ser realizado,
demonstrando que o Poder Público efetuou um esforço maior que o devido.
Logo, os cidadãos tiveram um aporte de benefícios que suplantou aos seus
desembolsos.
Orçamento em desequilíbrio com déficit - É aquele em que a receita
é estimada ou prevista em valor inferior ao da despesa fixada. Podem ocorrer
questionamentos acerca deste tipo de criação de orçamento público, até mes-
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mo por aqueles que possuem conhecimento profundo acerca da matéria, já
que, como no tópico anterior, o procedimento parece ilógico.
Ressalta-se que o que não deve ocorrer é o dispêndio de recursos por
parte dos contribuintes em valor (esforço) superior ao que o Estado lhes recompensa. No caso em questão, o Poder Público apresentou disponibilidades
financeiras no exercício anterior em montante superior aos débitos registrados
em curto prazo para resgate (Restos a Pagar ou Resíduos Passivos), resultando em superávit financeiro. Deste modo, no orçamento concebido em desequilíbrio e com déficit, a expectativa de cobertura deste desequilíbrio está adstrita,
limitada ou vinculada ao montante deste superávit financeiro. A saber, nos orçamentos anteriores houve a execução de despesas em montante inferior ao
que deveria ser realizado, demonstrando que o Poder Público efetuou um esforço menor que o devido. Logo, os cidadãos tiveram um aporte de benefícios
menor que os seus desembolsos. Agora, ocorrerá a compensação pelo esforço
tributário maior.
É bom que se ratifique que são duas possibilidades de ocorrência rara
nos dias de hoje, tanto pela falta de conhecimento técnico de quem compete a
elaboração do Orçamento Público, como pelas dificuldades financeiras vivenciadas pelos gestores públicos e, ainda, pela cultura brasileira de se confeccionar o orçamento em equilíbrio, fatos que tornam muito forte o impacto de uma
decisão deste gênero. Todavia, não devem ser desprezadas nenhuma destas
técnicas orçamentárias demonstradas, uma vez que cada vez mais se exige
que os administradores mantenham as contas públicas em equilíbrio, eliminando o déficit público, considerado o “câncer da administração pública”.
Não há mais espaço para tentativas desprovidas de embasamento
técnico na gestão pública. Deve ser buscada a saúde das finanças públicas
concomitantemente com a realização das metas formalizadas no plano de governo, e isto exige preparo de quem exercerá o comando da administração.
Não se está dizendo que o administrador deva ter conhecimento pleno acerca
de todas as áreas que orbitam as atividades públicas, mas que escolha criteriosamente quem o assessorará. Assim, medidas duras devem ser implementa-
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das sempre que a situação exigir, desde que fundamentadas e demonstrada a
forma de sua realização em circunstâncias normais. É responsável, também,
quem tendo conhecimento de alguma anomalia que poderá acarretar desequilíbrio nas contas públicas tenha deixado de tomar as respectivas medidas, tenha se omitido diante de fato tão relevante. Com efeito, a base da gestão, o
Orçamento Público, deve ser minuciosamente confeccionado e, sempre que
possível, quantificados seus reflexos no todo da gestão, independentemente
da forma de concepção que este instrumento pode ser elaborado, como as
duas demonstradas neste trabalho (em equilíbrio ou desequilíbrio).
4.4 O ORÇAMENTO PÚBLICO, INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO, DIANTE DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL N° 101/2000
O Estado brasileiro clamava por uma legislação mais abrangente envolvendo a gestão pública e suas atividades correlatas, como as finanças públicas, nela incluídas o crédito público, a despesa e a receita públicas, os gastos com pessoal, etc. Era mister a necessidade de um ordenamento que buscasse responsabilizar aqueles que, porventura, dão causa ao surgimento dos
desequilíbrios nas contas públicas, decorrentes de gestões descompromissadas com a realidade local, marcadas pela malversação de recursos públicos ou
dilapidação desses na execução de políticas públicas inócuas, afora outras
questões de cunho financeiro não tão vultoso, mas não menos importantes.
É neste contexto, então, que a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei
Complementar Federal n° 101/2000, veio à tona. É neste cenário que ela vem
atuando e continuará buscando dar condições de aperfeiçoamento às administrações públicas federal, estaduais e municipais, tendo em vista ser uma lei
federal de diploma nacional, abarcando todos os entes políticos federados.
Pode-se dizer, inclusive, que a Lei de Responsabilidade Fiscal serve
como instrumento indireto de ação da sociedade contra aqueles que praticam
64
atos administrativos sem o desvelo devido. Destarte, uma vez que estes atos
administrativos evidenciam o uso de recursos públicos, recursos da coletividade, nada mais justo que a sociedade possa representar contra estes maus
gestores. Aliás, a Lei de Responsabilidade Fiscal possibilita, parágrafo único
do seu artigo 48, que o cidadão exerça o controle direto sobre a gestão pública, denominado de Controle Social (qualquer cidadão, comunidade, sindicato,
corporações profissionais, entre outros), o qual será enfocada com mais profundidade no item 4.1.3.
O seu surgimento teve como base a previsão contida no artigo 163 da
Constituição Federal, bem como a descrita no parágrafo 9° do artigo 165, também da Lei Maior. Ela veio complementar o comando que trata das Finanças
Públicas na nossa Constituição da República. No seu escopo de atuação estão
também os três instrumentos integrantes do sistema planejamento (PPA, LDO
e Orçamento Público), que é por onde transitam os recursos que dão suporte à
execução dos programas de governo. Logo, essa legislação visa a tornar as
peças orçamentárias mais ajustadas e adequadas à realidade econômicofinanceira dos entes federados, isto é, para que esses instrumentos não sejam
meras peças de ficção, como até então vinham sendo.
A ordem é acabar com a inércia e ineficácia dos instrumentos de tomada de decisão na administração pública e concretizar a estabilidade fiscal.
Esta nova filosofia almeja lograr, primeiramente, o equilíbrio nas contas públicas; a seguir, a preocupação será com a manutenção deste equilíbrio, a permanência da saúde econômico-financeira da administração pública.
Com edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, o déficit público, anteriormente tratado com naturalidade pelos gestores, encontrou um inimigo forte,
resistente o suficiente para impor a sua neutralização ou para aceitá-lo tãosomente em níveis toleráveis. A elaboração dos orçamentos públicos, bem
como as demais ferramentas do sistema de planejamento e orçamento, a partir
de então, deverá enfocar o rigorismo necessário para tornar estes instrumentos
efetivamente como legítimos integrantes do aparelhamento gerencial. Desse
65
modo, os três instrumentos do sistema de planejamento e orçamento devem
espelhar as metas realizáveis de governo.
O equilíbrio das contas governamentais, a supressão do déficit público
e a organização das finanças públicas são indubitavelmente questões orçamentárias, por se referirem à despesa e à receita pública, apuradas e apropriadas pelo conceito contábil, mas com reflexos sistemáticos também na ordem
jurídica local (além das questões contábeis, há ordenamentos a serem seguidos). Nestes pontos, então, é que a Lei de Responsabilidade Fiscal chega para
pôr ordem no que se podia chamar de falta de compromisso com o amanhã. A
contar da promulgação desta lei, todo gestor público deve manter preocupação
permanente com o princípio da continuidade do serviço público, mantendo as
contas permanentemente organizadas.
De tudo que fora comentado, convém que se faça a abordagem individualizada de um ordenamento que é um dos mais importantes da Lei Complementar Federal nº 101/2000 em relação à matéria orçamentária, que é o
artigo 42, cujos efeitos poderão ocasionar a rejeição das contas dos gestores
públicos.
Este artigo 42 trata da vedação ao titular de Poder de realizar despesas (empenhá-las) nos dois últimos quadrimestres de seu mandato, desde que
não possa resgatá-las integralmente ainda dentro deste exercício financeiro, ou
que deixe parcelas destas despesas para serem pagas no exercício seguinte
sem a respectiva contrapartida em disponibilidades financeiras. É o que se pode definir como política de equilíbrio, proibindo a praxe de alguns administradores de antigamente, que, com intuito eleitoreiro, contraíam débitos no último
exercício de seus mandatos, mas não deixavam o respectivo lastro financeiro
para que os seus sucessores honrassem esses compromissos. São escriturados como Restos a Pagar ou Resíduos Passivos sem cobertura. Além do péssimo exemplo de gestão de recursos públicos que tal procedimento significava,
ele implicaria em prejuízos de toda ordem à administração subseqüente, na
medida em que o novo plano de governo prometido e firmado já se iniciaria
66
aviltado, em função da necessidade de efetuar cortes em montante suficiente
para dar quitação aos compromissos oriundos da gestão anterior.
Como se pôde constatar o legislador federal foi muito feliz ao incluir este ordenamento na Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda que o cidadão tivesse como expectativa que todo o administrador público fosse probo e que devesse almejar como meta o equilíbrio das contas públicas. Porém, na prática,
isto não vinha ocorrendo, o que levou a esta construção na Lei Federal n°
101/2000.
Ainda há, a meu ver, uma brecha para que os maus gestores públicos
façam uso. Ao destacar os dois últimos quadrimestres como compromisso para
o gravame de empenhos com lastro financeiro para liquidez, o legislador deixou o primeiro quadrimestre, em tese, liberado para o empenhamento de despesas sem a preocupação com a pertinente quitação posterior. Em razão disso, poderia ocorrer o entendimento de que apenas aqueles débitos constituídos nos dois últimos quadrimestres teriam a obrigatoriedade de serem resgatados dentro do exercício ou de que os recursos para esse resgate no exercício posterior devam estar disponibilizados em conta Caixa ou conta Bancos.
Mas não é este o fito da lei, não! Nem é esta a postura que se espera do bom
gestor.
Caso algum administrador adote este inaudito procedimento de não se
preocupar com o pagamento dos empenhos realizados no primeiro quadrimestre, incorrerá em burla ao artigo 5° da Lei Federal n° 8.666/93, que determina a
prioridade no pagamento daqueles débitos mais antigos quando confrontados
com outros mais recentes. Logo, sendo rigorosamente observado este ordenamento pelos gestores e inexistindo programação financeira adequada, haverá, ao final do exercício, débitos desprovidos de disponibilidades financeiras
para liquidez. Portanto, o gestor não terá como ocultar as despesas constituídas no primeiro quadrimestre.
Os órgãos de controle, no entanto, não podem subestimar a capacidade criativa de determinados gestores públicos. Estes poderão se preocupar
67
com o pagamento e reserva de recursos para pagamento em exercício posterior tão-somente das despesas constituídas (empenhadas) nos dois últimos
quadrimestres. Tal procedimento acarretaria, afora a já citada infringência à Lei
Federal n° 8.666/93, distorção no intuito da Lei de Responsabilidade Fiscal,
pois o que deve ser buscado é o equilíbrio das contas públicas como um todo,
e não parcialmente como ocorreria, bem como traria prejuízos para a gestão
futura. Não é demais se destacar que a escrituração contábil apontaria uma
impropriedade deste tipo, embora o gestor, de forma tendenciosa e sem qualquer embasamento legal, use como sua salvaguarda o argumento de que procurou honrar os compromissos assumidos nos dois últimos quadrimestres. A
propósito disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal
nº 101/2000), precisamente nos incisos I e II do “caput” do seu artigo 16, trata,
com muita propriedade, da estimativa do impacto orçamentário-financeiro do
aumento das despesas no exercício em que deva vigorar e nos dois subseqüentes, bem como exige declaração do ordenador de despesa acerca da adequação ou compatibilidade da ampliação de obras e realização de gastos
nos instrumentos orçamentários.
Sintetizando, andou muito bem o legislador ao definir como uma das
prioridades para os gestores públicos a manutenção do equilíbrio das contas
governamentais, tanto no que tange às dívidas de curto prazo (débitos de tesouraria), compreendidos no artigo 42, como em relação à dívida fundada (dívida de longo prazo), referida entre os artigos 29 e 31.
4.5 A TRANSPARÊNCIA DO GASTO PÚBLICO E A INCLUSÃO DA NOVA
EXPRESSÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES: A ACCOUNTABILITY
Ainda dentro do conceito de transparência na Administração Pública, o
qual vem sendo constantemente ampliado, em especial por ordenamentos como a Lei de Responsabilidade Fiscal, surgiu uma nova expressão para identificar esta preocupação e garantir que as decisões tomadas obtenham o êxito
68
esperado. É a chamada accountability. O modelo vigente de administração pública vem sendo permanentemente questionado e até considerado ultrapassado, havendo necessidade de se instituir um novo mecanismo para o gerenciamento dos limitados ou parcos recursos públicos existentes.
Em decorrência disso, brotou a expressão accountability, de origem inglesa e sem expressão equivalente no idioma português. Contudo, a que mais
se assemelha, a que mais se aproxima do significado é responsabilidade; há
quem a defina também com o sentido de punibilidade. Mas o certo é que ela
vem sendo empregada como sinônimo de responsabilidade. Assim, a accountability objetiva assegurar a transparência dos atos de gestão, responsabilizando quem, porventura, vier a dar causa a ilicitudes que sejam flagradas ao longo
de uma gestão, em especial, no caso aqui abordado, às questões ligadas ao
Orçamento Público.
Relevante destacar que a figura da accountability pode ser utilizada em
vários segmentos da administração pública (accountability política, administrativa, etc.) e até mesmo na iniciativa privada, devido à profundidade do seu alcance. A propósito, foi-se o tempo em que os cidadãos apenas aceitavam pacificamente o desenrolar das situações se sucedendo ao seu redor. Eles sabem
que são parte integrante do processo e, diga-se de passagem, a parte mais
importante do todo. Logo, começam a agir para que seus objetivos sejam alcançados.
Desse modo, a accountability é o compromisso que a administração
tem de prestar contas dos resultados conquistados na sua gestão aos cidadãos, produto da administração. A partir de então, estamos diante de uma das
ferramentas de processamento da accountability que é a prestação de contas.
Além dessa importante ferramenta, podemos listar tantas outras como os Tribunais de Contas (União, Estados e Municípios) com suas auditorias, decisões
e imputação de penalidades, os Orçamentos Participativos, a Lei de Responsabilidade Fiscal, os Sistemas de Controle Interno (Contadorias Seccionais) e
Externo, o Controle Social, enfim, uma série de procedimentos integra a accountability de forma macro.
69
Na questão relativa ao Orçamento Público e as outras duas peças do
sistema de planejamento e orçamento, são possíveis de aplicação todas as
ferramentas de accountability até então conhecidas para fazer valer o direito
do cidadão e manter a execução do plano de governo associado à realidade
local.
4.6 EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E O CHOQUE CONTRA A LEI
DE RESPONSABILIDADE FISCAL
O desenvolvimento das políticas públicas, tão abordadas neste trabalho, com vistas à satisfação das necessidades públicas, bem como dar retorno
aos contribuintes dos recursos deles recolhidos, encontra limites na sua própria
estrutura. São limites de ordem financeira e até mesmo por determinação
constitucional.
Os artigos 212 e 198 da Constituição da República, que tratam, respectivamente, da aplicação de recursos na Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino (MDE) e nas Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), acabaram
cerceando a ação dos administradores. O campo de atuação dos gestores públicos ficou mais restrito, na medida em que para a educação há obrigatoriedade de aplicação de, no mínimo, 25% das receitas auferidas com impostos,
enquanto na saúde o percentual mínimo exigido é de 15% também das receitas angariadas com impostos. Assim, grosso modo, restam 60% da receitas
arrecadadas com impostos para liberdade de gerenciamento por parte dos
administradores públicos.
É claro que os entes federados não possuem apenas as receitas de
impostos para a execução das suas metas de governo, contudo esta espécie
de tributo é a consistente, responsável pela quase totalidade das receitas pú-
70
blicas captadas. Dessarte, indubitavelmente, os gestores públicos terminam
por gerir, com liberdade, um montante menor das receitas que lhe pertencem.
A culpa por esta inaudita situação é dos próprios administradores públicos, que com o passar dos anos foram deixando a desejar em suas gestões,
o que forçou os legisladores a tomarem a iniciativa de cingir as gestões públicas com a edição de ordenamentos limitativos da ação pública. A propósito, há
casos em que os índices de aplicação mínima na saúde e na educação são
superiores aos índices mínimos constitucionalmente fixados. Para exemplificar,
a Constituição do Estado Rio Grande do Sul fixou em 35% o percentual de aplicação na educação. A existência de índices nas legislações locais (constituições estaduais e leis orgânicas municipais) superiores aos constitucionalmente
estabelecidos ocasiona quantitativo menor de recursos para serem livremente
administrados. Logo, maiores serão as dificuldades para a realização das políticas de governo e tanto maiores serão os sacrifícios a que serão submetidos
os responsáveis pela manutenção das estruturas públicas.
Estas dificuldades financeiras vivenciadas e muito reclamadas pelos
gestores públicos tiveram a si agregadas mais um componente: a edição da
Lei de Responsabilidade Fiscal, legislação que veio em boa hora para acabar
com as incongruências existentes nos atos executados por alguns administradores públicos.
Ao bom administrador público não haverá dificuldades para enfrentar
as normas contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo, mesmo assim
poderão surgir alguns dilemas aos gestores, como, por exemplo, desembolsar
recursos em um determinado projeto acima do que fora previsto, mas ficando
ao alcance da Lei de Responsabilidade Fiscal. Devem ser produzidas análises
gerenciais mensais das metas propostas para serem executadas e a sua repercussão financeira junto à receita realizada. Não há mais chance para uma
administração pública destituída de organização.
A Lei Complementar n° 101/2000 não veio para imobilizar os administradores públicos e nem tampouco os atos administrativos a serem desenvolvi-
71
dos por eles, ela não veio para limitar a ação dos gestores públicos, ela veio,
sim, para contornar e promover ajustes às anômalas situações até então flagradas.
Há situações alegadas pelos gestores para a impossibilidade de realização de gastos públicos com os cidadãos que se assemelham a um argumento de defesa ou uma salvaguarda para suas ineficientes gestões. Caso mais
comum é o da saúde. Referem, por vezes, que estão no dilema entre salvar
vidas ou a cumprir ordenamentos, tachados por eles como esdrúxulos. Com
efeito, invocam a Lei de Responsabilidade Fiscal como fator impeditivo para o
aumento de seus gastos, transferindo o ônus da falta de organização das suas
finanças públicas, ou da pouca organização destas, aos legisladores federais,
posição cômoda diante dos seus cidadãos e com vistas a eliminar a possível
imputação de qualquer responsabilidade a si. Todavia, ineficaz esse tipo alegação, pois aos gestores públicos compete a organização das finanças locais.
A Lei de Responsabilidade Fiscal não visa a bloquear a ação dos administradores públicos, ela não visa obstaculizar ou causar óbice à efetivação
das políticas públicas, ela tem como cerne acabar com as mazelas oriundas de
gestões equivocadas ou mal planejadas.
Em suma, não se pode atribuir à Lei de Responsabilidade Fiscal a culpabilidade pela falta de êxito na consecução de alguns programas de governo.
É certo que deverá haver sintonia fina entre a programação financeira e o fluxo
de caixa, caso contrário haverá comprometimento ao desempenho da gestão.
Urge que esta adaptação seja procedida.
72
4.7 IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE CUSTOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A cada dia que passa, em função das necessidades de adaptação ao
mutante mercado mundial, cada vez mais globalizado (quebra de barreiras existentes), os fabricantes, produtores, comerciantes, etc., voltam-se para o pleno entrosamento com esta nova ordem mundial. Para tanto, os preços de produtos e serviços realizados pelas empresas devem se ater às demandas exigidas pela sociedade, tanto internas quanto externas, em quantidade e qualidade suficientes e, aliado a tudo isso, observando o quesito preço de mercado, a
fim de se tornarem competitivos e atraentes ao exigente mercado consumidor.
Só que para isso não basta apenas ajustar os preços a bel-prazer! É indispensável a adoção de medidas seguras para a mensuração dos custos dos produtos e serviços, a fim de que a existência das empresas não fique inviabilizada
diante do mercado, ou até mesmo acarrete, posteriormente, a sua extinção
numa economia de escala crescente.
Assim, urge que medidas técnicas e salutares sejam implementadas,
sob pena de a empresa ser integralmente absorvida, ou até mesmo sufocada,
pelo mercado. Essas medidas técnicas e salutares possuem nome e seu nome
é sistemática de custos aplicada à produção. Portanto, é uma metodologia de
custos voltada à apuração e à distribuição dos custos de forma proporcional
aos produtos e serviços.
Mas não basta somente a criação e implementação de uma sistemática de custos, também não! As etapas posteriores a esse processo, como o
gerenciamento e a implementação das medidas corretivas sobre os resultados
obtidos a partir das informações apropriadas no mapa de localização de custos, são tarefas não menos importantes neste contexto, pois é delas que surgirão medidas eficazes para a redução dos custos e a adaptação dos preços à
realidade ou a esta nova realidade. Destarte, as exigências modernas dessa
estrutura exigem esforços hercúleos por parte dos Administradores.
73
Mas, e a Administração Pública? Onde entra neste contexto todo? Ela
é obrigada por lei a manter uma sistemática de custos?
Pois bem, a Administração Pública também precisa saber os preços
dos serviços disponibilizados aos cidadãos, até mesmo para que possa verificar onde está gastando demais e efetuar os pertinentes ajustes, bem como
para se adaptar a esta realidade mundial. A saber, deve diagnosticar a situação e implementar as medidas eficazes para a solução do quadro.
Em suma, a implantação de uma metodologia de custos na administração pública se faz mais do que necessária. É indispensável que a administração pública saiba quanto custa os serviços a serem prestados aos cidadãos,
contribuintes, de onde se originam os recursos para a manutenção da máquina
estatal, até mesmo para saber o que deve auferir de recursos para fazer frente
a estes pesados encargos diários, mensais, anuais, enfim. É vital a quantificação dos encargos e, sobretudo, o gerenciamento dos dados apurados.
A cada dia que passa o administrador público se vê às turras para
cumprir os compromissos financeiros oriundos da manutenção do Estado, devendo, em muitas oportunidades, fazer uma ginástica para conseguir o equilíbrio das contas públicas. Isto se dá, por vezes, sem que o gestor público saiba
exatamente quanto precisa para o desempenho adequado, ou seja, para saciar
as necessidades dos contribuintes locais e cumprir as suas metas de governo.
Em função de tudo o que vem se observando na administração pública
ao longo dos tempos, urge que uma sistemática de custos voltada à administração pública seja introduzida. A propósito, é inadmissível que os gestores públicos venham a elaborar seus orçamentos públicos atribuindo valores a
programas sem qualquer conhecimento técnico dos custos que os envolvem.
Não há explicação racional para que se orce a execução de determinado projeto, obra ou mantenha-se uma atividade corrente quando não se tem mensurado os custos que abarcam essas situações e suas repercussões na receita a
ser arrecada. Uma gestão desenvolvida assim está fadada ao insucesso.
74
É fundamental que se tenha o custo homem-hora dos serviços prestados ou postos à disposição dos cidadãos, sobremaneira daquelas atividades
em que dão origem à cobrança de taxas (serviços de corte de árvores, serviços
de policiamento em eventos, outras), mormente porque os preços cobrados
dos seus cidadãos solicitantes dos serviços talvez possam não corresponder à
expectativa sequer dos gastos despendidos com a manutenção dessas estruturas. Também deverá ser apurado o custo máquina-hora por aqueles entes
que prestam serviços desta espécie a seus cidadãos.
Não se está querendo dizer com isto que a administração pública vise
ao lucro em todos os seus serviços prestados, mas, por outro lado, na atual
conjuntura, ela não pode arcar com os encargos decorrentes dessas situações
(custo maior que o valor cobrado), já que isto significará desembolso de recursos por parte dos demais cidadãos, sacrifício de todos. Desse modo, a partir
do custo efetivo dos serviços prestados, poder-se-á obter resultado favorável
com a arrecadação originária deles, revertendo em benefício da coletividade
este saldo positivo.
Então, inexistem motivos, nem mesmo legais, que impeçam que se
crie e implemente na administração pública uma sistemática de custos e se
desenvolva, a partir daí, a cultura de apropriar corretamente aos programas a
serem orçados as dotações que efetivamente serão empregadas. Logo, o Orçamento Público, na parte afeta à despesa fixada, deverá estar em consonância com o sistema de custos.
Somente agindo assim, com a instituição de uma sistemática de custos
na administração pública, serão eliminadas as constantes suspensões de obras públicas decorrentes da inexistência de recursos para seu andamento,
pela previsão orçamentária efetuada à revelia de fundamentação técnica sobre
o montante necessário, situações que acabam sendo fruto de inúmeras reportagens veiculadas na mídia nacional acerca do desperdício de recursos públicos em obras inacabadas. A propósito, entende-se que esse é o intuito do le-
75
gislador com o conteúdo do artigo 16 na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar Federal nº 101/2000).
4.8 MONITORAMENTO MENSAL DA RECEITA REALIZADA COMO SUBSÍDIO (FONTE) AO EMPENHAMENTO DAS DESPESAS
A execução orçamentária, notadamente da despesa, é bem mais que o
singelo gravame de empenhos. Os ordenadores de despesas devem atentar
para os empenhos que autorizam (assinam), uma vez que todos eles devem
gozar de presunção de liquidez, devem ostentar capacidade de liquidez perante os portadores da nota de empenho (prestadores de serviços, fornecedores,
entre outros).
A virtualidade do Orçamento Público não pode e não deve ser invocada como motivo ou pretexto para a realização de despesas, em outras palavras
para o empenhamento de despesas sem qualquer preocupação com o restante cumprimento dos demais estágios da despesa pública (ver item 2.4.1), sobretudo o estágio pagamento. Os ordenadores de despesa são responsáveis
diretos pelos riscos que acarretam à administração pública em função da política equivocada de gerenciamento do Orçamento Público. Não há mais espaço
para o controle isolado das execuções da despesa e da receita. Mesmo que o
ordenador não tenha sido o mentor do Orçamento Público ele deverá ser responsabilizado pela execução orçamentária desprovida de prudência.
O desequilíbrio das contas públicas surgido a partir da alegação de alguns gestores de que havia previsão e provisão orçamentárias para a realização de gastos, considerando este o fundamento base para esses dispêndios,
não possui credibilidade suficiente. Estas previsões e provisões são meramente orçamentárias, uma vez que dependerão de como a receita pública se processará no pertinente exercício financeiro. Logo, o comportamento da receita
pública, a sua expectativa de realização, deve servir de fator condicionante
para o gravame dos empenhos, deve dar sustentabilidade para a execução
76
dessas despesas públicas, já que não se pode mais conceber o desequilíbrio a
que as contas públicas são submetidas.
O Desequilíbrio Financeiro apurado ao final de um exercício, ou seja, a
realização de despesa pública em valores superiores à execução da receita
pública, deverá ser compensada no exercício subseqüente, sob pena de que
este resultado momentaneamente desfavorável venha a prejudicar, inviabilizar
as gestões futuras, na medida em que os gestores não terão condições de executar as suas políticas de governo. Eles ficarão de mãos amarradas e responsáveis tão-somente pelo pagamento de despesas contraídas e executadas
em gestões pretéritas.
A relevância do assunto abordado neste tópico é matéria prima pura
para que os órgãos de controle, tanto internos como externos (Tribunais de
Contas), exerçam as suas atividades com afinco, apontando as falhas, imputando penalidades e, na atividade didática, impregnando nas Administrações
Públicas a cultura do equilíbrio das contas públicas.
Além de coibir os excessos cometidos, aspecto quantitativo, a análise
deve também se apoiar na qualidade das despesas realizadas (aspecto qualitativo). Observa-se, por vezes, que os excessos não têm como escopo o retorno aos cidadãos. São melhorias na estrutura administrativa de prédios públicos
(Ministérios, Secretarias de Estado e de Municípios, troca de veículos, etc.),
fatos geradores que naqueles momentos talvez não fossem necessários.
O legislador federal, dada a importância da matéria, tratou-a com muita
propriedade nos artigos 8° e 9° da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/2000), quando abordou a necessidade de instituição de programação financeira e cronograma para desembolsos, bem como enfocou a
necessidade de cortes no cumprimento de metas caso a receita não consiga
obter o comportamento até então projetado, tendo como escopo o cálculo efetivado bimestralmente.
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Entendo que este é o modelo que se deve adotar para a administração
pública do século XXI, isto é, gastos públicos em consonância com a receita
efetivamente recebida. É o novo tom que se deve implementar, mentalidade de
iniciativa privada, sintonia entre o sistema financeiro e o orçamentário. Contudo, considero a apuração bimestral ainda insuficiente para garantir a correção.
O modelo adequado, a meu ver, é que a base para apuração e produção dos pertinentes ajustes corretivos à realidade local seja a mensal. O ciclo
mensal, embora seja mais trabalhoso para os administradores públicos, embora exija mais domínio da matéria por parte dos gestores públicos e de seus
agentes de assessoramento, é o mais fiel aos fins que se propõem a administração pública.
É fundamental a instituição de ferramentas para o exercício dessa administração de caixa (disponibilidades). Como bem tratado pelo legislador federal, os gestores devem trabalhar com cronograma para desembolsos e programação financeira, aqui entendido como fluxograma de caixa, onde estarão
registradas pela ordem cronológica de ocorrência as entradas (ingresso de recursos) e as saídas (pagamentos), instante em que deverão ser conduzidos os
primeiros ajustes que a situação requererá. É lógico que, após o encerramento
do mês, outras análises deverão ser procedidas sobre os resultados obtidos,
como o cotejo com as expectativas até então propostas (Orçamento Público), a
fim de realizar novas adaptações ao modelo vigente.
Esta é a nova mentalidade que deve estar inserida na administração
pública, a saber: realização das políticas públicas com vistas à satisfação dos
anseios dos cidadãos, mas sem comprometer o equilíbrio das contas públicas.
Resumindo, o Orçamento Público, que podemos definir como a “Bíblia
da Administração Pública”, pode e deve ser alterado no decorrer da sua execução, sempre com a anuência do respectivo poder legislativo e ainda que tais
alterações possam realçar a falta ou a pouca realidade exposta na sua concepção, no entanto desde que o fito das alterações seja a busca do equilíbrio
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das contas públicas concomitantemente com a responsabilidade pelo cumprimento das políticas públicas.
79
5 POSSIBILIDADE DE CONTROLE SOBRE O ORÇAMENTO PÚBLICO
A dignidade da pessoa humana foi incluída e abordada com muita propriedade entre os fundamentos da Constituição da República de 1988 (artigo
1°, “caput” e inciso III). É um dos cinco fundamentos do Estado brasileiro. O
legislador foi muito feliz ao estabelecer na Carta Constitucional uma série de
direitos aos cidadãos, em especial nos capítulos intitulados “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” e “Dos Direitos Sociais”, os quais integrarão as
políticas públicas de governo, objetivando preservar a dignidade da pessoa
humana. Em suma, o Estado democrático de direito deve efetuar a promoção
do bem-estar dos seus cidadãos.
Em decorrência disso, os governos (Federal, Estaduais e Municipais)
devem desenvolver programas almejando a satisfação desses direitos constitucionalmente atribuídos aos cidadãos, sobremaneira os contidos no artigo 6°,
como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança, o lazer, a previdência, a proteção à infância e à maternidade, entre outros, para que o indivíduo interaja com o meio.
O instrumento usado pelos governos para apropriar recursos para fazer frente aos custos com essas políticas públicas é o Orçamento Público Anual. Nele deverão estar agregadas dotações orçamentárias (alocados recursos)
para a consumpção na realização das necessidades dos cidadãos (políticas
públicas).
Assim, o orçamento adquire aspecto instrumental, tendo como razão
essencial a estipulação de ações governamentais que visem à promoção do
desenvolvimento do país, não se preocupando apenas com a estabilização ou
o crescimento econômico, mas, sobretudo com a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos, viabilizando a liberdade política, as oportunidades nas áreas de saúde, educação, aumentando o poder de consumo, garantindo a
transparência dos atos públicos e a segurança social, etc.
80
Mas apenas a alocação de recursos no orçamento para a satisfação
das necessidades públicas não é suficiente para garantir o sucesso do projeto
e para demonstrar que o programa de governo encontra-se satisfeito. É necessário instituir mecanismos eficazes de controle. Em função disso, surgem os
sistemas de controle, tanto de cunho interno como externo.
5.1 MECANISMOS DE CONTROLE INTERNO E EXTERNO E A POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL SOBRE O ORÇAMENTO PÚBLICO
Normalmente, há dois tipos de controles aplicados sobre os orçamentos públicos: o controle interno e o controle externo.
5.1.1 Controle Interno
É aquele efetuado pelo próprio órgão, poder, secretaria, entidade, enfim, cujo objetivo é corrigir, ainda durante a execução, os atos efetivados fora
das normas técnicas e legais. Está previsto no caput do artigo 31 e no caput do
artigo 74 e seus incisos, todos da Constituição Federal. Visa, como já citado,
ao exame da legalidade e da legitimidade dos atos realizados.
5.1.2 Controle Externo
É aquele Exercido pelo Congresso Nacional, Assembléias Legislativas
e Câmara de Vereadores com o auxílio dos Tribunais de Contas. Engloba a
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, além
de outros exames e análises que se fizerem necessários, das entidades da
administração direta e indireta. Possui previsão constitucional nos artigos 70 e
81
71. Aliás, a Constituição de 1988 determina, no seu artigo 70, que o controle
sobre o orçamento e as finanças públicas será feito quanto à legalidade, legitimidade, economicidade. Já a Emenda Constitucional nº 19 define que os atos
da administração pública devem observância à eficiência, agora, porém, com o
status de norma constitucional. Por fim, a Lei Complementar Federal nº
4.320/64, no inciso III do seu artigo 75, ordena que o controle da execução orçamentária compreenderá o cumprimento do programa de trabalho expressos
em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços, portanto, determina a observância da eficácia, ainda que sem referir-se
nominalmente a tal princípio.
Além disso, o artigo 81, também da Lei Federal n° 4.320/64, define que
o controle externo da execução orçamentária será exercido pelo Poder Legislativo e terá como objetivo a verificação da probidade administrativa, a guarda e
legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento.
Como se pôde constatar, não faltam ordenamentos prevendo o exercício de controle sobre os mecanismos de planejamento, precisamente o Orçamento Público, o PPA e a LDO. O que falta é uma iniciativa mais contundente
por parte de quem tem a responsabilidade legal pelo controle.
Estas atividades de controle externo serão sempre desempenhadas
com o auxílio dos Tribunais de Contas e contemplam a averiguação da legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas, em especial, no nosso caso, do Orçamento Público. Porém, ainda é
pouco diante da importância a ser dada a este instrumento denominado Orçamento Público, engrenagem imprescindível no sistema planejamento.
Também dentro do que se convenciona chamar de Controle Externo,
existe a possibilidade constitucional de que o povo exerça o controle sobre a
execução orçamentária, conforme § 2° do artigo 74 (“qualquer cidadão, partido
político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”),
que pode ser traduzido como controle popular, estendido aos Tribunais de
82
Contas dos Estados e dos Municípios, mas o que raramente vem sendo feito e,
quando realizado, o é de forma discreta, haja vista a linguagem técnica em que
o instrumento orçamentário é concebido. O cidadão comum possui inúmeras
dificuldades para o entendimento do conteúdo da peça orçamentária, bem como encontra barreiras para lidar com ela e subtrair as informações que possa
julgar importantes para a tomada de alguma decisão de vulto.
5.1.3 Controle Social
Figura moderna e imprescindível quando se fala da participação popular. Trata da participação da sociedade no acompanhamento e na averiguação
das ações da gestão pública inseridas na execução das políticas públicas, visando à avaliação dos objetivos, do cumprimento das metas e principalmente
dos resultados obtidos. É um processo de descentralização de poder, ainda
incipiente, mas crescente, tendo a sociedade como linha de frente. Ela, sociedade, que escolheu os programas de seu interesse incluídos no Orçamento
Público, pela forma participativa, agora participa também no controle da execução dessas políticas públicas.
Pode-se dizer, inclusive, que a participação da sociedade nas funções
de planejamento, monitoramento, acompanhamento e avaliação dos resultados das políticas públicas tem requerido a institucionalização de órgãos colegiados deliberativos representativos da sociedade, de caráter permanente. Os
Conselhos começam, então, a se configurar em espaços públicos de articulação entre governo e sociedade.
A instituição de controles sociais advém da norma constitucional, resultado dos avanços contidos na Carta Magna, estando previstas a composição
de organizações da sociedade no controle das políticas públicas em diversos
ordenamentos (artigos 194, 198, 204, 206 e 227, entre outros).
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Também há previsão em legislação infraconstitucional, como no caso
da Lei Complementar Federal n° 101/2000, denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal, consoante parágrafo único do seu artigo 48, mediante estímulo
à participação popular em todas as partes que envolvem o processo orçamentário, marcadamente na execução, pela presença nas audiências públicas que
devem legalmente ser realizadas. Afora isso, há previsão legal de divulgação
do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO - artigo 52 da Lei de
Responsabilidade Fiscal) e do Relatório de Gestão Fiscal (RGF - artigo 54 da
Lei de Responsabilidade Fiscal) sob três formas de veiculação: jornal, mural e
internet. Assim, começam a ser disponibilizadas informações aos cidadãos e
demais interessados. No entanto, a meu ver, as informações a serem disponibilizadas deveriam gozar de uma linguagem mais acessível, menos técnica,
para facilitar o entendimento e a interpretação de quem não é militante da área.
Por outro lado, pode ser desenvolvido um trabalho de capacitação do
cidadão quanto à compreensão das peças orçamentárias, o que envolveria a
criação da cultura orçamentária, mesmo que seja um processo de desenvolvimento lento, ele daria margem à formação de auditores populares. Quanto
mais controles aplicados, em que pese haver sobreposição de procedimentos,
maior garantia de que os projetos de interesse do cidadão estarão contemplados e atendidos.
A partir disso, tem-se o Controle Social como mais uma ferramenta de
transparência da gestão pública, notadamente da fiscal. Esta ferramenta de
transparência chamada Controle Social ainda se encontra em fase embrionária, porém vem demonstrando que o cidadão - incluídas as associações de
classe e outras organizações sociais - começa a abandonar a inércia que até
então caracterizava a sua atuação diante das questões que lhe dizem respeito.
Os primeiros sinais de implantação dessa nova estrutura surgiram em
áreas como a saúde e a educação (Controle de Acompanhamento e Controle
Social do FUNDEF). É bem verdade que a introdução do Orçamento Participativo foi um marco no processo como um todo, entretanto ainda insuficiente, já
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que o cidadão era guindado a opinar, a se posicionar e a optar apenas em uma
parte do que de direito lhe atinge, ou seja, participação restritiva, limitada.
A partir de então, de mais uma alternativa democrática posta à disposição do cidadão, instala-se a mentalidade organizacional na sociedade civil para diminuir ou acabar com o descompasso vigente entre o que o Estado pretende fazer e o que a sociedade almeja receber.
Independentemente do escopo individual dos sistemas de Controle Interno e Externo, aliado a um convívio harmonioso com o Controle Social, a associação de todos esses mecanismos de controle é fundamento básico para a
obtenção de sucesso na busca da transparência na administração pública.
Contudo, as três iniciativas de controle (uma no controle interno e duas
dentro do controle externo) ainda deixam a desejar no que concerne a garantir
a proficuidade do instrumento orçamentário, revelam-se insuficientes para isso,
o que exige uma medida mais atuante, mais ousada, mais dinâmica e bem
mais efetiva por parte do órgão de fiscalização. Ainda residem lacunas a serem
supridas e que não encontram força nos controles até então aplicados.
É desta necessidade de que o controle possa ser exercido com plenitude que surge uma terceira modalidade de controle, o judicial, a ser realizado
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem que haja invasão de competência
ou que culmine desautorizando o funcionamento dos outros controles até então vigentes e aqui visitados.
É diante desta necessidade premente que nasce o Controle Judicial do
Orçamento Público, mais um controle, é bem verdade, porém avançando no
âmago do orçamento, no seu imo, na sua intimidade, como forma de tornar a
sua concepção e execução mais próximas do que fora prometido e, sobretudo,
dentro da realidade local.
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5.1.4 Controle Judicial do Orçamento Público
O Orçamento Público pode estar sujeito ao controle por parte do Judiciário? Alegam, alguns, que o orçamento é um documento de cunho político,
estando fora, deste modo, do crivo do judiciário. Numa análise singela poderia
ser dito isto.
De qualquer modo, a matéria é muito fértil e rica dando margem ao desenvolvimento de muitas interpretações. Cabem muitos comentários acerca do
tema.
O Orçamento Público é uma lei autorizativa e isto é ponto pacífico.
O Orçamento Público é um plano de governo a ser posto em prática
pelos agentes políticos que o idealizaram. Todavia, por isso, estaria ele imune
ao controle jurídico? Ou estaria sujeito apenas ao controle formal (relativo à
técnica de elaboração do orçamento, a sua forma)?
O controle material (conteúdo do Orçamento Público) é impraticável
por ser o Orçamento Público um ato de cunho político, de prerrogativa exclusiva do Poder Executivo?
Estas são algumas dúvidas lançadas, algumas indagações, que podem
ser dirimidas, sem tampouco esgotar a discussão sobre matéria tão instigante.
Quem poderia efetuar este Controle Judicial sobre o Orçamento Público?
Destaca-se, inicialmente, que a Constituição Federal atribuiu ao Supremo Tribunal Federal (STF) amplos poderes para o exercício de controle e
julgamento sobre as questões que venham de encontro a ela, incluídas, também, as matérias de cunho orçamentário. Aliás, a própria Constituição da República elegeu o STF como seu zelador (guardião). Assim, estando o STF legalmente habilitado para julgar as questões atinentes ao Orçamento Público e
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estando elas compreendidas dentro do conjunto de normas constitucionais, é,
ele (STF), órgão competente para julgar e exercer o controle orçamentário.
Em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), nunca é demais se
salientar que é a mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil e acumula
competências típicas de Suprema Corte e de Tribunal Constitucional. Tal função institucional principal é de servir como guardião da Constituição Federal,
de intérprete da Carta Magna, apreciando casos que envolvam lesão ou ameaça a esta última, além de outras atinentes.
O Supremo Tribunal Federal (STF), que no jargão jurídico também recebe os títulos de Pretório Excelso, Suprema Corte e Corte Maior, é integrado
por 11 ministros, escolhidos entre brasileiros natos com mais de 35 e menos
de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, consoante
artigo 101 da Constituição Federal. Ratificando-se, o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal é privativo de brasileiro nato.
Voltando ao exame do orçamento, deve-se enfatizar que antes de ser
um ato político é um ato jurídico. Porém o controle sobre ele ainda não vem
sendo realizado a contento. Há quem diga que falta, no Brasil, um Tribunal
Constitucional capacitado para o julgamento de situações relativas aos Orçamentos Públicos, até porque os defensores da inaplicabilidade do controle pelo
judiciário, no caso STF, dizem que isso ocasionaria uma amplitude demasiada
dos seus limites constitucionais, já que, a seu ver, o Orçamento Público é uma
atividade de cunho estritamente político. Então, para esses formadores de opinião, haveria invasão de competência ou excesso de poderes. Para eles, o
Poder Judiciário estaria se envolvendo num corpo político e, por conseguinte,
assumindo também os riscos de quem tem a prerrogativa, a responsabilidade
pela sua elaboração. Imaginam que o STF estaria se inserindo como coresponsável pelo Orçamento Público, o que significa avocar para si encargos
que legalmente não os possui.
Entendem, ainda, que os integrantes do STF poderiam ser chamados
a responder pelos prejuízos apurados no Balanço Orçamentário, os chamados
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déficits orçamentários, pois ao examinarem e, porventura, anuírem a tal comando, poderiam ser responsabilizados pela execução ou pelo conteúdo dos
Programas executados.
Não se pode esquecer, todavia, que os ramos da política e do direito
encontram-se estritamente ligados. Isto deve ser dito aos defensores do Tribunal Constitucional como único organismo capaz de controlar o Orçamento Público.
Então, sem dúvida alguma deve haver controle sobre o Orçamento
Público, na medida em que a Constituição Federal contém normas atinentes a
ele, bastando apenas que estas sejam violadas para ficar configurada a possibilidade de ser provocado o controle judiciário.
Também me parece que não pairam dúvidas sobre quem deveria exercer esse controle, uma vez que a Constituição Federal tem o Supremo Tribunal
Federal (STF) como seu guardião, ficando a cargo dele este controle, até porque é inadmissível que numa sociedade moderna não se dê transparência aos
atos de gestão. Aliás, grande parte dos atos de gestão pública transitam pelo
Orçamento Público. Assim, a Constituição Federal, entre outras funções, serve
como instrumento de segurança para observância de limites. Serve também
como balizadora, como se pode observar no texto do § 5º do artigo 165, bem
como nos seus demais parágrafos, destacando que o Orçamento Público deve
ser elaborado sob determinada maneira e conteúdo, o que vem a ser o ciclo
legislativo especial da Lei Orçamentária Anual (integrada pelos orçamentos
fiscal, de investimentos e de seguridade social), reforçando a possibilidade de
exame por parte do STF.
Caso quisesse dar um tratamento diferenciado ao julgamento das normas orçamentárias, retirando-as deste processo, o legislador assim o teria feito. Em não tendo agido desse modo, o legislador, além de não causar qualquer
óbice ao exercício de controle sobre as normas orçamentárias, objetivou dar
ciência aos cidadãos do rumo que tomam os recursos formadores da Receita
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Pública, os quais foram subtraídos coercitivamente dos seus cofres particulares sob a forma de tributos.
Outrossim, as políticas públicas definidas no Orçamento Público podem não ser compatíveis com a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, vindo de encontro a este mandamento constitucional. Logo há, neste
instante, a necessidade de intervenção por parte do Poder Judiciário, no caso
o STF, para ajustar as diretrizes políticas aos comandos expressos nos direitos
fundamentais, que vêm a ser os anseios dos cidadãos. Surge, assim, a judicialização da política pública.
Na atual conjuntura político-jurídica brasileira, o Poder Judiciário possui
legitimidade para efetuar o controle judicial, tanto concentrado como abstrato,
do orçamento, abordando o aspecto formal e material. Desse modo, compete o
exame judicial da legalidade do Orçamento-Programa em relação às leis PPA
(Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual), bem como a adequação do orçamento às normas e princípios
constitucionais, sobretudo, os direitos fundamentais e sociais. A análise deve
abarcar a legalidade e a legitimidade do Orçamento Público, entendido nele
também as demais peças do sistema de planejamento e orçamento.
Esta judicialização da política pública é a ampliação da importância e
da efetiva participação do Poder Judiciário na vida social, política e econômica
das pessoas. Também pode ser denominada como a fiscalização e/ou controle
das políticas públicas exercidas pelo órgão do Poder Judiciário a fim de assegurar a integridade da Constituição Federal e dos direitos fundamentais nela
materializados.
Invadindo a concepção de uma peça orçamentária, precisamente no
que tange a sua elaboração, verificam-se duas vertentes em seu corpo: a forma e o conteúdo (materialidade).
Quanto à forma, não há dúvidas de que deve ser exercido o controle
judiciário, a fim de que sejam observados prazos, formatação, trâmites legisla-
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tivos, etc. Quem gerencia recursos públicos, recursos de outrem, de terceiros
não pode invocar qualquer motivo para blindar-se dos controles. A peça orçamentária não estaria acima disto, imune a controles de todos os fatos nela incidentes, pois isto daria tratamento diferenciado, circunstância que o legislador
não busca.
A técnica de elaboração de um documento tão importante como o Orçamento Público não pode ser deixada de lado, é óbvio, ainda que se considere relevante a participação popular também no controle orçamentário (matéria
já tratada), tanto na execução qualitativa (quais projetos, quando, como e por
que?) como na quantitativa (mensuração dos valores envolvidos). Para esta
participação popular é necessária a edição de uma outra peça dotada de linguagem mais simples, mais afeta aos cidadãos, mais acessível, para facilitar o
entendimento e a adoção de medidas por parte dos interessados visando à
manutenção dos programas de governo estabelecidos pelos agentes políticos
antes da assunção no cargo público.
Relativamente ao conteúdo (materialidade), o assunto parece-me um
pouco mais complexo para a análise. Em primeiro lugar, não pode haver interferência na política de governo, nos planos de governo, por parte do órgão de
controle judicial. Os responsáveis pelos Poderes Executivos devem exercer as
suas autonomias plenas neste quesito. O Orçamento Público envolve o Plano
de Governo predisposto na campanha eleitoral e assim deveria continuar até o
fim, já que a eleição de um agente político, por vezes, decorre do jogo das idéias. É a aposta que o eleitor, cidadão, contribuinte faz em determinada idéia
que lhe parece mais adequada para si. Logo, a mudança de planos na concepção do Orçamento Público demonstraria a falta de lealdade dos agentes
políticos com o seu programa de governo apresentado aos eleitores e, em tese, suporte da consagração eleitoral. É neste ponto que reside uma brecha
para inserção do STF. Exigir o cumprimento do plano de governo prometido,
mormente no que se refere àqueles direitos sociais constitucionais contemplados entre as políticas públicas traçadas pelo agente político.
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Já em relação a impropriedades contidas no texto, tais como: projetos
inexeqüíveis, tanto financeira como materialmente; estimativa da receita em
valores acima da realidade local e dos praticados nos exercícios anteriores
(superestimativa da receita, amparada em argumentos insustentáveis, forçando
a fixação da despesa em patamar irreal, pela concepção de orçamento em equilíbrio); não cumprimento das vinculações constitucionais à receita; o órgão
de controle judicial tem por obrigação conter a execução de um orçamento
nestes moldes, pois esta execução acarretaria problemas ulteriores ao Poder
Público, fruto de uma gestão desenfreada.
Então, pode haver questões que fugirão da analise do STF (órgão controlador judicial), mas apenas aquelas vinculadas à atividade política e desde
que não contenham nenhuma incongruência sob o prisma técnico-legal. Fica,
deste modo, preservada a iniciativa orçamentária que o legislador atribuiu aos
chefes de poder executivo.
Em suma, a norma constitucional, ordenamento máximo de uma nação,
deve prevalecer sempre em qualquer sistema.
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6 CONCLUSÃO
Este trabalho se preocupou em demonstrar que a combinação
dos três instrumentos do sistema de planejamento e orçamento trouxe produtivas inovações para o gerenciamento e controle dos recursos públicos, além de
dar maior transparência à execução orçamentária. Não se pode, entretanto,
achar que tudo está resolvido. Há necessidade de se implementar uma sistemática de custos eficiente e eficaz na administração pública, a fim de que se
tenha ciência do encargo integral com o aparelhamento do Estado, para implementação automática dos ajustes necessários.
Concluiu-se como inadmissível a situação em que o Orçamento
Público contemple valores para o desenvolvimento de determinados programas sem que os responsáveis pela sua confecção não saibam detalhadamente os seus custos. São projetos básicos de obras celebrados de forma fictícia,
uma vez que durante a execução normalmente não logram o êxito e a continuação esperados. É um quadro surrealista, chega a ser paradoxal esta posição
no seio da administração pública: orçar algo que não se tem noção exata ou
mais próxima da realidade. Assim, não há como captar recursos públicos em
montante suficiente para fazer frente a encargos desconhecidos.
Além disso, detalhou-se outras ocorrências tecnicamente inadequadas que ainda rondam a administração pública, bem como se apresentou
idéias a serem desenvolvidas, trabalhadas e introduzidas para a correção ou
minimização destas impropriedades que até então vem sendo praticadas, procedimentos que contarão com a parceria dos órgãos de controle, internos, externos e participação popular.
Como aspecto negativo das pesquisas realizadas, destaca-se a
escassez de literatura no mercado brasileiro acerca da disciplina Orçamento
Público, o que é lamentável. Esta escassez, a meu ver, é inversamente proporcional à importância do tema, bem como ao surgimento de idéias articuladas para serem aplicadas nas organizações públicas.
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Também efetuou-se cotejo entre os procedimentos desenvolvidos
pelos administradores públicos e as legislações vigentes, com destaque especial para Lei Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual trouxe significativos avanços à forma de gestão, bem como à atuação dos órgãos de controle. A propósito, foram constatadas evoluções no modo de gerir a “res” pública, a partir das exigências legalmente expostas na Lei
de Responsabilidade Fiscal, o que veio a demonstrar o acerto dos legisladores
quanto ao conteúdo desta norma.
Destarte, mister que a administração pública permaneça concentrando esforços na realização das suas políticas públicas, sem, no entanto,
afastar-se da busca do equilíbrio permanente das contas públicas, uma vez
que a saúde financeira do organismo público é fundamento basilar para a sua
sobrevivência e para a saciedade das necessidades públicas dos cidadãos.
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