DISCUSSÕES SOBRE HISTÓRIA, REGIÕES E ESPAÇOS SIMBÓLICOS Rodrigo dos Santos (UNICENTRO) Resumo: O presente objetiva discutir as temáticas de Espaço Social e Espaço Simbólico, Representações, O cotidiano e a produção de sentidos e regiões. Para atingir este objetivo no aprofundamento da discussão do Espaço Social e Simbólico ampara-se em fragmentos de trabalhos de Pierre Bourdieu, sendo parte das obras O Poder Simbólico e Razões Práticas e no estudioso Nestor Garcia Canclini com o texto La sociologia de La cultura de Pierre Bourdieu que comenta o pensamento do autor em evidência no título de sua obra. Na temática Representações utilizam-se parte dos escritos A História Cultural e À beira da falésia de Roger Chartier. Nestes, percebe-se que a profissão do Historiador é uma representação, uma junção de vestígios. E por fim, parte dos textos de Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, e Norbert Elias, O processo civilizador, serão utilizados para o cotidiano e a produção de sentidos na possibilidade de construir regiões. Embora aparente fragmentado, este texto pretende esboçar conexões, pois a construção de uma região envolve a delimitação de seu espaço tanto simbólico como o social, envolve representações do real, e ainda as preposições de sentido do cotidiano. As discussões que se seguem foram pautadas pela disciplina de História, Regiões e Espaços Simbólicos do Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Palavras-chave: historiografia; práticas; regiões. Bolsista de Mestrado da Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES. Introdução A tessitura deste texto teve início com as discussões da Disciplina História, Regiões e Espaços Simbólicos do Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Discutiram-se as temáticas: 770 Espaço Social e Espaço Simbólico, Representações, O cotidiano e a produção de sentidos e regiões. Durante a disciplina com os colegas e o professor tentou-se discutir, amadurecer, problematizar ideias e conceitos. Todo trabalho é penoso, mas ao mesmo tempo gratificante, e no seu término um sensação de dever cumprido. O resultado deste esforço originou este texto. Neste misto de emoções, centrou-se na área de concentração do programa: regiões. A região tomada no plural: regiões. As discussões sobre regiões atravessam os vários ramos da pesquisa histórica. Perpassa até mesmo a indagação deste pesquisador iniciante, o projeto de sua dissertação: A migração na Região de Guarapuava (1946-1960). Entretanto, neste trabalho a migração aparece timidamente, merecendo destaque os objetivos apontados na sequência. Objetivos O principal objetivo deste texto é discutir as categorias Espaço Social e Espaço Simbólico, Representação (Representações), O cotidiano e a produção de sentidos e regiões. Entre os objetivos específicos encontram-se os abordados pela disciplina já mencionada: possibilitar uma discussão teórico-prática a respeito de espaços simbólicos. Além disso, a problematização dos autores: Pierre Bourdieu, Roger Chartier, Norbert Elias e outros que podem ser articulados as temáticas escolhidas para analise. Resultados Em primeiro momento para dar iniciar a discussão sobre espaço social e espaço simbólico torna-se necessário apresentar uma definição. Pode-se compreender o espaço social como um espaço invisível, com uma realidade invisível, impossível de se tocar e que organiza as práticas dos agentes (BOURDIEU, 1996, p. 24). Portanto, é no espaço social que ocorrem as relações entre os indivíduos. Dentro deste espaço que se desenvolvem os espaços simbólicos de pertencimento, 771 distinção, exclusão. Todos os agentes partilham do espaço social; mas não do simbólico por este compartilhar significados diferentes, a partir de práticas distintas. O agrupamento de classes diferentes dentre deste espaço social resulta em pouco sucesso: “Se sou um líder político e proponho constituir um grande partido agrupando ao mesmo tempo empresários e operários, tenho pouca possibilidade de sucesso, já que eles estão muito distantes no espaço social” (BOURDIEU, 1996, p.25). Porque em muitos casos classes diferentes não se entenderiam, partilham significados diferentes, concepções diferentes, não estão dentro do mesmo espaço simbólico. Entretanto, “O que não quer dizer que a proximidade no espaço social, ao contrário, engendre automaticamente a unidade: ela define uma potencialidade objetiva de unidade” (BOURDIEU, 1996, p. 25). Essa unidade que também é subjetiva, principalmente pela oposição entre teoria e prática, entre o ideal e o realizado. Na construção deste espaço social também é importante a posição que estas pessoas encontram-se ou são distribuídas. As pessoas são diferenciadas, principalmente pelo seu capital econômico e capital cultural (BOURDIEU, 1996, p. 19), ou seja, distinguem das demais pelo poder aquisitivo que possuem ou pela absorção de informações. Essa distinção dentro do espaço social faz com que estes agentes sejam mais reconhecidos dentro do espaço do que os demais. A distinção é promovida devido aos seus recursos e o conhecimento. Além disso, “a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou transformá-lo” (BOURDIEU, 1996, p. 27). O capital cultural e o econômico são armas, de distinção. Como exemplo no capital cultural tem-se a capacidade de reconhecer um significado num quadro de um pintor famoso: “Comprender un texto de filosofia, gozar una sinfonia de Beethoven o un cuadro de Mondrian, requiere poseer los códigos, el entrenamiento intelectual y sensible, necessários para descifrarlos” 1 (CANCLINI, 1990, p. 10). Isto faz com que este indivíduo seja bem 1 Compreender um texto de filosofia, desfrutar de uma sinfonia de Beethoven ou uma pintura de Mondrian, requer os códigos necessários para possuir a formação intelectual e sensível, necessárias para decifrá-los - tradução nossa. 772 aceito dentro de um grupo e o outro seja refutado por não reconhecer este mesmo signo. O que distingue a posição no espaço ou no campo geralmente é a união entre o capital cultural e econômico que pode ser concebido como o poder simbólico. O poder simbólico pode ser definido como um poder invisível exercido com a cumplicidade dos que sofrem este poder (BOURDIEU, 2001, p.7-8). O simbólico é predominante, o poder simbólico possui maior relevância se comparado com o poder econômico ou o custo de produção determinante das teorias marxistas. Os marxistas enfatizam as funções políticas dos sistemas simbólicos (BOURDIEU, 2001, p.10). Outra definição para poder simbólico concentra-se em afirmar que é uma forma de legitimação dos outros poderes (BOURDIEU, 2001, p.14-15). A distinção dentro do espaço social na construção de um espaço simbólico também é a partir do habitus e da violência simbólica. Pode definir-se violência simbólica como a percepção a partir de uma estética dominante (BOURDIEU, 1996, p. 23), sendo esta estética melhor que a outra e “os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas” (BOURDIEU, 1996, p. 22). Eles estabelecem o que é aceito por um determinado espaço simbólico e o que é refutado por ele. Ainda, pode-se definir habitus por Canclini: “el habitus sistematia el conjunto de las prácticas de cada persona y cada grupo, garantiza su coherencia com el desarrollo social más que cualquier condicionamiento ejercido por campañas publicitarias o políticas”2 (CANCLINI, 1990, p. 11). O habitus geralmente é o consenso definido pelos componentes de um grupo, tem-se a impressão que é o propagado pela tradição. Apesar disso, pode se dizer que uma classe social se apropriar do habitus, costumes ou práticas de outra classe social. A diferença encontra-se na forma que cada classe utiliza-se destes meios: “en que los mismos bienes son, en muchos casos, consumidos por distintas clases sociales. La diferencia se establece, entonces, más que en los bienes que cada clase apropria, en el modo de usarlos” 3 (CANCLINI, 1990, p.8). Como exemplo cita-se a prática do jogo de Golfe. Enquanto a classe mais abastada pratica este esporte em grande área, a classe menos 2 O habitus sistematiza todas as práticas de cada pessoa e de cada grupo, garante a consistência com o desenvolvimento social mais do que qualquer condicionamento exercido por campanhas publicitárias ou político- tradução nossa. 3 Os mesmos bens, em muitos casos, são consumidos por diferentes classes sociais. A diferença se estabelece não nos bens que cada classe se apropria, mas na forma de usá-los - tradução nossa. 773 abastada utiliza da prática do Minigolfe, em dimensão reduzida com algumas características parecidas. Nos dois casos a modalidade é a mesma, mas adaptada pelo grupo, com base em suas necessidades. Outro exemplo de prática inicialmente exercida por um grupo ou classe social e depois apropriada por outra, pode ser visualizada na obra de Darton, especialmente no capítulo I, intitulado: “Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe Ganso” (DARTON, 1986, p. 21-102). O autor aponta como os contos que tinham a função de alertar os jovens, inicialmente transmitidos pela oralidade dos camponeses, foram apropriados pela aristocracia e modificados com finais românticos. Entre os contos, o da “Chapeuzinho Vermelho” que na tradição oral a menina bebia o sangue da sua avó e comia a sua carne, antes de ser devorada pelo lobo. Na sua apropriação surge um lenhador que tira a menina e a vovó da barriga do lobo, o matando, fazendo com que avó e sua neta vivam felizes para sempre. Com relação à temática representação tem-se Roger Chartier que aponta em alguns momentos da obra “A beira da falésia” na possibilidade da história estar em um período de crise ou de certezas epistemológicas na atualidade: “Tempo de incerteza, 'crise epistemológica', 'reviravolta crítica': esses são os diagnósticos, geralmente inquietos, feitos nos últimos anos sobre a história” (CHARTIER, 2002, p. 81). Entretanto, ele enfatiza que essas mutações da história não estão relacionados a crise geral das ciências sociais ou mudança de paradigma. Mas aos procedimentos de pesquisa da própria disciplina, principalmente ao abandono do projeto de uma história total, e a mudança da definição territorial dos objetos de pesquisa (CHARTIER, 2002, p. 65). É neste contexto de mudança três conceitos sustentaram a pesquisa nas ciências humanas, especialmente na história. Sendo eles: discurso, prática e representação; defendidos respectivamente por Michel Foucault, Michel de Certeau e Louis Marin (CHARTIER, 2002, p. 18). Neste fragmento do texto, a atenção será concentrada neste último conceito, representação. Diante disso, questiona-se: o que é uma representação? Segundo Chartier, tendo como ponto de partida Marin, há um duplo sentido atribuído a representação: “tornar presente uma ausência, mas também exibir sua própria presença enquanto 774 imagem e, assim, constituir aquele que a olha como sujeito que a olha” (CHARTIER, 2002, p. 165). Pode ser essa representação de várias formas, entre elas para demarcar a partir de uma alegoria a pessoa que foi para outro lugar, ou ainda em um sentido jurídico, por procuração. Essa maneira de tentar compreender como funcionava a representação seduziu alguns historiadores que queriam resistir a modelos como o estruturalismo ou noções clássicas da história das mentalidades (CHARTIER, 2002, p. 167). Ou seja, os historiadores que queriam resistir a uma história que englobasse as grandes estruturas generalizantes propostos pelas teorias clássicas da história. Além disso, segundo Chartier o pesquisador Marin modificou como os historiadores pensavam a noção de texto, refutando os que acreditavam em um texto sem materialidade (suporte) ou historicidade. Nisso Marin se assemelha a perspectiva de D. F. McKenzie (CHARTIER, 2002, p. 169). Ainda, Marin aponta para a compreensão dos confrontos não mais baseados na violência bruta, mas na luta pelo simbólico, por lutas sem armas, mas por objetivos, pensamentos (CHARTIER, 2002, p. 170). Na obra Historia Cultural Chartier também aponta essa mesma premissa: “As lutas de representações têm tanta importância como as lutas económicas (sic) para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe” (CHARTIER, 1990, p. 17). Principalmente, ocorre essa luta entre percepções sociais pelos discursos. Estes que não são neutros servido a estratégias e práticas bem estruturadas. A perspectiva de D. F McKenzie, segundo Chartier, pauta-se no pequeno livro “La bibliographie et la sociologie des textes” 4 (CHARTIER, 2002, p. 243). Sendo importantes, duas ideias presentes em sua obra, o conceito de texto em uma forma ampliada. Nem todo texto é um livro, mas um livro é um texto. Os textos não são apenas escritos, podem ser produções orais, mapas, imagens, entre outros (CHARTIER, 2002, p. 244). A segunda ideia de McKenzie consiste em apontar que o texto está presente na materialidade de suas formas, cada forma atende a interesses próprios. Exemplificando pelo livro deve considerar: “o formato do livro, as disposições de paginação, os modos de recorte do texto, as convenções tipográficas são vestidos 4 A Bibliografia e a sociologia dos textos- tradução do francês nossa. 775 de uma 'função expressiva' e sustentam a construção da significação” 5 (CHARTIER, 2002, p. 244).É a partir de vários elementos, alguns considerados insignificantes, que se tem a apropriação de um texto. Ainda merece destaque, na discussão sobre representação, as preposições de Paul Ricoeur, apesar de receio de Chartier em discutir o pensador: “é paradoxal que um historiador como eu, que encontra inspiração nos pensamentos da ruptura e da diferença, evoque deste modo o procedimento hermenêutico e fenomenológico de Paul Ricoeur” (CHARTIER, 2002, p. 17). Ou na outra obra: “É sabido como Paul Ricoeur quis construir essa teoria da leitura apoiando-se, por um lado, na fenomenologia do acto de ler, por outro, na estética da recepção” (CHARTIER, 1990, p. 24). Não é intenção deste texto discutir as diferenças dos pensamentos de hermenêutica ou fenomenologia. Entretanto, seria incoerente suprimir Ricoeur desta discussão, nas palavras de Chartier: “Para ele, elas devem […] à inscrição do sujeito historiador e do objeto histórico no mesmo campo temporal” (CHARTIER, 2002, p. 16). O historiador é um sujeito histórico e consegue apenas analisar seu objeto a partir do presente. Não se tem uma máquina do tempo para que volte e veja o passado tal como aconteceu. Além do que, Ricoeur aponta outro conceito denominado de representância. Este conceito aponta “para designar as relações entre a narrativa histórica com um passado ao mesmo tempo abolido e preservado em seus rastros” (BONA, 2012, p. 178). Para Ricoeur o pesquisador mais que representar um passado, ele cria um novo sentido para esse passado. Ele não é mais o que aconteceu, porque não se tem como saber exatamente: “Essa realidade refigurada pela narrativa é entendida como um real existente passado, que é representado ao ser refigurado” (BONA, 2012, p. 178). O passado só é conhecido pelos vestígios que este mesmo passado resolveu deixar. A representância pode ser entendida como a representação com um novo sentido, uma ressignificação. Este texto segue-se na terceira categoria que pretende analisar: o cotidiano e como se produz regiões. Discutir o cotidiano é apontar as emoções, as práticas, a subjetividades, as relações econômicas, políticas, sociais e a constituição do ser como humano. Portanto, antes de qualquer definição de cotidiano torna-se 5 Grifo do original. 776 importante remeter-se a Norbert Elias (1994). O autor analisa como se deu o processo civilizador, como as pessoas se auto controlaram para que todos pudessem conviver em harmonia. Segundo Elias (1994, p. 193) a mudança do processo não civilizado para o civilizado não ocorreu racionalmente, ocorreu sem planejamento, mas não sem razão. Este processo mesmo não sendo planejado não aconteceu sem seguir uma ordem específica. O processo civilizador foi a mudança na conduta dos sentimentos humanos rumo a uma nova direção, mas não foi coordenado por uma pessoa isolada ou um grupo. Outro fator importante para este autor, para que mudasse a conduta dos medievos para a sociedade civilizada foi motivada pelo monopólio da força na construção dos estados nacionais. Com este monopólio criou-se espaços sociais pacificados, livres de algum tipo de violência. As pressões que atuam nas pessoas são diferentes das que atuavam no período medieval ou em sociedades menos complexas. Esta monopolização faz com que não ocorresse o controle civilizado pela força física, mas por outros mecanismos, as formas de violência não-física (ELIAS, 1994, p. 198). Diante desse apontamento pode-se inferir sobre a mesma colocação com a construção dos Estados Nacionais, principalmente em Thomas Hobbes (1991). Em que as pessoas viviam em um estado de “Leviatã”, na luta de todos contra todos, onde prevalecia o mais forte. Como uma forma de regulamentar esse sistema animalesco, os seres humanos assinaram um contrato com o Estado. Com isso, o Estado ficou responsável pela punição e a gerência social, criando códigos e leis para uma convivência harmônica. O ser humano neste caso delegou suas funções para um organismo que tem como objetivo a organização social. Retomando Elias (1994, p. 198), tem como função a monopolização da violência. Neste monopólio ainda é importante destacar que o os indivíduos ficam protegidos de ataques súbitos dos demais, mas, ao mesmo tempo, são responsáveis por reprimir os seus anseios as suas angústias. Refere-se também aos seus desejos de externizar suas emoções, qualquer impulso emocional de violência física. Esta forma de controle acompanha toda a vida dos indivíduos até sua morte (ELIAS, 1994, p. 198). Pode-se dizer que para Elias isso seria a civilização. 777 Entretanto, este processo de civilização não ocorreu da mesma maneira com todas as pessoas ou em cada sociedade. Cada sociedade tem um processo de civilização diferente (ELIAS, 1994, p. 206). O ideal seria que tivesse um equilíbrio entre o civilizado e o não civilizado, fatores positivos e negativos dentro de um indivíduo: “A maioria das pessoas civilizadas vive um meio-termo entre os dois extremos” (ELIAS, 1994, p. 206). Ou ainda, terem “Aspectos socialmente positivos e negativos, tendências pessoalmente gratificantes e frustradoras, misturam-se nelas em proporções variáveis” (ELIAS, 1994, p. 206). Ainda, nesta mesma esteira, quando não ocorre o equilíbrio de civilização neste processo surgem os que transgridem as regras, “seres humanos mais ou menos bem-estruturados, tanto os 'bem ajustados' como os 'desajustados', num aspecto muito amplo de variedades” (ELIAS, 1994, p. 204). Neste caso uma condição de boa ou má sorte das pessoas serem bem civilizados, atenderem um padrão social ou má sorte, não atenderem este padrão de conduta. Neste mesmo sentido na sociedade contemporânea pode-se comparar os “desajustados” com os psicopatas, sociopatas, personalidades anti-sociais. Estes que geralmente transgridem as normas sociais, possuindo algum desiquilíbrio psicológico. Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 85): “Eles jamais deixarão de apresentar comportamentos anti-sociais”. Entretanto, “Os psicopatas são indivíduos que podem ser encontrados em qualquer raça, cultura, sociedade, credo, sexualidade, ou nível financeiro” (SILVA, 2008, p. 42). Ou seja, não tem nenhum traço aparece, o conflito deles encontra-se no interior: “Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício” (SILVA, 2008, p. 42). Com isso, grosso modo, a psicopatia é um distúrbio se esta formação não for bem civilizada dos seres humanos na sociedade atual. É neste emaranhado de relações sociais6 entre os civilizados e os não civilizados que encontram-se as práticas cotidianas, significações, os bairros, as cidades, as regiões. Pode-se utilizar o termo região, não em um sentido fechado delimitado por relações administrativas ou políticas, ligadas a espaços geográficas, a região aqui é entendida em um sentido abrangente. Por isso, denominadas de 6 Elias aponta para a relação entre os indivíduos, a liberdade de cada um depende da sua relação de interdependência com os demais. Nesta perspectiva há uma relação de dependências recíprocas, sendo que cada ação individual necessita de outras que configuram o jogo social (CHARTIER, 1990, p. 101). 778 regiões, que podem ser marcadas pelo espaço, mas também identitárias, de pertencimento, econômicas, entre tantas as outras. Para auxiliar nesta discussão recorre-se a Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2008, p.60): “A região e sua reprodução passam, pois, pelo engajamento de forças sociais, de grupos sociais, de elites regionais, pela militância de indivíduos que subjetivam e participam do processo de subjetivação da identidade regional”. Portanto, falar em região é pensar nas práticas individuais, onde as pessoas se reinventam, criam novos sentidos e se identificam umas com as outras. A região é o espaço onde estas pessoas se encontram ou identificam-se, podendo participar de uma ou mais regiões. Deve-se pensar “a vivencia e de quem a pratica ou em nome dela discursa” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2008, p. 60). Ou seja, os aspectos cotidianos são importantes e constroem as regiões. Diante disso, os agrupamentos de sentidos podem formar uma região, entre eles o Bairro, ou parte de um; a cidade, ou parte dela, a reunião de várias cidades ou de nenhuma. Pode-se morar em uma região administrativa-política e se identificar com outra. Para se construir regiões não existem delimitações ou barreiras. Segundo Mayol, “o bairro é o espaço de uma relação com o outro com o ser social, exigindo um tratamento especial” (MAYOL, 1996, p.43). É nas práticas cotidianas que se criam regiões, e o bairro pode ser um exemplo de um espaço, não bem delimitado geograficamente, onde se tece relações. Essas relações entre os bem civilizados e os não civilizados. O Bairro também pode ser definido como “uma organização coletiva de trajetórias” (MAYOL, 1996, p. 43). Ou seja, como uma região, construída por costumes, crenças, relações. A contribuição desta obra para a temática do cotidiano se expressa também pelo conceito de conveniência7. O pesquisador aponta que a vida cotidiana pode ser dividia em dois registros: os comportamentos e os benefícios simbólicos. Os comportamentos se expressam pelo vestuário, pelas saudações, o andar, entre outros. Enquanto os benefícios simbólicos são expressados pelo que compensa do bom comportamento, “sistema de caixinha ou vaquinha” (MAYOL, 1996, p. 39). 7 A conveniência pode ser entendia como os costumes, práticas do bairro: “cujo código é mais ou menos, mas suficientemente, conhecido por todos os usurários e que eu designaria pela palavra que lhes parece mais adequada: a conveniência”(MAYOL, 1996, p. 48). 779 Nestas relações de conveniência um indivíduo que se insere neste bairro é o migrante8. Ele é obrigado a compartilhar dos mesmos anseios do bairro. Inserir nele para conseguir viver. No bairro tem códigos específicos de conduta, pessoas que partilham dos mesmos significados, de linguagens próprias e comportamentos que podem não ser escritos, mas são conhecidos por todos (MAYOL, 1996, p. 47). Estas pessoas que partilham destes códigos formam uma região, principalmente, pela forma de suas relações pessoais. Um bairro conhece um código, o outro bairro conhece outro, podem partilhar ou não dos mesmos códigos. Considerações finais Para findar este trabalho, torna-se necessário apontar as três categorias analisadas: espaço social e espaço simbólico, representação ou representações, o cotidiano e a produção de sentidos e regiões. Partindo, principalmente, das definições de Bourdieu, Chartier, Elias, entre outros que puderam de alguma forma auxiliar nos diálogos. No primeiro conceito o de espaço social, este é apontado como a teia de relações na sociedade, o espaço no qual as práticas, as ações cotidianas desenvolvem-se. Além das relações de exclusão, pertencimento, distinção. Enquanto no espaço simbólico, ocorrem as regiões, ou seja, grupos de pessoas que comungam dos mesmos costumes, crenças, tradições; que faz um individuo pertencer a um grupo e não a outro. Também é neste espaço simbólico que ocorre a violência simbólica, que não é mais física, mas relacionados a conflitos psicológicos. A segunda categoria analisada a representação (ou se tomada no plural: representações) foi apontada pela necessidade dos historiadores distanciarem principalmente da história total. Ou melhor, na impossibilidade da totalidade e na certeza que a prática da escrita da história está amparada na representação. Não tem como se ter acesso ao passado tal como ele aconteceu, o que sobrou são vestígios e é partindo destas reminiscências que se pode contar o passado. Não se tem uma máquina do tempo para voltar ao passado, o historiador escreve com as referências do presente, especialmente a partir de sua vivência, de sua experiência. 8 Migrante pode ser definido como “quem não mora no lugar onde nasceu” e Migração “como o movimento da população pelo espaço” (SANTOS, 1997, p.6). 780 A última categoria foi o cotidiano e a produção de sentidos e regiões. Como as pessoas a partir do seu cotidiano se agrupam e com isso criam sentidos apenas de um grupo e não de outro. Procurou-se responder por Elias como se deu esta mudança, como as pessoas criaram convenções e foram adequando-se a um padrão de civilidade, sendo o padrão não igual entre todos. Têm-se ainda os que transgridem as regras e são considerados desajustados. No fundo todos tem um pouco de civilidade e não-civilidade, alguns comungam de um grupo e não de outros, mas são interdependentes, necessitam dos demais para realizaram de suas práticas cotidianas. Nestas práticas cotidianas ainda tem-se a noção do bairro como sociabilidade. Em suma, este exercício de articulação de três categorias distintas, apontou para como se deve fazer uma escrita da história. Nesta escrita deve considerar as disputas simbólicas neste espaço social. Além de que tudo é a representação de um passado, a verdade depende das múltiplas interpretações. Tem-se ainda a importância de se pensar como a sociedade atingiu o auto controle nas práticas cotidianas que criam regiões. Referências ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região. Fronteiras, Dourados, v. 10, n. 17, p. 55-67, jan./jun. 2008. BONA, ALDO. História, verdade e ética: Paul Ricoeur e a epistemologia da história. Guarapuava: Unicentro, 2012. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas-SP: Papirus, 1996. ______. O poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. CANCLINI, Nestor García. 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