Texto complementar Interdisciplinaridade e trabalho com projetos CIÊNCIAS 1 Ciências Assunto: Metodologia de ensino de Ciências Interdisciplinaridade e trabalho com projetos O trabalho com projetos, tomando como ponto de partida a problematização de contextos significativos para o aluno, é uma boa estratégia para a construção coletiva do conhecimento no currículo. Isso vale para qualquer disciplina, e não apenas para Ciências. Tendo como um dos objetivos promover o desenvolvimento da autonomia do aluno, cabe à escola propor um currículo que contemple e valorize seus interesses e expectativas, seu saber e suas referências culturais. Contudo, é importante salientar que projetos não devem ser eventos pontuais ou meramente festivos, mas inseridos no Projeto Escolar efetivamente. A vivência de situações de aprendizagem diversificadas favorece a ampliação do repertório cognitivo do aluno. O conceito de “sala de aula” deve ser ampliado para “ambiente de aprendizagem”, desmistificando a ideia de que uma visita à feira, um trabalho de campo no parque ou a exibição de um filme não sejam aulas, isto é, não possam ser também situações de aprendizagem de Ciências. O trabalho com projetos provoca a reflexão acerca das relações de poder na escola, pois exige negociação e cooperação entre os envolvidos, além de levar cada docente a repensar sua prática pedagógica. Mais do que nunca, neste tipo de trabalho, não cabe considerar o aluno “tábula rasa” ou “esponja”, aquele que deve simplesmente absorver conteúdos prontos. O aluno, ao “aprender a aprender”, usa o conhecimento disciplinar como meio, e não fim. É o instrumento que o ajudará a analisar, problematizar e provocar intervenções na realidade, favorecendo o exercício de sua cidadania. Outro aspecto não menos importante é o desafio de trabalhar com projetos em relação a paradigmas educacionais que colocam o foco no processo de ensino, e não no de aprendizagem, bem como na linearidade e fragmentação que historicamente caracterizam nossos currículos. É preciso reorganizar tempos e espaços escolares, por vezes cristalizados pelas grades curriculares. Torna-se essencial garantir espaço e tempo físico para que professores das diferentes áreas possam se encontrar, planejar e realizar atividades coletivas, favorecendo a interdisciplinaridade. Por exemplo, em um projeto cujo ponto de partida seja o aumento do número de casos de verminoses na comunidade, os professores de Ciências, Geografia, Matemática e Língua Portuguesa podem realizar juntos, com suas turmas de alunos, atividades como trabalhos de campo, visitas à estação de tratamento de água e esgoto, entrevistas com a população, elaboração de uma cartilha informativa com dados organizados em tabelas e gráficos etc. A organização do projeto deve considerar o que o aluno detém de conhecimento, crenças e dúvidas em relação à questão levantada. Os temas transversais propostos pelo MEC, ao tratarem de questões sociais, abrem caminho para diversas problematizações, embora por si só não sirvam de base para um projeto. É importante, porém, não descaracterizar o que tem natureza transversal (e que, portanto, deve “atravessar” o currículo), cometendo o equívoco de isolar esses temas em domínios disciplinares. Não há um tema transversal de responsabilidade exclusiva do ensino de Ciências. O que pode levar ao desenvolvimento de um projeto? A contaminação por metais pesados do rio que banha a região onde está localizada a escola, o alto índice de poluição do ar – que provoca doenças respiratórias – a desinformação da comunidade em relação à prevenção de doenças, o uso de anabolizantes por adolescentes e suas consequências. Essas e outras questões podem ser problematizadas de modo interdisciplinar. Afinal, o que demanda a atividade de investigação e pesquisa, inerente a um projeto, é justamente a problematização. Sem isso, como identificar os conhecimentos disciplinares necessários ao entendimento da questão e garantir a inserção significativa e articulada das disciplinas? 1 A esse respeito, vale refletir: Será que todas as disciplinas precisam participar do mesmo projeto? Quando a escola desenvolve “projetos” intitulados “Lixo”, “Olimpíadas”, “Água” etc. com base em temas isolados, é comum ver alunos e professores passarem o ano letivo preparando cartazes e maquetes para serem exibidos, desenvolvendo atividades desarticuladas e por vezes desprovidas de significado curricular. Sem a problematização como ponto de partida, não há uma questão a ser investigada, e cria-se uma articulação disciplinar artificial e superficial. Destacaremos a seguir alguns aspectos que podem favorecer um trabalho efetivamente interdisciplinar. • Problematização inicial. • Pesquisa e seleção de fontes de informação, em diferentes formas e suportes (inclusive virtual) e áreas de conhecimento. • Relação da problemática levantada com outras disciplinas, aproximando saberes diferentes. • Vivência em atividades que favoreçam a cooperação, o trabalho em equipe e aceitem e valorizem a heterogeneidade. • Registro do percurso feito por meio de diferentes recursos técnicos e linguagens. A memória do projeto servirá de subsídio para outros trabalhos. É bom lembrar que cada aprendizagem fornece recursos cognitivos para outras que virão depois. • Avaliação processual que caracterize a culminância do projeto, não se detendo no conteúdo programático desenvolvido ou no “trabalho final”. A autoavaliação dos alunos deve ser incentivada. O portfólio é um excelente recurso para registro/avaliação desse tipo de trabalho. • Propostas de intervenção na realidade e o levantamento de novas questões com base no conhecimento construído. • O projeto pode favorecer a integração da escola com a comunidade. Vale lembrar que não se trata de estabelecer etapas rígidas, “engessando” ou conferindo linearidade ao projeto, e sim de traçar um planejamento dos objetivos a serem alcançados, favorecendo a seleção de recursos e as estratégias adequadas. O objetivo maior, porém, deve ser a aprendizagem. Esta, com construção/ ampliação de esquemas mentais, não ocorre ancorada no vazio, por isso é fundamental a mobilização de conteúdos no enfrentamento das situações-problema levantadas. Um currículo que garanta espaço para práticas pedagógicas criativas e integradoras, como o desenvolvimento de projetos, provavelmente será mais capaz de envolver os alunos em sua própria aprendizagem, tanto de Ciências como de outros campos do conhecimento. Ao longo do projeto, diferentes temas abordados garantem problematizações que podem estimular a realização de projetos. Exemplos: • Qual é a relação da poluição de minha cidade com o aquecimento global? • Como ocorre a identificação de espécies da fauna e flora em risco de extinção na região onde fica a escola? • Qual é o grau de informação dos jovens da comunidade sobre a prevenção de DST e aids? • Qual é a relação entre a chuva ácida e o crescimento industrial? Mônica Waldhelm. Interdisciplinaridade e trabalho com projetos. 2