ENSINO-APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA: A PERGUNTA COMO DESENCADEADORA NO ESTUDO DO LOCAL E DO GLOBAL Valdir Nogueira - UFPR A Geografia é um convite a conhecer o mundo de modo dinâmico e criativo. Conhecer o mundo lendo-o a partir desta ciência instigante e desafiadora, que possibilita descobrir e compreender os diferentes espaços: natural, social, cultural, histórico, em que vivemos. Neste trabalho objetiva-se refletir sobre uma proposta didática para o ensinoaprendizagem de Geografia desenvolvida com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. Um processo em que alunos e professor se colocaram como sujeitos atores-autores da aprendizagem e que a Geografia ensinada-apreendida estivesse pautada na leitura de mundo – uma leitura crítica da realidade local e global, pois, concordando com Morin (2000, p. 33), “Há uma inteira dependência e nesta interdependência nos tornamos, também, a possibilidade de relacionar as partes ao todo e o todo a nós”. O objetivo percorrido ao longo dos dias letivos do primeiro semestre de 2005 foi desenvolver com os alunos uma leitura do Planeta Terra enfocando o local e o global nas diferentes séries, no sentido de “indagar o mundo para construir o sentido do mundo”(PEREZ, 2001, 109). O trabalho foi desenvolvido com alunos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental do Centro Educacional Canguru na cidade de Jaraguá do Sul, Norte de Santa Catarina – Sul do Brasil. A metodologia utilizada pautou-se na formação de grupos de estudos (GE), grupos de pesquisa (GP), seminários, círculos de debate, organizou-se ainda, painéis e pôsteres. Ao longo das atividades em aula, também foram produzidos textos, realizados levantamentos de dados e leituras dialogadas, o que culminou na produção de mapassínteses da aprendizagem dos alunos e das intencionalidades do professor, visando um tratamento sistemático acerca do conhecimento geográfico discutido, estudado, reconstruído na escola. A Geografia ensinada nas escolas vem se colocando como um desafio para professores e alunos, uma vez que pensar o mundo geograficamente não é só descrevêlo ou compará-lo. Isto implica em uma concepção de ensino e de aprendizagem que se paute na reflexão, na análise, na problematização do mundo, da realidade social, 2 cultural, econômica, política e humana em que estão situados os sujeitos desta aprendizagem, isto porque educar geograficamente o aluno é educá-lo para pensar o mundo com todas as suas relações histórico-sócio-culturais. A aprendizagem da Geografia deve possibilitar a reflexão crítica sobre o espaço: uma reflexão que, incorpore as diferentes leituras de um mesmo objeto, que, fundamentada no confronto de idéias, interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, evidencie as diferentes interpretações e as diferentes intencionalidades que marcam a história da construção de um espaço; uma reflexão que possibilite a elaboração de questionamentos sobre o espaço, a vida, o mundo. (PEREZ, 2001, 116). O conhecimento geográfico está em constante construção/reconstrução e caracteriza-se pela totalidade, pela comunicação de outras áreas e pelas áreas afins à ciência geográfica que se inter-relacionam. O que se pretende como ensino nesta área do conhecimento não se limita a uma simples leitura de paisagens e/ ou imagens, nem tampouco uma mera descrição dos fenômenos que esta ciência analisa/estuda, ou ainda, a sistematização de dados sem análise e reflexão. O ensino e a aprendizagem de geografia como muitos estudiosos da área vêm propondo não se limita somente a descrever paisagens, pois descrever simplesmente uma paisagem ou fenômeno não nos fornece elementos suficientes para uma compreensão em totalidade daquilo que se objetiva conhecer no campo da geografia. A proposta de ensino e de aprendizagem para esta área do conhecimento está voltada para um olhar sobre a geografia como a ciência que estuda o espaço e as inter-relações entre os homens e esse espaço, entre os seres que habitam os diferentes espaços. O trabalho de educação geográfica na escola consiste em levar as pessoas em geral, os cidadãos, a uma consciência da espacialidade das coisas, dos fenômenos que elas vivenciam diretamente ou não, como parte da história social. (CAVALCANTI: 2002, p. 12-13) Neste sentido, assume capital relevância as práticas pedagógicas que contemplam em sua estrutura o movimento desencadeador de perguntas, a dinâmica da problematização do conhecimento. O ATO DE PERGUNTAR NO ENSINO DE GEOGRAFIA A cabeça da criança está/vai para a escola, para as salas de aula ou para os diferentes espaços de aprendizagem cheia de perguntas, cheia dos porquês, como, onde, quando, etc. Qual o espaço para as perguntas no ensino de Geografia? Qual o 3 significado desta atitude: a do ato de perguntar no ensino de Geografia? Jacques Labevrie (2002), ao abordar as questões que envolvem o estudo do mundo em seu estado atual, pergunta sobre como representamos hoje o mundo que nos rodeia. Essa pergunta pode nos levar a outras: Como estudamos, ensinamos, apreendemos o mundo com o qual interagimos cotidianamente? Como esse mundo é discutido, compreendido, analisado, refletido nas salas de aula? Que importância assume na didática do ensino de Geografia os conceitos local e global? Que leituras se faz e como se lê as realidades local e global no ensino de geografia? Estas foram as perguntas que desencadearam o trabalho proposto para os alunos do Ensino Fundamental da escola mencionada e que possibilitou perceber que na leitura crítica de mundo, a problematização ou o questionamento da realidade local assume importância fundamental. Os fenômenos naturais, sociais, culturais, históricos, biológicos se interrelacionam na realidade local e global, no espaço-tempo de vivência do ser humano, espaço este que é dinâmico e complexo. Um mundo/realidade no qual somos agentes e provocamos mudanças, afetamos e somos afetados por essas mudanças em escala local e global. Como isto é abordado nas salas de aula? Qual o lugar do conflito, do movimento desencadeador de dúvidas e inquietações na aprendizagem de Geografia? O incerto, a indagação, a problematização do conhecimento é uma possibilidade, uma abertura para que os sujeitos aprendentes se tornem mais críticos e se posicionem de modo mais questionador diante da sociedade, do mundo. Léna (2002) questiona se será possível propor um projeto educativo para algo que é incerto. Um desafio que se lança para os educadores, para os especialistas que atuam nas instituições de ensino. Nesta direção, pensar um projeto educativo que contemple a incerteza no seu interior é pensar um projeto que tenha como premissa base o sentido do ato de perguntar e disto, a Geografia não pode esquivar-se, uma vez que seu objeto de conhecimento: o espaço-mundo é por sua natureza um objeto rico em perguntas, um aguçador de curiosidades. A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de ‘tomar distância’ do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de ‘cercar’ o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar. (FREIRE, 2000, p. 95). Concordando com Léna (2002, p. 53), “[...] a Terra é hoje um objeto fluido, agitada por placas em movimento e oceanos que respiram, deformável e deformada permanentemente [...]”, deste modo, esta concepção apresentada, possibilita apontar que 4 questionar as certezas sobre a Terra pode ser no campo da geografia, uma abertura para compreender o que é o planeta, o que o estrutura, isto a partir do ato de perguntar, a partir das dúvidas, das inquietações que os alunos levam para as aulas de Geografia. Por isto, têm sentido as práticas pedagógicas que contemplam em sua estrutura o movimento desencadeador de perguntas, a dinâmica da problematização do conhecimento, uma vez que “[...] o ensino não deve somente acenar para as certezas, mas sim levar também a interrogações” (PELT, p. 115). CONSTRINDO CAMINHOS, DESCOBRINDO POSSIBILIDADES: A VIVÊNCIA DESENCADEADA FORMAS, VENDO A pergunta é um elemento importante no processo de ensino e aprendizagem em Geografia, possibilitando aos alunos e professor problematizar os conhecimentos estudados e aprofundá-los por meio da sistematização. Para colocar em prática o que foi pensado, projetado, pensou-se em algumas formas de iniciar a vivência. Uma delas foi a sistematização de quadros, mapas e das ações a serem implementadas com os alunos pelo professor. Ação que demandou tempo, reflexão, avaliação. Demandou visualizar a leitura de mundo acontecendo na prática. Após essa organização, foi definido a sistemática de trabalho para cada série. Definiu-se ainda o tempo para o desenvolvimento das atividades, a forma de acompanhamento, as orientações nos diversos grupos formados, enfim, sistematizaramse os procedimentos. Visando acompanhar os avanços, as aprendizagens individuais e dos grupos de pesquisa, de estudo, formados, percebeu-se nos registros individuais e coletivos dos alunos e do professor algumas possibilidades. Cada equipe deveria ter um caderno, ou um outro material no qual registrariam: a pergunta desencadeadora dos estudos; as certezas iniciais; as dúvidas provisórias; os caminhos metodológicos; os dados e as informações coletados; as conclusões e soluções apontadas, para posteriormente, elaborar seus próprios mapas-sínteses, seus esquemas, suas apresentações. Nesse percurso, outras possibilidades de registro e acompanhamento individual foram adotadas: painéis a serem elaborados, apresentações em power-point, pôsteres a serem organizados, textos produzidos individual e coletivamente, tabulação e sistematização de dados coletados na internet, livros e em campo. 5 Assim, alunos e professor foram abrindo o caminho, aprendendo, percebendo as possibilidades; percebendo que se pode aprender a aprender por meio da pergunta quando professor e aluno são parceiros nesse processo de aprendizagem, quando há abertura, há ruptura com as práticas cristalizadas e pautadas nos manuais e receituários didáticos. Na pesquisa bibliográfica ou teórica buscou-se a partir da pergunta ou problema levantado pelos alunos, desenvolver estudo sistematizado. A leitura de textos, seja em livros didáticos, paradidáticos ou outros textos desencadeava outras elaborações, outros esquemas, outras proposições para estar lendo criticamente o mundo, levantando hipóteses, problematizando, entre eles, a leitura de imagens. A partir de uma pergunta ou um problema levantado, os alunos sistematizaram estudos em campo, coletaram informações junto às comunidades, bairros, vilas, em laboratórios, entre outros espaços. Nos trabalhos desenvolvidos, os alunos ligavam suas vidas aos textos: imagens, letras, códigos. As falas durante os momentos de socialização eram inteiras, tinham identidade. A educação ambiental, as preocupações com o meio ambiente, com a ética, com o preconceito, com a descriminação, com o desemprego, com a sociedade classista foram discutidos, abordados nas falas e nos caminhos apontados. Sendo assim, entendese que, A aprendizagem da Geografia deve possibilitar a reflexão crítica sobre o espaço: uma reflexão que, incorpore as diferentes leituras de um mesmo objeto, que fundamentada no confronto de idéias, interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, evidencie as diferentes interpretações e as diferentes intencionalidades que marcam a história da construção de um espaço; uma reflexão que possibilite a elaboração de questionamentos sobre o espaço, a vida, o mundo. (PEREZ: 2001, p. 116) Entende-se que questionar os grupos e levantar outras questões no grupo sobre o que está sendo discutindo, problematizar a leitura para que os alunos possam levantar suas hipóteses e seus questionamentos; organizar cartazes com pinturas, colagens e textos: acrósticos ou poesias produzidos pelos alunos; socializar as produções no grande grupo e em seminário aberto a outras pessoas, inclusive um Centro Universitário, foi um momento de aprender a aprender, de se ver e questionar, se indagar sobre o que é aprender, como se aprende; sobre o que fazemos em sala, relacionando à vida, à ética, ao compromisso, ao comprometimento. Vivenciamos trocas, vivenciamos uma outra forma de aprender Geografia, participando de atos e cenas em que cada ator, a seu modo, com seu roteiro e seu texto, indicavam que questionar o mundo, indagar-se sobre 6 ele é uma possibilidade de construí-lo de um modo em que a vida tenha pleno significado. CONSIDERAÇOES A pergunta, fonte de conhecimento caracteriza-se como elemento indispensável no ensino-aprendizagem de Geografia. Principalmente, ao se considerar que ela abre possibilidades para fazer diferentes leituras do mundo, do local e do global, a pergunta lança novos horizontes de abordagem, de tomada de decisão, ela aponta caminhos metodológicos e provoca a busca de soluções. Frente a isto, considera-se que, pela pergunta são muitas e variadas as abordagens temáticas que vão surgindo no ensino de Geografia, entre elas as categorias próprias desta disciplina escolar: o lugar, o espaço, a escala, o território, e outros, estudados em diferentes perspectivas. Os livros didáticos ou paradidáticos são importantes instrumentos para os alunos desde, que sejam abordados como fonte de estudo, de modo que a partir deles os alunos possam ir além do que está posto nos diferentes textos: imagens, mapas, registros escritos, símbolos. Considera-se que, embora se busque outras possibilidades, outras formas de aprender que coloquem o aluno em confronto com seu contexto, os textos destes recursos são importantes fontes. Fazer uma leitura crítica do mundo é pertinente como objeto de estudo da geografia escolar quando se aproxima da realidade local e global, a realidade em que estão situados os sujeitos desta aprendizagem, dos seus espaços de vivência e, a partir desta leitura professor e alunos construam juntos explicações, sistematizem os conhecimentos, produzam sínteses. REFERÊNCIAS CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 7 LÉNA, Pierre. Nossa visão do mundo: algumas reflexões para a educação. In. MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. MORIN, Edgar. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar: idéias sustentáveis. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. PELT, Jean-Marie. Emergência da vida vegetal. In. MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. PEREZ, Carmen Lúcia Vidal. Leituras do mundo/leituras do espaço: um diálogo entre Paulo Freire e Milton Santos. In. GARCIA, Regina Leite (Org.). Novos olhares sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.