Texto com o essencial sobre Eletroquímica - Moodle @ FCT-UNL

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Reacções redox
4. Reacções redox.
Num capítulo anterior, chamámos ácido a uma espécie capaz de ceder protões a outra
espécie, e base a uma espécie capaz de aceitar protões de outra espécie. Vimos que a
moeda de troca nas reacções ácido-base em solução aquosa é o protão e demos ênfase à
noção de que uma espécie só se pode comportar como ácido se estiver perante outra
capaz de funcionar como base, e vice-versa.
Existe um paralelismo entre estes conceitos e as noções fundamentais de reacções redox.
Assim, dá-se o nome de oxidação à perda de electrões por uma espécie e redução ao
ganho de electrões por uma espécie. A entidade transferida nas recções de oxidaçãoredução é o electrão, e−. Para que uma espécie possa perder electrões, tem que estar
perante outra que os possa aceitar; e vice-versa. A interligação dos conceitos de
oxidação e redução está bem expressa no termo utilizado na classificação deste tipo de
processos  reacções redox.
A espécie que perde electrões é a espécie oxidada que, por ceder os electrões a outra
espécie, funciona como agente redutor; a espécie que ganha electrões é a espécie
reduzida que, por captar os electrões de outra espécie, funciona como agente oxidante. Ou
seja, a espécie que se oxida é o agente redutor e a espécie que se reduz é o agente
oxidante.
Há um conceito arbitrário mas muito útil no contexto redox que é o de estado ou número
de oxidação. Este conceito baseia-se na noção de electronegatividade, ou seja, na maior
ou menor tendência que os átomos têm, quando combinados em compostos, para atrair a si
a núvem electrónica, e é a carga (com sinal) do átomo na formulação iónica mais provável
do composto. A atribuição de estados de oxidação (e.o.) é facilitada por um conjunto de
regras que vamos ver:
(1) O e.o. de todos os elementos não combinados em qualquer das suas formas alotrópicas
é 0 (o diamante, a grafite e o fulereno são as formas alotrópicas do carbono, por exemplo).
(2) O e.o do oxigénio em todos os compostos é −2. Algumas excepções: peróxidos (como o
de hidrogénio, H2O2), em que o e.o. é −1, superóxidos (como o de potássio, KO2), em que
o e.o. é −1/2.
(3) O e.o. do hidrogénio em todos os compostos é +1. Excepção: hidretos com metais muito
activos (como o de lítio, HLi, ou de sódio, NaH), em que o e.o. é −1.
1
Reacções redox
(4) Os e.o. dos metais alcalinos e alcalino-terrosos são +1 e +2, respectivamente, em todos
os compostos.
(5) O e.o. dos halogénios é −1 em todos os compostos, excepto quando combinados com o
oxigénio (e.o. variável).
(6) O e.o. de um ião monoatómico é igual à carga do ião.
(7) Em qualquer caso, a soma dos e.o. de todos os átomos numa dada espécie é igual à
carga total dessa espécie.
Vamos dar alguns exemplos de aplicação destas regras, determinando os e.o. de todos os
elementos incluidos nas espécies que seguem:
(a)
Fe, Zn, N2, Ar, O2
O e.o. é 0 (regra 1).
(b)
Fe3+, Ca2+, Na+, Cl−, S2−
Os e.o. são, respectivamente, +3, +2, +1, −1 e −2 (regra 6).
(c)
NaOH, Ca(OH)2, H2O, NaCl, SrF2
Os e.o. são −2 para o O (regra 2), +1 para o H (regra 3), +1 para o Na e +2 para o
Ca e Sr (regra 4), −1 para o Cl e F (regra 5).
A soma dos e.o. de todos os átomos é igual à carga da espécie (regra 7). Como se
trata de moléculas neutras, a carga total é 0.
NaOH:
0 = +1 −2 +1
Ca(OH)2: 0 = +2 + 2 x (−2 +1)
SrF2:
(d)
0 = +2 + 2 x (−1)
S2O32−, S4O62−, ClO−, H3AsO3, NO3−
Vamos aplicar sempre a regra 7 e ainda outras regras a indicar.
S2O32−: −2 = 2 x X + 3 x (−2), com −2 para o O (regra 2).
O e.o. do S, X, é +2.
(+2)(−2)
Escreveríamos S2O32−.
2
Reacções redox
S4O62−: −2 = 4 x X + 6 x (−2), com −2 para o O.
O e.o. do S, X, é +2.5.
(+2.5)(−2)
Escreveríamos S4O62−.
ClO−:
−1 = X −2, com −2 para o O.
O e.o. do Cl, X, é +1 (excepção à regra 5).
H3AsO3:
0 = 3 x (+1) + X + 3 x (−2), com −2 para o O e +1 para o H (regra 3).
O e.o. do As, X, é +3.
NO3−:
−1 = X + 3 x (−2), com −2 para o O.
O e.o. do N, X, é +5.
Originalmente, dava-se o nome de oxidação a uma reacção com o oxigénio e redução a
uma reacção com o hidrogénio. Chamaríamos oxidação do zinco e redução do óxido de
cobre, respectivamente, aos seguintes processos:
Zn(s) + O2(g) ⇒ ZnO(s)
CuO(s) + H2(g) ⇒ Cu(s) + H2O(g)
A atribuição de e.o. permite compreender a generalização actual dos conceitos acima, no
sentido de que uma oxidação envolve uma perda de electrões e uma redução envolve um
ganho de electrões. Vamos aproveitar para introduzir o conceito de semi-reacção, nome
que se dá a cada uma das reacções de oxidação e redução em que se pode decompor o
processo redox global. Assim, teremos:
(ox.)
Zn(s) ⇒ Zn+2 + 2 e−
O2(g) + 2 e− ⇒ 2 O2− (red.)
(0)
(0)
(+2)(−2)
Cu2+ + 2 e− ⇒ Cu(s)
H2(g) ⇒ 2 H+ + 2 e−
(+2)(−2)
(0)
(red.)
(ox.)
(0) (+1)(−2)
Zn(s) + O2(g) ⇒ ZnO(s)
CuO(s) + H2(g) ⇒ Cu(s) + H2O(g)
oxidação do zinco (perda de e−)
redução do oxigénio (ganho de e−)
oxidação do hidrogénio (perda de e−)
redução do cobre (ganho de e−)
agente oxidante: O
agente oxidante: Cu
agente redutor: Zn
agente redutor: H
o oxigénio não sofre qualquer alteração de e.o.
3
Reacções redox
Acerto de equações redox.
Vamos agora sistematizar o acerto de equações redox que, para além de um balanço de
massas, requerem um balanço de cargas. Vamos dar como exemplo o acerto da equação
que segue, referente a um processo que ocorre em meio ácido:
Cr2O72− + I− ⇒ Cr3+ + I2
(1) Determinar os e.o. de todos os elementos, verificar quais os que se oxidam e quais os
que se reduzem e acertar as massas dos mesmos. Escrever as semi-reacções respectivas.
Cr2O72−: −2 = 2 x X + 7 x (−2)
Cr3+: e.o. = +3
(+3)
Cr2O72− ⇒ Cr3+
(+6)
(+3)
Cr2O72− ⇒ 2 Cr3+
(+6)
(+3)
Cr2O72− + 6 e− ⇒ 2 Cr3+
X = +6
(+6)
redução do crómio
acerto de massas
semi-reacção de redução (por cada Cr, são
necessários 3 e− para a passagem do e.o. de +6 a +3)
I−: e.o. = −1
I2: e.o. = 0
(−1) (0)
I− ⇒ I2
(−1) (0)
2 I− ⇒ I2
(−1) (0)
2 I− ⇒ I2 + 2 e−
oxidação do iodo
acerto de massas
semi-reacção de oxidação (por cada I, é
libertado 1 e− na passagem do e.o. de −1 a 0)
(2) Afectar as duas semi-reacções de um mesmo número de electrões e somá-las, com
eliminação dos mesmos.
A semi-reacção de oxidação do I envolve 2 e− e a semi-reacção de redução do Cr envolve 6
e−. A maneira mais simples de afectar ambos os processos de um mesmo número de e− é
multiplicar a semi-reacção do I por +3. Virá então:
4
Reacções redox
Cr2O72− + 6 e− ⇒ 2 Cr3+
3 x (2 I− ⇒ I2 + 2 e−)

Cr2O72− + 6 I− ⇒ 2 Cr3+ + 3 I2
(3) Verificar quais as cargas totais à esquerda e à direita da equação. Fazer os balanços de
massa e de carga finais, adicionando H+ e H2O se a reacção se dá em meio ácido, e OH−
e H2O se a reacção se dá em meio básico.
Cr2O72− + 6 I− ⇒ 2 Cr3+ + 3 I2
−2
−6
+6
−8
0
+6
cargas totais
Como a reacção se dá em meio ácido, vamos adicionar iões H+ ao lado com excesso de
carga negativa (esqº), tantos quantos os necessários (14 H+: −8 + 14 = +6). À direita,
vamos adicionar os H2O necessários (7, 1 por cada 2 H+ adicionados à esqª). Virá:
Cr2O72− + 6 I− + 14 H+ ⇒ 2 Cr3+ + 3 I2 + 7 H2O
−2
−6
+14
+6
2 Cr, 7 O, 6 I, 14 H
+6
0
0
+6
carga acertada
2Cr, 6 I, 14 H, 7O
massa acertada
Série electroquímica.
À grandeza termodinâmica que nos permite prever a tendência que os elementos têm para
ganhar ou perder electrões dá-se o nome de potencial padrão de eléctrodo, Eo; ao
conjunto de valores de Eo dá-se o nome de série eletroquímica.
Na Tabela 1 apresenta-se um excerto dessa série. Os valores indicados referem-se às
condições padrão, pressupondo, nomeadamente, uma pressão de 1 bar e uma actividade
unitária; não vamos explorar o conceito de actividade e vamos antes admitir que as
concentrações em solução são sempre de 1 mol dm-3 (1 M). A unidade de Eo é o volt, V (1
volt = 1 joule/1 coulomb  V = J C-1; 1 coulomb = 1 ampere x 1 segundo  C = A s). Eo é
função da temperatura, sendo os valores tabelados normalmente referidos a 25 °C.
Tal como se indica na tabela, quanto mais positivo for o valor de Eo, maior será a tendência
para a semi-reacção respectiva de se dar no sentido em que está escrita, ou seja, no
sentido da redução. Assim, por exemplo, os iões Ag+ têm maior tendência
5
Reacções redox
Tabela 1 - Potenciais padrão de eléctrodo a 25 °C.
Semi-reacção
Cr2O72− + 6 e− + 14 H+ ⇔ 2 Cr3+ + 7 H2O
4 H+ + O2 + 4 e− ⇔ 2 H2O
Ag+ + e− ⇔ Ag
Fe3+ + e− ⇔ Fe2+
I3− + 2 e− ⇔ 3 I−
Cu2+ + 2 e− ⇔ Cu
S4O62− + 2 e− ⇔ S2O32−
2 H+ + 2 e− ⇔ H2
Pb2+ + 2 e− ⇔ Pb
Sn2+ + 2 e− ⇔ Sn
Eo/V
↑
1.33
Eo mais positivo
1.229
maior tendência para a redução
0.799
melhores agentes oxidantes
0.771
*
0.536
0.337
0.08
0, por convenção
−0.126
−0.136
Ni2+ + 2 e− ⇔ Ni
Co2+ + 2 e− ⇔ Co
−0.250
−0.277
Cd2+ + 2 e− ⇔ Cd
Fe2+ + 2 e− ⇔ Fe
−0.403
Eo mais negativo
−0.440
menor tendência para redução
Zn2+ + 2 e− ⇔ Zn
Mn2+ + 2 e− ⇔ Mn
−0.763
melhores agentes redutores
↓
−1.18
* A espécie I3− consiste numa molécula de I2 complexada com um ião I−. Os 2 e− fazem
passar o iodo da espécie I2 do e.o. de 0 a −1. Assim, dos 3 I− à direita, só dois sofreram
alteração de e.o..
para se reduzirem do que os iões Cu2+. Se combinarmos estes dois semi-sistemas nas
condições padrão, os iões Ag+ irão espontaneamente sofrer redução a prata metálica e o
cobre metálico irá espontaneamente sofrer oxidação para dar iões Cu2+. Dizemos então
que a prata (na realidade, os iões Ag+) é melhor agente oxidante que o cobre (na
realidade, os iões Cu2+)  é a prata que vai roubar electrões ao cobre  ou que o cobre é
melhor agente redutor que a prata  é o cobre que vai ceder electrões à prata.
Se olharmos agora para os Eo do cobre e do cádmio, poderemos concluir que, da
combinação destes dois semi-sistemas nas condições padrão, resultará espontaneamente a
redução dos iões Cu2+ e a oxidação do cádmio metálico. Dizemos então que o cobre é
melhor agente oxidante que o cádmio, ou que o cádmio é melhor agente redutor que o
cobre.
6
Reacções redox
Destes exemplos resulta a noção de que o sentido em que ocorre espontaneamente uma
dada semi-reacção depende da outra semi-reacção que com ela se combina. O que
determina o sentido de uma reacção redox global nas condições padrão é a relatividade dos
valores de Eo envolvidos.
A interligação dos conceitos de oxidação e redução referida logo no início deste capítulo
torna impossível a determinação de potenciais de eléctrodo absolutos: um processo redox
envolve sempre duas semi-reacções. Daí que seja necessário atribuir um valor arbitrário ao
Eo para um qualquer semi-sistema. A semi-reacção escolhida foi a redução dos iões H+, à
qual se atribuiu um Eo de exactamente 0.
Outras observações importantes dizem respeito à aplicação de operações matemáticas às
semi-reacções da tabela e o efeito resultante no valor de Eo. Assim, por exemplo, temos
que:
2 H+ + 2 e− ⇒ H2
H+ + e− ⇒ 1/2 H2
S4O62− + 2 e− ⇒ S2O32−
2 S4O62− + 4 e− ⇒ 2 S2O32−
Eo = 0 V
Eo = 0 V
Eo = 0.08 V
Eo = 0.08 V
Ou seja, a multiplicação de uma semi-reacção por um inteiro positivo não altera o valor de
Eo respectivo. De facto, o potencial padrão tem unidades de energia por unidade de carga;
ao multiplicar-se uma semi-reacção por +2, por exemplo, está-se a alterar de igual forma o
termo da energia e o termo da carga eléctrica.
Em contrapartida, a multiplicação de uma semi-reacção por um factor de −1  a inversão
da semi-reacção  já vai alterar o valor de Eo para o seu simétrico; se a redução é
termodinamicamente muito favorável, a oxidação não o poderá ser, e vice-versa:
Sn2+ + 2 e− ⇔ Sn
Sn ⇔ Sn2+ + 2 e−
−0.136 V
+0.136 V
Células electroquímicas.
Vamos agora ver como podemos tirar partido da espontaneidade de uma reacção redox
para produzir trabalho eléctrico. Precisamos para isso de ter uma célula electroquímica,
de que a Figura 1 é um exemplo.
7
Reacções redox
Nesta célula, temos dois eléctrodos metálicos, de zinco e de cobre. Cada eléctrodo
mergulha numa solução de electrólito  solução de sulfato de zinco, ZnSO4, que origina
iões Zn2+ e iões SO42−, ou solução de sulfato de cobre, CuSO4, que origina iões Cu2+ e
iões SO42−. Se estivermos nas condições padrão, a consulta da Tabela 1 permite-nos
imediatamente concluir que deverá ocorrer espontaneamente a redução do cobre (Eo mais
positivo) e a oxidação do zinco (Eo mais negativo). A reacção envolve a transferência de
electrões da barra de zinco para a de cobre, que se processa através do circuito eléctrico
exterior. Neste está incluido um voltímetro que permite medir o potencial da célula.
Como é feita a condução eléctrica na célula? No circuito eléctrico exterior, a condução
eléctrica é assegurada por electrões; à superfície dos eléctrodos, é assegurada por um
processo misto envolvendo electrões e iões; nas soluções, é assegurada pela
movimentação de iões, ou condução iónica. O circuito é fechado pela ponte salina, que
assegura a continuidade eléctrica entre as duas soluções. Uma ponte salina típica contém
um gel de agar-agar impregnado de solução saturada em cloreto de potássio, KCl, um
electrólito dissociado em iões K+ e Cl−.
Figura 1 - Esquema de uma célula electroquímica. Nas condições padrão, ocorrem
espontaneamente as semi-reacções (Zn ⇒ Zn2+ + 2 e−) e (Cu2+ + 2 e− ⇒ Cu).
Como funciona a ponte salina? Antes de se iniciar a transferência de electrões, a solução
de ZnSO4 é electricamente neutra, havendo tantos iões Zn2+ quantos os iões SO42−. No
instante em que um átomo de Zn se dissocia com formação de um ião Zn2+, passa a
haver um excesso de carga positiva na solução de ZnSO4. Para que a dissociação do Zn
prossiga, é necessário anular este excesso de carga, o que é conseguido à custa da
migração dos iões Cl− da ponte salina. Na solução de CuSO4 há tendência para a criação
de um excesso de cargas negativas (iões SO42−, enquanto os iões Cu2+ são reduzidos) a
8
Reacções redox
que se opõe a migração dos iões K+ da ponte salina. O facto de os iões K+ e Cl− terem
mobilidades elevadas e muito semelhantes assegura uma boa junção líquida entre as duas
soluções. Na ponte salina, como acabamos de ver, a condução eléctrica é assegurada por
iões.
É de notar que o electrólito da ponte salina se vai misturar com as duas soluções de
eléctrodo mas que estas duas soluções virtualmente não se misturam uma com a outra.
Este último aspecto constitui uma das características mais interessantes das reacções
redox, e dá mais substância ao conceito de semi-reacção.
Ao eléctrodo onde se dá a redução, dá-se o nome de cátodo; ao eléctrodo onde se dá a
oxidação, dá-se o nome de ânodo. Neste caso, o eléctrodo de cobre é, dos dois eléctrodos,
aquele que está a um potencial mais positivo  é para ele que fluem os electrões  e por
isso se diz que é o eléctrodo positivo; o zinco é o eléctrodo negativo.
Iremos mais à frente sistematizar o cálculo do potencial de uma célula. Diremos para já que,
nas condições padrão, esperaríamos que a célula acima tivesse um potencial de
sensivelmente 1.10 V. Convém referir que o voltímetro utilizado nestas medições tem que
ter uma resistência eléctrica tão elevada que, durante a medida, não passe corrente na
célula. De facto, para além de aspectos específicos associados à passagem de corrente em
células que não iremos aqui abordar, é fácil de ver que, à medida que a reacção redox se
processa, há alteração das concentrações de Cu2+ e Zn2+ (desce a primeira, sobe a
segunda); com a célula a debitar corrente e a produzir trabalho eléctrico, é evidente que o
potencial medido está sempre a variar. Este aspecto será retomado adiante.
É muito importante notar que é perfeitamente possível que, da combinação das semireacções (Cu2+ + 2 e− ⇒ Cu) e (Zn2+ + 2 e− ⇒ Zn) nas condições padrão, se obtenha a
oxidação do cobre e a redução do zinco. Mas o que a Tabela 1 nos mostra é que tal
processo redox não é espontâneo, ou seja, não tem tendência a ocorrer naturalmente; se
queremos que ele se dê, temos que o obrigar a tal, gastando para o efeito energia. No caso
da célula referida acima, teríamos que ligar o polo negativo de uma fonte de tensão à barra
de Zn e o polo positivo da mesma à barra de Cu. Quando a saída da fonte fosse superior a
1.10 V, começaria a ocorrer a redução do zinco e a oxidação do cobre.
A utilização da célula electroquímica nestes dois modos diferentes corresponde ao seu
funcionamento como célula galvânica ou pilha  utilização de uma reacção redox
espontânea para produzir energia eléctrica  ou como célula electrolítica  utilização de
energia eléctrica para realizar uma reacção redox não espontânea. Nas pilhas, e como
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Reacções redox
vimos, o cátodo é positivo e o ânodo é negativo; nas células electrolíticas, passa-se o
inverso. Iremos apenas dedicar-nos ao estudo de pilhas.
Vamos agora ver como se faz a representação esquemática de uma pilha. Retomando o
nosso exemplo acima, teremos:
ZnZn2+ (1.0 M)Cu2+ (1.0 M)Cu
As barras verticais representam interfaces, neste caso entre os eléctrodos sólidos e as
soluções de eléctrodo. A ponte salina, com duas junções líquido-líquido, uma em cada
extremidade, representa-se com duas barras verticais. Inclui-se informação sobre as
concentrações das soluções de eléctrodo. Uma observação importante é que o cátodo é
sempre representado à direita, e o ânodo à esquerda.
Vamos
fazer a representação
esquemática do eléctrodo
padrão de
hidrogénio (a
designação de eléctrodo aplica-se quer às barras de eléctrodo propriamente ditas, quer à
semi-célula completa, como neste caso) e ver como funciona:
Pt, H2 (p = 1 bar)H+ (1.0 M)*.......
(*na realidade, actividade unitária, pág. 50)
Este eléctrodo consiste numa barra de platina coberta de pó de platina (o chamado negro
de platina), cuja presença vai aumentar extraordinariamente a superfície do eléctrodo. Este
funciona como eléctrodo inerte, ou seja, não sofre qualquer transformação química no
processo, sendo sua função assegurar as trocas de electrões entre as espécies H2 e H+. A
solução é mantida saturada em H2 fazendo-se borbulhar este gás junto ao eléctrodo, à
pressão de 1 bar.
Dificuldades de natureza conceptual e experimental fazem com que o eléctrodo padrão de
hidrogénio seja substituido, para fins de aplicação prática, por outros eléctrodos de
referência, sendo o eléctrodo saturado de calomelanos um dos mais utilizados:
HgHg2Cl2 (saturado), KCl (saturado).......
(+1)
(0)
−
reacção de eléctrodo: Hg2Cl2(s) + 2 e ⇔ 2 Hg(l) + 2 Cl−
Neste eléctrodo, temos mercúrio metálico em contacto com uma solução simultaneamente
saturada em cloreto mercuroso (calomel) e em cloreto de potássio.
10
Reacções redox
Cálculo do potencial de uma pilha.
Vamos agora ver como se calcula o potencial de uma pilha, Epilha. Por convenção, o
potencial de uma pilha é sempre positivo.
(A) Cálculo de Epilha nas condições padrão.
Neste caso, Epilha = Eopilha. Vamos ver como se chegou ao valor de 1.10 V para o
potencial da pilha com eléctrodos de cobre e de zinco atrás representada. Em condições
padrão, consulta-se simplesmente a série electroquímica e vê-se qual dos semi-sistemas
tem Eo mais positivo. Neste caso, temos:
Cu2+ + 2 e− ⇔ Cu
Zn2+ + 2 e− ⇔ Zn
Eo = 0.337 V
Eo = −0.763 V
Assim, dá-se a redução do cobre e a oxidação do zinco:
Cu2+ + 2 e− ⇔ Cu
0.337 V
−
2+
Zn ⇔ Zn + 2 e
−(−0.763) V

Cu2+ + Zn ⇔ Cu + Zn2+
Eopilha = 1.10 V
Uma vez que a semi-reacção do zinco foi invertida, o potencial correspondente tomou o
valor simétrico de Eo. Eopilha é igual à soma dos potenciais para as duas semi-reacções,
escritas tal como ocorrem na célula.
Vamos agora calcular o potencial de uma pilha com eléctrodos de cobre e de prata, nas
condições padrão. Da série electroquímica, retiram-se os valores:
Ag+ + e− ⇔ Ag
Cu2+ + 2 e− ⇔ Cu
Eo = 0.799 V
Eo = 0.337 V
Assim, dá-se a redução da prata e a oxidação do cobre:
2 x (Ag+ + e− ⇔ Ag)
0.799 V
−
2+
Cu ⇔ Cu + 2 e
−(0.337) V

2 Ag+ + Cu ⇔ 2 Ag + Cu2+
Eopilha = 0.462 V
11
Reacções redox
Uma vez que as semi-reacções envolviam números diferentes de electrões, foi necessário
multiplicar a da prata por um factor de 2, o que, como vimos atrás, não afectou o valor de
Eo respectivo.
(B) Cálculo de Epilha em condições que não as condições padrão.
Neste caso, Epilha será muito provavelmente diferente de Eopilha. Vamos aplicar a
equação de Nernst que, quer para uma semi-reacção, quer para uma reacção redox
global, tem a seguinte forma:
RT
Epilha = Eopilha −  ln Q
nF
em que R é a constante dos gases perfeitos, T a temperatura, n o número de electrões
envolvidos no processo redox global, F o Faraday (carga por mole de protões), Q é o
quociente da reacção e ln é o logaritmo na base e. Utilizando para as constantes R e F os
valores
R = 8.314 J K-1 mol-1
F = 96 500 C mol-1
tomando T igual a 25 °C, ou seja, 298.15 K, e relembrando que a passagem de logaritmo
neperiano, ln, a logaritmo na base 10, log, envolve o factor 2.303, virá:
0.059
Epilha = Eopilha −  log Q
n
Daqui em diante, iremos considerar que estamos sempre a 25 °C (excepto no fim deste
capítulo) e usaremos a equação de Nernst na forma simplificada acima.
Vamos pensar que temos uma pilha com dois eléctrodos de cádmio e de chumbo, imersos,
respectivamente, em soluções com concentração 0.10 M em Cd2+ e 0.01 M em Pb2+.
Vamos proceder como há pouco e ver o que nos diz a série electroquímica:
Pb2+ + 2 e− ⇔ Pb
Cd2+ + 2 e− ⇔ Cd
Eo = −0.126 V
Eo = −0.403 V
12
Reacções redox
Assim, é provável que se dê a redução do chumbo (Eo mais positivo) e a oxidação do
cádmio:
Pb2+ + 2 e− ⇔ Pb
Cd ⇔ Cd2+ + 2 e−
−0.126 V
−(−0.403) V

Pb2+ + Cd ⇔ Pb + Cd2+
Eopilha = 0.277 V
Com n igual a 2 e Q dado por (os sólidos não figuram na expressão de Q)
[Cd2+]
0.10
Q =  =  = 10
[Pb2+]
0.01
teremos:
0.059
Epilha = 0.277 −  log 10 = 0.248 V
2
O facto de Epilha ser positivo indica-nos que a reacção redox se dá realmente no sentido
que considerámos. A representação esquemática desta pilha seria:
CdCd2+ (0.01 M)Pb2+ (0.10 M)Pb
Ou seja, o cátodo seria o eléctrodo de chumbo e o ânodo seria o eléctrodo de cádmio.
Alternativamente, poderíamos ter aplicado a equação de Nernst a cada eléctrodo em
separado e usado a condição de que o potencial da pilha é igual ao potencial do cátodo
menos o do ânodo. Embora não vamos privilegiar esta via, vamos ver como se processaria
o cálculo. Teríamos:
Pb2+ + 2 e− ⇔ Pb
Eo = −0.126 V
n=2
Q = 1/[Pb2+] = 1/0.01 = 100
13
Reacções redox
0.059
EPb = −0.126 −  log 100 = −0.185 V
2
Cd2+ + 2 e− ⇔ Cd
Q = 1/[Cd2+] = 1/0.10 = 10
Eo = −0.403 V
n=2
0.059
ECd = −0.403 −  log 10 = −0.433 V
2
cátodo (potencial mais positivo): chumbo
ânodo (potencial menos positivo): cádmio
Epilha = Ecát − Eân = −0.185 − (−0.433) = 0.248 V
Reparar que o cálculo dos potenciais de cada eléctrodo envolve a utilização directa, sem
quaisquer alterações, dos valores de Eo tabelados.
Vamos agora calcular o potencial de uma pilha com dois eléctrodos de cádmio e de prata,
imersos, respectivamente, em soluções com concentração 0.001 M em Cd2+ e 0.01 M em
Ag+. Vamos proceder como há pouco e consultar a série electroquímica:
Ag+ + e− ⇔ Ag
Cd2+ + 2 e− ⇔ Cd
Eo = 0.799 V
Eo = −0.403 V
Assim, é provável que se dê a redução da prata e a oxidação do cádmio. Vamos assumir
que a diferença de valores de Eo não era tão significativa e que éramos levados a pensar
que a redução se dava no eléctrodo de cádmio e a oxidação no eléctrodo de prata. Viria:
Cd2+ + 2 e− ⇔ Cd
−0.403 V
2 x (Ag ⇔ Ag+ + e−)
−(0.799) V

Cd2+ + 2 Ag ⇔ Cd + 2 Ag+
Eopilha = −1.202 V
Com n igual a 2 e Q como segue, teríamos:
14
Reacções redox
[Ag+]2
(0.01)2
Q =  =  = 0.1
[Cd2+]
0.001
0.059
Epilha = −1.202 −  log 0.1 = −1.173 V
2
O facto de Epilha ser negativo indica-nos que a pilha não está pensada correctamente e
que o que se dá realmente é o processo inverso, ou seja:
Cd + 2 Ag+ ⇔ Cd2+ + 2 Ag
sendo Eopilha = 1.173 V
Quando não estamos nas condições padrão, nem sempre será fácil ter a certeza do que se
irá passar na pilha. Mas o que importa é assumir um sentido para a reacção redox global e
proceder em conformidade. No fim, das duas uma: ou a nossa hipótese era correcta e
obtemos Epilha positivo, ou era incorrecta, e obtemos Epilha negativo. Neste último caso,
bastará escrever a reacção redox ao contrário e trocar o sinal ao Epilha calculado.
Vamos referir mais dois exemplos de cálculo de potenciais de pilhas fora das condições
padrão. Serão dois exemplos de pilhas de concentração, ou seja, pilhas com eléctrodos
idênticos imersos em soluções que diferem apenas na concentração da espécie a oxidar ou
reduzir.
Vamos começar por calcular o potencial de uma pilha com eléctrodos de prata imersos
numa solução de Ag+ 0.10 M e numa solução saturada em AgCl (Kps = 1.8x10-10). É
evidente que uma pilha deste tipo tem Eopilha igual a 0 (os dois termos de Eo anulam-se).
Como funciona uma pilha assim constituida? A tendência será para anular a diferença de
concentrações de Ag+ nos dois recipientes. Logo, a redução irá dar-se no recipiente com
concentração de Ag+ mais elevada e a oxidação irá dar-se no recipiente com concentração
de Ag+ mais baixa. Para decidirmos, vamos calcular a concentração de Ag+ na solução
saturada em AgCl:
AgCl ⇔ Ag+ + Cl−
Kps = [Ag+] [Cl−] = 1.8x10-10
15
Reacções redox
[Ag+] = [Cl−] = S (sal do tipo 1:1:1)
Kps = S2
S = (1.8x10-10)1/2 = 1.34x10-5 M
Assim, a prata metálica sofrerá oxidação no recipiente contendo a solução saturada em
AgCl:
Ag ⇔ Ag+ + e−
Ag+ + e− ⇔ Ag

(lado da solução saturada em AgCl)
(lado da solução 0.10 M em Ag+)
Ag + Ag+ ⇔ Ag+ + Ag
[Ag+]
1.34x10-5
Q =  =  = 1.34x10-4
[Ag+]
0.10
n=1
0.059
Epilha = −  log 1.34x10-4 = 0.229 V
1
Vamos agora calcular o potencial de uma pilha de concentração constituida por dois
eléctrodos de hidrogénio, um à pressão de 1 bar e a pH = 1 e outro à pressão de 0.1 bar e a
pH = 4 (nenhum deles está nas condições padrão). A redução irá dar-se no recipiente com
concentração de H+ mais elevada, ou seja, naquele onde temos em equilíbrio H2 à pressão
de 1 bar com iões H+ a pH = 1:
pH = 1
pH = 4
[H+] = 10-1 M
[H+] = 10-4 M
H2 ⇔ 2 H+ + 2 e−
2 H+ + 2 e− ⇔ H2

(lado da solução com [H+] = 10-4 M)
(lado da solução com [H+] = 10-1 M
H2 + 2 H+ ⇔ 2 H+ + H2
[H+]2 x pH2
(10-4)2 x 1
Q =  =  = 1.0x10-5
[H+]2 x pH2
(10-1)2 x 0.1
n=2
16
Reacções redox
0.059
Epilha = −  log 1.0x10-5 = 0.148 V
2
Reparar que os gases também intervêm na expressão de Q; obviamente que, se estiverem
à pressão de 1 bar, não influenciam o valor do quociente da reacção. Reparar também que
chegaríamos ao mesmo resultado se fizessemos:
1/2 H2 ⇔ H+ + e−
H+ + e− ⇔ 1/2 H2

(lado da solução com [H+] = 10-4 M)
(lado da solução com [H+] = 10-1 M)
1/2 H2 + H+ ⇔ H+ + 1/2 H2
[H+] x pH21/2
(10-4) x 1
Q =  =  = 3.16x10-3
[H+] x pH21/2 (10-1) x 0.11/2
n=1
0.059
Epilha = −  log 3.16x10-3 = 0.148 V
1
Referimos atrás (pág. 54) que, à medida que uma reacção redox prossegue numa pilha, o
potencial da mesma vai variando, em virtude da alteração das concentrações das espécies
intervenientes. Vamos aprofundar mais este aspecto.
Para o efeito, vamos retomar o exemplo da pilha com eléctrodos de cádmio e de chumbo,
imersos, respectivamente, em soluções com concentração 0.10 M em Cd2+ e 0.01 M em
Pb2+ (pág. 57), na qual ocorria espontaneamente o seguinte processo:
Pb2+ + Cd ⇔ Pb + Cd2+
Eopilha = 0.277 V
[Cd2+]
Q = 
[Pb2+]
No início do funcionamento da pilha, temos Q = 10, vindo Epilha = 0.248 V. Com o tempo, a
concentração dos iões Pb2+ vai diminuindo e a dos iões Cd2+ vai aumentando; assim, o
valor de Q vai aumentando. A aplicação da expressão do potencial desta pilha
17
Reacções redox
0.059
Epilha = 0.277 −  log Q
2
permite verificar que, por exemplo, quando Q = 1000, Epilha = 0.189 V.
Assim, o potencial de qualquer pilha que esteja a debitar corrente vai diminuindo no tempo,
até se anular; nesse momento, temos a pilha esgotada. Em termos químicos, o
esgotamento da pilha corresponde à situação em que a reacção redox atingiu o
equilíbrio, ou seja, em que Q tomou o valor da constante de equilíbrio, K:
-no equilíbrio
Epilha = 0
0.059
o
Epilha = E pilha −  log K
n
0.059
o
0 = E pilha −  log K
n
n Eopilha
log K = 
0.059
No caso da pilha acima, teríamos:
n Eopilha
2 x 0.277
log K =  =  = 9.39
0.059
0.059
K = 109.39 = 2.45x109
Reparar que o valor de K não tem nada que ver com o valor de Epilha em qualquer
momento do seu funcionamento, mas apenas com o valor de Eopilha que se calcula
directamente a partir da série electroquímica. No nosso exemplo, quer as concentrações
dos iões Cd2+ e Pb2+ fossem inicialmente as dadas ou outras quaisquer, elas teriam
sempre valores no equilíbrio tais que K fosse igual a 2.45x109.
18
Reacções redox
Escrevendo a equação de Nernst na forma válida para qualquer temperatura, teremos:
-no equilíbrio
RT
o
Epilha = 0 = E pilha −  ln K
n F
− n F Eopilha = − R T ln K
Como vimos no capítulo dedicado ao equilíbrio químico,
∆Go = − R T ln K
Assim, o valor de Eo de uma pilha dá-nos acesso directo à variação de energia Gibbs
padrão da reacção que ocorre na pilha.
19
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