1 INTRODUÇÃO A reflexão acerca da fenomenologia da imagem nos animais vem contribuir para o debate acadêmico sobre idealização da imagem mental enfocando mais especificamente a discussão sobre as bases teóricas que alguns empreendimentos científicos utilizam para designar seus significantes. Busca complementar as informações sobre o tema tanto para os acadêmicos de medicina veterinária, como para aqueles que tentam decifrar a origem da vida anímica. As pesquisas relacionadas aos fatores condicionantes da percepção e da imagem também podem auxiliar no estabelecimento de diagnóstico de enfermidades acometidas pelos animais, contribuindo assim, para o avanço da semiologia veterinária. Entender as diferenças de adaptabilidade entre espécies que vivem em uma variedade de habitats e aquelas que se restringem a habitats limitados pode levar à compreensão de como se pode melhorar a adaptabilidade humana frente às variações do nosso ambiente. O estudo da fenomenologia da imagem não é um importante campo científico apenas por si próprio, mas também por ter feito importantes contribuições para outras disciplinas com aplicações para o estudo do comportamento humano, para as neurociências, para o manejo do meio ambiente e de recursos naturais, para o estudo do bem-estar animal e, principalmente, para a educação de futuras gerações de cientistas. Muitos problemas da sociedade humana estão frequentemente relacionados a interações entre ambiente e comportamento ou entre a visão genética e o comportamento. As áreas da Socioecologia e do Comportamento Animal lidam com a questão das interações comportamentais e do ambiente, tanto do ponto de vista imediato, quanto do evolutivo. Um número crescente de cientistas sociais tem recorrido ao Comportamento Animal como uma base teórica para interpretar a sociedade humana e para entender possíveis causas de problemas das sociedades. A aplicação dos conceitos fenomenológicos, principalmente pela bioética, fortifica o surgimento de um novo paradigma remodelador dos significados comportamentais. Estes paradigmas ecológicos resultam de uma suposta assepsia metodológica. Propõe-se que os estudos sobre o fenômeno imagem não devem, de modo algum, adotar modelos naturalistas a fim de adquirir credibilidade científica. Esse tipo de objetividade que a tradição científica preconiza aqui não pode se realizar. Por isso a importância em estimular e produzir estudos que forneçam elementos capazes de construir 1 as bases desse entendimento inovador. Tais questões acima levantadas motivaram a realização deste estudo, que busca ser mais uma fonte de pesquisa sobre os condicionantes da imagem com intuito de contribuir com a reflexão dos padrões de análise sobre esta temática até então predominantes entre alguns grupos de estudiosos. Para tanto, objetivou-se realizar uma análise sobre os condicionantes do comportamento imaginativo dos animais e, especificamente, visou-se: analisar algumas interpretações dentre várias conhecidas sobre comportamento animal considerando os fatores que propiciam seu desenvolvimento emocional; compreender as interpretações sobre o mecanismo pelo qual o animal constrói sua percepção sobre o mundo que o cerca e; explicar a significação da imagem enquanto resulto da experiência do animal. Para tal análise foi necessário buscar explicações nas mais variadas ciências, comparando-se os vários eixos teóricos. 2 2 REVISÃO DE LITERATURA “A fenomenologia começa quando ´colocamos fora do jogo a posição geral de existência que pertence à essência da atitude natural.´” (HUSSERL, 2008). Os estudos sobre a idealização da imagem dos animais a definem como uma linguagem que apenas é manifestada através do comportamento. Este deve, por sua vez, e para melhor entendimento da subjetividade psíquica, ser encarado como algo além do comportamento orgânico. Mesmo que não reflita numa ação geral, o comportamento esboça várias ações virtuais, como as modificações iônicas nos potenciais elétricos das membranas celulares do pensamento, orientados a uma ação (BARTHES, 2006). Várias ciências se ocupam da tradução e investigação de determinantes elementares estáveis para a imagem (DEL-CLARO, 2004). Dentre elas está a fenomenologia, ciência que estuda a essência dos fenômenos, que não considera as coisas, mas a maneira como elas se dão (HENRY, 2008), e a semiótica, que define o processo comunicativo evocado pelo comportamento em pelo menos seis elementos: Um emitente, um receptor, uma mensagem passada entre eles, um código comum que torna a mensagem inteligível, um contato ou meio físico de comunicação, e um contexto. Quando este conceito atinge o universo animal obriga-se a aceitação de que ainda não se tem tanta clareza quanto à dimensão de aplicação de pelo menos um desses elementos, o código comum entre o receptor e o emissor, o que leva a uma nova perspectiva comunicativa, tendo em vista a amplitude que os processos comunicativos atingem. Esta variável comunicativa propõe o comportamento visto do prisma do emissor como emotiva, e vista do prisma do receptor como conotativa. Estas definições são repetidas com outras terminologias por muitas outras áreas de pesquisa diferentes (WRIGHT, 1996; SANTAELLA, 1997; BOHM, 2005). As várias vertentes da semiologia se organizam na esteira do pensamento linguístico. Todos os signos naturais (como é tratado o conjunto de elementos simbólicos do real) são vistos como sintomas pela semiologia (BORDENAVE, 2002). Ela fornece conceitos analíticos onde as mensagens são consideradas uma estrutura de significação. Na perspectiva semiológica, o conceito de linguagem abrange todos os sistemas utilizados na estruturação e transmissão de um conjunto de significações, podendo-se atribuir os mesmos valores aos estudos semióticos e estruturalistas. Estas ciências indicam um campo particular que envolvem os poemas, o canto dos pássaros, os sinais de trânsito, os sintomas 3 medicinais e assim por diante (BARTHES, 2006). Assim, de acordo com CAMPOS (2008), o estudo do comportamento animal não é apenas relevante para resolver as questões de interesse dos pesquisadores da área, mas também pelas importantes contribuições a outras áreas do conhecimento como a neurobiologia, o estudo do comportamento humano, a conservação do meio ambiente, o manejo dos recursos naturais e o bem-estar animal, entre outras. 2.1 Da Subjetividade da Imagem A concepção da reflexologia já defendeu a vida psíquica dos animais fundamentada empírico-objetivamente na atividade dos centros encefálicos como resultados de associações infinitas de reflexos congênitos e adquiridos (MELO, 1979). Segundo Snowdon (1999), o estudo do comportamento animal era uma ponte entre os aspectos moleculares e fisiológicos da biologia e da ecologia. Reduzir o comportamento assim, à dimensão fisiológica como resposta do organismo aos estímulos em vista de uma adaptação ao meio risca a presença do sujeito sem muita pena. A imagem nos animais observada somente através do reconhecimento cientificista equivale, no mínimo, a tomar uma parte pelo todo. Engano que conduzirá fatalmente a uma visão parcial e unilateral da realidade (MELO, 1979). As ideologias racionalistas são apenas transitivas, e, pela perspectiva de antigos nomes como Rousseau (2007) e de Kant (2008) tem profundas implicações sociais, políticas e filosóficas. Ela guarda as relações mais estreitas com questões de poder social. O comportamento animal pode ser explicado, mas tão somente bem entendido quanto a sua individualidade biológica e filosófica (HEIDEGGER, 2007). Em todas as funções corporais existe uma elaboração imaginativa (WINNICOTT, 1990). A vida psíquica, contrariamente, pode apenas ser compreendida (MELO, 1979). Tanto a psicologia quanto a fenomenologia não têm o poder de entrar na experiência dos animais. Apenas o pesquisador experiência as evidências de suas experiências (HUSSERL, 2008). Muitos estudos sobre o comportamento mental dos animais esbarram no medo de recorrer ao antropomorfismo, isto gera mais tabus nas pesquisas, inclusive regras ditando o uso linguístico. Para esta forma de fazer ciência, um animal não é assustado por um leão; ele demonstra comportamento de fuga (MASSOM; McCARTHY, 2001). O que, por muitas 4 vezes, pode até ser o termo mais adequado a ser usado. Acontece, porém, que os termos do tipo estímulo-resposta podem se tornar difíceis de descreverem grande número desses comportamentos ideacionais. London (2003), sociólogo identificou forças animalescas inconscientes no cerne do comportamento do homem, assim como reconheceu a base do comportamento humano nos outros animais, as traduziu em uma literatura menos cientificista e é reconhecido até hoje. Muitas são as ciências que estudam a imagem, isto proporciona grande variação das áreas de atuação. Entre elas estão empresas de valores de saúde, bem-estar e higiene mental, organizações clínicas, promoção de vendas, publicidade, organizações e estratégias políticas e projeções ideológicas nacionalistas ou de empresas particulares, daí segue-se todo o direcionamento comercial, de todos os setores econômicos. Seu estudo requer a relação de muitas das ciências de base para serem aplicadas a um objetivo único, mas completamente variável (SCOTTY, 2010). 2.2 Percepção e Imagem A imagem e sua estruturação representam epifenômenos de um único processo desde sua origem. Várias correntes de pensamento as qualificaram sob perspectivas diferentes. O monismo materialista defende que a representação física da realidade é a própria realidade por ser a única forma de percebê-la. O monismo espiritualista, contrariamente, define a imagem como algo que representa. Esta concepção a defende como uma criação artificial dos sentidos. Contudo, vários grupos de estudos de fenomenologia existencial põem a questão como sistemas de notações (MELO, 1979). Alguns grupos de estudiosos a coloca sob a função comunicativa. Não a diferenciam quanto sua natureza real ou representativa. Estruturalistas, por exemplo, acreditam que a imagem, independente de sua natureza, é um significante para outro significante. A grande questão para eles é diferenciar o significante do significado e, por conseguinte, da coisa real significada (FARR, 2004). Anatomistas já atribuiram à glândula pineal o local de contato entre o sensível e o supra-sensível (GHIRALDELLI, 2005; MACHADO, 2007). Há também quem afirme existir operações de pensamentos sem a presença de imagem (MELO, 1979). O estudo dos fenômenos da consciência não consegue responder até que ponto pode aceitar estas 5 afirmações. Watson (apud MELO, 1979) já dizia que seu estudo era cientificamente impraticável. A fenomenologia surge em resposta a esta obsessão míope pela categorização de fatos, e, que, à luz do estruturalismo, não passam de autodefinições (HUSSERL, 2008). A análise da vida psíquica desfigura a sua realidade. Por isso objetivou-se o estudo do comportamento anímico enquanto tidos como formas de reações, enquadrados em grupos de processos (SCOTTY, 2010). A percepção pode ser entendida, então, em termos quantitativos em relação à intensidade, claridade, número de estímulos e alterações fisiopatológicas (MELO 1979). Os conflitos entre idealismo e materialismo e subjetivismo e objetivismo estão sendo interpretados pela ciência hoje como fenômenos imbricados e interpenetrados em todos os planos e a cada instante de sua integração evolutiva de forma que não se tem como delimitar onde começa um e acaba o outro. A psique não está em um órgão determinado (MELO, 1979). A psicologia cognitiva propõe a imagem mental como a representação de uma experiência perceptiva (SANTAELLA, 1997). Por se tratar de uma representação, entende-se que nunca haverá como identificar o ponto de fusão que transforma a percepção em imagem (SARTRE, 2008). 2.2.1 Percepção A percepção pode ser defendida como o processo através do qual um animal recebe e analisa informações sensoriais em adaptação ao meio ambiente (BORDENAVE, 2002; DEL-CLARO, 2004; MACHADO, 2007). Para que a percepção ocorra é necessário que o estímulo seja dotado de carga afetiva potencial, sem a qual a imagem não se forma no campo da consciência. A imagem sensoperceptiva acusa-se por aspectos característicos como a nitidez, promovendo claridade e definição da imagem, corporeidade e estabilidade, a imagem é estabilizada (MELO, 1979). O neurofisiologista Calvin (1998) afirma que sob o ponto de vista objetivo, este mundo percebido será atingido por uma análise conjugada do universo físico, por um lado, e pelo comportamento do outro. A consciência na verdade, nem é considerada como único centro do sentido. Há um sentido em curso bem anterior à própria imagem, ou melhor, à consciência da imagem. O cérebro funciona, neste sentido, em silêncio, não exige reconhecimento (WINNCOTT, 1990). Pode-se dizer que há duas classes de processos informativos: os processos 6 intrasubjetivos de memória e pensamento e os processos intersubjetivos (SANTAELLA, 1997; FARR, 2004). Resumidamente, em todos os seres vivos estão presentes receptores que identificam informações endógenas e exógenas (DEL-CLARO, 2004; NISHIDA, 2007). Defende-se que para percepção acontecer, as áreas cerebrais e o aparelho sensorial, incumbidos de receber e elaborar as sensações precisam estar íntegros anátomo-fisiologicamente (MELO, 1979; SCOTTY, 2010). Melo (1979) chamou de impressão a especial modificação que um estímulo determina em um órgão atingido. Esta impressão é projetada nas estruturas encefálicas, elaborado sob a forma de sensação, vindo a ser identificado e reconhecido (MACHADO, 2007). O comportamento do organismo varia em função das propriedades físicas dos objetos que compõem o ambiente, como a frequência sonora. Mas, se consideradas isoladamente, as propriedades físicas não parecem determinar obrigatoriamente um comportamento (DEL-CLARO, 2004). A imagem é oferecida ao senso íntimo primeiramente como sensação. Contudo, ela não pode ser classificada como um conglomerado de átomos, de sensações ou sentimentos. Ela é desde sempre uma unidade dominadora (MELO, 1979; SARTRE, 2008). A forma como evoluiu os neurônios é um indício de sua responsabilidade em relacionar o interior ao meio exterior. Eles se desenvolveram primeiramente no interior em direção a superfície externa dos organismos (MACHADO, 2007). Existem receptores neuronais para diversos fatores: luz (cones e bastonetes- fotorreceptores visuais), calor, frio, radiação, pressão superficial, pressão profunda, dor, tato da pele ou dos pêlos, deformação, compressão e estiramento de tecidos, quimioceptores olfativos, gustativos ou medidores de acidez gástrica, de ondas sonoras (mecanoceptores auditivos) e tantos outros (SCOTTY, 2010). Nenhuma realidade é percebida da mesma maneira (GOMES, 2000). A dinâmica imaginativa passa por um processo de confrontação com a conformação da dinâmica interna (BORDENAVE, 2002). O resultado dessa interpretação é seu significado pessoal. Outro fator é que nem todos os tecidos, bem como nem todos os animais permitem que estejam presentes todos esses tradutores. As serpentes, por exemplo, possuem o órgão de Jacobson, no fundo da garganta. Ele capta odores carreados pela língua. Já as moscas, “cheiram” fazendo uso das antenas que possuem pequenos orifícios com pêlos sensoriais. 7 Estão entre as espécies que possuem conexões entre fibras nervosas desde organismos multicelulares primitivos, até o sistema nervoso humano (NISHIDA, 2007). MACHADO (2007) considera que o SNC possui três níveis de função. À medida que, evolutivamente, os organismos animais foram atingindo a etapa multissegmentada, as fibras nervosas e os corpos celulares neuronais agregaram-se, formando o eixo neural, que é considerado o primeiro nível da função do sistema nervoso central. No segundo nível de integração do sistema nervoso, desenvolveram-se grandes agregados neuronais, transmitindo sinais controladores pelo eixo neural, se difundindo por todo o corpo. Ao desenvolver este sistema de orientação mais preciso do espaço, se originou o mecanismo de equilíbrio. Estas regiões ficaram muito desenvolvidas em animais mais complexos, como peixes, répteis e nas aves, podendo ser comparáveis às bases do encéfalo humano. No terceiro e último nível de organização desenvolveram-se as periferias das porções basais do encéfalo. Os mamíferos foram os animais que mais desenvolveram o córtex cerebral, considerada a principal área de associações. Isto significa que nestes animais existe uma capacidade maior de armazenar grandes quantidades de informações sob a forma de memórias. Muitas das várias funções, como se pode ver, foram herdadas desde os animais filogeneticamente mais primitivos. Winncott (1990) argumenta que em termos evolutivos a percepção da natureza está para a forma mais antiga do funcionamento do corpo. A base primitiva do córtex cerebral, o arquicórtex, é uma qualidade presente desde os peixes e ciclóstomos. Ele pode ser representado pelo hipocampo em muitos vertebrados (MACHADO, 2007; CALVIN, 1998). Nos anfíbios o córtex se desenvolveu, diferenciando-o em paleocórtex. Ele é representado pelas áreas do giro para-hipocampal. Somente a partir dos répteis surgiu o neocórtex, se tornando predominante nos mamíferos. O neocórtex é o revestimento de todo o resto dos hemisférios cerebrais (MACHADO, 2007). O tecido nervoso contém dois tipos básicos de células. Os neurônios, condutores dos sinais pelo sistema nervoso, e as células de suporte ou de isolamento, que evitam a dispersão dos sinais dando o caráter fixo, temporal e espacial. Sartre (2008) afirma que o que faz o animal ver e ouvir são as lembranças. As cores emanam mais precisamente de 8 uma fonte não iluminada de pré-luz. Os sons do silêncio, as formas da ausência de formas. A informação que a realidade oferece já penetra o inconsciente, distorcida pela expectativa das células nervosas (CALVIN, 1998). A neurociência explica, com bastantes detalhes, as alterações nos potenciais elétricos das membranas ao longo dos axônios. Ela afirma, entre outras sublimações, que quando um impulso nervoso atinge uma membrana do elemento pré-sináptico, dá origem a uma pequena alteração capaz de abrir canais de cálcio, determinando a entrada deste íon. O aumento de íons de cálcio no interior do elemento pré-sináptico provoca uma série de fenômenos. Entre eles, a liberação de neurotransmissores nas fendas sinápticas e suas difusões, atingindo seus receptores nas membranas pós-sinápticas (MACHADO, 2007). Porém, se tratando da busca por explicar materialmente a imagem, Sartre (2008), afirma que a ciência parecia estar andando em círculos. 2.2.2 Privação O desejo só existe no universo da privação. As privações são variáveis independentes do comportamento e, em geral, elas aumentam a probabilidade de um grupo de respostas. A distensão da parede vesical estimula o reflexo de micção. Se privado da ação de esvaziar a bexiga, a quantidade de estímulos aumenta de modo a coordenar mais e mais fibras motoras eferentes. Em outras palavras, a privação domina o comportamento fisiológico em sua manifestação mais abstrata ou racionalizada, ou seja, as condições de privação alteram as probabilidades de toda uma classe de respostas (MACHADO, 2007). Muitos animais crescem em convívio com seus irmãos e pais, estes, junto com outros fatores ambientais participam da modelagem do comportamento. Não é mais novidade para os cientistas a comprovação da influência da família na significação do real imaginado nos animais (BAGACCEGA, 1998). As mães ursas, as cabras montanhesas e os falcões, todos ensinam e protegem seus filhotes. Foi observado filhotes de falcões peregrinos sendo punidos sempre que tentavam se aproximar de humanos (MASSOM; McCARTHY, 2001). Contudo, nem sempre se define as características sociais adquiridas por alguns animais como condutas de colaboração. As abelhas apresentam aparentemente o que se conhece por pseudo-linguagem. Ao entrar na colmeia depois de descobrir uma provisão, a obreira desprende um odor particular e executa uma espécie de dança. Estes 9 sinais precisos indicam a distância aproximada e sua direção. Desta forma, a vida familiar deve ser compreendida como um heterônimo subjetivo. Bakhtin (apud BAGACCEGA, 1998) considera a imagem individual um fato sócio-ideológico. 2.3 Semiótica e Processos Discriminatórios A imagem com seu lado perceptível e seu lado mental unificados confluem em algo que é chamado de signo. Quando um signo significa a mesma coisa que outro signo substituindo-o, pode-se ser definido como um símbolo. Os símbolos dizem respeito aos signos representativos (SANTAELLA, 1997). E é inconscientemente que na linguagem se pressupõe o signo como a ausência do objeto que significa. Como definem os estudos semiológicos: Toda imagem é, de certa maneira, metafórica. A imagem é caminho para o símbolo. Os signos icônicos, ou seja, padrões de estímulos usados pelos animais, surgem através da generalização da força do impulso e direção da energia. Isto acontece quando o signo de alguma forma se assemelha ao que representa. De forma bastante semelhante são os signos indéxicos, os quais estão associados àquilo o qual são indicados ou, de forma mais arbitrária, o simbólico propriamente dito, quando o signo se liga ao seu referente apenas conceitualmente. Contudo, estas definições são meramente funcionais, transitivas e difíceis de chegar a um ponto limitante, mas pelo menos servem para definir o que é denotativo e o que é conotativo (BORDENAVE, 2002). O comportamento é um sistema de signos que se comunicam. Algumas imagens, não as mais radicais, devem seu significado ao condicionamento. Entre os processos simbólicos implícitos, os que podemos esperar como sendo os mais capazes de evocar respostas através da generalização primária de estímulo, serão aquelas cujos correlatos neurais mantêm uma semelhança estreita com os eventos neurais ocasionados pelos processos sensoriais (HOLLAND; SKINNER, 1975). As ciências cognitivas chamam de eidetismo a particular capacidade de se visualizar figuras apresentadas, mesmo retiradas suas presenças (MELO, 1979). Estas generalizações, para a semiologia, só adquirem valor de significação em virtude de suas marcas próprias (BAGACCEGA, 1998). Estudos de lógica cognitiva estabeleceram por generalização a ocorrência de uma resposta, Rx, na presença de outras situações diferentes do estímulo condicionado, Sx, ou seja, é uma questão ontológica, de conotação. A percepção 10 empobrece sem a presença de demarcadores (BARROS, GALVÃO; ROCHA, 2005). Discriminação é o processo para se estabelecer uma forma de controle de estímulos. Ela é, em si, a ocasião em que um estímulo está sendo reforçado. Os estímulos discriminativos vêm antes da resposta, enquanto que um estímulo reforçador vem depois. O animal diferencia qual resposta deve ser eliciada, mas há um reforço para o comportamento ser realizado. Pode-se pensar em generalização de três tipos. Generalização de estímulo, onde um estímulo passa a se conectar com uma gama de outros estímulos. Aqui vários estímulos diferentes são interpretados como iguais por representarem mesmo radical denotativo; generalização de respostas, quando um estímulo desencadeia uma resposta que se associa a outra resposta. Na generalização de respostas, respostas diferentes atingem o mesmo resultado; e Generalização de estímulo-resposta, quando um estímulo-resposta, S1RA, resultam em S2-RB sem alterar o valor de significação relativo (BARROS, GALVÃO; MCILVANE, 2002, 2003; BARROS, GALVÃO; ROCHA, 2005). A aquisição de repertórios discriminativos relacionais generalizados pode representar uma vantagem evolutiva no processo de seleção natural das espécies. Estes repertórios podem ser caracterizados em termos da ocorrência de comportamento novo, independente de um treino direto de relações de controle de estímulos. Por muito tempo, foi considerado que apenas os seres humanos podiam adquirir esses repertórios. Porém, vários estudos realizados a partir dos anos oitenta do século passado (RUMBAUGH, 1984; D’AMATO; COLOMBO, 1985; COLOMBO; GRAZIANO, 1994; HASHIYA; LEWIN; SAVAGE- RUMBAUGH, 1994; KOJIMA, 2001) sugeriram que animais não-humanos podem aprender repertórios discriminativos relacionais generalizados. A estrutura sensorial da imagem é concebida segundo a forma de fragmentação e recomposição. Muitas das informações são perdidas ou inibidas neste processo. Os estudos sobre a estrutura e direção do pensamento diferenciam a resposta real, manifestada no animal, da resposta ótima. Nem todas as coisas pensadas são comunicadas, assim, o comportamento não comunica apenas da resposta ótima. A adaptação biológica pode ser vista como uma questão de aproximar a resposta real da resposta ótima ou fazer com que o organismo responda o mais adequadamente possível. A resposta ótima depende dos estímulos exteriores passados e presentes e das condições internas do organismo. Somente uma pequena parte das informações estímulos participa da resposta ótima. Muitas destas 11 não são motivacionais (SARTRE, 2008) Muitas vezes as informações dos estímulos externos presentes são supérfluas, criando-se mais uma limitação importante do canal que vai do estímulo exterior a resposta real. Os potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios são somados ou integrados (MACHADO, 2007). Para se ter uma idéia, os caminhos aferentes, estudados pela neurofisiologia, são cinco vezes mais numerosos do que as fibras eferentes. A entrada de mensagens sensoriais tem que competir para controlar o caminho final comum. A variedade de combinações de estímulos as quais os órgãos sensoriais podem ser expostos ultrapassa claramente a variedade de respostas que o equipamento motor é capaz de emitir (CALVIN, 1998). As informações que não estão relacionadas com a resposta ótima constituem a maior parte do conteúdo de informações da situação de estímulo exterior. Rejeitar informações é vital para a adaptação biológica. Verifica-se, na neurofisiologia, que as sinapses nervosas são capazes de transmitir alguns sinais e de refugar outros. Da mesma forma que existem mecanismos para se obter informação, há também mecanismos para rejeitá-las. A atenção, um desses mecanismos, obstrui a transmissão de impulsos nervosos em vários níveis entre os órgãos sensoriais e as vias motoras. A atenção se caracteriza principalmente pela seletividade. Este processo mantém alguns “imputs sensoriais” assim como reduz a atividade competitiva de outros estímulos (DEL-CLARO, 2004). Existem também fibras que transmitem no sentido descendente influencias inibitórias do córtex cerebral às primeiras junções nervosas encontradas pelas passagens sensoriais depois de deixar as células receptoras. Como exemplo pode-se lembrar às junções dos núcleos cocleares localizadas atrás da retina. Um gato bloqueia a resposta do núcleo coclear na presença de um estimulo sonoro em virtude da atenção a estímulos visuais e olfatórios mais significativos. Os diferentes códigos cerebrais associam-se entre si no córtex nas chamadas “zonas de convergências para memórias associativas” (CALVIN, 1998). Os estudos de cognição experiencial descrevem também respostas bem padronizadas em defesa contra o mundus percebido. Pêlos arrepiam, batimento cardíaco acelera, olhos se abrem. Papagaios assustados em ambientes estranhos podem esconder a cabeça em um canto. A maior parte dos estímulos aversivos é condicionada e provocam 12 imagens incondicionadas. Lógico que os estímulos não apresentam em si propriedades aversivas. Estas são discriminadas em vários níveis dentro de sua individualidade. “O que assusta um cavalo pode nem sequer fazer outro se mover” (MASSOM; McCARTHY, 2001). 2.4 Frustração Frustração refere-se ao impedimento da satisfação de um instinto, nega-se aqui a satisfação do princípio do prazer, a realização do id, extrato mais profundo, podendo assim evitar uma excitação dolorosa ou desconfortante. Toda imagem é representada por um sistema de significação (BARTHES, 2006). Contudo, a imagem criada sempre apresenta certo grau de fracasso em relação a sua fonte. A psicanálise introduziu termos para objetivar estas forças intrapsíquicas. O ego pode ser entendido como a parte do id que se diferenciou ao entrar em contato com o mundo exterior (WINNCOTT, 1990). De certo modo, o superego também pode ser considerado uma diferenciação especial do id. Ambos os sistemas usam o ego como campo de batalha para vantagens próprias. O superego impede que os impulsos primitivos do id irrompam no ego (MELO, 1979). O mecanismo que se faz entender uma imagem subjetiva só pode ser afirmado primeiramente como objetivo (SARTRE, 2008). Não é a toa que a psicologia trata a realidade imaginada como algo clivado. Contudo, o Ego pode tentar evitar ou fugir das frustrações e conflitos negando, disfarçando e falsificando suas relações com o meio. Considerar os mecanismos de defesa com bons ou maus é uma questão de valor (ROUSSEAU, 2007). A repressão, por exemplo, se refere basicamente à incapacidade de atingir uma resposta porque ela é muito desagradável, não sendo possível nem sua lembrança. Ela pode ser considerada como o mecanismo mais básico e descritivo das defesas. As experiências reprimidas são respostas inibidas, não meramente perdidas. Estas inibições podem aparecer mais tarde na consciência de forma disfarçada. Estudos a respeito da repressão confirmam que associações agradáveis são mais facilmente lembradas do que associações desagradáveis (CAMPOS, 2008). Outro mecanismo de defesa que vale a pena ressaltar é a projeção, por demonstrar a variabilidade que as forças psíquicas atingem. Esta pode ser entendida também como a externalização dos conflitos internos ou de outras condições que 13 o tivessem dado origem a dor e ansiedade conscientes. O ego podia enfrentar mais eficientemente um perigo externo do que um perigo interno. Geralmente as defesas se desenvolvem contra ansiedades neuróticas ou morais (SNOWDON, 1999). Para comprovar estes mecanismos em animais Skinner desenvolveu uma situação onde dava pequenas quantidades de alimentos a pombos em intervalos regulares, independente de seus comportamentos. No final do período da experiência, 6 dos 8 pombos haviam projetado algum tipo de resposta supersticiosa bem definida. Um dos pombos dava voltas pela câmara no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio; Dois faziam movimentos de pendulo com a cabeça. Em seus experimentos ele ainda constatou que quando o alimentador foi desligado, mais de 10.000 respostas foram registradas, mesmo sem o reforço ter sido contingente a qualquer resposta dos pombos. Qualquer conhecimento pode ser tomado como uma superstição verdadeira bem justificada. Com efeito, as superstições são intuições que, se sem conceito, são cegas. Contudo, conceitos sem intuição tornam-se vazios (GHIRALDELLI, 2005; CAMPOS, 2008). A Racionalização é mais uma variante da projeção. Ela mantém o pensamento sobre uma lógica. Apresenta razões socialmente aceitas para justificar sua conduta. A razão detém idéias cujo papel é fazer com que as categorias do entendimento funcionem somente dentro de sua necessidade, inibem outras respostas (GHIRALDELLI, 2005). As defesas servem, na medida do possível, para evitar os objetos ameaçadores, porém, se usadas em excesso, tendem a perpetuar as dificuldades e impede a consecução de reforços mais satisfatórios (BAUMAN, 2005). Grande parte das defesas é conflitante entre si por se utilizarem de significantes em comum. Isto amplia a dimensão associativa interrelacionada entre as defesas, criando assim um roteiro mais ou menos lógico. São as pressões exteriores quem estimulam para que as discriminações ocorram. Existir é o impedimento inicial o qual todos os seres vivos possuem. Na concepção da linguagemsigno, ser significa ser um significante para outro significante. Tem-se somente a representação das coisas, não elas, nas mentes, então, atingir o objetivo é, primeiramente, adaptá-lo ao palco do ego. Os estudos sobre o psiquismo aplicados à semiótica, ao estruturalismo e à filosofia fenomenológica presumem que a imagem do real é uma reação de encantamento sobre a disposição segura de uma imagem verdadeira. SCOTTY (2010) ressalta que os seres supõem a imobilidade como mais clara do que a mobilidade. Pretende14 se passar das paradas ao movimento por via de composição, o que é impossível. Fisiologicamente, através da percepção visual, assim como de outros sentidos, existem reflexos que tentam estabilizar as unidades constituintes das imagens. Nas cristas dos canais semicirculares do ouvido interno existe um líquido, a endolinfa. Os movimentos da cabeça causam o deslocamento da endolinfa dentro dos canais semicirculares, que por sua vez, faz mover os cílios das células sensoriais das cristas. Resumidamente, estes impulsos seguem pelos prolongamentos periféricos dos neurônios do gânglio vestibular, atingindo os núcleos vestibulares. Saem fibras destes núcleos que ganham o fascículo longitudinal medial, indo diretamente aos núcleos do III, IV e VI pares de nervos cranianos, determinando em sentido contrário ao da cabeça o movimento do olho, estabilizando assim a imagem (MACHADO, 2007). Uma verdade segura e formalizada é impossível devido a instancia do real. Esta condição na formulação lacaniana é explicitada pelos símbolos intersubjetivos da potência, a interdição do gozo infinito. Trata-se da simbolização de um elemento que supera as expectativas pessoais de uma realidade (SOUZA, 2002). Os processos perceptuais e conceituais são altamente susceptíveis de distorções devido às centralizações, nunca se está imune a elas. Imutabilidade, permanência e concretude, algo semelhante à tentativa que alguém pode alegar a respeito do comportamento de todos os seres vivos por uma perspectiva genética e evolutiva (SOUZA, 2002). 2.5 Personalidade A palavra personalidade tem várias atribuições derivadas do latim, persona. A palavra personalidade, derivada também do latim, mas deu-lhe o nome per sonare, que, traduzindo para o português atual, soar através. Seu desenvolvimento no organismo ocorre cada vez que ele aprende uma nova resposta, a partir de eventos anteriores, contudo todo organismo tem um limite dentro do qual poderá responder. Este limite pode ser estabelecido pela hereditariedade e pela relação com o mundo (CASTELLS, 2001; CALVIN, 1998). A personalidade é caracterizada por traços de comportamento observada, então, 15 como padrões, mas isto é uma realidade apenas aparente e funcional, tendo em vista que estes traços estão na perspectiva do observador e não do observado (BAUMAN, 2005; HABERMAS, 2001). Bauman (2005) afirma ainda que a personalidade só é revelada como algo inventado, e não descoberto. Ainda com tudo isso, os geneticistas dizem que bastam dez gerações para se produzir dois tipos de personalidades de ratos diferentes (MASSOM; McCATRHY, 2001). A personalidade não pode ser encarada como um traço comportamental, mas um caminho (CASTELLS, 2001). O processo de individualização da personalidade só pode ser compreendido como socialização e esta por sua vez, como individualização. As forças internalizadas do ego manifestam essa repressão ao dotar os organismos com as estruturas da personalidade (HABERMAS, 2001). Os animais atuam em coletividade e, com isto, podem apresentar personalidades múltiplas, até conflituosas entre si, tanto na auto-representação quanto na ação social. Os processos de individualizações das personalidades se desenvolvem em um eterno vir-a-ser (MELO, 1979; CASTELLS, 2001). 2.5.1 Identificação Um fenômeno importante no desenvolvimento da personalidade é a identificação, A identificação é uma defesa, quando certos reforços são negados ao indivíduo ou subtraídos, tenta-se possuir as qualidades dos beneficiados. Pode-se entender por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo ambiental, ou ainda um grupo de atributos interrelacionados (CASTELLS, 2001). E, tendo a comunicação função de identidade (BORDENAVE, 2002), ela a seleciona e atualiza (BARTHES, 2006). Imitações ocorrem sempre que recompensadas. Os filhotes de bípedes galináceos imitam o ato de ciscar, desencadeado por uma reação mais ou menos reflexa. Golfinhos de nariz-de-garrafa identificam e imitam os assobios de chamamento de uns aos outros (MASSOM; McCARTHY, 2001). O mesmo ocorre em relação ao canto dos pássaros. Mas a imitação verdadeira, em que o animal observa o comportamento do outro e o objetivo, premeditando para si a mesma recompensa, é difícil. Em 1940 já haviam pesquisas comprovando que símios inferiores tiveram bons resultados sobre o desenvolvimento desta qualidade. Foi observado macacos no Japão copiando uma técnica feminina de tirar areia de 16 alimentos (CALVIN, 1998). Em um experimento condicionou-se um rato em um labirinto para adquirir alimento. Outro rato, sem treinamento, foi colocado junto ao primeiro no mesmo labirinto. O novo rato seria reforçado ao segui-lo. Cientificamente se diz que o rato modelo se tornou um estímulo discriminativo (SD) para o rato seguidor. Quando o animal pensa uma ação, seja sua ou de outro, ocorrem correntes de ação pelos músculos, mesmo que não haja contração aparente. Foi observado em corvos e tordos que quando um companheiro era retirado, eles emitiam sons ou elementos de canções que eram “principal ou exclusivamente” produzidos pelo parceiro removido (MASSOM; McCARTHY, 2001). A identificação não se limita às relações de imitação. O organismo, num sentido amplo, in initio, parte do lugar do outro. É essencial à imagem do que se é a passagem do ser como “falo onipotente”, ou seja, ser sua proporia significação, ao ter. Ter seu desejo formulado numa linguagem para Outro. Esta condição representa a realização do corte provocada pela lei. Este termo torna-se antropomórfico, já que em nem todos os animais seria adequado usar este significante. Contudo, em todas as espécies se tem a mesma dúvida sobre a presença de um ou alguns significantes chaves, que quando recalcado regulam o conjunto dos significados. No sentido freudiano identifica-se o comportamento como um eco, uma busca por resposta, é a tentativa de fazer compreender o que não se comunica (CASTELLS, 2001). A formação da imagem personalizada e organizada no animal só se dá quando ele permitir que a atitude do Outro determine seu comportamento como uma propriedade comum. chama este de estágio de alienação. Os valores que significam os objetos não ultrapassam certos limites, assegurando o lugar do Outro. O simbólico define o lugar da identidade do animal. Ele não se atrai ou sente repulsão por qualquer coisa que não seja consigo mesmo. A imagem mantém o ser no concreto. Como a comparação destacou semelhanças, como a semelhança é uma propriedade do objeto, como uma propriedade parece ser uma parte do objeto que o possui (DEL- CLARO, 2004). A conjunção entre o imaginário e o simbólico é o centro da relação que o inconsciente estabelece entre o sujeito e a realidade. É a identificação narcísica, alienação que principia todas as outras. destacou que de fato a ilusão é fundamental à ideação nos animais e por isso, também devem haver formas de seleção para identificar as ilusões, o que por sua vez, deve selecionar um dado grau de auto-ilusão, tornando inconscientes fatos 17 e motivações de modo a impedir que se traia a ilusão que está sendo criada (SNOWDON, 1999). 2.5.2 Cenestesia A psicologia chama de cenestesia, esta espécie de consciência de seu eu físico. Em condições normais a cenestesia é nula. Isto porque os estados sensoriais internos e externos não são conhecidos, senão quando sua fisiologia está alterada. São as relações com a realidade que se encarregam por romper a similitude e quebrar a identidade especular. Rompida a similitude o indivíduo percebe a existência de outro diferente dele. A partir desse momento ou aceita o Outro na alteridade, ingressando na imagem comunicativa, ou continua acreditando na existência de simetria, entrando em delírio. Estes conceitos são muito defendidos nos estudos psicológicos dos homens, mas Bohm (2005), assim como WRIGHT (1996), defendem a existência destes fenômenos nos animais e ele tem o aval dos estudos anatômico-funcionais dos neurofisiologistas. Estas atividades associativas são vivas por si através das mentes, e não o inverso. Desta forma, o sujeito individual é descentralizado e deixa de ser considerado uma fonte ou a finalidade do significado. A consciência do eu exterior é o que determina o que é sujeito e o que é objeto no mundo real imaginado (GHIRALDELLI, 2005). Um animal não consegue ver a experiência de outro, suas motivações. Ele vê sua evidência. Vê o outro conforme o experiencia. O ser aprende a se ver com os olhos do outro. A consciência de si deriva de um entrelaçamento das suas perspectivas. Gnus e gazelas se aproximam das hienas e outros predadores e observam suas matanças. Elas são atraídas, arriscando a vida, mesmo quando a vítima é de outra espécie. Alega-se que é uma vantagem seletiva, previne ataques e obtém informações sobre os predadores (MASSOM; McCARTHY, 2001). 2.6 A Representação do Instinto Algumas pessoas ao confundirem os limites entre as emoções e as imagens terminam por atribuir esta característica apenas aos animais pensantes. A inteligência, na verdade, é uma reação utilizada quando o animal não sabe o que fazer (CALVIN, 1998). 18 Muitas criações imaginativas acontecem o tempo inteiro nas mentes de todos os animais, contudo, nem sempre seus significados apresentam uniformidade e funcionalidade com a nossa realidade. Considera-se em graus um pensamento criativo de acordo com as baixas probabilidades de ocorrerem inicialmente, serem imprevisíveis. Criatividade é conceito e este está subordinado ao social (BARROS; GALVÂO; MCILVANE, 2002). BARTHES (2006) descreve objetivamente esta busca no comportamento de um rato. Ele diz que um rato posto em um determinado ponto de um labirinto onde há dois estímulos discriminativos, ficará parado durante um tempo, virando sua cabeça de um lado para outro. A inteligência e o instinto podem ser observados sob a óptica de níveis de conduta. Portanto, a oposição entre o que é chamado de conduta inteligente e instintiva não é tão grande como defendem alguns. Se trata de condutas comportando a presença, em graus diversos e proporções bem diferentes, de elementos fundamentalmente semelhantes (MACHADO, 2007). O instinto parece ser o que há de mais inato na conduta, sendo desencadeada sob a influência do meio ou da experiência adquirida, lembrando que inato não quer dizer imutável, na verdade, o instinto apresenta um caráter de adaptabilidade ao meio. A conduta instintiva apresenta, em geral, um grau de complexidade bastante elevado. É, primeiramente, uma ação global que diz respeito à totalidade do organismo desencadeando numerosos mecanismos de reação. A ação instintiva comporta uma série de atos mais simples subordinados uns aos outros podendo ser encadeados durante um período curto ou longo (SNOWDON, 1999). Quanto mais complexo e intencional for um comportamento, mais afastado poderá estar de um comportamento inteligente, simplesmente porque a seleção natural permitiu a evolução de uma maneira segura de realizá-lo, deixando pouca coisa ao acaso (CALVIN, 1998). Em outras palavras, as motivações conscientes são motivadas por forças profundas as quais nunca se consegue traduzir objetivamente e nem sequer identificá-las (WRIGHT, 1996). No limite inferior das condutas instintivas se encontram os arco-reflexos, que, com efeito, podem ser desconsiderados como condutas verdadeiras, pois não apresentam reações no organismo como totalidade, apenas elementos de condutas, ou seja, respostas de órgãos isolados, ligados a certos estímulos específicos em virtude da estrutura anátomo-fisiológica. 19 Por exemplo, o movimento de retração de um membro sob ação de um estímulo aversivo, fechar as pálpebras, secreção de saliva. Até ao ato reflexo mais elementar há um grau de atividade psíquica correspondente. Da mesma forma que não se pode negar a compleição de algum elemento motor até no pensamento mais abstrato (BARTHES, 2006). Alguns autores afirmam que o repertório das imagens-signos dos animais é programado pela genética e se mantém igual através dos tempos (BORDENAVE, 2002). O autor dá o exemplo das abelhas que a milhares de anos permanece executando a mesma movimentação. Na verdade, o mundo não é o mesmo para as abelhas e elas tiveram que se adaptar. Óbvio que sua estrutura cerebral primitiva a impede de criar, a nós, grandes associações. Sua constituição nervosa continua se moldando ao meio, deixando impresso isso em seu corpo. Para que a abelha alcance seu objetivo é preciso constantes recombinações dos moldes sensoriais, corrige a trajetória (CALVIN, 1998). Quando uma abelha volta à colmeia, executa uma espécie de dança na forma de oito. Ela transmite informações sobre a direção, através da angulação, e sobre a distância de alguma fonte de alimento, representado pela duração da dança. Os animais absorvem muito do meio exterior a ponto de se perder dele. As coisas ficam mais cinzas à medida que se cresce. Os dados perceptivos, compreensivos e representativos, que habitam a consciência, uma vez apreendidos e fixados, articulam-se imediatamente uns com os outros. Diferenciam-se em novos grupos dinâmicos autônomos, a partir da organização de diferentes sistemas e, por sua vez, dão origem a outros tantos agrupamentos Ao que parece, viver é para o espírito inserir-se nas coisas por intermédio de um mecanismo (SARTRE, 2008). Ser para a linguagem significa ser um significante para outro significante. A significação participa da substância de um conteúdo e do valor de sua forma (BARTHES, 2006). Bohm (2005) sugere as imagens semelhantes à visão epidemiológica de um vírus. Elas se movem de maneira autônoma, passando de mente em mente, nas mais diversas relações sociais e entre todas as espécies. Para se compreender as relações simbólicas dos animais é preciso que várias vertentes semióticas do indivíduo humano se organizem em sistemas lingüísticos mais amplos (BORDENAVE, 2002). Os outros animais não se distinguem do homem pela linguagem (BARTHES, 2006; MELO, 1979). Todos os seres vivos produzem signos ao 20 mesmo tempo em que os seres são criados pela semiose (ação do signo) (SOUZA, 2002; SANTAELLA; NORTH, 1997). 2.6.1 Imagem Em geral, denomina-se imagem qualquer sistema de processos internos que apresentam aquilo que o sujeito sabe ou acredita saber a respeito de uma parte da realidade externa, seja percebida, lembrada ou inferida. O primado do significante, seja ele da própria imagem, não significa o primado de nenhuma origem, apenas sua inscrição reiterada de uma identidade. Carece de origem porque ele ocupa o lugar do Outro, ou seja, o lugar da falta. É importante ressaltar que quando se fala em imagem, não há qualquer diferenciação substancial entre a percepção de uma vela acesa e a imagem do sol, elas não são diferenciadas em termos quantitativos ou qualitativos (SARTRE, 2008). A imagem é um misto de dom e de armadilha, de verdade e ilusão. Também chamadas de sublimações, são consideradas vicissitudes do instinto. Na visão semiótica de Santaella & North (1997) o mundo das imagens é dividido em dois domínios. O domínio das imagens como representações sensitivas é o primeiro. São os objetos materiais, signos representantes do meio. Para Souza (2002), as sublimações podem ser estendidas a todos os meios de comunicação e instrumentos de uso funcionais da mesma forma que são as propriedades motoras. O segundo é o domínio imaterial das imagens mentais, ou das imagens mnêmicas (MELO, 1979; SANTAELLA, 1997). Nesta última, a imagem pode se tornar mais imprecisa e faltar claridade. Converte-se a corporeidade em incorporeidade, extrojeção em introjeção e transforma a ininfluenciabilidade voluntária em influenciabilidade voluntária. As criações das atividades imaginativas livres muitas vezes não são aceitas pelos juízos de realidade. As imagens dos sonhos são constituídas por elementos das imagens mnênicas, contudo, momentaneamente são aceitas por esses juízos. A imagem onírica, como são conhecidas as atividades imaginativas dos sonhos, apresenta características tais como, plasticidade, mobilidade, relativo ilogismo, introjeção e intemporalidade (MELO, 1979; BAUMAN, 2005). Os elementos sensoriais formam imagens fantásticas em relação a outros processos discriminatórios da realidade e apenas por isso são julgadas fantásticas, oníricas à descrição 21 dos sonhos, eidéticas à expressão das memórias como processo discriminatório ou pareidólicas como são mais estritamente chamadas (MELO, 1979). Santaella e Nörth (1997) concluem que não há imagem como representações visuais que não tenham surgido das imagens na mente daqueles que a produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais. Qualquer entendimento ou ideia apresenta um conhecimento por imagens. As ideias geradas a partir das associações forjam ideias conflituosas com a imagem da realidade. Contudo ela parece apenas um mecanismo, um papel acidental e subordinado, o papel de um simples auxiliar do pensamento, de um signo. O animal não te autonomia de seus atos. Seu comportamento é resultado do universo percebido, assim como a imagem induz a criação do comportamento das coisas (BAUMAN, 2005). 22 4. CONCLUSÃO O comportamento animal, reflexo da imagem, por sua natureza subjetiva, pode ser explicado, mas tão somente bem entendido quanto à sua individualidade biológica e filosófica. Entender a variedade de aspectos que os tornam semelhantes e diferentes ao mesmo tempo é de suma importância para uma melhor compreensão do processo de construção da imaginação. Um dos condicionantes do comportamento imaginativo dos animais é a forma como a percepção sobre o mundo que o cerca é construída. Entendida em termos quantitativos em relação à intensidade, claridade, número de estímulos e alterações fisiopatológicas e em termos qualitativos em relação ao modo como os animais se percebem, bem como à realidade exterior, a percepção animal sempre será elaborada de acordo com as experiências vivenciadas pelos animais. Em relação à formação da imagem, é possível afirmar que não existe uma padronização de como ela é construída, pois a imagem individual é um fato sócioideológico. Além dos aspectos fisiológicos intrínsecos a cada espécie, sua construção estaria também vinculada à relação social estabelecida entre o indivíduo e seu grupo social, tornando-a um misto de verdade e de ilusão. Por fim, a linguagem científica de alguns grupos isolados, adotando um padrão biológico de análise, humaniza a imagem animal utilizando os significantes permitidos por este sistema. Isto pode ser identificado quando se evidencia o crescimento de empreendimentos com ações voltadas à padronização do comportamento animal, a exemplo dos estudos do condicionamento, que é resultado do estigma da dominação tão presente em nossa sociedade. 23 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGACCEGA, M. A. Comunicação e Linguagem: discursos e ciência. São Paulo: Moderna, 1998. BARROS, R. S.; GALVÃO, O. F.; MCILVANE, W. J. Generalized identity matchingto-sample in Cebus apella. The Psychological. Record, 52, 441-460. 2002. BARROS, R. S., GALVÃO, O. F., & MCILVANE, W. J. 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