fenomenologia da imagem nos animais

Propaganda
1 INTRODUÇÃO
A reflexão acerca da fenomenologia da imagem nos animais vem contribuir para o
debate acadêmico sobre idealização da imagem mental enfocando mais especificamente a
discussão sobre as bases teóricas que alguns empreendimentos científicos utilizam para
designar seus significantes. Busca complementar as informações sobre o tema tanto para os
acadêmicos de medicina veterinária, como para aqueles que tentam decifrar a origem da
vida anímica.
As pesquisas relacionadas aos fatores condicionantes da percepção e da imagem
também podem auxiliar no estabelecimento de diagnóstico de enfermidades acometidas
pelos animais, contribuindo assim, para o avanço da semiologia veterinária. Entender as
diferenças de adaptabilidade entre espécies que vivem em uma variedade de habitats e
aquelas que se restringem a habitats limitados pode levar à compreensão de como se pode
melhorar a adaptabilidade humana frente às variações do nosso ambiente.
O estudo da fenomenologia da imagem não é um importante campo científico
apenas por si próprio, mas também por ter feito importantes contribuições para outras
disciplinas com aplicações para o estudo do comportamento humano, para as neurociências,
para o manejo do meio ambiente e de recursos naturais, para o estudo do bem-estar animal
e, principalmente, para a educação de futuras gerações de cientistas.
Muitos problemas da sociedade humana estão frequentemente relacionados a
interações entre ambiente e comportamento ou entre a visão genética e o comportamento.
As áreas da Socioecologia e do Comportamento Animal lidam com a questão das
interações comportamentais e do ambiente, tanto do ponto de vista imediato, quanto do
evolutivo. Um número crescente de cientistas sociais tem recorrido ao Comportamento
Animal como uma base teórica para interpretar a sociedade humana e para entender
possíveis causas de problemas das sociedades. A aplicação dos conceitos fenomenológicos,
principalmente pela bioética, fortifica o surgimento de um novo paradigma remodelador
dos significados comportamentais. Estes paradigmas ecológicos resultam de uma suposta
assepsia metodológica. Propõe-se que os estudos sobre o fenômeno imagem não devem, de
modo algum, adotar modelos naturalistas a fim de adquirir credibilidade científica. Esse
tipo de objetividade que a tradição científica preconiza aqui não pode se realizar. Por isso a
importância em estimular e produzir estudos que forneçam elementos capazes de construir
1
as bases desse entendimento inovador.
Tais questões acima levantadas motivaram a realização deste estudo, que busca ser
mais uma fonte de pesquisa sobre os condicionantes da imagem com intuito de contribuir
com a reflexão dos padrões de análise sobre esta temática até então predominantes entre
alguns grupos de estudiosos. Para tanto, objetivou-se realizar uma análise sobre os
condicionantes do comportamento imaginativo dos animais e, especificamente, visou-se:
analisar algumas interpretações dentre várias conhecidas sobre comportamento animal
considerando os fatores que propiciam seu desenvolvimento emocional; compreender as
interpretações sobre o mecanismo pelo qual o animal constrói sua percepção sobre o mundo
que o cerca e; explicar a significação da imagem enquanto resulto da experiência do
animal. Para tal análise foi necessário buscar explicações nas mais variadas ciências,
comparando-se os vários eixos teóricos.
2
2 REVISÃO DE LITERATURA
“A fenomenologia começa quando ´colocamos fora do jogo a posição geral de existência que
pertence à essência da atitude natural.´”
(HUSSERL, 2008).
Os estudos sobre a idealização da imagem dos animais a definem como uma
linguagem que apenas é manifestada através do comportamento. Este deve, por sua vez, e
para melhor entendimento da subjetividade psíquica, ser encarado como algo além do
comportamento orgânico. Mesmo que não reflita numa ação geral, o comportamento
esboça várias ações virtuais, como as modificações iônicas nos potenciais elétricos das
membranas celulares do pensamento, orientados a uma ação (BARTHES, 2006).
Várias ciências se ocupam da tradução e investigação de determinantes elementares
estáveis para a imagem (DEL-CLARO, 2004). Dentre elas está a fenomenologia, ciência
que estuda a essência dos fenômenos, que não considera as coisas, mas a maneira como
elas se dão (HENRY, 2008), e a semiótica, que define o processo comunicativo evocado
pelo comportamento em pelo menos seis elementos: Um emitente, um receptor, uma
mensagem passada entre eles, um código comum que torna a mensagem inteligível, um
contato ou meio físico de comunicação, e um contexto. Quando este conceito atinge o
universo animal obriga-se a aceitação de que ainda não se tem tanta clareza quanto à
dimensão de aplicação de pelo menos um desses elementos, o código comum entre o
receptor e o emissor, o que leva a uma nova perspectiva comunicativa, tendo em vista a
amplitude que os processos comunicativos atingem. Esta variável comunicativa propõe o
comportamento visto do prisma do emissor como emotiva, e vista do prisma do receptor
como conotativa. Estas definições são repetidas com outras terminologias por muitas outras
áreas de pesquisa diferentes (WRIGHT, 1996; SANTAELLA, 1997; BOHM, 2005).
As várias vertentes da semiologia se organizam na esteira do pensamento
linguístico. Todos os signos naturais (como é tratado o conjunto de elementos simbólicos
do real) são vistos como sintomas pela semiologia (BORDENAVE, 2002). Ela fornece
conceitos analíticos onde as mensagens são consideradas uma estrutura de significação. Na
perspectiva semiológica, o conceito de linguagem abrange todos os sistemas utilizados na
estruturação e transmissão de um conjunto de significações, podendo-se atribuir os mesmos
valores aos estudos semióticos e estruturalistas. Estas ciências indicam um campo particular
que envolvem os poemas, o canto dos pássaros, os sinais de trânsito, os sintomas
3
medicinais e assim por diante (BARTHES, 2006).
Assim, de acordo com CAMPOS (2008), o estudo do comportamento animal não é
apenas relevante para resolver as questões de interesse dos pesquisadores da área, mas
também pelas importantes contribuições a outras áreas do conhecimento como a
neurobiologia, o estudo do comportamento humano, a conservação do meio ambiente, o
manejo dos recursos naturais e o bem-estar animal, entre outras.
2.1 Da Subjetividade da Imagem
A concepção da reflexologia já defendeu a vida psíquica dos animais fundamentada
empírico-objetivamente na atividade dos centros encefálicos como resultados de
associações infinitas de reflexos congênitos e adquiridos (MELO, 1979). Segundo
Snowdon (1999), o estudo do comportamento animal era uma ponte entre os aspectos
moleculares e fisiológicos da biologia e da ecologia. Reduzir o comportamento assim, à
dimensão fisiológica como resposta do organismo aos estímulos em vista de uma adaptação
ao meio risca a presença do sujeito sem muita pena.
A imagem nos animais observada somente através do reconhecimento cientificista
equivale, no mínimo, a tomar uma parte pelo todo. Engano que conduzirá fatalmente a uma
visão parcial e unilateral da realidade (MELO, 1979). As ideologias racionalistas são
apenas transitivas, e, pela perspectiva de antigos nomes como Rousseau (2007) e de Kant
(2008) tem profundas implicações sociais, políticas e filosóficas. Ela guarda as relações
mais estreitas com questões de poder social.
O comportamento animal pode ser explicado, mas tão somente bem entendido
quanto a sua individualidade biológica e filosófica (HEIDEGGER, 2007). Em todas as
funções corporais existe uma elaboração imaginativa (WINNICOTT, 1990). A vida
psíquica, contrariamente, pode apenas ser compreendida (MELO, 1979). Tanto a psicologia
quanto a fenomenologia não têm o poder de entrar na experiência dos animais. Apenas o
pesquisador experiência as evidências de suas experiências (HUSSERL, 2008).
Muitos estudos sobre o comportamento mental dos animais esbarram no medo de
recorrer ao antropomorfismo, isto gera mais tabus nas pesquisas, inclusive regras ditando o
uso linguístico. Para esta forma de fazer ciência, um animal não é assustado por um leão;
ele demonstra comportamento de fuga (MASSOM; McCARTHY, 2001). O que, por muitas
4
vezes, pode até ser o termo mais adequado a ser usado. Acontece, porém, que os termos do
tipo estímulo-resposta podem se tornar difíceis de descreverem grande número desses
comportamentos ideacionais. London (2003), sociólogo identificou forças animalescas
inconscientes no cerne do comportamento do homem, assim como reconheceu a base do
comportamento humano nos outros animais, as traduziu em uma literatura menos
cientificista e é reconhecido até hoje.
Muitas são as ciências que estudam a imagem, isto proporciona grande variação das
áreas de atuação. Entre elas estão empresas de valores de saúde, bem-estar e higiene
mental, organizações clínicas, promoção de vendas, publicidade, organizações e estratégias
políticas e projeções ideológicas nacionalistas ou de empresas particulares, daí segue-se
todo o direcionamento comercial, de todos os setores econômicos. Seu estudo requer a
relação de muitas das ciências de base para serem aplicadas a um objetivo único, mas
completamente variável (SCOTTY, 2010).
2.2 Percepção e Imagem
A imagem e sua estruturação representam epifenômenos de um único processo
desde sua origem. Várias correntes de pensamento as qualificaram sob perspectivas
diferentes. O monismo materialista defende que a representação física da realidade é a
própria realidade por ser a única forma de percebê-la. O monismo espiritualista,
contrariamente, define a imagem como algo que representa. Esta concepção a defende
como uma criação artificial dos sentidos. Contudo, vários grupos de estudos de
fenomenologia existencial põem a questão como sistemas de notações (MELO, 1979).
Alguns grupos de estudiosos a coloca sob a função comunicativa. Não a diferenciam
quanto sua natureza real ou representativa. Estruturalistas, por exemplo, acreditam que a
imagem, independente de sua natureza, é um significante para outro significante. A grande
questão para eles é diferenciar o significante do significado e, por conseguinte, da coisa real
significada (FARR, 2004).
Anatomistas já atribuiram à glândula pineal o local de contato entre o sensível e o
supra-sensível (GHIRALDELLI, 2005; MACHADO, 2007). Há também quem afirme
existir operações de pensamentos sem a presença de imagem (MELO, 1979). O estudo dos
fenômenos da consciência não consegue responder até que ponto pode aceitar estas
5
afirmações. Watson (apud MELO, 1979) já dizia que seu estudo era cientificamente
impraticável. A fenomenologia surge em resposta a esta obsessão míope pela categorização
de fatos, e, que, à luz do estruturalismo, não passam de autodefinições (HUSSERL, 2008).
A análise da vida psíquica desfigura a sua realidade. Por isso objetivou-se o estudo do
comportamento anímico enquanto tidos como formas de reações, enquadrados em grupos
de processos (SCOTTY, 2010). A percepção pode ser entendida, então, em termos
quantitativos em relação à intensidade, claridade, número de estímulos e alterações
fisiopatológicas (MELO 1979).
Os conflitos entre idealismo e materialismo e subjetivismo e objetivismo estão
sendo interpretados pela ciência hoje como fenômenos imbricados e interpenetrados em
todos os planos e a cada instante de sua integração evolutiva de forma que não se tem como
delimitar onde começa um e acaba o outro. A psique não está em um órgão determinado
(MELO, 1979). A psicologia cognitiva propõe a imagem mental como a representação de
uma experiência perceptiva (SANTAELLA, 1997). Por se tratar de uma representação,
entende-se que nunca haverá como identificar o ponto de fusão que transforma a percepção
em imagem (SARTRE, 2008).
2.2.1 Percepção
A percepção pode ser defendida como o processo através do qual um animal recebe
e analisa informações sensoriais em adaptação ao meio ambiente (BORDENAVE, 2002;
DEL-CLARO, 2004; MACHADO, 2007). Para que a percepção ocorra é necessário que o
estímulo seja dotado de carga afetiva potencial, sem a qual a imagem não se forma no
campo da consciência. A imagem sensoperceptiva acusa-se por aspectos característicos
como a nitidez, promovendo claridade e definição da imagem, corporeidade e estabilidade,
a imagem é estabilizada (MELO, 1979). O neurofisiologista Calvin (1998) afirma que sob o
ponto de vista objetivo, este mundo percebido será atingido por uma análise conjugada do
universo físico, por um lado, e pelo comportamento do outro. A consciência na verdade,
nem é considerada como único centro do sentido. Há um sentido em curso bem anterior à
própria imagem, ou melhor, à consciência da imagem. O cérebro funciona, neste sentido,
em silêncio, não exige reconhecimento (WINNCOTT, 1990).
Pode-se dizer que há duas classes de processos informativos: os processos
6
intrasubjetivos de memória e pensamento e os processos intersubjetivos (SANTAELLA,
1997; FARR, 2004).
Resumidamente, em todos os seres vivos estão presentes receptores que identificam
informações endógenas e exógenas (DEL-CLARO, 2004; NISHIDA, 2007). Defende-se
que para percepção acontecer, as áreas cerebrais e o aparelho sensorial, incumbidos de
receber e elaborar as sensações precisam estar íntegros anátomo-fisiologicamente (MELO,
1979; SCOTTY, 2010). Melo (1979) chamou de impressão a especial modificação que um
estímulo determina em um órgão atingido. Esta impressão é projetada nas estruturas
encefálicas, elaborado sob a forma de sensação, vindo a ser identificado e reconhecido
(MACHADO, 2007).
O comportamento do organismo varia em função das propriedades físicas dos
objetos que compõem o ambiente, como a frequência sonora. Mas, se consideradas
isoladamente, as propriedades físicas não parecem determinar obrigatoriamente um
comportamento (DEL-CLARO, 2004). A imagem é oferecida ao senso íntimo
primeiramente como sensação. Contudo, ela não pode ser classificada como um
conglomerado de átomos, de sensações ou sentimentos. Ela é desde sempre uma unidade
dominadora (MELO, 1979; SARTRE, 2008).
A forma como evoluiu os neurônios é um indício de sua responsabilidade em
relacionar o interior ao meio exterior. Eles se desenvolveram primeiramente no interior em
direção a superfície externa dos organismos (MACHADO, 2007). Existem receptores
neuronais para diversos fatores: luz (cones e bastonetes- fotorreceptores visuais), calor, frio,
radiação, pressão superficial, pressão profunda, dor, tato da pele ou dos pêlos, deformação,
compressão e estiramento de tecidos, quimioceptores olfativos, gustativos ou medidores de
acidez gástrica, de ondas sonoras (mecanoceptores auditivos) e tantos outros (SCOTTY,
2010). Nenhuma realidade é percebida da mesma maneira (GOMES, 2000). A dinâmica
imaginativa passa por um processo de confrontação com a conformação da dinâmica
interna (BORDENAVE, 2002). O resultado dessa interpretação é seu significado pessoal.
Outro fator é que nem todos os tecidos, bem como nem todos os animais permitem que
estejam presentes todos esses tradutores. As serpentes, por exemplo, possuem o órgão de
Jacobson, no fundo da garganta. Ele capta odores carreados pela língua. Já as moscas,
“cheiram” fazendo uso das antenas que possuem pequenos orifícios com pêlos sensoriais.
7
Estão entre as espécies que possuem conexões entre fibras nervosas desde
organismos multicelulares primitivos, até o sistema nervoso humano (NISHIDA, 2007).
MACHADO (2007) considera que o SNC possui três níveis de função. À medida
que, evolutivamente, os organismos animais foram atingindo a etapa multissegmentada, as
fibras nervosas e os corpos celulares neuronais agregaram-se, formando o eixo neural, que
é considerado o primeiro nível da função do sistema nervoso central.
No segundo nível de integração do sistema nervoso, desenvolveram-se grandes
agregados neuronais, transmitindo sinais controladores pelo eixo neural, se difundindo por
todo o corpo. Ao desenvolver este sistema de orientação mais preciso do espaço, se
originou o mecanismo de equilíbrio. Estas regiões ficaram muito desenvolvidas em animais
mais complexos, como peixes, répteis e nas aves, podendo ser comparáveis às bases do
encéfalo humano.
No terceiro e último nível de organização desenvolveram-se as periferias das
porções basais do encéfalo. Os mamíferos foram os animais que mais desenvolveram o
córtex cerebral, considerada a principal área de associações. Isto significa que nestes
animais existe uma capacidade maior de armazenar grandes quantidades de informações
sob a forma de memórias. Muitas das várias funções, como se pode ver, foram herdadas
desde os animais filogeneticamente mais primitivos.
Winncott (1990) argumenta que em termos evolutivos a percepção da natureza está
para a forma mais antiga do funcionamento do corpo.
A base primitiva do córtex cerebral, o arquicórtex, é uma qualidade presente desde
os peixes e ciclóstomos. Ele pode ser representado pelo hipocampo em muitos vertebrados
(MACHADO, 2007; CALVIN, 1998). Nos anfíbios o córtex se desenvolveu,
diferenciando-o em paleocórtex. Ele é representado pelas áreas do giro para-hipocampal.
Somente a partir dos répteis surgiu o neocórtex, se tornando predominante nos mamíferos.
O neocórtex é o revestimento de todo o resto dos hemisférios cerebrais (MACHADO,
2007).
O tecido nervoso contém dois tipos básicos de células. Os neurônios, condutores
dos sinais pelo sistema nervoso, e as células de suporte ou de isolamento, que evitam a
dispersão dos sinais dando o caráter fixo, temporal e espacial. Sartre (2008) afirma que o
que faz o animal ver e ouvir são as lembranças. As cores emanam mais precisamente de
8
uma fonte não iluminada de pré-luz. Os sons do silêncio, as formas da ausência de formas.
A informação que a realidade oferece já penetra o inconsciente, distorcida pela expectativa
das células nervosas (CALVIN, 1998).
A neurociência explica, com bastantes detalhes, as alterações nos potenciais
elétricos das membranas ao longo dos axônios. Ela afirma, entre outras sublimações, que
quando um impulso nervoso atinge uma membrana do elemento pré-sináptico, dá origem a
uma pequena alteração capaz de abrir canais de cálcio, determinando a entrada deste íon. O
aumento de íons de cálcio no interior do elemento pré-sináptico provoca uma série de
fenômenos. Entre eles, a liberação de neurotransmissores nas fendas sinápticas e suas
difusões, atingindo seus receptores nas membranas pós-sinápticas (MACHADO, 2007).
Porém, se tratando da busca por explicar materialmente a imagem, Sartre (2008), afirma
que a ciência parecia estar andando em círculos.
2.2.2 Privação
O desejo só existe no universo da privação. As privações são variáveis
independentes do comportamento e, em geral, elas aumentam a probabilidade de um grupo
de respostas. A distensão da parede vesical estimula o reflexo de micção. Se privado da
ação de esvaziar a bexiga, a quantidade de estímulos aumenta de modo a coordenar mais e
mais fibras motoras eferentes. Em outras palavras, a privação domina o comportamento
fisiológico em sua manifestação mais abstrata ou racionalizada, ou seja, as condições de
privação alteram as probabilidades de toda uma classe de respostas (MACHADO, 2007).
Muitos animais crescem em convívio com seus irmãos e pais, estes, junto com
outros fatores ambientais participam da modelagem do comportamento. Não é mais
novidade para os cientistas a comprovação da influência da família na significação do real
imaginado nos animais (BAGACCEGA, 1998). As mães ursas, as cabras montanhesas e os
falcões, todos ensinam e protegem seus filhotes. Foi observado filhotes de falcões
peregrinos sendo punidos sempre que tentavam se aproximar de humanos (MASSOM;
McCARTHY, 2001). Contudo, nem sempre se define as características sociais adquiridas
por alguns animais como condutas de colaboração. As abelhas apresentam aparentemente o
que se conhece por pseudo-linguagem. Ao entrar na colmeia depois de descobrir uma
provisão, a obreira desprende um odor particular e executa uma espécie de dança. Estes
9
sinais precisos indicam a distância aproximada e sua direção. Desta forma, a vida familiar
deve ser compreendida como um heterônimo subjetivo. Bakhtin (apud BAGACCEGA,
1998) considera a imagem individual um fato sócio-ideológico.
2.3 Semiótica e Processos Discriminatórios
A imagem com seu lado perceptível e seu lado mental unificados confluem em algo
que é chamado de signo. Quando um signo significa a mesma coisa que outro signo
substituindo-o, pode-se ser definido como um símbolo. Os símbolos dizem respeito aos
signos representativos (SANTAELLA, 1997). E é inconscientemente que na linguagem se
pressupõe o signo como a ausência do objeto que significa. Como definem os estudos
semiológicos: Toda imagem é, de certa maneira, metafórica. A imagem é caminho para o
símbolo. Os signos icônicos, ou seja, padrões de estímulos usados pelos animais, surgem
através da generalização da força do impulso e direção da energia. Isto acontece quando o
signo de alguma forma se assemelha ao que representa. De forma bastante semelhante são
os signos indéxicos, os quais estão associados àquilo o qual são indicados ou, de forma
mais arbitrária, o simbólico propriamente dito, quando o signo se liga ao seu referente
apenas conceitualmente. Contudo, estas definições são meramente funcionais, transitivas e
difíceis de chegar a um ponto limitante, mas pelo menos servem para definir o que é
denotativo e o que é conotativo (BORDENAVE, 2002).
O comportamento é um sistema de signos que se comunicam. Algumas imagens,
não as mais radicais, devem seu significado ao condicionamento. Entre os processos
simbólicos implícitos, os que podemos esperar como sendo os mais capazes de evocar
respostas através da generalização primária de estímulo, serão aquelas cujos correlatos
neurais mantêm uma semelhança estreita com os eventos neurais ocasionados pelos
processos sensoriais (HOLLAND; SKINNER, 1975).
As ciências cognitivas chamam de eidetismo a particular capacidade de se visualizar
figuras apresentadas, mesmo retiradas suas presenças (MELO, 1979). Estas generalizações,
para a semiologia, só adquirem valor de significação em virtude de suas marcas próprias
(BAGACCEGA, 1998). Estudos de lógica cognitiva estabeleceram por generalização a
ocorrência de uma resposta, Rx, na presença de outras situações diferentes do estímulo
condicionado, Sx, ou seja, é uma questão ontológica, de conotação. A percepção
10
empobrece sem a presença de demarcadores (BARROS, GALVÃO; ROCHA, 2005).
Discriminação é o processo para se estabelecer uma forma de controle de estímulos.
Ela é, em si, a ocasião em que um estímulo está sendo reforçado. Os estímulos
discriminativos vêm antes da resposta, enquanto que um estímulo reforçador vem depois. O
animal diferencia qual resposta deve ser eliciada, mas há um reforço para o comportamento
ser realizado. Pode-se pensar em generalização de três tipos. Generalização de estímulo,
onde um estímulo passa a se conectar com uma gama de outros estímulos. Aqui vários
estímulos diferentes são interpretados como iguais por representarem mesmo radical
denotativo; generalização de respostas, quando um estímulo desencadeia uma resposta que
se associa a outra resposta. Na generalização de respostas, respostas diferentes atingem o
mesmo resultado; e Generalização de estímulo-resposta, quando um estímulo-resposta, S1RA, resultam em S2-RB sem alterar o valor de significação relativo (BARROS,
GALVÃO; MCILVANE, 2002, 2003; BARROS, GALVÃO; ROCHA, 2005).
A aquisição de repertórios discriminativos relacionais generalizados pode
representar uma vantagem evolutiva no processo de seleção natural das espécies. Estes
repertórios podem ser caracterizados em termos da ocorrência de comportamento novo,
independente de um treino direto de relações de controle de estímulos. Por muito tempo, foi
considerado que apenas os seres humanos podiam adquirir esses repertórios. Porém, vários
estudos realizados a partir dos anos oitenta do século passado (RUMBAUGH, 1984;
D’AMATO; COLOMBO, 1985; COLOMBO; GRAZIANO, 1994; HASHIYA; LEWIN;
SAVAGE- RUMBAUGH, 1994; KOJIMA, 2001) sugeriram que animais não-humanos
podem aprender repertórios discriminativos relacionais generalizados.
A estrutura sensorial da imagem é concebida segundo a forma de fragmentação e
recomposição. Muitas das informações são perdidas ou inibidas neste processo. Os estudos
sobre a estrutura e direção do pensamento diferenciam a resposta real, manifestada no
animal, da resposta ótima. Nem todas as coisas pensadas são comunicadas, assim, o
comportamento não comunica apenas da resposta ótima. A adaptação biológica pode ser
vista como uma questão de aproximar a resposta real da resposta ótima ou fazer com que o
organismo responda o mais adequadamente possível. A resposta ótima depende dos
estímulos exteriores passados e presentes e das condições internas do organismo. Somente
uma pequena parte das informações estímulos participa da resposta ótima. Muitas destas
11
não são motivacionais (SARTRE, 2008)
Muitas vezes as informações dos estímulos externos presentes são supérfluas,
criando-se mais uma limitação importante do canal que vai do estímulo exterior a resposta
real. Os potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios são somados ou integrados
(MACHADO, 2007). Para se ter uma idéia, os caminhos aferentes, estudados pela
neurofisiologia, são cinco vezes mais numerosos do que as fibras eferentes. A entrada de
mensagens sensoriais tem que competir para controlar o caminho final comum. A variedade
de combinações de estímulos as quais os órgãos sensoriais podem ser expostos ultrapassa
claramente a variedade de respostas que o equipamento motor é capaz de emitir (CALVIN,
1998).
As informações que não estão relacionadas com a resposta ótima constituem a
maior parte do conteúdo de informações da situação de estímulo exterior. Rejeitar
informações é vital para a adaptação biológica. Verifica-se, na neurofisiologia, que as
sinapses nervosas são capazes de transmitir alguns sinais e de refugar outros. Da mesma
forma que existem mecanismos para se obter informação, há também mecanismos para
rejeitá-las. A atenção, um desses mecanismos, obstrui a transmissão de impulsos nervosos
em vários níveis entre os órgãos sensoriais e as vias motoras. A atenção se caracteriza
principalmente pela seletividade. Este processo mantém alguns “imputs sensoriais” assim
como reduz a atividade competitiva de outros estímulos (DEL-CLARO, 2004).
Existem também fibras que transmitem no sentido descendente influencias
inibitórias do córtex cerebral às primeiras junções nervosas encontradas pelas passagens
sensoriais depois de deixar as células receptoras. Como exemplo pode-se lembrar às
junções dos núcleos cocleares localizadas atrás da retina. Um gato bloqueia a resposta do
núcleo coclear na presença de um estimulo sonoro em virtude da atenção a estímulos
visuais e olfatórios mais significativos. Os diferentes códigos cerebrais associam-se entre si
no córtex nas chamadas “zonas de convergências para memórias associativas” (CALVIN,
1998).
Os estudos de cognição experiencial descrevem também respostas bem
padronizadas em defesa contra o mundus percebido. Pêlos arrepiam, batimento cardíaco
acelera, olhos se abrem. Papagaios assustados em ambientes estranhos podem esconder a
cabeça em um canto. A maior parte dos estímulos aversivos é condicionada e provocam
12
imagens incondicionadas. Lógico que os estímulos não apresentam em si propriedades
aversivas. Estas são discriminadas em vários níveis dentro de sua individualidade. “O que
assusta um cavalo pode nem sequer fazer outro se mover” (MASSOM; McCARTHY,
2001).
2.4 Frustração
Frustração refere-se ao impedimento da satisfação de um instinto, nega-se aqui a
satisfação do princípio do prazer, a realização do id, extrato mais profundo, podendo assim
evitar uma excitação dolorosa ou desconfortante. Toda imagem é representada por um
sistema de significação (BARTHES, 2006). Contudo, a imagem criada sempre apresenta
certo grau de fracasso em relação a sua fonte. A psicanálise introduziu termos para
objetivar estas forças intrapsíquicas. O ego pode ser entendido como a parte do id que se
diferenciou ao entrar em contato com o mundo exterior (WINNCOTT, 1990). De certo
modo, o superego também pode ser considerado uma diferenciação especial do id. Ambos
os sistemas usam o ego como campo de batalha para vantagens próprias. O superego
impede que os impulsos primitivos do id irrompam no ego (MELO, 1979). O mecanismo
que se faz entender uma imagem subjetiva só pode ser afirmado primeiramente como
objetivo (SARTRE, 2008). Não é a toa que a psicologia trata a realidade imaginada como
algo clivado. Contudo, o Ego pode tentar evitar ou fugir das frustrações e conflitos
negando, disfarçando e falsificando suas relações com o meio. Considerar os mecanismos
de defesa com bons ou maus é uma questão de valor (ROUSSEAU, 2007).
A repressão, por exemplo, se refere basicamente à incapacidade de atingir uma
resposta porque ela é muito desagradável, não sendo possível nem sua lembrança. Ela pode
ser considerada como o mecanismo mais básico e descritivo das defesas. As experiências
reprimidas são respostas inibidas, não meramente perdidas. Estas inibições podem aparecer
mais tarde na consciência de forma disfarçada. Estudos a respeito da repressão confirmam
que associações agradáveis são mais facilmente lembradas do que associações
desagradáveis (CAMPOS, 2008). Outro mecanismo de defesa que vale a pena ressaltar é a
projeção, por demonstrar a variabilidade que as forças psíquicas atingem. Esta pode ser
entendida também como a externalização dos conflitos internos ou de outras condições que
13
o tivessem dado origem a dor e ansiedade conscientes. O ego podia enfrentar mais
eficientemente um perigo externo do que um perigo interno. Geralmente as defesas se
desenvolvem contra ansiedades neuróticas ou morais (SNOWDON, 1999).
Para comprovar estes mecanismos em animais Skinner desenvolveu uma situação
onde dava pequenas quantidades de alimentos a pombos em intervalos regulares,
independente de seus comportamentos. No final do período da experiência, 6 dos 8 pombos
haviam projetado algum tipo de resposta supersticiosa bem definida. Um dos pombos dava
voltas pela câmara no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio; Dois faziam
movimentos de pendulo com a cabeça. Em seus experimentos ele ainda constatou que
quando o alimentador foi desligado, mais de 10.000 respostas foram registradas, mesmo
sem o reforço ter sido contingente a qualquer resposta dos pombos. Qualquer conhecimento
pode ser tomado como uma superstição verdadeira bem justificada. Com efeito, as
superstições são intuições que, se sem conceito, são cegas. Contudo, conceitos sem intuição
tornam-se vazios (GHIRALDELLI, 2005; CAMPOS, 2008).
A Racionalização é mais uma variante da projeção. Ela mantém o pensamento sobre
uma lógica. Apresenta razões socialmente aceitas para justificar sua conduta. A razão
detém idéias cujo papel é fazer com que as categorias do entendimento funcionem somente
dentro de sua necessidade, inibem outras respostas (GHIRALDELLI, 2005).
As defesas servem, na medida do possível, para evitar os objetos ameaçadores,
porém, se usadas em excesso, tendem a perpetuar as dificuldades e impede a consecução de
reforços mais satisfatórios (BAUMAN, 2005). Grande parte das defesas é conflitante entre
si por se utilizarem de significantes em comum. Isto amplia a dimensão associativa interrelacionada entre as defesas, criando assim um roteiro mais ou menos lógico. São as
pressões exteriores quem estimulam para que as discriminações ocorram. Existir é o
impedimento inicial o qual todos os seres vivos possuem. Na concepção da linguagemsigno, ser significa ser um significante para outro significante. Tem-se somente a
representação das coisas, não elas, nas mentes, então, atingir o objetivo é, primeiramente,
adaptá-lo ao palco do ego.
Os estudos sobre o psiquismo aplicados à semiótica, ao
estruturalismo e à filosofia fenomenológica presumem que a imagem do real é uma reação
de encantamento sobre a disposição segura de uma imagem verdadeira. SCOTTY (2010)
ressalta que os seres supõem a imobilidade como mais clara do que a mobilidade. Pretende14
se passar das paradas ao movimento por via de composição, o que é impossível.
Fisiologicamente, através da percepção visual, assim como de outros sentidos,
existem reflexos que tentam estabilizar as unidades constituintes das imagens. Nas cristas
dos canais semicirculares do ouvido interno existe um líquido, a endolinfa. Os movimentos
da cabeça causam o deslocamento da endolinfa dentro dos canais semicirculares, que por
sua vez, faz mover os cílios das células sensoriais das cristas. Resumidamente, estes
impulsos seguem pelos prolongamentos periféricos dos neurônios do gânglio vestibular,
atingindo os núcleos vestibulares. Saem fibras destes núcleos que ganham o fascículo
longitudinal medial, indo diretamente aos núcleos do III, IV e VI pares de nervos cranianos,
determinando em sentido contrário ao da cabeça o movimento do olho, estabilizando assim
a imagem (MACHADO, 2007).
Uma verdade segura e formalizada é impossível devido a instancia do real. Esta
condição na formulação lacaniana é explicitada pelos símbolos intersubjetivos da potência,
a interdição do gozo infinito. Trata-se da simbolização de um elemento que supera as
expectativas pessoais de uma realidade (SOUZA, 2002).
Os processos perceptuais e conceituais são altamente susceptíveis de distorções
devido às centralizações, nunca se está imune a elas. Imutabilidade, permanência e
concretude, algo semelhante à tentativa que alguém pode alegar a respeito do
comportamento de todos os seres vivos por uma perspectiva genética e evolutiva (SOUZA,
2002).
2.5 Personalidade
A palavra personalidade tem várias atribuições derivadas do latim, persona. A
palavra personalidade, derivada também do latim, mas deu-lhe o nome per sonare, que,
traduzindo para o português atual, soar através. Seu desenvolvimento no organismo ocorre
cada vez que ele aprende uma nova resposta, a partir de eventos anteriores, contudo todo
organismo tem um limite dentro do qual poderá responder. Este limite pode ser
estabelecido pela hereditariedade e pela relação com o mundo (CASTELLS, 2001;
CALVIN, 1998).
A personalidade é caracterizada por traços de comportamento observada, então,
15
como padrões, mas isto é uma realidade apenas aparente e funcional, tendo em vista que
estes traços estão na perspectiva do observador e não do observado (BAUMAN, 2005;
HABERMAS, 2001). Bauman (2005) afirma ainda que a personalidade só é revelada como
algo inventado, e não descoberto. Ainda com tudo isso, os geneticistas dizem que bastam
dez gerações para se produzir dois tipos de personalidades de ratos diferentes (MASSOM;
McCATRHY, 2001). A personalidade não pode ser encarada como um traço
comportamental, mas um caminho (CASTELLS, 2001).
O processo de individualização da personalidade só pode ser compreendido como
socialização e esta por sua vez, como individualização. As forças internalizadas do ego
manifestam essa repressão ao dotar os organismos com as estruturas da personalidade
(HABERMAS, 2001). Os animais atuam em coletividade e, com isto, podem apresentar
personalidades múltiplas, até conflituosas entre si, tanto na auto-representação quanto na
ação social. Os processos de individualizações das personalidades se desenvolvem em um
eterno vir-a-ser (MELO, 1979; CASTELLS, 2001).
2.5.1 Identificação
Um fenômeno importante no desenvolvimento da personalidade é a identificação, A
identificação é uma defesa, quando certos reforços são negados ao indivíduo ou subtraídos,
tenta-se possuir as qualidades dos beneficiados. Pode-se entender por identidade o processo
de construção de significado com base em um atributo ambiental, ou ainda um grupo de
atributos interrelacionados (CASTELLS, 2001). E, tendo a comunicação função de
identidade (BORDENAVE, 2002), ela a seleciona e atualiza (BARTHES, 2006).
Imitações ocorrem sempre que recompensadas. Os filhotes de bípedes galináceos
imitam o ato de ciscar, desencadeado por uma reação mais ou menos reflexa. Golfinhos de
nariz-de-garrafa identificam e imitam os assobios de chamamento de uns aos outros
(MASSOM; McCARTHY, 2001). O mesmo ocorre em relação ao canto dos pássaros. Mas
a imitação verdadeira, em que o animal observa o comportamento do outro e o objetivo,
premeditando para si a mesma recompensa, é difícil. Em 1940 já haviam pesquisas
comprovando que símios inferiores tiveram bons resultados sobre o desenvolvimento desta
qualidade. Foi observado macacos no Japão copiando uma técnica feminina de tirar areia de
16
alimentos (CALVIN, 1998). Em um experimento condicionou-se um rato em um labirinto
para adquirir alimento. Outro rato, sem treinamento, foi colocado junto ao primeiro no
mesmo labirinto. O novo rato seria reforçado ao segui-lo. Cientificamente se diz que o rato
modelo se tornou um estímulo discriminativo (SD) para o rato seguidor. Quando o animal
pensa uma ação, seja sua ou de outro, ocorrem correntes de ação pelos músculos, mesmo
que não haja contração aparente. Foi observado em corvos e tordos que quando um
companheiro era retirado, eles emitiam sons ou elementos de canções que eram “principal
ou exclusivamente” produzidos pelo parceiro removido (MASSOM; McCARTHY, 2001).
A identificação não se limita às relações de imitação. O organismo, num sentido
amplo, in initio, parte do lugar do outro. É essencial à imagem do que se é a passagem do
ser como “falo onipotente”, ou seja, ser sua proporia significação, ao ter. Ter seu desejo
formulado numa linguagem para Outro. Esta condição representa a realização do corte
provocada pela lei. Este termo torna-se antropomórfico, já que em nem todos os animais
seria adequado usar este significante. Contudo, em todas as espécies se tem a mesma
dúvida sobre a presença de um ou alguns significantes chaves, que quando recalcado
regulam o conjunto dos significados. No sentido freudiano identifica-se o comportamento
como um eco, uma busca por resposta, é a tentativa de fazer compreender o que não se
comunica (CASTELLS, 2001).
A formação da imagem personalizada e organizada no animal só se dá quando ele
permitir que a atitude do Outro determine seu comportamento como uma propriedade
comum. chama este de estágio de alienação. Os valores que significam os objetos não
ultrapassam certos limites, assegurando o lugar do Outro. O simbólico define o lugar da
identidade do animal. Ele não se atrai ou sente repulsão por qualquer coisa que não seja
consigo mesmo. A imagem mantém o ser no concreto. Como a comparação destacou
semelhanças, como a semelhança é uma propriedade do objeto, como uma propriedade
parece ser uma parte do objeto que o possui (DEL- CLARO, 2004).
A conjunção entre o imaginário e o simbólico é o centro da relação que o
inconsciente estabelece entre o sujeito e a realidade. É a identificação narcísica, alienação
que principia todas as outras. destacou que de fato a ilusão é fundamental à ideação nos
animais e por isso, também devem haver formas de seleção para identificar as ilusões, o
que por sua vez, deve selecionar um dado grau de auto-ilusão, tornando inconscientes fatos
17
e motivações de modo a impedir que se traia a ilusão que está sendo criada (SNOWDON,
1999).
2.5.2 Cenestesia
A psicologia chama de cenestesia, esta espécie de consciência de seu eu físico. Em
condições normais a cenestesia é nula. Isto porque os estados sensoriais internos e externos
não são conhecidos, senão quando sua fisiologia está alterada. São as relações com a
realidade que se encarregam por romper a similitude e quebrar a identidade especular.
Rompida a similitude o indivíduo percebe a existência de outro diferente dele. A partir
desse momento ou aceita o Outro na alteridade, ingressando na imagem comunicativa, ou
continua acreditando na existência de simetria, entrando em delírio. Estes conceitos são
muito defendidos nos estudos psicológicos dos homens, mas Bohm (2005), assim como
WRIGHT (1996), defendem a existência destes fenômenos nos animais e ele tem o aval dos
estudos anatômico-funcionais dos neurofisiologistas.
Estas atividades associativas são vivas por si através das mentes, e não o inverso.
Desta forma, o sujeito individual é descentralizado e deixa de ser considerado uma fonte ou
a finalidade do significado. A consciência do eu exterior é o que determina o que é sujeito e
o que é objeto no mundo real imaginado (GHIRALDELLI, 2005).
Um animal não consegue ver a experiência de outro, suas motivações. Ele vê sua
evidência. Vê o outro conforme o experiencia. O ser aprende a se ver com os olhos do
outro. A consciência de si deriva de um entrelaçamento das suas perspectivas. Gnus e
gazelas se aproximam das hienas e outros predadores e observam suas matanças. Elas são
atraídas, arriscando a vida, mesmo quando a vítima é de outra espécie. Alega-se que é uma
vantagem seletiva, previne ataques e obtém informações sobre os predadores (MASSOM;
McCARTHY, 2001).
2.6 A Representação do Instinto
Algumas pessoas ao confundirem os limites entre as emoções e as imagens
terminam por atribuir esta característica apenas aos animais pensantes. A inteligência, na
verdade, é uma reação utilizada quando o animal não sabe o que fazer (CALVIN, 1998).
18
Muitas criações imaginativas acontecem o tempo inteiro nas mentes de todos os animais,
contudo, nem sempre seus significados apresentam uniformidade e funcionalidade com a
nossa realidade. Considera-se em graus um pensamento criativo de acordo com as baixas
probabilidades de ocorrerem inicialmente, serem imprevisíveis. Criatividade é conceito e
este está subordinado ao social (BARROS; GALVÂO; MCILVANE, 2002). BARTHES
(2006) descreve objetivamente esta busca no comportamento de um rato. Ele diz que um
rato posto em um determinado ponto de um labirinto onde há dois estímulos
discriminativos, ficará parado durante um tempo, virando sua cabeça de um lado para outro.
A inteligência e o instinto podem ser observados sob a óptica de níveis de conduta.
Portanto, a oposição entre o que é chamado de conduta inteligente e instintiva não é tão
grande como defendem alguns. Se trata de condutas comportando a presença, em graus
diversos e proporções bem diferentes, de elementos fundamentalmente semelhantes
(MACHADO, 2007).
O instinto parece ser o que há de mais inato na conduta, sendo desencadeada sob a
influência do meio ou da experiência adquirida, lembrando que inato não quer dizer
imutável, na verdade, o instinto apresenta um caráter de adaptabilidade ao meio. A conduta
instintiva apresenta, em geral, um grau de complexidade bastante elevado. É,
primeiramente, uma ação global que diz respeito à totalidade do organismo desencadeando
numerosos mecanismos de reação. A ação instintiva comporta uma série de atos mais
simples subordinados uns aos outros podendo ser encadeados durante um período curto ou
longo (SNOWDON, 1999).
Quanto mais complexo e intencional for um comportamento, mais afastado poderá
estar de um comportamento inteligente, simplesmente porque a seleção natural permitiu a
evolução de uma maneira segura de realizá-lo, deixando pouca coisa ao acaso (CALVIN,
1998). Em outras palavras, as motivações conscientes são motivadas por forças profundas
as quais nunca se consegue traduzir objetivamente e nem sequer identificá-las (WRIGHT,
1996).
No limite inferior das condutas instintivas se encontram os arco-reflexos, que, com
efeito, podem ser desconsiderados como condutas verdadeiras, pois não apresentam reações
no organismo como totalidade, apenas elementos de condutas, ou seja, respostas de órgãos
isolados, ligados a certos estímulos específicos em virtude da estrutura anátomo-fisiológica.
19
Por exemplo, o movimento de retração de um membro sob ação de um estímulo aversivo,
fechar as pálpebras, secreção de saliva. Até ao ato reflexo mais elementar há um grau de
atividade psíquica correspondente. Da mesma forma que não se pode negar a compleição
de algum elemento motor até no pensamento mais abstrato (BARTHES, 2006).
Alguns autores afirmam que o repertório das imagens-signos dos animais é
programado pela genética e se mantém igual através dos tempos (BORDENAVE, 2002). O
autor dá o exemplo das abelhas que a milhares de anos permanece executando a mesma
movimentação. Na verdade, o mundo não é o mesmo para as abelhas e elas tiveram que se
adaptar. Óbvio que sua estrutura cerebral primitiva a impede de criar, a nós, grandes
associações. Sua constituição nervosa continua se moldando ao meio, deixando impresso
isso em seu corpo. Para que a abelha alcance seu objetivo é preciso constantes
recombinações dos moldes sensoriais, corrige a trajetória (CALVIN, 1998). Quando uma
abelha volta à colmeia, executa uma espécie de dança na forma de oito. Ela transmite
informações sobre a direção, através da angulação, e sobre a distância de alguma fonte de
alimento, representado pela duração da dança.
Os animais absorvem muito do meio exterior a ponto de se perder dele. As coisas
ficam mais cinzas à medida que se cresce. Os dados perceptivos, compreensivos e
representativos, que habitam a consciência, uma vez apreendidos e fixados, articulam-se
imediatamente uns com os outros. Diferenciam-se em novos grupos dinâmicos autônomos,
a partir da organização de diferentes sistemas e, por sua vez, dão origem a outros tantos
agrupamentos Ao que parece, viver é para o espírito inserir-se nas coisas por intermédio de
um mecanismo (SARTRE, 2008). Ser para a linguagem significa ser um significante para
outro significante. A significação participa da substância de um conteúdo e do valor de sua
forma (BARTHES, 2006).
Bohm (2005) sugere as imagens semelhantes à visão epidemiológica de um vírus.
Elas se movem de maneira autônoma, passando de mente em mente, nas mais diversas
relações sociais e entre todas as espécies.
Para se compreender as relações simbólicas dos animais é preciso que várias
vertentes semióticas do indivíduo humano se organizem em sistemas lingüísticos mais
amplos (BORDENAVE, 2002). Os outros animais não se distinguem do homem pela
linguagem (BARTHES, 2006; MELO, 1979). Todos os seres vivos produzem signos ao
20
mesmo tempo em que os seres são criados pela semiose (ação do signo) (SOUZA, 2002;
SANTAELLA; NORTH, 1997).
2.6.1 Imagem
Em geral, denomina-se imagem qualquer sistema de processos internos que
apresentam aquilo que o sujeito sabe ou acredita saber a respeito de uma parte da realidade
externa, seja percebida, lembrada ou inferida. O primado do significante, seja ele da própria
imagem, não significa o primado de nenhuma origem, apenas sua inscrição reiterada de
uma identidade. Carece de origem porque ele ocupa o lugar do Outro, ou seja, o lugar da
falta. É importante ressaltar que quando se fala em imagem, não há qualquer diferenciação
substancial entre a percepção de uma vela acesa e a imagem do sol, elas não são
diferenciadas em termos quantitativos ou qualitativos (SARTRE, 2008).
A imagem é um misto de dom e de armadilha, de verdade e ilusão. Também
chamadas de sublimações, são consideradas vicissitudes do instinto. Na visão semiótica de
Santaella & North (1997) o mundo das imagens é dividido em dois domínios. O domínio
das imagens como representações sensitivas é o primeiro. São os objetos materiais, signos
representantes do meio. Para Souza (2002), as sublimações podem ser estendidas a todos os
meios de comunicação e instrumentos de uso funcionais da mesma forma que são as
propriedades motoras.
O segundo é o domínio imaterial das imagens mentais, ou das imagens mnêmicas
(MELO, 1979; SANTAELLA, 1997). Nesta última, a imagem pode se tornar mais
imprecisa e faltar claridade. Converte-se a corporeidade em incorporeidade, extrojeção em
introjeção e transforma a ininfluenciabilidade voluntária em influenciabilidade voluntária.
As criações das atividades imaginativas livres muitas vezes não são aceitas pelos juízos de
realidade. As imagens dos sonhos são constituídas por elementos das imagens mnênicas,
contudo, momentaneamente são aceitas por esses juízos. A imagem onírica, como são
conhecidas as atividades imaginativas dos sonhos, apresenta características tais como,
plasticidade, mobilidade, relativo ilogismo, introjeção e intemporalidade (MELO, 1979;
BAUMAN, 2005).
Os elementos sensoriais formam imagens fantásticas em relação a outros processos
discriminatórios da realidade e apenas por isso são julgadas fantásticas, oníricas à descrição
21
dos sonhos, eidéticas à expressão das memórias como processo discriminatório ou
pareidólicas como são mais estritamente chamadas (MELO, 1979). Santaella e Nörth
(1997) concluem que não há imagem como representações visuais que não tenham surgido
das imagens na mente daqueles que a produziram, do mesmo modo que não há imagens
mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais.
Qualquer entendimento ou ideia apresenta um conhecimento por imagens. As ideias
geradas a partir das associações forjam ideias conflituosas com a imagem da realidade.
Contudo ela parece apenas um mecanismo, um papel acidental e subordinado, o papel de
um simples auxiliar do pensamento, de um signo. O animal não te autonomia de seus atos.
Seu comportamento é resultado do universo percebido, assim como a imagem induz a
criação do comportamento das coisas (BAUMAN, 2005).
22
4. CONCLUSÃO
O comportamento animal, reflexo da imagem, por sua natureza subjetiva, pode ser
explicado, mas tão somente bem entendido quanto à sua individualidade biológica e
filosófica. Entender a variedade de aspectos que os tornam semelhantes e diferentes ao
mesmo tempo é de suma importância para uma melhor compreensão do processo de
construção da imaginação.
Um dos condicionantes do comportamento imaginativo dos animais é a forma como
a percepção sobre o mundo que o cerca é construída. Entendida em termos quantitativos em
relação à intensidade, claridade, número de estímulos e alterações fisiopatológicas e em
termos qualitativos em relação ao modo como os animais se percebem, bem como à
realidade exterior, a percepção animal sempre será elaborada de acordo com as
experiências vivenciadas pelos animais.
Em relação à formação da imagem, é possível afirmar que não existe uma
padronização de como ela é construída, pois a imagem individual é um fato sócioideológico. Além dos aspectos fisiológicos intrínsecos a cada espécie, sua construção
estaria também vinculada à relação social estabelecida entre o indivíduo e seu grupo social,
tornando-a um misto de verdade e de ilusão.
Por fim, a linguagem científica de alguns grupos isolados, adotando um padrão
biológico de análise, humaniza a imagem animal utilizando os significantes permitidos por
este sistema. Isto pode ser identificado quando se evidencia o crescimento de
empreendimentos com ações voltadas à padronização do comportamento animal, a exemplo
dos estudos do condicionamento, que é resultado do estigma da dominação tão presente em
nossa sociedade.
23
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGACCEGA, M. A. Comunicação e Linguagem: discursos e ciência. São Paulo:
Moderna, 1998.
BARROS, R. S.; GALVÃO, O. F.; MCILVANE, W. J. Generalized identity matchingto-sample in Cebus apella. The Psychological. Record, 52, 441-460. 2002.
BARROS, R. S., GALVÃO, O. F., & MCILVANE, W. J. The search for relational
learning capacity in Cebus apella: a programmed "educational" approach.
Westport: Soraci & Kimiyo Murata-Soraci (Eds.). 223-245. 2003.
BARROS, R. S., GALVÃO, O. F.; ROCHA, A. C. O pesquisador na escola experimental
de primatas: do experimentador a programador de contingências. Revista Interação em
Psicologia, 9 (2), 201 – 214. 2005.
BARTHES, R. ELEMENTOS DE SEMEOLOGIA. 16 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
BAUMAN, Z. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor Ltda, 2005.
BOHM, D. Diálogo. São Paulo: PALAS ATHENA, 2005.
BORDENAVE, J. E. D. Além dos meios e das mensagens: introdução à comunicação
como processo, tecnologia, sistema e ciência. 10 ed. Petrópolis, Vozes, 2002.
CAMPOS, B. Comportamento animal. Revista Estudos de Psicologia. Natal, vol.13 nº
1. Jan/Apr. 2008.
CALVIN, W. H. Como o cérebro pensa. Rio de Janeiro: ROCCO LTDA, 1998.
CASTELLS , M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
COLOMBO, M.; GRAZIANO, M. Effects of auditory and visual interference on
auditory-visual delayed matching to sample in monkeys (Macaca Fascicularis).
Behaviora Neurosciense, 108(3), 636-639. 1994.
D’AMATO, M. R.; COLOMBO, M. Auditory macthing-to-sample in monkeys (Cebus
apella). Animal Learning & Behavior, 13(4), 375-382. 1985.
DEL-CLARO, K. Comportamento animal. Jundiai-SP: Conceito, 2004.
FARR, R. M. As raízes da psicologia social moderna. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
24
GHIRALDELLI JR, P. Caminhos da filosofia. São Paulo: DP&A, 2005.
HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70 LTDA, 2001.
HASHIYA, K., & KOJIMA, S. Aquisition of auditory-visual intermodal matching-tosample by a chimpanzee (Pan troglodytes): comparison with visual-visual intramodal
matching. Animal Cognition, 4, 231-239. In: HEIDEGGER M. Introdução à metafísica. 2
ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2001.
HEIDEGGER M. Introdução à metafísica. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
HENRY, M. O Começo cartesiano e a ideia de Fenomenologia. Covilhã: Universidade
da Beira Interior, 2008.
HOLLAND, J. B.; SKINNER B. F. A análise do comportamento. São Paulo: EDUSP;
E.P.U, 1975.
HUSSERL E. A idéia da fenomenologia. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
KANT, I. A religião nos limites simples da razão. 2 ed. São Paulo: Editora Escala, 2008.
LONDON, J. Caninos brancos. São Paulo: Martin Claret, 2003.
MACHADO, A. B. M. Neuroanatomia funcional. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2007.
MASSOM, J. M.; McCARTHY, S. Quando os elefantes choram. São Paulo: Geração de
comunicação integrada comercial LTDA, 2001.
MELO, A. L. N. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
NISHIDA,
S.
M.
Apostila
de
Etologia.
Disponível
em:
http://www.ibb.unesp.br/departamentos/Fisiologia/material_didatico/Etologia_web/Apostil
a/cap3_fisiologia_comportamento 2007.pdf. Acesso em: 12 ago 2009.
ROUSSEAU, J.J. O contrato social. Porto Alegre: L&PM, 2007.
SANTAELLA, L.; NORTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo:
Iluminuras, 1997.
SARTRE, J. A Imaginação. Porto Alegre: L&PM, 2008.
SAVAGE-RUMBAUGH, E. Verbal behavior at a procedural level in the chimpanzee.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 41, 223-250. 1984.
SAVAGE-RUMBAUGH, E.; LEWIN, R. Kanzi: The ape at the brink of the human
mind. New York: John Wiley & Sons. 1994.
25
SCOTTY,
F.
Sensação
e
Percepção.
Disponível
<http://scotty.ffclrp.usp.br/topicos/capitulo04.pdf>. Acesso em: 15 abr 2010.
em:
SNOWDON, C. T. O significado da pesquisa em comportamento animal. Revista Estudos
de Psicologia. Natal, vol.4 nº 2. Julho/Dez. 1999.
SOUZA, H. A. G. Documentário, realidade e semiose: os sistemas audiovisuais como
fontes de conhecimento. São Paulo: Annablume, 2002.
WINNCOTT, D. W. Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago editora LTDA, 1990.
WRIGHT, R. O animal moral. Rio de Janeiro: Campus Ltda, 1996.
26
Download