0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL LUIZA HELENA DA SILVEIRA UMA ANÁLISE ACERCA DOS SERVIÇOS OFERECIDOS PELA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, DESTINADOS AOS MORADORES EM SITUAÇÃO DE RUA FLORIANÓPOLIS - SC 2014 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL LUIZA HELENA DA SILVEIRA UMA ANÁLISE ACERCA DOS SERVIÇOS OFERECIDOS PELA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSE, DESTINADOS AOS MORADORES EM SITUAÇÃO DE RUA Trabalho de Conclusão de Curso TCC apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Hélder Boska de Moraes Sarmento, Dr. FLORIANÓPOLIS 2014 2 3 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus pelo dom da vida. Ao meu filho amado pela simples razão dele existir. Aos meus familiares e amigos pela força e incentivo nesta caminhada. À Assistente Social Helena Márcia Kretzer dos Santos por ter me supervisionado durante o estágio I e II e pelo carinho com que me recebeu. À coordenadora da casa de acolhimento social Sandra Regina Souza e Souza pelo carinho, aos demais funcionários da casa e, principalmente, aos usuários que foram a razão para a realização desse trabalho. Ao professor Helder Sarmento por ter aceitado me orientar, pela disponibilidade e carinho. À Rosi, gerente do hotel onde trabalho, por ter me liberado antes do horário para que eu pudesse fazer o estágio À Tamara, colega de estágio pela colaboração na elaboração deste trabalho. À minha sobrinha Cristiane, pela ajuda na realização deste trabalho. 4 “Não se entra para a luta trazendo somente um amontoado desordenado de sonhos e o desejo de realizá-los. É preciso que se queira a sua concretização e que se saiba querê-la. Para tanto, porém, se necessita de arma. Toda ação requer 5 instrumento. E o instrumento máximo da vida é a instrução.”(Antonieta de Barros). RESUMO Este Trabalho de conclusão de Curso tem como objetivo principal verificar se os serviços, programas e projetos oferecidos pela Secretaria de Assistência Social de São José, através da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade estão conseguindo alcançar os objetivos pleiteados na Política Nacional para a População em Situação de Rua. Este estudo e análise têm como referencial o pensamento crítico, fundamentado na análise do “fenômeno do pauperismo”, baseado em Silva (2009). Trata-se de um estudo bibliográfico, complementado com a análise documental de material de domínio público da Prefeitura Municipal de São José. Com referência a estes estudos é que se analisa a Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de São José/SC Palavras chaves: Política Social, Assistência Social, População em Situação de Rua, Serviço Social. 6 ABSTRACT Work completion of this course aims verify that the services, programs and projects offered by the Department of Social Services of São José, through the Special Social Protection of medium and high complexity are managing to achieve the goals in the pleaded National Population Policy Living in the Streets. This study and analysis have as reference the critical thinking, based on the analysis of the "phenomenon of pauperism", based on Silva (2009). This is a bibliographic study, complemented by documentary analysis of public domain material from the Municipality of São José With reference to these studies is that it analyzes the Municipal Population Policy in the Streets of São José / SC Key words: Social Policy, Social Welfare, Homeless People in Social Services. 7 LISTA DE SIGLAS AIDS – Síndrome da Imunodeficiência adquirida BIRB – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento BPC – Benefício de Prestação Continuada CADÚNICO – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CAP’S – Caixa de Aposentadorias e Pensões CAPS - Centro de Atendimento Psicossocial CAPS-AD – centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Droga CATI – Centro de Atendimento à Terceira Idade CENTROPOP-Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua CIT – Comissão Intergestores Tripartite CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CMI – Conselho Municipal do Idoso CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CONGEMAS – Colégio Nacional de gestores Municipais de Assistência social CPF – Cadastro de Pessoa Física CREAS - Centros de Referência Especializados de Assistência Social EJA – Educação de Jovens e Adultos FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FMI – Fundo Monetário Internacional FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social GTI – Grupo de Trabalho Intergestores HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana IAP’S – Institutos de Aposentadorias e Pensões 8 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome NOB – Norma Operacional Básica PFMC – Piso Fixo de Média Complexidade PMAS – Plano Municipal de Assistência Social PMSJ – Prefeitura Municipal de São José PNAS – Política Nacional da Assistência Social PSE – Proteção Social Especial SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SERNAC – Secretaria Nacional de Renda e Cidadania SMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social de São José SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde TCC – Trabalho de Conclusão de Curso 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11 2. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. QUEM SÃO ELES?...................................13 2.1CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA..........................................................................................................................................18 2.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA..........................................................................................................................................21 2.3 PERFIL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA....................................................22 3. A REALIDADE DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ.........................................................27 4.1REDE DE SERVIÇOS À PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA DE SÃO JOSÉ..............29 3.1.1Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTROPOP)............................................................................................................30 3.1.2 Serviço Especializado de Abordagem Social......................................................30 3.1.3 Casa de Acolhimento Social..........................................................................................31 3.1.4 Centro de Atendimento Psicossocial e Álcool e/ou Drogas.......................................33 4. LEGISLAÇÃO QUE AMPARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA.........34. 4.1 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL.................................................36 4.2 A CONCEPÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL................................................................38 4.2.1 A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS ...........................................................39 4.2.2 A Política Nacional de Assistência Social (PNAS).......................................................41 4.2.2.1 Proteção social básica...................................................................................................43 4.2.2.2 Proteção social especial................................................................................................44 4.2.2.3 Proteção social de média complexidade.......................................................................44 10 4.2.2.4 Proteção social especial de alta complexidade.............................................................44 4.3 A POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA...............................................................................................................45 5. UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS OFERTADO À PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA DE SÃO JOSÉ.............................................................................................................49 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................52 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................54 11 1 INTRODUÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) 1 tem como tema de estudo o fenômeno População em Situação de Rua. O objetivo principal é verificar se os serviços, programas e projetos oferecidos pela Secretaria de Assistência Social de São José, através da Proteção Social Especial de Média e Alta complexidade, estão conseguindo alcançar os objetivos pleiteados na Política Nacional para População em Situação de Rua. A escolha deste tema deu-se a partir da experiência de estágio obrigatório realizado junto à Casa de Acolhimento Social ao Morador de Rua -Bom Samaritano, no período de abril/13 a julho/13,onde foi oportunizado acompanhar os serviços oferecidos aos usuários atendidos pela casa. A Casa de Acolhimento Social ao Morador de Rua – Bom Samaritano desenvolve o Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade na modalidade de atendimento assistencial destinado à famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras, do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, que se destina ao acolhimento de pessoas com idade acima de 18 anos, do sexo masculino e feminino em situação de rua, com vínculos familiares fragilizados e/ou rompidos. Durante o estágio obrigatório, foi possível presenciar o atendimento aos moradores da casa de acolhimento pela equipe técnica de profissionais capacitados da instituição, verificando-se que os principais instrumentais utilizados pela equipe foram as entrevistas, a observação e os registros, para assim conhecer a realidade de vida desses sujeitos de direitos, saber de suas necessidades e, posteriormente, fazer os devidos atendimentos e encaminhamentos. O presente trabalho de conclusão de curso abordou a temática da população em situação de rua a partir de pesquisa bibliográfica, priorizando as principais legislações e políticas que norteiam esse público, tais como a Política Nacional de Assistência Social e a 1 Trabalho acadêmico de caráter obrigatório e instrumento de avaliação final de um curso superior. É elaborado em forma de monografia, visando à iniciação e envolvimento do aluno de graduação no campo da pesquisa científica. Em geral, a aprovação do TCC é um critério para o aluno obter o diploma do curso de graduação. Informação disponível no endereço: < http://www.significados.com.br>. 12 Política Nacional da População em Situação de Rua e, ainda, utilizou-se a experiência de estágio obrigatório, realizada junto à Prefeitura Municipal de São José. Para a melhor compreensão, este trabalho foi dividido em três capítulos, onde o primeiro tem por objetivo apresentar quem é o usuário em situação de rua, em que contexto surgiu o fenômeno e o seu desenvolvimento até os dias atuais e a rede de serviços, programas e projetos oferecidos a essa população. O segundo capítulo apresenta os primeiros modelos de proteção social, a Constituição Federal, a Política de Assistência Social e a Política Nacional de Inclusão ao Morador em Situação de Rua, bem como a legislação que protege o morador em situação de rua. No terceiro e último capítulo, traz-se as análises e reflexões sobre a organização da Política de Assistência Social do município e sua efetivação através do Plano Municipal de Assistência Social, como também as redes de serviços, programas e projetos oferecidos a essa população. 13 2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. QUEM SÃO ELES? Para dar início a este estudo, precisa-se saber quem é esse sujeito e para isso, far-se-á uma breve contextualização histórica sobre o seu surgimento e desenvolvimento na sociedade. Para definição sobre a população em situação de rua utilizar-se-á o conceito da Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, que apresenta o seguinte conceito: Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar (BRASIL, 2008, p.08). A população em situação de rua é um fenômeno mundial que teve sua origem nos primórdios do sistema capitalista, mais precisamente na Inglaterra, no final do séc. XVIII, quando o pauperismo 2tomou forma “tendo como base a expropriação dos produtores rurais e camponeses e sua transformação em assalariados, no contexto da chamada acumulação primitiva e da indústria nascente” (Silva, 2009, p.96). Desse modo, atendendo as necessidades do capital industrial que se iniciava. Ainda, segundo a autora, no sistema feudal, as terras do feudo eram repartidas pelo maior número de camponeses. Esses trabalhadores rurais utilizavam suas horas livres para trabalhar nas terras dos grandes produtores, recebendo um salário por esse trabalho e, ainda, dispunham de habitação e uma área para cultivo. Esses trabalhadores, ao terem suas terras roubadas, como também as terras comuns confiscadas com métodos violentos, tiveram que ir para os centros urbanos em busca de trabalho e casa. No feudalismo3, os camponeses possuíam suas terras para plantar e tirar seu sustento, como também podiam utilizar as terras comuns para o gado pastar e retirar o combustível, no caso, a lenha. 2 Sinônimo de miséria e pobreza extrema. A sociedade feudal era estática (com pouca mobilidade social) e hierarquizada. A nobreza feudal (senhores feudais, cavaleiros, condes, duques, viscondes) era detentora de terras e arrecadava impostos dos camponeses. O clero (membros da Igreja Católica) tinha um grande poder, pois era responsável pela proteção espiritual da sociedade. Era isento de impostos e arrecadava o dízimo. A terceira camada da sociedade era formada pelos servos (camponeses) e pequenos artesãos. Os servos deviam pagar várias taxas e tributos aos senhores feudais, tais como: corvéia (trabalho de 3 a 4 dias nas terras do senhor feudal), talha (metade da produção), banalidade (taxas pagas pela utilização do moinho e forno do senhor feudal). Informação disponível no endereço: <https://sites.google.com/site/historia1958/feudalismo>. 3 14 Com o roubo das terras e o confisco das terras comuns para a propriedade privada, os camponeses saíram da área rural e foram para a área urbana vender a única coisa que restava que era a sua força de trabalho. Como nem todos foram absorvidos pelas indústrias, muitos começaram a roubar e pedir esmolas para poder sobreviver, como explica Silva (2009): Os que foram expulsos de suas terras não foram absorvidos pela indústria nascente com a mesma rapidez com que se tornaram disponíveis,seja pela incapacidade da indústria, seja pela dificuldade de adaptação repentina um novo tipo de disciplina de trabalho. [...] Foi o início do fenômeno que se generalizou, atingindo toda a Europa Ocidental, no último quartel do século XVIII: o pauperismo. Essa situação, ainda no final do século XV e todo o século XVI, fez surgir nos países da Europa uma legislação rígida contra a vadiagem (SILVA, 2009 p.95). A autora citada completa que “[...] foram essas as condições histórico-estruturais que deram origem ao fenômeno do pauperismo, ao qual se vincula o que hoje se denomina população em situação de rua.”. Para explicar o fenômeno População em Situação de Rua a autora também vai trazer a categoria trabalho como um dos elementos de maior importância para o desenvolvimento deste fenômeno, uma vez que o trabalho, a partir do seu surgimento, passou a ter uma enorme importância na vida do ser humano, tanto no fato de suprir as necessidades humanas como na construção das relações sociais. Apesar de alguns autores como Gorz acreditarem na perda da centralidade da categoria trabalho na vida das pessoas, essa importância continua viva até os dias atuais, principalmente na vida das pessoas em situação de rua, conforme afirma Silva (2009, p. 170) em algumas das suas citações “[...] o trabalho possui relevância imaginária estando associado à ideia de desenvolvimento, sucesso, acesso, poder, possibilidade de consumo, felicidade e meio de subsistência”. Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com a sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza [....] a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais [...];não se trata aqui das formas instintivas, animais, de trabalho[...]; pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade (MARX, 1988: 202 apud SILVA 2009). O trabalho sempre teve um papel importante na vida do ser humano desde os tempos mais remotos, pois, ao transformar a natureza em seu benefício, o homem, além de produzir 15 os meios para sua subsistência, também se torna o elemento central na sociabilidade humana, que cria e recria relações sociais. É a partir do trabalho que podemos definir o homem enquanto ser genérico, ou seja, só ele é capaz de formular projetos e de antecipar os resultados de sua intervenção. Portanto, o trabalho além de ser um meio de subsistência, também é responsável por estabelecer relações sociais e ser um meio de inserção na sociedade. O estudo sobre a gênese do fenômeno população em situação de rua remete, portanto, ao período de pré-capitalismo ou de acumulação primitiva do capital que para Marx é a fase de constituição das bases do modo capitalista de produção. É o período da história onde ocorre a separação do produtor direto dos meios de produção, e do detentor dos meios de produção a quem Marx chama de capitalista. A gênese do modo de produção capitalista e do surgimento do fenômeno população de rua encontra-se, portanto, na separação dos principais sujeitos do processo de produção capitalista. De um lado o capitalista, proprietário do capital e dos meios de produção e de outro o trabalhador que dispõe apenas de sua força de trabalho que deve ser vendida para que este consiga sobreviver. O capitalista lucra, portanto, a partir desta expropriação dos trabalhadores de seus meios de produção e de subsistência deixando-os apenas com sua força de trabalho a ser vendida em troca de dinheiro o qual será usado para comprar no mercado os meios para sua subsistência e de sua família (FRAGA, 2011, p. 17). O rompimento de vínculos familiares pode acontecer por diversos motivos, entre eles a incompatibilidade de opiniões, decepções emocionais, dificuldades financeiras, entre outros que podem acarretar na fragilização ou no rompimento dos vínculos. O rompimento ou fragilização dos vínculos familiares também aparece na análise de Silva (2009, p. 131) quando esta avalia que além dos problemas de ordem econômica existem outros condicionantes que podem levar ao rompimento e ou fragilização dos vínculos familiares tais como as “desavenças afetivas, os preconceitos relacionados à orientação sexual, a intolerância às situações de uso, abuso e dependência de álcool e outras drogas.” Rosa (2005) apresenta, também, o rompimento ou fragilização dos vínculos familiares como característica comum entre a população em situação de rua. E afirma que os processos de natureza econômica se constituem como fatores responsáveis por esse rompimento e pela permanência temporária ou duradoura em tal situação. Entretanto, assim como Silva (2009), Rosa (2005) concorda que existem muitos outros fatores que perpassam a trajetória de vida do indivíduo, e que podem levá-lo a uma fragilização ou rompimento dos vínculos familiares (FRAGA, 2011, p. 21). Outro motivo, que também tem sido responsável pelo elevado número de pessoas em situação de rua, é o grande número de pessoas que deixam suas cidades de origem, normalmente no interior, para buscar trabalho e melhores salários, porém, quando chegam aos grandes centros urbanos, enfrentam dificuldades para encontrar lugar para morar, emprego e manterem-se perante os altos gastos de sobrevivência, fazendo com que essas pessoas 16 busquem na rua uma forma de resistência, enfrentando a vergonha, o preconceito e o sentimento de perda. Junior et al. (1998, p. 49) concorda que o desemprego é um fator que pode levar o indivíduo ao rompimento dos vínculos deste com a família quando afirma que “para os chefes de família, a perda do posto de trabalho é acompanhada, muitas vezes, da perda do status de ‘provedor’, acarretando rupturas nas relações familiares.” Já Varanda e Adorno (2004) apresentam a associação do rompimento e ou da fragilização dos vínculos familiares com o uso de álcool e drogas o fator da vizinhança com a criminalidade (FRAGA, 2011, p. 22). O uso de álcool e outras drogas também aparecem bastante no que concerne à população em situação de rua, porém não podemos deixar de concordar com Silva (2009) que “[...] o uso de álcool ou outras drogas se impõe muito mais como uma estratégia de subsistência, capaz de ampliar a alienação acerca da situação de rua do que uma condição ou característica que ajuda a definir esse contingente populacional.” O uso de álcool muito comum entre a população em situação de rua é também citado por Junior et al. (1998, p. 55) que analisa o uso abusivo de bebidas alcoólicas por esta população como sendo ao mesmo tempo uma forma de aquecimento e embotamento emocional que também atua como fator de aproximação interpessoal, na medida em que realiza a aproximação com os grupos da rua, permitindo uma forma de socialização e sentimento de pertencimento a um determinado grupo (FRAGA, 2011, p. 23). Assim sendo, o fenômeno População em Situação de Rua é um fenômeno estrutural, condensado nas relações sociais e relações de trabalho oriundas do modo de produção e sistema capitalista. No Brasil, as primeiras notícias sobre o fenômeno População em Situação de Rua datam dos anos de 1990 e não é por acaso, uma vez que os efeitos da crise dos anos 70, nos países de capitalismo avançado,vão afetar os países periféricos incluindo o Brasil, a partir da década de 80 e se intensificando na segunda metade dos anos 90. Como explica Silva (2009): Nos países periféricos, como os latino-americanos, a reestruturação produtiva e as mudanças no papel do Estado também ocorreram em níveis, formas, ritmos e tempos diferentes em cada país, de acordo com suas características econômicas, políticas e sociais. Porém em todos eles, ocorreram em condições subordinadas às regras estabelecidas pelos países centrais, por meio dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Internacional para a Reconstrução e o desenvolvimento (Bird). A condição de subordinação deveu-se, sobretudo, à imensa dívida externa dos países periféricos para com os países centrais e os organismos mencionados (Silva, 2009, p.81). 17 Em resposta à crise do padrão de acumulação, o capital se reorganiza econômica e politicamente contra o trabalho organizado. De acordo com a autora supracitada: O Brasil não fugiu a esse padrão. A partir da última década do século passado, particularmente de sua segunda metade, avançou em seu processo de ajuste às políticas neoliberais, tendo a financeirização do capital, a reestruturação produtiva e a reorientação do papel do Estado como metas. Esses processos combinados ocorreram sob condições subordinadas e implicaram mudanças no mundo do trabalho, que contribuíram para o aprofundamento das desigualdades sociais, devido ao aumento da concentração da renda, ao aprofundamento do desemprego e à precarização do trabalho e à queda da renda média real dos trabalhadores. A combinação esses elementos promoveu a expansão da superpopulação relativa ou do exército industrial de reserva no País, elevando assim os índices de pobreza e os níveis de vulnerabilidade social da classe trabalhadora (SILVA,2009, p.81). Antunes (2011) traz como exemplo dessas transformações a indústria automobilística brasileira, que introduziu os robôs e o sistema CAD/CAM – promovendo mudanças organizacionais, acarretando as subcontratações e a terceirização da força de trabalho, como também a implementação de novas fábricas de tamanho reduzido. Outro exemplo que o autor destaca é no setor financeiro, onde os bancários foram fortemente atingidos pelas mudanças proporcionadas pela tecnologia à base da microeletrônica. As novas políticas implantadas introduziram os programas de “qualidade total” e de “remuneração variável” como também a concessão de prêmios de produtividade pelas metas alcançadas, que acarretaram um significativo aumento do capital financeiro. Além disso, as formas flexíveis de contratação da força de trabalho nos bancos acarretou uma maior precarização do trabalho como também a redução dos salários, aumentando, assim, a desregulamentação do trabalho e a redução dos direitos sociais para os trabalhadores em geral. Grandes centros de computação foram desativados; serviços de compensação de cheques; fechamento de setores nas agências bancárias; centrais administrativas reduzindo o número de funcionários de 800 mil no final de 1980, para 400 mil, em 2005; e o plano de demissão voluntária tornou-se regra nos bancos públicos. Todo esse processo vai acarretar numa massa de trabalhadores desempregados, trabalhando informalmente de forma precária sem garantias trabalhistas, acarretando a expansão da superpopulação relativa nas diferentes formas principalmente na flutuante que se configura nos trabalhadores ora repelidos, ora atraídos pelo mercado de trabalho nos grandes centros industriais; e a forma estagnada que se refere aos trabalhadores em ocupações 18 irregulares, extensas horas trabalhadas, pequenos salários e sem proteção social nenhuma, e a grande parte da população de rua faz parte desse grupo (SILVA, 2009). De acordo com as questões levantadas acima compreendemos que a População em Situação de Rua é uma expressão da questão social a qual teve sua origem no final do séc. XVIII, quando o pauperismo começa tomar forma, com a expulsão dos trabalhadores rurais e camponeses de suas terras e a sua não absorção nas indústrias. No Brasil, esse fenômeno, também, começa a ganhar corpo nos anos 90 com a reestruturação produtiva onde o capital produtivo cede lugar ao capital financeiro, acarretando uma série de mudanças no mundo do trabalho como: as demissões em massa, trabalho informal sem garantias trabalhistas, baixos salários, etc.Todo esse processo vai acentuar a desigualdade social que é fruto dessa sociedade capitalista excludente, quando uma minoria desfruta de toda riqueza produzida e a grande massa fica à mercê das políticas sociais, que são focalistas, residuais e seletivas e o morador em situação de rua faz parte da grande massa. 2.1 CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Para melhor compreensão da caracterização da População em Situação de Rua, utilizar-se-á Silva (2009) como referência principal, onde a autora analisa seis aspectos que ajudarão nessa compreensão do fenômeno, quais sejam: 1) Múltiplas determinações; 2) Expressão radical da questão social na contemporaneidade; 3) Localização nos grandes centros urbanos; 4) Preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno; 5) As particularidades vinculadas ao território em que se manifesta; 6) Tendência à naturalização do fenômeno. Abordar-se-á em seguida cada um dos aspectos: Primeiro aspecto: Múltiplas determinações Ainda, segundo a autora, existe um consenso entre vários estudiosos de que não há um único fator que conduz às ruas, mas vários como os seguintes: a) Fatores estruturais: ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e estruturais entre outras; 19 b) Fatores biográficos: ligados à história de vida de cada indivíduo, doenças mentais, uso de álcool e outras drogas, rupturas dos vínculos familiares, etc.; c) Fatos da natureza ou desastres de massas: terremotos, inundações etc., acontecimentos esses que podem fazer os indivíduos perderem suas casas e os bens materiais, ficando assim na rua. Segundo os dados obtidos na Pesquisa Nacional e Amostral sobre a População em Situação de Rua, realizada entre agosto de 2007 e abril de 2008, e a autora supracitada, os fatores que mais levam as pessoas para viver nas ruas são: ruptura de vínculos familiares e comunitários, a inexistência de trabalho e a insuficiência de renda, entre outros fatores, e que todos estão diretamente vinculados à estrutura da sociedade capitalista. Segundo aspecto: População em Situação de Rua enquanto Expressão da Questão Social: O segundo aspecto destacado por Silva (2009) refere-se ao fenômeno como sendo “uma expressão radical da questão social na contemporaneidade”. A questão social, compreendida como a contradição entre Capital/Trabalho, se apresenta de várias maneiras na sociedade capitalista, quando a desigualdade social é gritante tomando proporções ainda maiores a partir das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, com a reestruturação produtiva e a supervalorização do capital financeiro em detrimento do capital produtivo e a reorientação do papel do Estado. Mediante esses fatos ocorrerá o aprofundamento do desemprego estrutural, o trabalho informal sem garantias trabalhistas, os baixos salários, agravando, assim, o aumento da superpopulação relativa ou exército industrial de reserva, contribuindo para a expansão do fenômeno População em Situação de Rua. De acordo com Silva (2009, p. 116): Nesse contexto, este fenômeno constitui expressão radical da questão social na contemporaneidade, que materializa e dá visibilidade à violência do capitalismo sobre o ser humano, despojando-o completamente dos meios de produzir riqueza para uso próprio e submetendo-o a níveis extremos de degradação de vida. Terceiro aspecto: Relação do fenômeno com os centros urbanos O terceiro aspecto se refere à localização nos grandes centros urbanos, que sempre foram os locais mais procurados por essa população, uma vez que é onde a circulação do capital ocorre com maior intensidade e o fluxo de pessoas é muito grande devido às atividades 20 financeiras e comerciais, facilitando, assim,o recebimento de doações e/ou obter rendimentos pelos trabalhos executados por guardadores de veículos, engraxate, etc. Toda essa conjugação de fatores explica porque o fenômeno População em Situação de Rua é um fenômeno urbano. Quarto aspecto: Relação do fenômeno com o preconceito. A autora elucida que o quarto aspecto é o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno. O preconceito é uma marca que acompanha o morador em situação de rua desde sempre e podemos perceber nas denominações pejorativas direcionadas a essa população, como: “mendigos”, “vagabundos”, “maloqueiros”, etc., sendo que, na maioria das vezes responsabilizadas pela situação em que se encontram. Grande parte da sociedade as repele tratando-as com medo e nojo. Isso vai resultar nas práticas higienistas, que tem como objetivo camuflar o fenômeno através de massacres, extermínios e/ou recolhimento forçado. Um dos exemplos que se pode citar foi o massacre acontecido na candelária4, amplamente divulgado na mídia nacional e internacional. Quinto aspecto: relação do fenômeno vinculado ao território O quinto aspecto se refere às particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. Segundo a autora supracitada, essas particularidades são decorrentes dos hábitos, dos valores e das características socioeconômicas, culturais e geográficas. Essas especificidades vão refletir no modo de ser dessa população, de acordo com o tempo de permanência nas ruas ou nas estratégias de enfrentamento para sua sobrevivência. E cita como exemplo o Brasil devido as suas grandes proporções e particularidades regionais, oferecendo à população em situação de rua algumas estratégias de sobrevivência. No inverno da região sul e sudeste, verifica-se que diminui consideravelmente o número de pessoas atingidas pelo fenômeno circulando pelas ruas, pois as mesmas para se protegerem do frio, se recolhem nos albergues ou outros espaços ou se mudam temporariamente para outras regiões. Outro exemplo citado pela autora é a diferença entre a população mais jovem numa determinada região que outra. 4 Em julho de 1993, oito jovens com idade entre 11 e 19 anos, que dormiam na praça da igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, foram executados a tiros por homens que chegaram ao local em dois chevettes. Pelos crimes foram condenados 3 policiais militares. Uma das teses apontadas pela investigação é vingança. Meninos de rua teriam apedrejado um carro da polícia, um dia antes, após a prisão de um traficante que vendia cola de sapateiro. Outra causa possível foi o atropelamento da mulher de um policial que fugia de um arrastão cometido por menores. Informações disponíveis em: http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/chacinas.../chacinasbrasil-02. 21 Sexto aspecto: relação do fenômeno com a naturalização do fenômeno. Segundo a autora, a tendência à naturalização do fenômeno diz respeito à visão que a sociedade tem do fenômeno, sendo um processo natural da sociedade moderna e não uma expressão radical da questão social, além de responsabilizá-los pela sua condição de vida. Essa visão distorcida do fenômeno acarretam ações preconceituosas tanto do Estado como da sociedade em geral. Exemplo disso são as políticas públicas direcionadas a essa população serem focalizadas, bem como a quase inexistência de estudos sobre o fenômeno. 2.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Conforme já visto anteriormente, o fenômeno População em Situação de Rua tem como sua característica marcante a heterogeneidade que também é destacada por muitos autores, mas para Silva (2009) existem três elementos que permitirão identificar o fenômeno como um grupo populacional diferenciado que são: a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a ausência de moradia convencional regular. A autora conceitua a categoria pobreza como: Considera-se pobreza extrema a condição que se define pela não propriedade dos meios de produção e reduzido ou inexistente acesso às riquezas produzidas socialmente, seja pela ausência de trabalho e renda regulares, seja pelo não acesso às políticas públicas. (SILVA, 2009, p. 129) Dessa forma, “A condição de pobreza extrema, nos termos definidos, alcança todas as categorias das diferentes tipologias de população em situação de rua citadas”(SILVA, 2009, p.130). O outro elemento condicionante do fenômeno levantado por Silva(2009) é o rompimento ou fragilização do vínculo familiar. Segundo a autora, estudos comprovam que a grande maioria dos moradores em situação de rua possui referência familiar, embora a maioria tenha esse vínculo afetivo e de solidariedade fragilizado ou interrompido. A autora ainda salienta que, além dos problemas de ordem econômica, existem outros fatores que levam à fragilização dos vínculos familiares ou mesmo o rompimento desses vínculos como 22 as desavenças afetivas, os preconceitos relacionados à orientação sexual e ao uso de álcool e outras drogas. O último e mais significativo dos elementos é a inexistência de moradia regular que: [...] associada às demais condições conduzem à utilização dos logradouros públicos como ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixos de viadutos ou áreas degradadas, ou seja, galpões e prédios abandonados, ruínas, carcaças de caminhão ou, ainda redes de acolhida temporária mantidas por instituições públicas ou privadas, sem fins lucrativos, como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente (SILVA, 2009, p. 132). Na sequência, traz-seo perfil da população em situação de rua obtido através da pesquisa nacional. A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua foi realizada entre agosto de 2007 e março de 2008 e elaborada pelo MDS,abrangendo 71 cidades brasileiras. Não fizeram parte desta pesquisa as cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Recife que já haviam realizado pesquisa semelhante recentemente e Porto Alegre que, nesta mesma época, estava realizando uma pesquisa. Constatou-se na pesquisa uma população de 31.922 adultos vivendo nas calçadas, viadutos, marquises, praças, rodovias, prédios abandonados, túneis etc. O público- alvo da pesquisa foram pessoas com 18 anos completos, ou mais, vivendo em situação de rua. A partir dessa pesquisa consegue-se traçar um perfil dessa população que serviu de base para a elaboração da Política Nacional para a população em Situação de Rua. 2.3 PERFIL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA No tocante ao perfil da população de rua devem-se salientar alguns pontos, a fim de que se possa conhecer um pouco mais sobre esta população, a saber: - Características socioeconômicas Segundo a pesquisa nacional sobre população em situação de rua (2008), a população em situação de rua é predominantemente masculina (82%), e mais da metade (53%) das pessoas adultas entrevistadas possui entre 25 e 44 anos. De acordo com Silva (2009) a predominância masculina deve-se ao fator cultural do homem ter o papel de provedor da família e quando em algum momento não consegue garantir o sustento da casa se vê pressionado e essa pressão pode conduzí-lo às ruas. Já a mulher, como possui seu papel de 23 reprodutora e responsável pelos cuidados da prole e o medo da violência, fica limitada e inibida, não recorrendo a esta estratégia de sobrevivência. Com relação à faixa etária da população em situação de rua, Silva (2009) a relaciona ao envelhecimento populacional como, também, na tendência do desemprego quanto à faixa etária. Consta ainda que 39,1% das pessoas em situação de rua se declaram pardas. Essa proporção é semelhante a observada no conjunto da população brasileira (38,4%). Declaramse brancos 29,5% (53,7% da população em geral) e preto 27,9%, (apenas 6,2% da população em geral). Assim, a proporção de negros (pardos somados a pretos) é substancialmente maior na população em situação de rua. - Formação escolar Identificou-se que 74% dos entrevistados sabem ler e escrever. 17,1% não sabem escrever e 8,3% apenas assinam o próprio nome. A imensa maioria não estuda atualmente (95%). Apenas 3,8% dos entrevistados afirmaram estar fazendo algum curso (ensino formal 2,1% e profissionalizante 1,7%). Diagnosticou-se que 48,4% não concluíram o primeiro grau e 17,8% não souberam responder/não lembram/não responderam o seu nível de escolaridade. Apenas 3,2% concluíram o segundo grau. Consoante Silva (2009), a maioria dos recenseados sabe ler com ou sem escolaridade e também a maioria da população em situação de rua se encontra em algum grau de escolaridade entre a 1ª e 8ª séries. O percentual dos que não sabem ler continua o mesmo, ao passo que das pessoas que possuem escolaridade entre a 1ª e a 8ª diminuiu, ao passo que aumentou o percentual das que estão no ensino médio e superior. - Razões da ida para rua Os principais motivos pelos quais essas pessoas passaram a viver e morar na rua se referem aos problemas de alcoolismo e/ou drogas (35,5%); desemprego (29,8%) e desavenças com pai/ mãe/irmãos (29,1%). Dos entrevistados no censo, 71,3% citaram pelo menos um desses três motivos (que podem estar correlacionados entre si ou um ser consequência do outro). - Rua e albergue A maioria dos entrevistados costuma dormir na rua (69,6%); um grupo relativamente menor (22,1%) costuma dormir em albergues ou outras instituições; apenas (8,3%) costuma alternar, ora dormindo na rua, ora dormindo em albergues. Entre os que preferem dormir em 24 albergue, 69,3% aponta a violência como principal motivo e entre os que preferem dormir na rua, 44,3% apontaram a falta de liberdade como principal motivo. O segundo principal motivo foi o horário 27,1% e o terceiro a proibição do uso de álcool e outras drogas (21,4%). É urgente a ampliação de vagas nos albergues tendo em vista o aumento do número de moradores em situação de rua, também se faz necessário que as normas e regras das casas de acolhimento sejam mais flexíveis para uma maior adesão ao serviço por parte desta população. - Vínculos familiares 51,9% dos entrevistados possuem algum parente residente na cidade onde se encontram, porém 38,9% deles não mantém contato com os mesmos e 14,5% mantém contato em períodos espaçados (diários, semanais ou mensais) no caso de 34,3% dos entrevistados, e, ainda, 39,2% consideram bom o relacionamento que mantém com os parentes que vivem na mesma cidade, enquanto 29,3% consideram esse relacionamento ruim ou péssimo. E por último 23,1% mantém contato com parentes que vivem fora da cidade e que se encontram. - Trabalho e renda: Conforme a pesquisa, a população em situação de rua é composta, em grande parte, por trabalhadores: 70,9% exercem alguma atividade remunerada; as atividades que tiveram destaque são: catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha (14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e carregador/estivador (3,1%). Apenas 15,7% pede dinheiro como principal meio de sobrevivência; 58,6% dos entrevistados afirmam ter profissão e as mais citadas são aquelas ligadas à construção civil (27,2%), ao comércio (4,4%), ao trabalho doméstico (4,4%) e à mecânica (4,1%). A maioria dos trabalhos realizados são trabalhos informais, sem carteira assinada e os poucos que já trabalharam com carteira assinada, informam que isso ocorreu a bastante tempo. A maioria (52,6%) recebe entre R$ 20,00 e R$ 80,00 semanais, o que vem a confirmar a precariedade do trabalho informal. Esses dados contribuem para que se desfaça a imagem negativa que a sociedade em geral tem dessa população de que são “vagabundos”, “mendigos” entre outros termos pejorativos atribuídos a eles. - Alimentação. 25 A maioria (79,6%) consegue fazer ao menos uma refeição por dia, sendo que 27,4% compram comida com o seu próprio dinheiro, enquanto 19% não conseguem se alimentar todos os dias (ao menos uma refeição por dia). É necessário que os Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua permaneçam abertos também nos finais de semana para o fornecimento de alimentação, como também o aumento do número de restaurantes populares facilitaria a vida dessa população. Condições de saúde 29,7% dos entrevistados afirmam ter algum problema de saúde. Entre os problemas de saúde mais citados estão: hipertensão (10,1%), problema psiquiátrico/mental (6,1%), HIV/Aids (5,1%) e problemas de visão/cegueira (4,6%). Dos entrevistados, 18,7% fazem uso de algum medicamento e a via de acesso são os postos/centros de saúde. Quando doentes, 43,8% procuram as emergências dos hospitais e 27,4% procuram o posto de saúde. -Recursos utilizados para higiene Os principais locais utilizados pelas pessoas em situação de rua para tomar banho são as ruas (32,6%), os albergues/abrigos (31,4%), os banheiros públicos (14,2%) e a casa de amigos (5,2%); e os principais lugares para fazer as necessidades fisiologias são os albergues/abrigos (32,5%),os banheiros públicos (25,2%), os estabelecimentos comerciais (21,3%) e a casa de parentes e amigos (2,7%). É necessário que os serviços destinados a essa população permaneçam abertos nos finais de semana para a satisfação das suas necessidades como também a construção de banheiros públicos gratuitos para facilitar a vida dessa população. -Posse de documentação 24,8% das pessoas em situação de rua não possuem quaisquer documentos de identificação, dificultando assim a obtenção de emprego formal, acesso aos serviços e programas governamentais e o exercício de cidadania; já 21,9% possuem todos os documentos de identificação mencionados pela pesquisa. -Acesso aos programas governamentais. A grande maioria não é atingida pela cobertura dos programas governamentais: 88,5% afirmaram não receber qualquer benefício dos órgãos governamentais. Entre os benefícios recebidos se destacaram a aposentadoria (3,2%), o Programa Bolsa Família (2,3%) e o 26 Beneficio de Prestação Continuada (1,5%). O número de moradores de rua inscritos no CADÚNICO é muito pequeno em relação ao total da População em Situação de Rua, fato esse que dificulta a inclusão dessa população aos programas e projetos sociais e esse é um desafio para os Assistentes Sociais. -Discriminação sofrida As pessoas em situação de rua sofrem muitas discriminações, que se expressam, por exemplo, no fato de serem frequentemente impedidas de entrar em certos locais como: estabelecimento comercial, Shopping Center, transporte coletivo, bancos, órgãos públicos etc. -Participação em movimentos sociais e cidadania A grande maioria (95,5%) não participa de qualquer movimento social ou atividade de associativismo. Apenas 2,9% participam em algum movimento social ou associação. A maioria não exerce o direito de cidadania elementar que é o voto dos representantes parlamentares e dos executivos governamentais, tendo em vista não possuir o titulo de eleitor. Em São José, ainda não foi feita uma pesquisa sobre a população em situação de rua, apenas foram levantados alguns dados, como a procedência dos moradores atendidos na casa de acolhimento social Bom Samaritano, onde verificou-se que, diferente da pesquisa nacional, a maioria vem de outros estados. Portanto, quanto aos outros itens da pesquisa não se pode fazer um comparativo. 27 3. A REALIDADE DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ O Município de São José foi fundado em meados do século XVIII; faz parte da região metropolitana de Florianópolis; possui, segundo o censo do IBGE de 2010, uma população de 209.804, com uma estimativa para 2013 de 224.779 habitantes; área territorial de 152.387 km², sendo o quarto município mais populoso do Estado e o quinto no ranking da economia dos municípios de Santa Catarina. A principal fonte de renda do Município é advinda da indústria, do comércio e da prestação de serviços, mantendo ainda a pesca artesanal, maricultura e produção de cerâmica utilitária.Todavia, com o crescimento desordenado caracterizado principalmente pelas ocupações irregulares, favoreceram a proliferação de comunidades de baixa renda, comunidades estas prioritárias para intervenção estatal. No plano municipal de assistência social de São Jose-SC, - quadriênio 2010 – 2013 aprovado em reunião do Conselho Municipal de Assistência social em 10 de junho de 2010, através da resolução nº 044 de 10/06/2010, é um instrumento legal, que além de sistematizar as ações e planejar o processo de implementação pelo período de 2010- 2013 contemplam os serviços, projetos e programas nos eixos da Proteção Social Básica, Proteção Social Especial de Média Complexidade, Proteção Social Especial de alta complexidade, Aprimoramento da Gestão e Rede Socioassistencial. E ainda de acordo com a PNAS/2004, o Plano de Assistência Social é um instrumento de planejamento estratégico que organiza, regula e norteia a execução da Política da Assistência Social. O Plano Municipal de Assistência social rege-se fundamentalmente pelo que preconiza a Constituição Federal Brasileira de 1988 quanto à Assistência Social, bem como pela Lei Orgânica da Assistência social (LOAS), de 1993. A Secretaria de Assistência Social do Município de São José atualmente encontra-se administrativamente organizada, ainda que informalmente, em Gabinetes dos Secretários, Assessoria Jurídica, cinco Diretorias assim denominadas: Diretoria Administrativa e Financeira; Diretoria de Planejamento, Monitoramento e Avaliação; Diretoria de Proteção Social Básica; Diretoria de Proteção Social Especial de Média Complexidade e Diretoria de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, sendo composta ainda pelo Departamento de Benefícios Socioassistenciais. Vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social encontram-se os Conselhos de Direitos: Conselho Municipal 28 de Assistência Social – CMAS/SJ; Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA/SJ; Conselho Municipal do Idoso – CMI/SJ e os Conselhos Tutelares – Sede em Barreiros. No Município de São José, o controle da gestão da Política de Assistência Social é realizado pelo Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS/SJ que, foi instituído pela Lei Municipal Nº 2.866, de 13 de dezembro de 1995, alterada pela Lei nº 3194/98 e pelas Conferências Municipais de Assistência Social, realizadas a cada dois anos, sendo estas instâncias máximas de discussão e de fundamental importância para o exercício do controle social da Política de Assistência Social. Além do CMAS, o município conta com o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e do Conselho Municipal do Idoso. O Município de São José caracteriza-se como município de grande porte habilitado ao SUAS em nível de gestão básica. Além dos serviços de Proteção Social Básica, o município oferta serviços de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. A média complexidade está estruturada por meio de dois CREAS onde funcionam os serviços: PAEFI, Medida Socioeducativa, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e um Centro POP com o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua e Abordagem Social. Há oferta de Serviço de Alta Complexidade para criança, adolescentes, idosos e adultos em situação de rua. A casa Bom Samaritano, antes de acolher os Moradores em Situação de rua abrigava também pessoas de outros municípios que vinham para atendimento no Hospital Regional de São José. Este serviço era custeado pelo poder executivo municipal, tendo em vista o alto custo o serviço foi desativado. E o espaço foi ocupado pelo serviço de acolhimento social ao Morador em Situação de Rua. No período de 22/06/2010 e 31/08/2010, na cidade de São José, foram realizadas ações durante o projeto denominado “Operação inverno”. Essa operação foi fruto da parceria entre a Secretaria da Assistência social e a sociedade civil que reuniram estratégias para a promoção de atendimento de caráter emergencial para a População em Situação de Rua durante o período de maior frio. Dentre as ações coube o cadastramento unificado das pessoas em situação de rua de São José, distribuição de refeições, roupas e cobertores, atendimento com assistente social, acolhimento institucional e atendimento na área da saúde. Esta operação teve como foco os bairros de Campinas, Kobrasol e Barreiros, onde há uma maior concentração desse público. Este conjunto de ações foi importante para o processo de implantação do Projeto Rede de Rua que estava em fase de inserção. O Projeto Rede Rua era um projeto da Secretaria da 29 Assistência Social de São José que oferecia o serviço de acolhimento e o centropop, era o único abrigo da grande Florianópolis que abrigava o Morador em Situação de Rua de São José. E em 07/07/2011 é inaugurada a Casa de Apoio Bom Samaritano, localizada na Rua Constâncio Krummel, 972 – Praia Comprida. Inicialmente, a casa dispunha de 15 vagas, 10 para homens e 5 para mulheres. No início de suas atividades funcionava também o Centropop, na casa. No inicio das atividades da casa o atendimento se dava da seguinte forma: todos os dias as pessoas que seriam abrigadas chegavam entre a 19 e 20hs. Ao chegar eles recebiam duas toalhas uma de banho e outra de rosto, além de um kit de higiene pessoal contendo escova e pasta de dente, um pente, um desodorante e um sabonete. O kit feminino continha ainda um shampoo e um absorvente íntimo. A janta que era servida às 20hs. As pessoas que faziam parte do serviço de acolhimento se recolhiam às 22hs, e os que só faziam parte do serviço Centropop podiam ficar na casa até às21hs. O café da amanhã era servido as 07hs. Tinha também a disposição duas assistentes sociais para fazer os encaminhamentos necessários. A pessoa que quiser sair das ruas poderá ficar na casa de 03 a 06 meses para construir o seu novo projeto de vida e os que não quiserem poderiam ficar na casa por 10 dias, para que se pudesse atender o maior número de pessoas em situação de rua. São José, em 2012, assinou o Termo de Aceite com o MDS no qual assumiu o compromisso com a oferta do serviço de Alta Complexidade, na modalidade de acolhimento institucional voltada para as pessoas em situação de rua do município. De acordo com o texto de orientação para o reordenamento do serviço de acolhimento para população adulta e famílias em situação de rua (Brasil 2012), “o reordenamento deve ser concebido como um processo gradativo de adequação da rede de serviços de acolhimento locais aos parâmetros contidos nas normativas vigentes.”. Tendo em vista o objetivo proposto no trabalho, detalhar-se-ão os serviços prestados ao Morador em Situação de Rua de São José, pela Secretaria de assistência Social. 3.1 REDE DE SERVIÇOS À PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA DE SÃO JOSÉ O Município de São José dispõe das específicas diretorias de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, junto a seus aparatos de atendimento a População em Situação de Rua, como o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTRO POP),casa de Apoio Social à População em Situação de Rua, o Serviço de Abordagem Social de Rua e o Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAP’S- 30 AD). Esta rede corresponde a operacionalização da agenda prevista pelo MDS e pela Secretaria de Assistência Social de São José. 3.1.1Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTROPOP) O Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTROPOP) de São José, previsto pelo Decreto nº 7.053 de 2009, iniciou suas atividades em 07/07/2011, no mesmo espaço físico da casa de acolhimento social localizado na Rua Constâncio Krummel, 952, Praia Comprida.É um serviço oferecido pela Secretaria da Assistência Social e presta os seguintes serviços: Serviço Especializado para Pessoas e Situação de Rua e Serviço Especializado em Abordagem social que começa a funcionar somente em 25/02/13, quando o serviço muda para o endereço atual: Rua Constâncio Krummel, 2119 – Praia Comprida . O objetivo dos serviços é a construção do processo de saída das ruas; a promoção de ações para a reinserção familiar e comunitária e o acompanhamentodo usuário conformeas demandas apresentadas.E para isso conta com uma equipe profissional composta por assistentes sociais, educadores sociais, estagiários do serviço social e motoristas. Além do serviço de acompanhamento e encaminhamento para comunidades terapêuticas, conveniadas com a Secretaria da Assistência Social, e para a casa de acolhimento social, oCentropop oferece ao morador em situação de rua 4 refeições diárias e espaço para higiene pessoal, como também a confecção da 2ª via de documentos. 3.1.2 Serviço Especializado de Abordagem Social No Município de São José, o Serviço de Abordagem Social teve o seu inicio em 25/02/13, quando o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua ocupou as atuais instalações na Rua Constâncio Krummel, 2119 - Praia Comprida. De acordo com a Secretaria 31 da Assistência Social, o projeto de Abordagem social é realizado em locais de maior concentração dessa população que em São José se concentra nos bairros de Campinas, Kobrasol e Barreiros e tem como objetivo a construção do processo de saída das ruas e condições de acesso à rede de serviços e a benefícios assistenciais, promoção de ações para a reinserção familiar e comunitária, entre outras. Os usuários são encaminhados de acordo com a demanda para a casa de acolhimento social, para as comunidades terapêuticas, e CAP´SAD, de acordo com a vontade do usuário. 3.1.3 Casa de Acolhimento Social A casa de acolhimento social Bom Samaritano, inaugurada em 07/07/2011, é um serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência sócia - SUAS,que se destina ao acolhimento de pessoas com idade acima de 18 anos, do sexo masculino e feminino, em situação de rua,com vínculos familiares fragilizados e/ou rompidos; encaminhados pelo serviço Centropop (Abordagem de Rua). O objetivo principal consiste em atender de forma emergencial, temporária, qualificada e personalizada, contribuindo para o restabelecimento dos vínculos familiares e sociais prejudicados e/ou rompidos; promoção do acesso à rede socioassistencial, aos demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e às demais políticas públicas; possibilitar ao usuário condições para retomar sua autonomia através da inclusão social e produtiva alcançando sua independência financeira; propiciar o fortalecimento de autonomia e autocuidado; e diminuir a reincidência de pessoas em situação de rua e a exposição à violência ou a promover atos de violência. Quando da sua inauguração a casa disponibilizava 15 vagas, sendo 10 vagas para homens e 5 vagas para mulheres. Em dezembro de 2013, a casa de acolhimento social ao morador em situação de rua – Bom Samaritano já disponibilizava 35 vagas, sendo 30 para homens e 05 para mulheres. A casa de acolhimento social de São José possui sede própria na Rua Constâncio Krummel, 952 – Praia Comprida e funciona 24hs ininterruptas; com característica residencial. A seguir descrever-se-á como funciona este serviço. Quanto ao espaço físico, a casa está estruturada da seguinte forma: no térreo, a recepção, onde o usuário é recebido pelo monitor social e são feito os primeiros contatos, passando as regras da casa e a entregado kit de higiene; ainda no térreo, o refeitório, onde são servidas as 4 refeições; a cozinha apresenta-se 32 interditada pela vigilância sanitária, assim, as refeições são fornecidas pelo CATI- Centro de Atenção à Terceira Idade; existe o depósito para a guarda do material de limpeza e higiene pessoal; banheiros para os funcionários; sala de TV com sofás com espaço para todos.Como é um espaço grande, neste local, também são feitas palestras e reuniões; suíte feminina com espaço para cinco mulheres (com guarda- roupa, banheiro com dois sanitários, pia e box); e depósito para guarda dos pertences dos usuários. No andar superior, tem-se a sala da coordenação/administrativa e técnica com dois computadores; dormitório masculino (com 30 camas, sendo 13 beliches e 4 camas, em uma área comum, sem divisórias); 2 banheiros (com sanitário, pia e box) e um depósito(roupas) para as doações recebidas. A casa não possui quarto destinado para acomodações de famílias, os casais ficam separados por sexo. E quanto aos usuários travestis, a casa tenta privilegiar a escolha do usuário quanto ao espaço de acomodação. Na parte externa, existe um quintal onde os usuários utilizam para fumar e bater papo.Quanto aos recursos humanos, a equipe de referência é composta pelos seguintes profissionais: 01 coordenadora, 01 assistente social e 06 monitores, trabalhando num regime de plantão de 12x36 horas;01 enfermeira, e 02 motoristas. O morador em situação de rua chega à Casa de Acolhimento Social através do Centro Pop ou da diretoria de Alta Complexidade. Ao chegar a casa, no primeiro momento, o usuário é recebido pelo monitor social, onde o mesmo passa as regras da casa, entrega um kit de higiene pessoal e mostra a casa e o seus aposentos. No segundo momento, é realizada uma entrevista social pela assistente social, para elaboração de um diagnóstico social, com o intuito de identificar as suas necessidades e suas expectativas quanto ao seu novo projeto de vida. De acordo com as necessidades do usuário, a equipe profissional vai realizar os encaminhamentos que podem ser realizados, utilizando a rede de organizações governamentais e não governamentais: encaminhamento para comunidades terapêuticas conveniadas com a Secretaria de Assistência social; encaminhamento para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); encaminhamento para o mercado de trabalho, onde é feito um acompanhamento desde a confecção de Curriculum Vitae; confecção de documentos como 2ª via da certidão de nascimento, 2ª via da carteira de identidade, carteira de trabalho, CPF, entre outros; agendamento de entrevistas de trabalho;encaminhamento para cursos profissionalizantes; curso de alfabetização em programas educacionais;fornecimento de comprovante de residência; fotos; abertura de conta salário, entre outros; marcação de consultas médicas e odontológicas; exames laboratoriais; e aluguel social; inscrição no CADÚNICO, solicitação do BPC,entre outros. 33 De acordo com o Texto de Orientação para o Reordenamento do Serviço de Acolhimento para População Adulta e Famílias em Situação de Rua, o tempo de permanência do usuário no serviço é de 06 meses, sendo que este prazo pode se estender dependendo da necessidade do usuário, porém são poucos os que conseguem completar esse tempo, tendo em vista que a maioria dos usuários fazem uso de substâncias psicoativas e/ou álcool e não conseguem ficar em abstinência, uma vez que na casa não é permitido o uso de álcool ou outras drogas. Essa situação vai colaborar para a interrupção desse novo projeto de vida. Outro serviço que o morador em situação de rua tem a sua disposição é o CAP’S II e CAP’SAD, que vem para auxiliar na sua recuperação da dependência química. 3.1.4 Centro de Atendimento Psicossocial e Álcool e/ou Drogas O morador em situação de rua de São José, a partir do mês de dezembro de 2012, passou a contar com o atendimento do CAPS_AD que funciona no mesmo endereço do CAPS II , localizado na Rua Marilia Borges Vaz, s/nº - bairro Areias. Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico. Sua característica principal é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares (BRASIL, 2004). No CAPS-AD é oferecido atendimento diário aos pacientes que fazem uso de álcool e/ou outras drogas; o atendimento pode ser individual ou em grupos, de oficinas terapêuticas e atendimento para a família. Conta com uma equipe multiprofissional composta por: Assistentes Sociais, Enfermeiros, Médicos Psiquiatras, Psicólogos, Farmacêuticos, Técnicos Administrativos, Técnico de Enfermagem, Vigilantes e Auxiliar de Serviços Gerais. A partir da descrição dos serviços oferecidos ao morador em situação de rua de São José tecer-se-á no próximo capítulo uma análise dos serviços oferecidos, principalmente pela casa de acolhimento social aos usuários,que foram presenciados e executados durante o estágio. 34 4 A LEGISLAÇÃO QUE AMPARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, por seu caráter protetor quanto à consolidação dos direitos sociais, através do artigo 5º, onde estabelece a igualdade de todos os cidadãos brasileiros perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e a propriedade. Apesar disso, constata-se a discriminação que o morador de rua vem sofrendo. Nos seu artigo 6º, onde se lê que “São direitos sociais a educação, a alimentação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a maternidade, e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição”, ainda não se reconhece a população em situação de rua como um cidadão de direito. Somente com a Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004 se reconheceu a atenção à População em Situação de Rua no âmbito do SUAS. De acordo com a PNAS (2004), “no caso da proteção social especial, à População em Situação de Rua serão priorizados os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências na sociedade brasileira, enquanto sujeitos de direitos”. Em resposta ao que foi apresentado no I Encontro Nacional de População em Situação de Rua foi aprovada a Lei 11.258 de 30 de dezembro de 2005, que vai dispor sobre a criação de programas específicos de assistência social para as pessoas que vivem nas ruas. A Lei nº 11.258 de 30/12/2005 inclui, no parágrafo único do artigo 23 da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (1993), a prerrogativa de que, na organização dos serviços da assistência social, deverão ser criados programas destinados às pessoas em situação de rua. E em 25 de outubro de 2006 é instituído por Decreto Presidencial o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo MDS, com a finalidade de elaborar estudos e apresentar propostas de políticas públicas para a inclusão social da população em situação de rua. O decreto considerou também a necessidade de articulação entre os diferentes níveis de governo e da participação da sociedade civil organizada nesse processo (BRASIL CADERNO CENTROPOP/2011). A Portaria MDS nº 381 foi implementada pelo MDS em 12 de dezembro de 2006 e garantiu os recursos do cofinanciamento federal para municípios com mais de 300.000 habitantes com população em situação de rua, visando uma maior oferta de serviços de acolhimento, destinados a este público. 35 A aprovação da Resolução do Conselho Nacional da Assistência social – CNAS nº109 de 11 de novembro de 2009, que trata em seu art. 1º da aprovação da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, representou um avanço significativo para a concretização da oferta de ações às pessoas em situação de rua no SUAS, na medida em que efetivou a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL CADERNO CENTROPOP 2011). A Tipificação Nacional de serviços socioassistenciais: Documento que tipifica os serviços socioassistenciais em âmbito nacional, dentre os quais os serviços destinados ao atendimento à População em Situação de Rua na Proteção Social Especial – PSE: Serviço especializado em Abordagem Social; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua; Serviço de Acolhimento Institucional (que incluem adultos e famílias em situação de rua) e serviço de Acolhimento em República (que inclui adultos em processo de saída das ruas). O decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009 – Instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e o seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento. A Instrução Operacional conjunta com a Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS e Secretaria Nacional de Renda e Cidadania – SENARC Nº 07 DE 22 de novembro de 2010 – reúne orientações aos municípios e Distrito Federal para inclusão de Pessoas em Situação de Rua no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO). A Resolução da Comissão Intergestores Tripartite – CIT nº 07 de 07 de junho de 2010 pactuou critérios de partilha de recursos do cofinanciamento federal para a expansão dos Serviços Socioassistenciais 2010, com recursos advindos do Plano Integrado de Enfrentamento ao crack e outras drogas (decreto 7179, de 20 de maio de 2010). A Portaria 843 de 28 de dezembro de 2010 – dispõe sobre o cofinanciamento federal, por meio do Piso Fixo de Média Complexidade – PFMC, dos serviços socioassistenciais ofertados pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS e pelos Centros de Referência Especializados para a População em Situação de Rua, e dá outras providências. Apesar de todo esse marco legal não se pode garantir que a população de rua tenha os seus direitos garantidos, uma vez que para além da normatização das leis a sua concretização depende da vontade política dos gestores. “Mas, embora a conversão desses direitos sociais em direitos positivos não garanta sua plena materialização, é muito importante assegurar seu 36 reconhecimento legal, já que isso facilita a luta para torná-los efetivamente um dever do Estado”.(Coutinho,1994 pg.13/14) 4.1 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL Os primeiros modelos de proteção social surgiram na Alemanha no final do séc. XIX, no governo de Otto Von Bismarck, considerados um avanço para a época comparado à antiga Lei dos Pobres. Este modelo de proteção se identifica como seguro social, pois se assemelha com os seguros privados, que tem como objetivo proteger o trabalhador, quando este se encontrar desempregado,também o seu financiamento que provem da contribuição do trabalhador e do empregador.Esse modelo compreendia Seguro-doença em 1883, a Lei do Seguro Acidente em 1884 e a Lei do Seguro Invalidez e Velhice em 1889. Mas em 1942 surge um novo conceito de proteção social que se tornou referência para o mundo ocidental, o “plano Beveridge”, elaborado por William Beveridge, que diferente do modelo alemão Bismarck,defende a cobertura da proteção social como dever do Estado a todos, independente da condição de trabalhador. Até a década de 30 foram poucas as medidas de proteção social, porém elas influenciam até hoje as políticas atuais Desde 1920 é possível identificar medidas de proteção social relacionadas, de algum modo, com políticas sociais na área da seguridade(PEREIRA,1998). A Lei Eloy Chaves instituída no ano de 1923 vai criar a primeira Caixa de Aposentadorias e Pensões CAP’S para as categorias dos Ferroviários e Marítimos,que para aquela época eram os trabalhadores de maior importância, tendo em vista que a economia era a monocultura do café voltada para a exportação.Posteriormente foram surgindo outras CAP’S que asseguravam benefícios como: aposentadorias, socorro médico, pensão por pecúlio, mais medicamentos a preços reduzidos.Tudo sem a participação do Estado, mantido pela contribuição de empregados e empregadores. Segundo Couto (2004), essa política alterou-se em 1933, quando começaram a ser criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’S). As principais características desse sistema podem ser resumidas em: -Manutenção e controle dos trabalhadores, pois a presidência era instituída por indicações do governo; 37 -Fragmentação dos trabalhadores, pela criação de benefícios diferenciados de um instituto para outro, bastante distinto das CAP’S; -Enfrentamento da questão habitacional, em diversas categorias. Foi a primeira forma de previdência social brasileira, onde os funcionários públicos foram os primeiros a serem beneficiados. Nos anos 30, com o desenvolvimento da economia e sob o governo de Getúlio Vargas, se reconhecem as políticas sociais como um mecanismo de controle político e social.Assim, dentre as principais medidas, citamos: a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930; os Institutos de Pensões 1933; a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) 1943, e em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA) voltada inicialmente para atender às famílias dos pracinhas, passando a atuar mais tarde junto aos seguimentos mais pobres da população. A partir do golpe de 1964 até o ano de 1981, Draibe (1993) define como sendo um período de “consolidação institucional e reestruturação conservadora”. De acordo com Couto (2004), ao falar sobre o que Draibe chama de “consolidação institucional” nos anos de 1964 até 1977, diz que em relação às medidas de cunho social na época, o período da ditadura militar foi pródigo em construir um corpo institucional tecnocrático para responder as demandas sociais e do capital. Atuou setorialmente e expandiu o número de instituições. Conforme Couto (2006), a década de 1980 inaugurou um novo patamar na relação Estado e Sociedade. Foi marcada pela transição dos governos militares à constituição da democracia. Esse período de abertura política foi um período onde a sociedade civil foi às ruas lutar pelas “Diretas já”. Couto (2006) elucida que o Brasil em 1985 apresentava uma nova face no que se refere ao processo de reorganização política, sob a égide da democracia, como também ampliou sua herança para com a face da desigualdade social. Uma vez que o regime anterior deixou uma grande parcela da população em estado de extrema pobreza, tendo em vista uma péssima distribuição de renda, fez com que essa população ficasse dependente das políticas sociais. De acordo com o autor citado, essa situação não é novidade nesse período histórico, pois a concentração de renda é característica persistente na história do Brasil, sendo que as demandas sociais já existiam e eram tratadas de maneira pontual e fragmentadas. Os governantes dessa época tinham em seu discurso romper com o clientelismo, como também mudar o sistema político, econômico e social, porém o que observamos é que os 38 inúmeros planos econômicos não foram capaz de melhorar as condições de vida da população. Embora as medidas citadas anteriormente tenham sido identificadas como proteção social, somente com a Constituição Federal de 1988 é que o conceito de Seguridade Social ganhou visibilidade. O autor supracitado explica que o governo Sarney ficou conhecido como um governo de transição democrática, que teve como resultante a Constituição de 1988, e, por outro lado, pelo processo de articulação das forças conservadoras, que tornaram, pela sua pressão, inacabada a reforma prevista pela Constituição. Uma vez que o Brasil firmou acordo com os organismos internacionais, orientados pelo Consenso de Washington, isso fez com que a constituição conhecida como a Constituição Cidadã, tendo em vista os seus ideais, viesse de encontro às novas orientações econômicas. Couto (2006) enfatiza que no período de 1990 a 1992 podem ser apontados novamente como marcas do governo Collor a sua decisão de intervir na economia por meio dos planos Collor I e Collor II; a abertura do mercado brasileiro e o caráter populista, clientelista e assistencialista dos programas sociais de seu governo. Tendo em vista as denúncias de corrupção, o presidente Collor, sofre um processo de impeachment, que o tirou do poder, assumindo o vice-presidente Itamar Franco. E foi no governo de Itamar Franco que se aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social, tendo em vista a pressão da sociedade civil e organismos de classe e da ação do Ministério Público. Ainda conforme Couto (2006), a assistência social foi a última área da seguridade social a ser regulada. A saúde teve sua Lei Orgânica aprovada em 1990 (Lei 8.080); a previdência social teve a lei que instituiu os Planos de Custeio e Benefícios aprovado em julho de 1991 (Leis nº 8.212 e 8.213); e a Lei Orgânica da Assistência Social só foi regulada em 1993. E só em 30 de dezembro de 2005 foi aprovada a Lei nº 11.258 que alteraria o artigo 23 da Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a criação de programas específicos de assistência social para as pessoas que vivem em situação de rua. 4.2 A Concepção de Assistência social A Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de Assistência social, definindo-a como Política Pública da Seguridade Social que provê os mínimos sociais através de um conjunto articulado de ações de iniciativa pública e da sociedade. Como Política 39 Pública, a Assistência Social inicia seu trânsito para os direitos sociais, fundamentada na universalização dos acessos e na responsabilidade estatal. A inserção desta política no campo da Seguridade Social indica o seu caráter de política de Proteção Social que, articulada às demais políticas do campo social, deve assegurar condições dignas de vida aos cidadãos, reconhecendo, portanto, a legitimidade de suas demandas. A Proteção Social é entendida como um conjunto de ações, cuidados, atenções e auxílios para a redução ou prevenção de impacto de situações de privação, abandono, violência, exploração, infortúnio ou doença na direção de garantia do desenvolvimento social e humano dos direitos sociais. Deve garantir seguranças como de acolhida, de rendimentos, de convívio familiar, comunitário e social; de desenvolvimento da autonomia individual; e de sobrevivência a riscos circunstanciais, fundamentadas pelo caráter civilizatório presente na consagração dos direitos. 4.2.1 A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) Aprovada em 07 de dezembro de 1993, a Lei nº 8.742 - Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), vai conferir à Assistência Social a condição de Política Pública, visando romper no seu aspecto legal com as práticas conservadoras e clientelistas. Para dar concretude à nova concepção de Assistência Social, a LOAS em seu artigo primeiro define: A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento ás necessidades básicas (LOAS 1993). Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição Federal “reconhecendo a Assistência Social como política pública, direito do cidadão e dever do Estado, além de garantir a universalização dos direitos sociais.”. A Constituição Federal em seu Art. 203 assegura que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: “reconhecendo a Assistência Social como política pública, direito do cidadão e dever do Estado, além de garantir a universalização dos direitos sociais.”. 40 I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. No Art. 204, as ações governamentais, na área da assistência social, serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previsto no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativas, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. A LOAS, no artigo 1º, ao se referir aos mínimos sociais para o atendimento às necessidades básicas, conforme Pereira (2000, p. 26),vai ocorrer uma temeridade uma vez que “apesar de provisões mínimas e necessidades básicas parecerem termos equivalentes do ponto de vista semântico, eles guardam diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e políticoestratégico.”. A autora citada elucida que o “Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem conotação de menor, de menos (...) o básico expressa algo fundamental, principal, primordial”, como também “enquanto o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, (...) o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados.”. A autora, ainda nessa perspectiva, prefere adotar a noção de básicos em vez de mínimos, pois “enquanto o mínimo nega o “ótimo” de atendimento o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo”. (PEREIRA 2000 p. 27). Por conta disso a mesma autora conclui que Para que a provisão social prevista na LOAS seja compatível com os requerimentos das necessidades que lhe dão origem, ela tem que deixar ser mínima ou menor, para ser básica, essencial, ou precondição à gradativa otimização da satisfação dessas necessidades. Só então será possível falar em direitos fundamentais, perante aos quais todo cidadão é titular, e cuja concretização se dá por meio de políticas sociais correspondentes (PEREIRA, 2000 p. 27). 41 Com o intuito de que não haja os mesmos problemas conceituais, se faz necessária a identificação de necessidades humanas básicas, para acabar com as tendências de precarização e privatização das políticas sociais. Segundo Doyal e Gough (Apud Pereira, 2000), existem dois conjuntos de necessidades básicas objetivas e universais, que devem ser concomitantemente satisfeitos para que todos os seres humanos possam efetivamente se constituir como tal. São eles: saúde física e autonomia, as quais são precondições para objetivos universais de participação social. Segundo Pereira (2000 p. 69,70), por saúde física entende-se necessidade básica, porque, sem a provisão devida para satisfazê-la, os homens estarão impedidos, inclusive, de viver, ou seja, é precondição para a vida. Já por autonomia entende-se a capacidade do indivíduo de eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discernimento e de pô-los em prática sem opressões. Assim, ter autonomia não é “só ser livre para agir como bem se entender, mas acima de tudo, é ser capaz de eleger objetivos e crenças, valorá-los e sentir-se responsável por suas decisões e por seus atos” (PEREIRA, 2000 p.71). Com as necessidades básicas identificadas, a autora passa a identificar as mediações para a sua satisfação. Baseado nos estudos de Doyal e Gough, Pereira(2000) aponta onze categorias de necessidades intermediárias, quais sejam: alimentação nutritiva e água potável; habitação adequada; ambiente de trabalho desprovido de riscos; ambiente físico saudável; cuidados de saúde apropriada; proteção à infância; relações primárias significativas; segurança física; segurança econômica; educação apropriada; e segurança no planejamento familiar, na gestação e no parto. Portanto, para se alcançar a satisfação das necessidades humanas caberá ao Estado promover a proteção social de acordo com o conceito de necessidades humanas. O artigo 2º vai organizar os objetivos da lei, quanto à proteção direcionada para as crianças, idosos, deficientes e para a maternidade. Como o texto original é de 1993, ficou de fora um leque de desproteção, inclusive a população de rua, que só foi inclusa com a lei nº 11.258 de 30 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a criação de programas específicos de Assistência Social para as pessoas que vivem em situação de rua, e o maior desafio é identificar esse público e debater o sentido de proteção. Outro ponto importante deste artigo é que deve ser realizado de forma integrada com outras políticas setoriais. 4.2.2 A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) 42 A Política Nacional de Assistência Social aprovada através da Resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, pelo Conselho Nacional de Assistência Social, teve como marco a Constituição Federal de 1988, através do seu artigo 194, que trata da assistência social como seguridade social, trazendo uma nova concepção para a assistência social brasileira, configurando o tripé da seguridade social, juntamente com a saúde e a previdência social. Regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, em dezembro de 1993, além do atendimento às necessidades básicas, esta política também vai apontar o seu caráter de Proteção Social articulando-se a outras políticas do campo social. A proteção social deve garantir: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; e, convívio ou vivência familiar. De acordo com o artigo 4º da LOAS, a Política Nacional de Assistência social rege-se pelos princípios: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III- respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como a convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. Verificada a necessidade da operacionalização das políticas sociais na IV Conferência Nacional de Assistência Social, fundamentou-se a construção e a implementação do SUAS Sistema Único de Assistência Social em 2004 e a NOB – Norma Operacional Básica em 2005. O SUAS foi elaborado na perspectiva de um modelo de gestão descentralizada e participativa, nas três esferas de governo como também da sociedade civil. 43 O Sistema Único de Assistência Social é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão e organização da oferta de serviços, programas, projetos e benefícios da política de assistência social em todo o território nacional. Em termos gerais o SUAS: Estabelece a corresponsabilidade entre os entes federados (União, Estado, DF e Municípios) para implementar, regular, cofinanciar e ofertar serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social, em todo o território nacional, como dever do Estado e direito do cidadão; - Considera o território, respeitando as diversidades regionais e municipais, decorrente de características culturais, socioeconômicas e políticas, e as realidades urbana e rural; - Adota a matricialidade sociofamiliar como eixo estruturante das ações de assistente social; - Articula a oferta pública-estatal com a oferta pública não estatal de serviços socioassistenciais operacionalizados por meio de organizações e entidades de assistência social reconhecidas pelo SUAS; - Organiza a proteção social por níveis: proteção social básica, proteção social especial de média complexidade e proteção social especial de alta complexidade. (PNAS 2004) 4.2.2.1Proteção Social Básica Segundo a PNAS (2004) a Proteção Social Básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras). Este nível de proteção prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos, conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada. Deverão incluir as pessoas com deficiência e ser organizados em rede, de modo a inseri-las nas diversas ações ofertadas. Os 44 benefícios, tanto de prestação continuada como os eventuais, compõem a Proteção Social Básica, dada a natureza de sua realização. 4.2.2.2 Proteção Social Especial Segundo a PNAS (2004) a Proteção Social Especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativos, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outros. O objetivo principal da proteção social especial deve priorizar a reestruturação dos serviços de abrigamento dos indivíduos que, por uma série de fatores, não contam mais com a proteção e cuidado de suas famílias. (PNAS 2004). 4.2.2.3 Proteção social especial de média complexidade Os serviços de proteção social especial de média complexidade, oferece atendimento ás famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. Tendo como unidade de referência o Centro de Referência Especializado de Assistência social – CREAS 4.2.2.4 Proteção social especial de alta complexidade De acordo com o disposto na PNAS (2004) são serviços de proteção social especial de alta complexidade aqueles que garantem proteção integral, como moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para as famílias e indivíduos que se encontram sem referência e ou situação de ameaça, necessitando ser retirado de seu núcleo familiar e ou comunitário. Em conformidade com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, constituem serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade: 45 - Serviço de Acolhimento institucional; - Serviço de Acolhimento em República; - Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; - Serviço de Proteção em situações de Calamidades Públicas e de Emergências. 4.3 A POLÍTICA NACIONAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA A Política Nacional da População em Situação de Rua, instituída pelo decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, foi desenvolvida de forma articulada no I Encontro Nacional de População em Situação de Rua, com a participação dos movimentos sociais representativos desse segmento social,quando foram discutidas as estratégias, os desafios e as recomendações para a construção de políticas públicas, o financiamento através do Fundo Nacional da Assistência Social e a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. Entretanto, é importante que se diga que até esse I encontro, houve um grande movimento de setores organizados da sociedade civil que cobraram do poder público a responsabilidade no atendimento dessa parcela da sociedade, como o Grito dos Excluídos, que simbolizou a luta da população em situação de rua; o Fórum Nacional de Estudos Sobre População de Rua; os Seminários Nacionais que resultaram no 1º Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e na 1ª Marcha do Povo da Rua, como também a morte brutal de moradores de rua da região central da cidade de São Paulo, fato esse com repercussão na mídia nacional e internacional . E o resultado desse encontro foi a aprovação da Lei nº 11.258 de 30 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a criação de programas específicos de assistência social para as pessoas que vivem em Situação de Rua, alterando o parágrafo único do artigo 23 da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Em 25 de outubro de 2006, institui-se, por decreto presidencial, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo MDS, para elaboração de estudos e apresentação de propostas de políticas públicas, para inclusão social da população em situação de rua. Este grupo envolveu além do MDS, vários ministérios, como: Saúde, Educação, Trabalho e Emprego, Cidades, Cultura e Secretaria Nacional de Direitos Humanos, como também 46 representantes do MNPR, da Pastoral do Povo da Rua e do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social - CONGEMAS, iniciando o processo de discussão e elaboração do texto da política Nacional para População em Situação de Rua. A Política Nacional Para a População em Situação de Rua vai estabelecer através dos princípios, diretrizes e objetivos a articulação das políticas públicas nas três esferas do governo: federal, estadual e municipal, como também as ações desenvolvidas pela sociedade, para que, juntas, desenvolvam ações que possam beneficiar essa população. Como estabelece o artigo 4º dessa política: Art. 4º - O Poder Executivo Federal poderá firmar convênios com entidades públicas e privadas, sem fins lucrativos, para o desenvolvimento e a execução de projetos que beneficiem a população em situação de rua e estejam de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos que orientam a Política Nacional para a População em Situação de Rua (BRASIL 7.053/2009). Os princípios da Política Nacional para a População em Situação de Rua estabelecem: I - Promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; II – Respeito à dignidade do ser humano, sujeito de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais; III - Direito ao usufruto, permanência, acolhida e inserção na cidade; IV – Não-discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, nacionalidade, atuação profissional, religião, faixa etária e situação migratória; V – Supressão de todo e qualquer ato violento e ação vexatória, inclusive os estigmas negativos e preconceitos sociais em relação à população em situação de rua. As diretrizes definidas para a Política Nacional para a População em Situação de Rua são: I – Implementação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal, estruturando as políticas de saúde, educação, assistência social, habitação, geração de renda e emprego, cultura e o sistema de garantia e promoção de direitos, entre outras, de forma intersetorial e transversal, garantindo a estruturação de rede de proteção às pessoas em situação de rua; II – Complementariedade entre as políticas do Estado e as ações públicas não estatais de iniciativa da sociedade civil; III - Garantia do desenvolvimento democrático e de políticas públicas integradas para promoção das igualdades sociais, de gênero e de raça; IV –Incentivo à organização política da população em situação de rua e à participação em instâncias de controle social na formulação, implementação, 47 monitoramento e avaliação das políticas públicas, assegurando sua autonomia em relação ao Estado; V – Alocação de recursos nos Planos Plurianuais, Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais para implementação das políticas públicas para a população em situação de rua; VI – Elaboração e divulgação de indicadores sociais, econômicos e culturais, sobre a população em situação de rua; VII – Sensibilização pública sobre a importância de mudança de paradigmas culturais concernentes aos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais da população em situação de rua; VIII –Incentivo à formação e à capacitação de profissionais para atuação na rede de proteção às pessoas em situação de rua; além da promoção de ações educativas permanentes para a sociedade; IX – Ação intersetorial para o desenvolvimento de três eixos centrais: garantia dos direitos; o resgate da auto-estima e a reorganização dos projetos de vida. Para que os princípios e diretrizes estabelecidos na Política Nacional para a População em Situação de Rua tivessem concretude, o Grupo de Trabalho Interministerial sobre População em Situação de Rua elaborou algumas propostas para a composição de uma agenda mínima de ações, constituindo um desafio para toda a sociedade brasileira, tanto os gestores como a sociedade civil. Essas propostas serão detalhadas em programas, planos e projetos dos Ministérios e órgãos. Essa agenda mínima de ações foi dividida em 08 tópicos: Direitos Humanos; Trabalho e Emprego; Desenvolvimento Urbano/Habitação; Assistência social; Educação; Segurança Alimentar e Nutricional; Saúde e Cultura. E tendo em vista a utilização do item – Assistência Social da agenda mínima para a análise dos serviços prestados a População em Situação de Rua de São Jose , destacamos o referido item: - Assistência Social 1. Estruturação da rede de acolhida, de acordo com a heterogeneidade e diversidade da população em situação de rua, reordenando práticas homogeneizadoras, massificadoras e segregacionistas na oferta dos serviços, especialmente os albergues; 2. Produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social acerca da população em situação de rua; 48 3. Inclusão de pessoas em situação de rua no Cadastro Único do Governo Federal para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas sociais; 4. Assegurar a inclusão de crianças e adolescentes em situação de trabalho na rua no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; 5. Inclusão de pessoas em situação de rua no Benefício de Prestação Continuada e no Programa Bolsa Família, na forma a ser definida; 6. Conferir incentivos especiais para a frequência escolar das pessoas inseridas nos equipamentos da Assistência Social, em parceria com o Ministério da Educação; 7. Promoção de novas oportunidades de trabalho ou inclusão produtiva em articulação com as políticas públicas de geração de renda para pessoas em vulnerabilidade social. 49 5 UMA ANÁLISE DOS SERVIÇOS OFERTADOS À PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA DE SÃO JOSÉ A partir da abordagem realizada sobre a rede de serviços ofertados pelo Município de São José no que tange a População em Situação de Rua, torna-se possível uma breve análise destes serviços. E para fazer essa breve análise sobre os serviços prestados a População em Situação de Rua, utilizar-se-á, como parâmetro, a Política Nacional para a População em Situação de Rua, mais precisamente a agenda mínima, dando destaque ao item, Assistência social. Durante o estágio na casa de acolhimento social, se observou alguns aspectos que estavam em desacordo com o Texto de Orientação para o Reordenamento do Serviço de Acolhimento para População em Situação de Rua (BRASIL 2011), no qual detalhar-se-á a seguir: quanto à infraestrutura física, identificou-se que a casa oferecia espaço suficiente para a demanda (35 usuários), no entanto fazia-se necessário alguns reparos, principalmente no que se refere aos cômodos, pois as camas ficavam todas no mesmo espaço sem divisórias, enquanto, de acordo com as orientações normativas do SUAS, recomenda-se o número máximo de usuários por dormitório - 04 usuários, para a preservação da individualidade. Outro ponto observado refere-se à sala da coordenação da casa que ocupa o mesmo espaço da equipe técnica, além desse espaço ser muito pequeno, ele interfere nas condições de trabalho, principalmente no que tange à privacidade no atendimento do usuário. Durante o estágio, presenciou-se a promessa por parte da Gestão municipal, por meio do Secretário de Assistência Social e da Diretoria da Proteção Social de Alta Complexidade que o serviço passaria por uma reforma, para garantir um ambiente mais acolhedor e apropriado para os moradores. E em visita recente a casa, constatamos que a mesma passou por algumas reformas, como as acomodações dos usuários que foram separadas, ficando 06 pessoas por cômodo. Isto ainda não é o ideal, como determina o Texto de Orientação para o Reordenamentodo Serviço de Acolhimento Social ao Morador em Situação de Rua (BRASIL 2011). Também o espaço da equipe técnica passou por reformas, hoje já se tem uma sala exclusiva para as assistentes sociais, uma para a coordenação e psicólogo, ainda não é o ideal, mas já é um avanço. 50 Com relação à equipe de referência do serviço de acolhimento, constatou-se que era bastante reduzida, contanto apenas com uma coordenadora e uma assistente social. O que dificultava bastante o trabalho com os usuários, uma vez que o profissional de psicologia se torna imprescindível para o atendimento psicossocial, tanto aos usuários quanto as suas famílias, pois cabe aos profissionais - assistente social e psicólogo - garantir a construção do Plano Individual de Atendimento de cada usuário, que é de fundamental importância para a construção da autonomia para o processo de saída das ruas. Outro fato que preocupou foi o número reduzido de monitores sociais, ficando apenas 01 por turno, dificultando o trabalho com os usuários no atendimento de suas necessidades e comprometendo assim a qualidade do serviço. No início de 2014 foram contratados profissionais para a equipe de referência, um psicólogo e mais uma assistente social, como também monitores sociais. Hoje a casa conta com uma equipe de uma coordenadora, um psicólogo e duas assistentes sociais, como também dois monitores sociais por turno, um motorista e uma auxiliar de limpeza. Porém o fato de se ter uma equipe completa não garante a qualidade do atendimento, é necessário que todos os profissionais, principalmente o assistente social estejam comprometidos com o seu Código de Ética. Outro ponto a ser questionado é a falta de capacitação dos funcionários. Uma vez que é imprescindível a capacitação permanente para a qualificação dos serviços ofertados, auxiliando para as mudanças de conceitos, práticas e o funcionamento da casa. Conforme o TEXTO DE ORIENTAÇÃO PARA O REORDENAMENTO DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO PARA POPULAÇÃO ADULTA E FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE RUA, o processo de desligamento do usuário da casa é muito importante, precisa ser de forma gradual e necessita de um acompanhamento após o seu desligamento da casa. O que não vem acontecendo, fato este que acreditamos estar contribuindo para o grande número de reincidência no serviço. Outro fato relevante é que São José não possui um levantamento sobre a População em Situação de Rua, e esse trabalho é muito importante para a elaboração de um Plano de Reordenamento no qual vai permitir identificar se há necessidade da implementação de novos serviços de acolhimento e/ou novas modalidades de serviços de acolhimento.Também se faz necessário a construção de instrumentos de avaliação, para se verificar o impacto do serviço 51 para se avaliar os aspectos relacionados ao processo de saída das ruas, como também a reincidência no serviço. Em São José o número de morador em situação de rua inscrito no Cadastro Único do Governo Federal é muito pequeno em relação ao número de pessoas em situação de rua. Esse cadastro é de suma importância para a elaboração e implementação das políticas públicas sociais. Também quanto a inclusão no BPC, a quantidade é irrelevante. Durante o estágio na casa de acolhimento apenas um usuário conseguiu o benefício, já quanto ao Bolsa Família o número é maior, porém ainda ínfimo. Os usuários da casa de acolhimento, na sua grande maioria, não completou o ensino fundamental, o que contribui para a dificuldade da sua absorção no mercado de trabalho. Muitos até chegam a pensar em voltar a estudar para poder conseguir um trabalho melhor, mas veem isso como uma possibilidade distante. Outros chegam a solicitar o histórico escolar para fazer sua matricula no curso EJA, mas quando chega o histórico eles já estão longe. É preciso que se pense em outras estratégias para que os usuários consigam concluir os seus estudos. Com relação à promoção de oportunidade de trabalho, a casa tem se esforçado para a sua realização, porém as oportunidades que aparecem é por parte das empresas privadas e o que se constata é que geralmente essas empresas se prevalecem da condição de serem moradores de rua, para pagar baixos salários, o que vem a confirmar a precarização do trabalho. Outra dificuldade encontrada é quanto à documentação: como o comprovante de residência , onde muitas empresas não aceitam o endereço da casa de acolhimento; e outra dificuldade encontrada e na abertura da conta salário também com relação a documentação. O que vem contribuindo para a dificuldade do processo de saída das ruas. 52 6.CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho de conclusão de curso teve como objetivo verificar se os serviços, programas e projetos oferecidos pela Secretaria da Assistência Social aos moradores de rua de São José, estão conseguindo alcançar os objetivos contidos na Política Nacional para a População em Situação de Rua. Para a realização dessa análise foi feito um resgate histórico da População em Situação de Rua, tomando por base Silva (2009), as políticas e as leis que amparam esses sujeitos. Constatou-se que para a Política de Assistência Social, foi importante a assinatura do termo de aceite com o MDS, no qual assumiu o compromisso com a oferta do serviço de Alta Complexidade na modalidade de acolhimento institucional para as pessoas em situação de rua no município, contribuindo para a ampliação do número de vagas, tendo em vista o grande aumento do número de moradores de rua em São José. Fato esse que se constata ao passar pelos bairros com maior movimentação, como é o caso de Campinas, Kobrassol e Barreiros. Porém é preciso que haja um avanço nos programas e projetos para que se possa conseguir o objetivo do serviço: o processo de saída das ruas e a conquista da autonomia desses sujeitos de direitos. Porque ao compararmos os serviços prestados a essa população e a agenda mínima de ações contida na Política Nacional para Pessoas em Situação de Rua a qual nos baseamos para a referida análise, verificamos que existe um grande hiato. Apesar de sabermos que nas Leis “[...] seu reconhecimento legal, não garante automaticamente a efetiva materialização dos mesmos. Esse é, particularmente, o caso do Brasil” Coutinho (1994 p.13). Já, quanto aos serviços prestados, reconhecemos que existe um esforço grande pela diretoria de alta complexidade para a satisfação das necessidades dos usuários, através dos atendimentos tanto psicológico, como também fornecimento da alimentação, local para dormir e os encaminhamentos para os cursos profissionalizantes, para o mercado de trabalho e atendimento de saúde, principalmente ao que se refere aos dependentes de álcool e outras drogas. Todavia, muitas vezes esse esforço esbarra naburocracia da própria gestão, nos preconceitos de alguns funcionários da própria instituição, como também das empresas onde são encaminhados os usuários para a contratação de trabalho, práticas estas que dificultam o processo de saída das ruas. 53 A População em Situação de Rua de São José, apesar dos serviços oferecidos através do centropop e da casa de acolhimento social, está crescendo a cada dia, e o serviço não consegue absorver toda essa demanda. Assim sendo, o morador de rua continua a mercê dessa sociedade individualista e excludente que o enxerga como uma “coisa”, não se reconhecendo nela. Apesar do aparato legal onde é reconhecido como um sujeito de direito e compreendido como uma expressão da questão social, ainda continua sendo culpabilizado pela sua situação e também discriminado. Quando se pensa em buscar respostas para as indagações aflitivas, durante o período de estágio, com relação ao destino dos moradores da casa de acolhimento, se acredita na obtenção de respostas práticas e objetivas, mas no decorrer do estágio e através dos estudos feitos, viu-se que o fenômeno População em Situação de Rua é estrutural, que não afeta somente o município de São José ou da grande Florianópolis, mas afeta todo o mundo. E que medidas pontuais e fragmentadas como são as políticas públicas no Brasil, não conseguem dar conta. Portanto, seria muita ingenuidade pensar que apenas a Política de Assistência Social de São José conseguiria acabar com a demanda reprimida,pois os fatores que afetam essa população estão relacionados a outras políticas, principalmente a política de saúde, trabalho e renda e habitação. Assim sendo, pensa-se que só uma transformação na sociedade poderia acabar de vez com o fenômeno População em Situação de Rua, mas para que isso aconteça será preciso um projeto societário o qual defende o Serviço Social. Dessa forma, enquanto essa transformação não acontece, faz-se necessário o compromisso do profissional assistente social, amparado no seu Código de Ética, trabalhar para a defesa dos princípios que regem a profissão, onde se destacam: A defesa dos direitos humanos, civis, sociais e políticos, e combate ao arbítrio e ao autoritarismo; A defesa da democracia, enquanto socialização da participaçãopolítica e da riqueza socialmente produzida; O compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual dos profissionais. . 54 REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. O continente do Labor. São Paulo: Boitempo, 2011. BARROS, Antonieta. Disponível em:http://www.ancapital/2000/jul/11.Acesso em: 30 de junho de 2014. BRASIL. 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