PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Psicologia AS CONCEPÇÕES DE VELHICE PRESENTES NO ESTATUTO DO IDOSO E NAS PRÁTICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS AOS IDOSOS Emanuelle das Dôres Figueiredo Socorro Belo Horizonte 2011 Emanuelle das Dôres Figueiredo Socorro AS CONCEPÇÕES DE VELHICE PRESENTES NO ESTATUTO DO IDOSO E NAS PRÁTICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS AOS IDOSOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Orientadora: Dra. Maria Ignez Costa Moreira. Belo Horizonte 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais S678c Socorro, Emmanuelle das Dôres Figueiredo As concepções de velhice presentes no Estatuto do idoso e nas práticas das políticas públicas destinadas aos idosos / Emmanuelle das Dôres Figueiredo Socorro. Belo Horizonte, 2011. 90f. Orientadora: Maria Ignez Costa Moreira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 1. Idosos. 2. Velhice. 3. Políticas públicas. I. Moreira, Maria Ignez Costa. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III. Título. CDU: 362.6 Emanuelle das Dôres Figueiredo Socorro AS CONCEPÇÕES DE VELHICE PRESENTES NO ESTATUTO DO IDOSO E NAS PRÁTICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS AOS IDOSOS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia. _____________________________________________________ Dra. Maria Ignez Costa Moreira (orientadora) – PUC Minas ______________________________________________________ Dr. José Newton Garcia de Araújo – PUC Minas ________________________________________________________ Dra. Cristina Almeida Cunha Filgueiras – PUC Minas Belo Horizonte, 26 de Agosto de 2011. Aos meus pais que jamais mediram esforços para que o meu sonho pudesse ser realidade, acreditando que sempre se pode mais quando existe esforço, mas também a fé. AGRADECIMENTOS Aos meus pais e irmãos, pela confiança dos sonhos empreendidos, pelo carinho, dedicação, paciência. À Professora Maria Ignez, que me acompanhou no percurso da escrita, do estudo, enfim, do trabalho como um todo. À Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, em especial à Gerência de Proteção Básica, aos coordenadores e equipe, por abrir as portas do serviço para concretização desta pesquisa. Aos Professores Cristina Filgueiras e José Newton Garcia Araújo por aceitarem o convite para a participação nesse processo, e pelas valiosas contribuições. Aos amigos de luta em especial Priscila e Natália que, em meio às risadas, brincadeiras, muito estudo e dedicação, por tantas vezes aliviaram o cansaço com suas presenças. “Envelhecer não é permanecer jovem, é extrair de sua idade as particularidades, as velocidades e lentidões, os fluxos que constituem a juventude desta idade”. Giles Deleuze e Félix Guattari RESUMO Esta dissertação consiste em um estudo acerca da concepção de velhice que subjaz os textos legais ― Estatuto do Idoso e Política Nacional de Assistência Social ―, bem como as práticas de políticas públicas ― atas de Fóruns Intersetoriais dos Idosos registradas pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social de Belo Horizonte ―, objetivando traçar o contexto de emergência do discurso atual sobre a velhice no âmbito municipal, nesse caso, o da capital mineira. A análise do conteúdo desses documentos pautou-se na observação de dois critérios: a concepção de velhice, direitos dos idosos. Eles, por sua vez, são resultados dos questionamentos que o confronto entre a experiência com grupos de convivência para idosos e a literatura sobre velhice ativa geraram, no que tange as implicações do discurso da velhice ativa nas práticas de políticas públicas para idosos. Na categoria concepção de velhice, por exemplo, concentrou-se o sentido atribuído à velhice por meio das definições feitas pelo Estatuto do Idoso, pela Política Nacional de Assistência Social e pelas Atas dos Fóruns dos Idosos relacionadas a esse período da vida. Já a categoria direito do idoso teve como foco investigar como o idoso é visto e assistido pela lei. A análise documental foi feita sob a perspectiva de Guita Debert que trata a temática da velhice do ponto de vista antropológico fundamentando-se nos processos históricos, culturais e sociais do curso de vida. Dessa análise documental, obteve-se ainda uma terceira categoria denominada família, criada a partir da frequência com que apareceu e da relevância com que é tratada no Estatuto e na Política de Assistência. Como resultado, percebeu-se, de início, a predominância ― na Política de Assistência Social, no Estatuto do Idoso e no próprio discurso do idoso inscrito nas atas dos Fóruns destinado a essa população ―, da noção de velhice engajada, seja em atividades, seja na política, de modo a romper com a velhice decadente. Porém, mais do que o engajamento em atividades físicas, e recreativas, a noção de ativo está relacionada com a participação política, ou seja, com o fato de os idosos saberem e fazerem valer seus direitos. Dessa forma, a concepção de terceira idade é entendida como uma etapa de vida vulnerável e necessitada de práticas de prevenção dessa vulnerabilidade ― expressa pelos rompimentos dos vínculos sociais, pelos estigmas, pela exclusão ―, com a construção de uma imagem positiva sobre a velhice. Por outro lado, tal discurso produz uma velhice, em certos momentos, homogeneizada, em que todos os idosos devem tomar para si determinada forma de envelhecer, o que reflete no idoso a responsabilização pela forma como envelhece encobrindo, muitas vezes, problemas que são de ordem sociais, e não individuais. Palavras-chave: Idoso. Velhice. Terceira-idade. Políticas Públicas. Idade. ABSTRACT This dissertation consists of a study about the design of old age which underlies the legal texts of the Elderly Statute ― and National Social Assistance Policy ― as well as the practices of public policies ― Intersectoral Forums atas of older persons registered by the Municipal Department Deputy Social Assistance of Belo Horizonte ―, aiming to draw the emergency context of the current discourse about old age under municipal in this case, the capital of Minas Gerais. Analysis of the content of those documents took on observation of two criteria previously thought: the concept of old age, rights of the elderly. These criteria, in turn, are results of the inquiries that the confrontation between the experience of living groups for seniors and active old age have generated literature, regarding the implications of discourse of active ageing practices of public policies for the elderly. In category old-design focused sense attributed to old age by means of the settings made by the elderly Statute, by the national policy for Social Assistance and the Minutes of the older Forums related to this period of life. Already elderly law category focused on investigating how the elderly is seen and witnessed by the law. The documentary analysis was made from the perspective of Debert which treats the theme of old age from the anthropological point of view if stating in historical, cultural and social life course. This documentary analysis was achieved also a third category called family, created from the frequency with which appeared and relevance that is dealt with in the Statute and policy assistance. As a result, it was realized, at first, the predominance, in Social assistance policy, the status of the elderly and elderly speech itself entered in the minutes of the forums for this population, of the concept of old age engaged in activities, in politics and that breaks with decadent. However, rather than engaging in physical activities, recreational facilities, the notion of asset is related to political participation, i.e. with the IDEs know and assert their rights. This way, the concept of old age is seen as a vulnerable stage of life and in need of prevention practices that vulnerability – expressed by the disruptions of social links, the stigma, exclusion – by bulding a positive image about old age. On the other hand, such a discourse produces an old age, at certain times, homogenized, in which all seniors must take to itself some form of aging, reflecting for the elderly ages covering how often problems that aresocial order, not individual. Keywords: elderly. Old Age. Third-age. Public Policies. Age. LISTA DE SIGLAS BPC ― Benefício de Prestação Continuada CEBAS ― Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social CNAS ― Conselho Nacional da Assistência Social CRAS ― Centro de referência da Assistência Social ECA ― Estatuto da Criança e do Adolescente FMI ― Fundo Municipal do Idoso GEPID ― Gerência de política para o Idoso GEPSOB ― Gerência de Proteção Social Básica ILPI ― Instituição de Longa Permanência INPS ― Instituto Nacional de Previdência Social L.A ― Liberdade Assistida LBA ― Legião Brasileira de Assistência Social LOAS ― Lei Orgânica de Assistência Social NAF ― Núcleo de Apoio a Família NOB ― Norma Operacional Básica ONU ― Organização das Nações Unidas PNAS ― Política Nacional da Assistência Social PSC ― Prestação de Serviço à Comunidade SAD ― Disque Atendimento no Domicílio SASF ― Serviço de Atendimento Sócio-Familiar SESC ― Serviço Social do Comércio SMAAS ― Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social SMDS ― Diretoria de Apoio e Assistência Social SUAS ― Sistema Único da Assistência Social SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10 2 A CONSTRUÇÃO DA VELHICE ............................................................................13 2.1 O Registro das idades ..............................................................................................13 2.2 Concepções da Velhice: o aparecimento do termo terceira idade .......................17 2.3 Da velhice à terceira idade: o discurso da ciência ................................................20 2.4 A aposentadoria e a noção de terceira idade .........................................................24 3 O IDOSO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A POLÍTICA PÚBLICA ...........30 3.1 Políticas Sociais no Brasil .......................................................................................30 3.1.1 Sistema Brasileiro de Proteção Social ..................................................................34 3.1.2 O envelhecimento como questão social e pública ................................................41 3.1.3 A velhice no campo da Assistência Social.............................................................43 3.1.4 A Assistência Social como política de promoção do idoso ...................................46 3.1.5 Políticas Públicas em Belo Horizonte no campo da Assistência Social ..............48 4 DISCUSSÃO METODOLÓGICA............................................................................53 4.1 A pesquisa qualitativa..............................................................................................53 4.2 Referencial teórico-metodológico ...........................................................................54 4.3 Pesquisa Documental: instrumento de pesquisa...................................................55 4.4 Análises de Conteúdo: instrumento para análise do material pesquisado .........56 4.5 O campo de investigação: contextualização ..........................................................57 4.5.1 Estatuto do Idoso ...................................................................................................57 4.5.2 Política Nacional de Assistência Social ................................................................58 4.5.3 Atas dos Fóruns do idoso.......................................................................................59 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................62 5.1 A concepção de velhice ............................................................................................62 5.2 Direito do idoso ........................................................................................................71 5.3 Família ......................................................................................................................78 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................82 REFERÊNCIAS ............................................................................................................84 APÊNDICES ..................................................................................................................90 10 1 INTRODUÇÃO O ponto de partida para os primeiros questionamentos sobre as concepções da velhice que guiam as políticas públicas destinadas aos idosos foi a experiência do estágio extracurricular com grupos de convivência para idosos. Este estágio foi realizado durante a graduação em Psicologia, na Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social de Belo Horizonte na Gerência de Proteção Social Básica. ― SMAAS/GEPSOB ― no período de Dezembro de 2006 a Abril de 2008. O programa Grupo de Convivência para Idosos está atualmente caracterizado como um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos. Este serviço objetiva a garantia do direito desse público à convivência familiar e comunitária, tendo como princípio prevenir a institucionalização em “asilos” e contribuir para preservação da sua autonomia. O Grupo de Convivência é organizado de modo a ampliar trocas culturais e de vivências, a desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, visando fortalecer vínculos familiares, incentivar a socialização e a convivência comunitária. Seu caráter é preventivo e proativo, sendo pautado na defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades que visam o alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social dos idosos. O grupo de convivência procura também possibilitar as relações intergeracionais, buscando a heterogeneidade na composição dos grupos como estratégias para promover a diversidade nas interações sociais. Espera-se que o conjunto destas ações favoreça o envelhecimento saudável e desenvolva a autonomia e a sociabilidade. Durante o período de estágio, os grupos de idosos eram acompanhados pela equipe técnica da Gerência de Proteção Social Básica da SMAAS (Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social) formada por psicólogos e assistentes sociais e pelos estagiários das duas áreas. Nas visitas de supervisão técnica aos grupos de convivência, percebia-se que o idoso que frequentava o grupo era instigado todo tempo pelo discurso sobre as vantagens de ser um “velho ativo”, e é interessante observar que este discurso era repetido pelos próprios idosos. Esta experiência resultou em um questionamento sobre a visão idealizada da velhice. Os termos, como “terceira idade”, “melhor idade”, tornaram-se também objeto de questionamento. A literatura especializada revela que estes termos têm sido utilizados para substituir o termo velhice, uma vez que este passou a ser revestido de um sentido pejorativo, 11 talvez porque a velhice esteja associada à impossibilidade da atividade. Estas questões foram trabalhadas inicialmente na monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia, onde se buscou investigar como as práticas voltadas para os idosos têm atuado para os fins aos quais se propõem: a promoção e a sociabilidade. Nesta dissertação de mestrado, a pesquisa concentrou-se na concepção de velhice que norteia o Estatuto do Idoso e as práticas da política pública destinada a eles, de modo a traçar o contexto de emergência do discurso atual sobre a velhice nos textos legais e na política pública no nível municipal, da cidade de Belo Horizonte. Visando esse fim, foi realizada uma pesquisa documental nos textos legais, tais como o Estatuto do Idoso (2003) e a Política Nacional de Assistência Social (2004), além de documentos produzidos pela Gerência de Proteção Social Básica da SMAAS, sobre as ações destinadas aos idosos. Posteriormente, porém, em virtude de um recorte, priorizou-se as atas1 dos Fóruns Intersetoriais de idosos do período de 2005 – primeiro registro feito – até Julho de 2010 e que estão distribuídos em oito regionais de Belo Horizonte. Como no Fórum, em sua grande maioria, participam idosos que pertencem aos grupos de convivência, é prática da equipe de supervisão aos grupos a participação nesses encontros, bem como o registro das temáticas tratadas nesses espaços. O recorte feito enfatizando a Proteção Social Básica tornou-se escolha, devido, não só à prática de estágio nesse setor e de onde, portanto, parte meus primeiros questionamentos, mas também ao interesse pela análise de práticas para idosos a partir do registro documental. Essa prática se caracteriza como sendo o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (antigo Grupo de Convivência para Idosos) e que está vinculado à proteção básica. Esta dissertação está organizada em cinco capítulos. No capítulo 1, é apresentada uma contextualização histórica sobre o registro das idades e a relação com a formação das categorias de idade: infância, juventude, velhice, a fim de demonstrar como a concepção que veio sendo construída sobre a velhice originou os novos termos para se denominar uma etapa da vida, nesse caso, a terceira-idade. No capitulo 2, é abordada a trajetória da política pública para o idoso no Brasil e em Belo Horizonte com foco na Assistência Social, traçando um paralelo do contexto de formação do Sistema Brasileiro de Proteção Social e os direitos dos idosos a partir da concepção do envelhecimento como questão social. No capitulo 3, realiza-se um panorama da proposta metodológica, abordando os 1 A pesquisa documental realizou-se mediante autorização da Gerência de Gestão da Política de Assistência. 12 instrumentos de coleta e análise dos dados, os referenciais teórico-metodológicos, bem como uma explanação do campo investigativo de trabalho: Política Nacional de Assistência Social, Estatuto do Idoso e Atas dos Fóruns de idosos. No capítulo 4 trato da análise e discussão das fontes pesquisadas a partir das categorias: concepções de velhice, direito do idoso e família. Finalmente, nas considerações finais, enfatiza-se que a concepção de velhice está pautada na ideia de envelhecimento bem-sucedido, promoção do sujeito, engajamento, que visam retardar ao máximo as consequências provocadas por essa etapa da vida. Tais noções concretizam-se em espaços como grupos de convivência, universidades para idosos, Fóruns, que se são materializações do discurso da velhice ativa. Assim sendo, o termo promoção está associado diretamente com a ideia de prevenção cuja noção é de negação, nesse caso impedir a velhice. Logo, as atividades previstas nos documentos têm como intuito estimularem a permanência do idoso em sociedade, engajando-os, evitando com isso o asilamento, a doença, o que reduz custos para o Estado. Os direitos, nesse caso, configuram-se como garantias não só da promoção e prevenção do envelhecimento decadente, mas do discurso da ciência, experts, da nova concepção de velhice. Isto porque, ao final, por detrás do discurso da velhice ativa, existe paralelamente uma fragilização, um entendimento desta etapa de vida como sendo vulnerável. 13 2 A CONSTRUÇÃO DA VELHICE 2.1 O Registro das idades A cronologização da vida, aqui entendida como a divisão da vida em etapas, é recente. Ela surge com a modernização da sociedade que passa a operar a partir de uma divisão de funções, papeis, posições, ou seja, a idade do brincar, de ir para a escola, a idade do casamento, funcionando, portanto, como organizador social (infância, juventude, velhice). Entretanto, a necessidade de datar a vida, é anterior à sua divisão em etapas. A data como sistema que compõe o tempo sempre existiu, pois o sujeito é temporal. A memória das sociedades, que a velha e hoje moça história das mentalidades reconquista com zelo e paixão; as memórias das sociedades, que deve ter no historiador o seu ouvinte mais atento, a memória das sociedades precisa repousar em sinais inequívocos, sempre iguais a si mesmos; e o que há de mais inequívoco e sempre igual a si mesmo do que o número? Datas são números. (BOSI, 1992, p. 19). O indivíduo constitui sua história no tempo e, portanto, como coloca Bosi (1992, p.19) “a memória carece de nomes e números”. Assim sendo, as datas constrõem um tempo social, cultural, corporal. Uma pessoa para narrar um fato, contá-lo, precisa enumerá-lo. “Contar o que aconteceu exige que se digam o ano, o mês, o dia, a hora em que o fato se deu.” (BOSI, 1992, p.20). Por isso, a data, torna-se um número-índice em toda essa cadeia de acontecimentos dotada de sentido, caracterizando “causas e fins da produção material e simbólica” do homem. Esse é o aspecto relevante para introdução da discussão sobre a concepção de velhice, na medida em que essa data inscrita em um tempo traduz as representações que se formam do indivíduo, em uma sociedade. Além disso, na própria trajetória do tempo é possível encontrar elementos que identificam como a concepção de velhice, que se tem atualmente, se formou. É sabido que o registro da data de nascimento e a precisão da idade são técnicas que surgiram como uma nova forma de identificar o indivíduo, além do nome e do sobrenome. (ARIÈS, 1981). Para esse autor, a identidade civil tem início com a inscrição do nascimento nos registros paroquiais, imposta por Francisco I aos párocos da França. Embora a institucionalização do registro da data de nascimento tivesse sido prescrita pelas autoridades eclesiásticas dos concílios desde o século XVI, foi necessário um tempo para que esta norma fosse incorporada aos costumes dos instrumentos civis, o que se acredita ter acontecido 14 somente no século XVIII, quando os párocos conseguiram manter com exatidão os registros de nascimento. Os registros escolares que Ariès (1981) consultou para reconstituir alguns exemplos de escolaridade chamam atenção para a frequência com que o registro da idade ou da data e do lugar de nascimento estavam presentes logo no início dos documentos analisados, demonstrando a importância da cronologia. Essa reconstituição empreendida pelo autor para fins da pesquisa sobre o surgimento da noção de infância abriu portas para a compreensão de outras etapas da vida, como é o caso da velhice. De acordo com o levantamento feito pelo autor, as datas estavam presentes nas pinturas, nos diários, nas mobílias e nos objetos em geral, sendo ela uma forma de dar à vida familiar uma história. A inscrição das datas dos acontecimentos, tais como o nascimento, o casamento e a morte passam a ser consideradas importantes na história de vida do indivíduo, bem como na história familiar naquela época. Na ciência, como observado por Ariès (1981), nos tratados pseudocientíficos da Idade Média, século XV, a importância da cronologia pode ser percebida pelas diferentes terminologias para designar os períodos da vida, sendo que mais tarde passou do domínio da ciência à experiência comum. É interessante apontar que à medida que a ciência tornou-se familiar, seus conceitos foram incorporados socialmente e passaram a representar a vida cotidiana. As idades do homem eram uma categoria científica e estavam vinculadas com a forma de representar a biologia humana. Assim, as terminologias eram concebidas a partir de uma representação que se tinha do corpo em determinados períodos da vida (puerilidade, juventude e adolescência, velhice, senilidade). Ariès (1981), assim, descreve os quadros que retratam as atividades próprias a cada etapa da vida: Primeiro, a idade dos brinquedos: as crianças brincam com um cavalo de pau, uma boneca, um pequeno moinho ou pássaros amarrados. Depois, a idade da escola: os meninos aprendem a ler ou seguram um livro e um estojo; as meninas aprendem a fiar. Em seguida, as idades do amor ou dos esportes, da corte e da cavalaria: festas, passeios de rapazes e moças, corte de amor, as bodas ou a caçada do mês de maio dos calendários. Em seguida, as idades da guerra e da cavalaria: um homem armado. Finalmente, as idades sedentárias, dos homens da lei, da ciência ou do estudo: o velho sábio barbudo vestido segundo a moda antiga, diante de sua escrivaninha, perto da lareira. (ARIÈS, 1981, p. 9) A cronologização tornou-se, então, o modo de delimitar sistematicamente a vida, bem como a organização social, “correspondendo a modos de atividade, a tipos físicos, a funções, e a modos no vestir”. (ARIÈS, 1981, p.10). Essa perspectiva social delimitará, ainda, a criação de uma terminologia utilizada para cada etapa. Infância vem de enfant (do francês, criança), 15 que quer dizer “não-falante”, significado atribuído à incapacidade em articular as palavras; pueritia, pessoa que não mais se encontrava na primeira infância, mas ainda não havia deixado de ser criança. A adolescência seria a terceira idade e a ela eram atribuídas o vigor e a força, sendo que o indivíduo alcançaria a plenitude de suas forças na juventude. “Essa idade é chamada juventude devido à força que está na pessoa, para ajudar a si mesma e aos outros, disse Aristóteles.” (ARIES, 1981, p.10). Logo após, seria a senectude, como idade intermediária entre a juventude e a velhice, e seu sentido exprime um indivíduo que não é velho, mas já passou da juventude. Em seguida a velhice que é assim chamada porque os sentidos nessa idade não são bons como já foram, tanto que em francês são denominados de vieillesse, que é uma terminologia pejorativa. O parâmetro etário nessa época atuava, pois, como regulador das atividades sociais dos indivíduos. Existia uma idade para se frequentar a escola, uma idade para ingressar no mundo do trabalho, para contrair o matrimônio, para aposentar-se. A noção de idade, além de marcador biológico passa a definir uma série de direitos, deveres, e formas de atuar para as diversas etapas da vida (a infância, a adolescência, a adultez e a velhice). Até o início do século XIX “a vida era dividida em etapas bem delimitadas, correspondendo a modos de atividade, a tipos físicos, a funções, e a modas no vestir. A periodização da vida tinha a mesma fixidez que o ciclo da natureza ou a organização da sociedade.” (ARIÈS, 1981, p. 40). A idade, atualmente, ainda funciona como marco temporal em alguns contextos, como por exemplo, no político-jurídico. Nas sociedades ocidentais, diferentemente das nãoocidentais, Debert (2004) aponta que os marcadores etários têm como característica principal uma forma de atribuição de status (a maioridade legal), de definição de papéis ocupacionais (entrada no mercado de trabalho), de formulação de demandas sociais (direito à aposentadoria), estando vinculadas, principalmente, à exigência das leis que determinam os deveres e os direitos dos cidadãos, a criação de mercados de consumo e a constituição de atores políticos. Já para alguns autores, o parâmetro etário como regulador das atividades das pessoas, é uma noção que vem se dissolvendo. Essa fluidez, mas ao mesmo tempo efetividade na definição de experiências individuais e coletivas, transforma a idade cronológica em um elemento simbólico extremamente econômico no estabelecimento de laços entre grupos bastante heterogêneos no que diz respeito a outras dimensões. Laços simbólicos que são extremamente maleáveis, uma vez que neles podem ser embutidas e agregadas outras conotações que nada têm a ver com ordem de nascimento, estágio de maturidade ou geração. (DEBERT, 2004, p. 48). 16 Barros (2006) explica essa tendência com a atribuição de uma “sanção social” ao indivíduo para que circule entre as etapas de vida, independente da idade cronológica. “Em alguns momentos da trajetória de vida é permitido, quando não estimulado, fazer coisas de jovem, sentir-se jovem, em outros, é cobrada uma ação madura apesar da idade”. (BARROS, 2006, p.68). Fatores como a informatização da economia, globalização dos mercados de consumo, da política, da mídia, da cultura, são considerados, para Held citado por Debert (2004), colaborações para o apagamento das normas que indicam o comportamento apropriado aos grupos de idade. Para Barros (2006), com o processo de globalização tem-se a possibilidade de transitar por vários setores ao mesmo tempo, possibilitando, com isso, o contato do indivíduo com experiências distintas. A globalização implica nesse caso, “um distanciamento da ideia sociológica clássica da ‘sociedade’ como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço”. (HALL, 2004, p.67). A globalização é um processo que atua em uma escala mundial, atravessando fronteiras nacionais, tornando o mundo, em experiências, mais interconectado. A partir disso, fala-se de uma “compressão” do espaço-tempo que reflete no contato mais próximo entre as identidades. Bassit citado por Prado (2002) considera que a desconstrução do paradigma de curso moderno da vida colabora para que as experiências vividas pelos indivíduos sejam mais fluídas, uma vez que o encurtamento de tempos e espaços possibilita o acesso a outras culturas, propiciando a redefinição de novas identidades. No lugar de uma identidade previamente montada, para uma pessoa, num determinado grupo etário, as identidades colocam-se em movimento, e o sujeito passa a buscar em outros grupos sociais outras referências que não a sua. Da literatura que se empenha no estudo das etapas de vida, a partir do levantamento feito, ainda é controverso, entre os autores, o histórico de surgimento da velhice como etapa de vida. Das vertentes sobre esse processo, apresentam-se dois momentos: sendo o primeiro o surgimento da velhice como uma consequência do processo de modernização da sociedade que impõe a necessidade de definir papeis, funções sociais a partir desse novo elemento. Em seguida, alguns autores defendem a descronologização da vida, sendo esse um processo em que as fronteiras que delimitam comportamentos e hábitos para cada etapa de vida, como era 17 na modernidade, estariam se dissolvendo. E como consequência, novos termos estariam surgindo para dizer de novas formas de experiência de vida. O surgimento das noções de velhice e terceira idade resulta de um combinado de fatores como saber médico, movimentos políticos, interesses econômicos e agentes de gestão. No entanto, tem-se uma clareza de que o surgimento da noção de velhice se deu em momento distinto ao da terceira idade. O que é unânime para a literatura é que o saber médico teve grande relevância no surgimento da velhice como etapa de vida e que os segmentos que dela se originaram como é o caso de terceira idade, são concepções que surgem com o processo de modernização do mundo, principalmente em função do advento da industrialização, proporcionando a entrada de outras ciências, a exemplo da gerontologia, como saber especializado no processo de envelhecimento, trazendo o questionamento dos problemas sociais que essa população passaria a sofrer com esse tipo de modo de produção. A partir disso, outros agentes que se apropriam desse discurso capitalista sobre envelhecimento trazem a oferta de meios para torná-lo bem-sucedido, diferenciando com isso, as velhices. E embasado, ainda, no advento da industrialização, a terceira idade supostamente seria um reflexo da mudança de concepção de uma sociedade que incorporou desse novo modo de produção, outras formas de vivenciar o envelhecimento. 2.2 Concepções da Velhice: o aparecimento do termo terceira idade A ideia de infância, como período distinto da idade adulta, com seus hábitos determinados e particularidades, teria sido a primeira noção de uma etapa de vida que, segundo Ariès (1981), resultou de transformações no campo familiar e da distinção entre o público e o privado, culminando em novas relações de privacidade e intimidade na família. Transformações estas que se referem, principalmente, ao entendimento da família como espaço de trocas afetivas, valores, conhecimento. Tal perspectiva teria inspirado o estudo histórico de outras categorias etárias, como a velhice. Pelo histórico de surgimento da noção de velhice, o que se apresenta na literatura pesquisada é que o termo velho é usado desde o século XIV para denominar todas as pessoas envelhecidas, sem diferenciá-las, sendo que terceira-idade, idoso, melhor-idade e seus segmentos são terminologias atuais que indicam o surgimento da noção de formas de 18 envelhecer. Entre os documentos pesquisados por Ariès (1981) que descreviam as etapas de vida, em um poema do século XIV é possível notar que o termo velho já aparecia e eram assim chamados “porque as pessoas velhas já não têm os sentidos tão bons como já tiveram e, caducam em sua velhice...” (ARIÈS, 1981, p.26). Porém, não eram diferenciadas entre si, de modo que a velhice era representada de uma única forma. Ainda para o autor, pode-se acrescentar outro termo, ancião. Ariès (1981) aponta que não existia uma diferenciação entre velho e ancião, mas é possível perceber uma distinção no que se refere à representação dada aos termos em determinadas épocas. Assim, ao se comparar tais terminologias do século XVI e XVII com as do século XIX, por exemplo, o velho ou ancião do século XIX não era descrito como o do século XVI e XVII. Percebe-se que, nos séculos anteriores ao XVIII, a idade era condizente com a representação que se fazia do indivíduo que, como aponta o autor, apesar de não aparecerem as diversas velhices, desde esse período ela já se apresentava como decrépita e, inclusive, o termo velho já tinha conotação pejorativa, contrastando-se com a imagem do jovem. “A França antiga não respeitava a velhice: era a idade do recolhimento, dos livros, da devoção e da caduquice. A imagem do homem integral nos séculos XVI-XVII era a de um homem jovem […]”. (ARIÈS, 1981, p.48). Velho (vieux) ou velhote (vieillard) foram termos usados na França,2 segundo Peixoto (2007), no século XIX para designar os indivíduos que não tinham estatuto social, enquanto os que tinham eram chamados de idosos (personne âgée), mas no século XVIII, vieillard não tinha um sentido fortemente pejorativo, pois era usado para designar velhos abastados, mas que tinha uma conotação de “bom pai’, “bom cidadão”. No Brasil, o uso do termo velho também era utilizado para designar, de modo pejorativo, o velho pobre. Entretanto, diferente da realidade francesa em que o termo parece ter desaparecido, o termo velho, no Brasil, permaneceu para as classes mais populares. Sendo assim, as concepções que surgem sobre a velhice tem como pano de fundo um critério econômico, uma vez que a “questão da velhice” se impunha para caracterizar, como aponta Peixoto (2007, p.71) “pessoas que não podiam assegurar seu futuro financeiramente ― o indivíduo despossuído, o indigente”, pois os “patriarcas” que administravam seus bens desfrutavam de respeito. 2 O caso francês é apresentado porque a distinção de velhices, bem como os termos que surgem para demarcálas, são noções que surgem na França e vão sendo disseminadas e adotadas por outros países 19 Na França, no século XIX, o velho, ancião, desaparece e começa a ser substituído pelo “homem de uma certa idade” e por “senhores ou senhoras muito bem conservados”, noções burguesas que tendiam a tornar-se populares. Essa noção ― senhoras bem conservadas demonstra que uma ideia de conservação do corpo atrelada, ainda, à classe social do indivíduo começava a se apresentar. A partir desse período, a distinção entre os velhos fica mais evidenciada com noções que, como Ariès (1981) localiza, vieram com a burguesia e que estavam relacionadas com o estatuto social do indivíduo ― pessoas ricas eram denominadas velhos ricos. Assim, com o recorte social que foi feito das pessoas de mais de 60 anos, da mesma forma, terminologias diferenciadas para tratar cada grupo de pessoas da mesma idade foram surgindo. Paralelamente a isso, a relação entre o surgimento da terceira idade e das classes médias é analisada por Lenoir citado por Silva (2008) como não sendo casual e sim fruto de hábitos que eram comuns nessa classe, como passeios, uso de cosméticos, além de chamar atenção para as principais características desse grupo e as imagens que compõe a identidade da terceira idade. “A designação ‘velho’ não é mais adequada para nomear esses ‘jovens senhores’ e seu novo estilo de vida. Surge, desse modo, a denominação ‘idoso’, mais respeitosa e distintiva das camadas médias”. (SILVA, 2008, p.163). Assim, a concepção de uma nova velhice parece ter surgido de modo sutil, a princípio. Como visto, inicialmente havia uma única terminologia para designar para designar as pessoas envelhecidas, posteriormente a diferenciação entre esses indivíduos surgem, mas a noção dessa nova velhice não existia. Esse aspecto é fundamental como parte dessa discussão, pois, faz uma demarcação histórica do surgimento da velhice como categoria etária apenas ― a partir do saber médico ―, e da velhice como terceira idade, essa última ocorrendo, principalmente, com a ascensão de outros saberes como a gerontologia. Essa diferenciação entre o surgimento da velhice e, da terceira idade, não é claramente apontada pela literatura levantada. Entretanto, essa trajetória implica a compreensão dos agentes e interesses que motivaram o surgimento da terceira idade e que reflexo essa concepção tem, atualmente, na decisão e formulação das políticas públicas destinadas aos idosos. 20 2.3 Da velhice à terceira idade: o discurso da ciência A Geriatria e a Gerontologia foram ciências que tiveram grande influência no estabelecimento da velhice como categoria social, ao tratarem dos aspectos biológicos e sociais do envelhecimento. A Geriatria veio a se firmar como saber científico apenas no século XX, mas a literatura aponta para um saber pré-geriátrico nos séculos XVIII e XIX. (SILVA, 2008). A longevidade, a velhice e a morte, nessa época, eram estudadas sob uma perspectiva médico-filosófica. Ou seja, “a morte era entendida como um obstáculo a ser superado e a longevidade, principalmente nos casos excepcionais de centenários, como um evento tanto fantástico e mágico, quanto revelador da racionalidade própria do corpo humano”. (SILVA, 2008, p.158). Além disso, os velhos não eram vistos pela medicina como categoria separada de outros pacientes, e assim a terapêutica não considerava a necessidade de tratamento específico para este grupo etário. (GROISMAN, 2002). Ou seja, nessa época, a medicina não se atentava para as particularidades da velhice. A perspectiva médica do século XVIII era de que os indivíduos nasciam com uma quantidade limitada de vitalidade e que ela se acabava com o passar do tempo. O adoecimento, nesse caso, era uma consequência natural da diminuição da vitalidade e, portanto, não era possível nenhuma intervenção médica nessa fase da vida. A partir do século XIX, com a medicina moderna, a velhice e os processos de envelhecimento passam a ser estudados como problemas clínicos, sendo a morte considerada o resultado de doenças específicas da velhice e essa, a etapa da vida em que o corpo se degenera. Por meio do estudo da anatomia patológica do corpo, o discurso sobre a senescência trataria de diferenciar o corpo envelhecido do jovem, a partir do método de busca de sinais de degeneração na superfície do corpo. A perspectiva anátomo-patológica produziu, pois, um discurso médico que, para Laslett citado por Silva (2008), implicou a relação entre doença e velhice. Logo, dizer que uma pessoa estava envelhecendo remetia à doença. O aspecto principal dessa lógica de estudo é que o binômio velhice e doença é expresso nos tratados de geriatria como ênfase dada pelos médicos para as medidas de higiene corporal. Autores como Barros (2008) relacionam as formas de envelhecer com práticas de assujeitamento do corpo, que se relaciona com a prescrição de uma série de medidas que deveriam ser tomadas pela população na tentativa de retardar o envelhecimento. Práticas essas 21 que segundo Debert (2004) são descritas pelos tratados geriátricos como técnicas de manutenção corporal, medicamentos para retardar o envelhecimento, descrições sobre como envelhecer de forma saudável. A geriatria, disciplina que surgiu por volta de 1910 com o fisiologista Ignatz Nascher, traçou as bases clínicas para a identificação da velhice: Por meio da observação do corpo dos velhos, Nascher formulou as características biológicas da velhice – a degeneração do corpo –, conceituou o tratamento médico a ser dispensado aos velhos e introduziu na literatura médica o termo geriatria. A diferenciação científica entre a velhice e as outras etapas da vida estava, então, realizada; era possível identificá-la por meio do saber médico. (SILVA, 2008, p.158). Jean Martin Charcot (1825-1893), François Broussais (1772-1838) e Marie François Xavier Bichat (1771-1802) são apontados como principais agentes do discurso “que determinou o reconhecimento do corpo envelhecido, sua identificação com um corpo em decomposição e o consenso de que a definição dessas características é tarefa própria do olhar e do saber médicos”. (SILVA, 2008, p.158). Com isso, a “metáfora médica da velhice” definiu não apenas o envelhecimento físico, mas as representações sobre a experiência de envelhecer, passando o discurso médico a ser buscado pelos indivíduos para definirem a si mesmos e as suas experiências. A crítica trazida por autores como Debert (2004), Lima (1999), Peixoto (2000) é de que o surgimento de práticas e saberes sobre a velhice vinculou qualidade de vida a certas práticas de cuidado com o corpo que mais demonstravam ser manuais sobre modos de existir do que de fato uma preocupação com o bem-estar dos velhos, e que colaborou para a perpetuação da ideia de bom e mau envelhecimento. Para esses autores, essas práticas de cuidado seriam uma preocupação com as consequências que o aumento deles traria à economia e a outros setores. Portanto, quando se fala do risco de assujeitamento do idoso, esses autores baseiam-se na lógica higienista que tinha como ideal a docialização de corpos. Tal lógica se assenta na visão médica e psiquiátrica do século XIX e início do século XX, da esterilização dos chamados degenerados, como profilaxia para os males sociais. Esse movimento, segundo Coimbra e Nascimento (2005) apresenta-se em diferentes setores da sociedade, redefinindo os papeis que devem desempenhar, em um regime capitalista, a família, a criança, a mulher, a cidade, as elites e os segmentos pobres. “Detentores da ciência, os médicos tomam para si a tutela das famílias, indicando e orientando como todos devem comportar-se, morar, comer, dormir, trabalhar, viver e morrer.” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2005, p. 34). 22 Essa temática tem como interessados, Foucault (1987), Mauss citado por Ivo (2008) que em seus estudos trazem uma análise extensiva sobre como um novo sistema de valores culturais, corporais se desenvolve de forma a naturalizar as desigualdades econômicas, políticas e culturais. As análises apresentadas por esses autores podem ser facilmente observadas no contexto da Pós-modernidade em que indivíduos são incentivados a manter formas corporais que constituem simulacros aparentemente possíveis, mas, na verdade, nunca completamente atingíveis. Tudo o que é condição do corpo real (os efeitos degradantes do tempo, as formas naturais, a exposição a enfermidades, o fator genético e hereditário) parece ser negado e omitido. Há, com isso, a garantia do surgimento contínuo de novas demandas de consumo e novos mercados: cosméticos e farmacológicos para combater os sinais do tempo, alimentos dietéticos, espaços para a prática de exercícios, serviços médicos, entre outros. Aqueles que se recusam ou que se vêem impossibilitados de participar desse esforço pela boa forma (consumidores falhos) são, muitas vezes, submetidos a estigmas que reforçam um sistema de poder sobre o corpo. (MOUROUN; VIEIRA, 2008, p. 173). Essa apropriação da definição médica da velhice atingiu de forma ampla o imaginário cultural, influenciando o discurso do Estado na formulação de políticas assistenciais e na formação de outras disciplinas como a gerontologia e psicologia, áreas que se debruçaram sobre os aspectos sociais e psicológicos da velhice. “Além do corpo envelhecido, objeto da geriatria, os hábitos, as práticas, as necessidades sociais e psicológicas dos velhos seriam agora alvo de um saber especializado, que incluía novos aspectos em sua definição e tornava mais complexa a categoria velhice”. (SILVA, 2008, p.159). A gerontologia se desenvolve por uma demanda das políticas e instituições de aposentadoria, pautando seus princípios na metáfora médica da velhice e objetivando oferecer explicações e analisar a percepção negativa de tal etapa da vida. Dessas análises, surgiram duas teorias: a teoria do desengajamento e da atividade. Na primeira teoria, acreditava-se que a “incapacidade para o trabalho retiraria da velhice qualquer possibilidade de atividade social, o que conduziria os sujeitos a estados de solidão e exclusão.” (SILVA, 2008, p.164). Quanto à teoria da atividade, essa supunha que os indivíduos poderiam ter uma velhice bem sucedida, se eles mantivessem ativos, conservassem os hábitos da vida adulta e desempenhassem papeis sociais relevantes. Em se tratando da necessidade de construção de uma imagem positiva para velhice, autores como Debert (2004) apontam como causa a preocupação do Estado com os fundos de pensão, que no futuro não seriam capazes de arcar com os gastos, devido ao aumento 23 demográfico3 da população idosa. A queda das taxas de fecundidade combinada à da mortalidade, em virtude da melhoria na condição de vida ― consequência de uma tecnologia médica mais avançada, bem como do acesso a serviços de saúde, vacinas ―, vem ocasionando uma mudança na estrutura etária, com a diminuição da população mais jovem e o aumento proporcional dos idosos. Assim, a teoria da atividade viria a calhar levando-se em consideração que, quanto mais tempo o idoso fosse mantido ativo, engajado, menor seriam as despesas do Estado em outros setores, como a saúde. Contrariando essa expectativa, o que se tem hoje dos dados do IBGE (2010) é de que na realidade brasileira os idosos continuam trabalhando por uma série de fatores e não por a escolha, mas devido à necessidade de se manterem no mercado de trabalho. Os esforços por transformar a imagem da velhice decadente em velhice ativa se iniciam na França a partir de 1962 visando, juntamente, modificações político-administrativas (aumento das contribuições, redução das indenizações e re-estruturação das idades para obtenção da aposentadoria), como aponta Peixoto (2007). Pelo que se pode analisar do momento econômico vivido na França, o aumento de uma população considerada incapaz para produção afetava diretamente o sistema previdenciário do país e, por sua vez, a economia que nessa época estava a todo vapor. Uma mudança nas políticas previdenciárias como na imagem do velho reduziria, por um lado, o gasto do país, influenciando o crescimento econômico, uma vez que “os novos aposentados começaram a reproduzir práticas sociais das camadas médias assalariadas, já que a imagem de degradação estava muito associada às camadas populares […].” (PEIXOTO, 2007, p.75). Termos, portanto, como a noção de “terceira idade” marca a passagem na mudança de perspectiva da velhice decadente para a velhice ativa e faz referência ao momento de se vivenciar o lazer, a realização pessoal, a criação de habilidades e o cultivo de laços afetivos. A “terceira idade” é, pois, o reflexo da “disseminação de conhecimentos e práticas de prevenção e cuidado” com o corpo, baseadas, sobretudo, “em práticas de atenção à saúde, rejuvenescimento do corpo e desenvolvimento de uma vida social ativa.” (ALVES, 2004, p.15). Sendo assim, clubes, associações e cursos voltados para as pessoas de mais idade são os espaços que concretizam essa nova velhice. 3 No Brasil, por exemplo, ressalta-se que, segundo dados do IBGE, de 2010, em 34 anos, a população brasileira praticamente dobrou em relação aos 90 milhões de habitantes da década de 1970. No que tange o envelhecimento, prevê-se que, se 2000, o grupo de 0 a 14 anos representava 30% da população brasileira, enquanto os maiores de 65 anos eram apenas 5%; em 2050, os dois grupos se igualarão em 18%. 24 Além disso, ressaltam-se a criação de expressões, como “melhor idade”, “idoso”, “terceira idade” que, segundo Marques (2003), caracterizariam sujeitos que envelheceram cronologicamente falando, mas que se mantêm ativos, sendo os “jovens idosos”. Envelhecimento bem sucedido, qualidade de vida e terceira idade implicam na circulação da ideia de um velho identificado como fontes de recursos ― (autônomo, capaz de respostas criativas frente às mudanças sociais, disponível para ressignificar identidades anteriores, relações familiares e de amizade. Assim, sociabilidade, lazer e educação (como estratégia de socioterapia e de manutenção da “mente ativa”) fazem-se dispositivos privilegiados de intervenção junto a essa população e ganham espaço significativo na mídia para criação e divulgação de uma “nova velhice”. (BARROS; CASTRO, 2002, p. 121). A partir dessa perspectiva, autores como Debert (2004) defendem que na categoria “terceira idade” não está incluso todos os idosos, mas somente aqueles envolvidos em algum tipo de atividade ― ginástica, dança, artesanato ―, em relação aos que não escolheram envelhecer na quietude. Para a autora, tal aspecto é relevante para pensar a “terceira idade” como uma categoria intermediária entre a vida adulta e a velhice. Outros autores, como Peixoto (2007), apontam que a terceira idade vem substituindo, aos poucos, termos como velhice, idoso e velho. A autora localiza que antes dos anos 60, os documentos oficiais no Brasil, dentre eles os produzidos pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), denominavam as pessoas com idade acima de 60 anos de velhas, sendo que o termo idoso surge no Brasil no final da década de 1960, para designar pessoas que haviam alcançado os 60 anos, mas que demonstravam capacidade produtiva. Assim, os termos: idoso, terceira-idade, melhor-idade passam a ser utilizados para diferenciar formas de envelhecer ― velhice ativa, saudável, da velhice não-ativa, ou melhor, não produtiva. 2.4 A aposentadoria e a noção de terceira idade É interessante observar a relação entre as noções de velhice que surgiam e o cenário social desta época, século XX. As diferenciações que surgem dentro da categoria velhice parecem estar associadas ao processo de “ordenamento social” que é característico da modernização, segundo Silva (2008). Para a autora, as sociedades pré-industriais não procediam a uma especialização funcional para cada idade porque a forma como estavam organizadas não exigia determinadas funcionalidades. Por exemplo, a ausência de 25 regulamentação de uma idade específica para o trabalho, co-habitação de famílias extensas, são alguns dos fatores apontados, que em conjunto, não favoreciam a fragmentação do curso da vida em etapas determinadas. A autora aponta que diferenciações entre as idades e especialização de funções, hábitos e espaços relacionados a cada grupo etário, surgem a partir do século XIX. Têm inicio a segmentação do curso de vida em estágios mais formais, as transições rígidas e uniformes de um estágio a outro e a separação espacial dos vários grupos etários. Desse modo o reconhecimento da velhice como etapa única é parte tanto de um processo histórico amplo ‒ que envolve a emergência de novos estágios da vida como a infância e a adolescência ‒, quanto de uma tendência contínua em direção a segregação das idades na família e no espaço social. (SILVA, 2008, p.156). Nesse caso, a re-organização dos sistemas de aposentadoria, na perspectiva de alguns autores, demonstra ter tido uma importância considerável no surgimento do conceito de terceira idade. Segundo SILVA (2008), até metade do século XX eram fragmentados o discurso e as instituições voltados para o cuidado com a velhice. Por volta de 1945 até os anos 1960, essas instituições se empenham em elaborar uma política da velhice que culmina na aparição da noção de terceira idade. Os sistemas de aposentadoria se estendem a todas as classes de trabalhadores, reorganizando os agentes de gestão da velhice, o que corresponde à ampliação do tema como problema social e à substituição gradativa de assistência e asilo pelas caixas de aposentadoria e pelos centros de geriatria. A associação entre velhice e indigência é desfeita e surge uma nova categoria, a ‘terceira idade’. (SILVA, 2008, p.162). O sistema previdenciário foi uma resposta às modificações e aos problemas surgidos devido ao processo de industrialização. De acordo com Peixoto (1998), as pensões não eram tema de interesse coletivo, até que as primeiras gerações de operários começaram a envelhecer e surgiram dúvidas sobre o tratamento a ser dado aos “incapazes” de trabalhar e de manter seu próprio sustento. Nesse caso, a velhice é associada à invalidez e a incapacidade de produzir e identificava todos aqueles que, ao final de sua vida, não estão mais aptos para o trabalho. A associação da velhice à invalidez inspirou a criação dos sistemas de aposentadoria pelos chefes de empresa, com o intuito de conter o “perigo social” das massas trabalhadoras. (SILVA, 2008). No caso do Brasil, o sistema previdenciário também está atrelado à emergência dos conflitos sociais gerados nas economias capitalistas devido às demandas por igualdade e 26 autonomia, oriundas das classes trabalhadoras em um contexto de crescente industrialização. Assim como nos outros países, a ação do Estado, observam Cardoso Junior e Jaccoud (2005), foi uma das respostas à questão social representada pela pobreza operária, entretanto, o que é particular no caso brasileiro é que não foram todos os indivíduos incluídos, mas apenas os trabalhadores. No caso dos trabalhadores rurais, a aposentadoria foi posterior à dos trabalhadores urbanos. Nesse caso, o Estado fomenta instituições de caráter assistencial para responder as demandas do resto da população pobre. Em outras palavras, estas instituições assistenciais, de início, foram não-estatais. Tal aspecto é de grande relevância para se pensar o rumo que as políticas públicas para os idosos seguiram no Brasil suscitando questões que serão tratadas de forma mais detalhada no capítulo seguinte. Apesar da conotação pejorativa e estigmatizante, Debert (2004) ressalta que a associação da velhice à invalidez propiciou o surgimento de um indivíduo detentor de direitos porque institucionalizou a aposentadoria e a velhice como categoria política. Com isso, os indivíduos que até esse momento estavam identificados como incapazes começam a se espelhar nas classes médias que dedicavam seu tempo livre para outras atividades que não o trabalho. A aposentadoria trouxe uma duplicidade: [...] ao estabelecimento da velhice como categoria social, marcados pelos signos da degeneração física e invalidez como também pela legitimidade conferida por direitos específicos, seguiu-se um período no qual a sua importância social cresce consideravelmente. (SILVA, 2008, p.161). A aposentadoria foi um dos fatores de relevância, considerados por Debert (2004) e Silva (2008), junto ao saber especializado sobre a velhice, para o surgimento de uma nova imagem para ela, uma vez que do discurso das ciências que se apropriaram dos processos de envelhecimento, surgiram formas de cuidado com o corpo, meios de retardar a velhice produzindo-se com esse discurso uma noção de bem-estar, qualidade de vida e, portanto, o surgimento de termos que diferenciassem a velhice convencional. Por outro lado, com o “objetivo de ganhar clientela, as caixas de aposentadoria, passaram a oferecer, além de vantagens financeiras, serviços diferenciados como clubes, férias programadas, alojamentos especiais, atividades de lazer e grupos de convivência.” (SILVA, 2008, p.162). Juntamente, a aposentadoria teria trazido a ideia de um momento propenso às realizações pessoais, ao lazer. Isso porque com a disponibilidade de recurso e de tempo, já que essas pessoas supostamente não precisariam trabalhar e continuariam a ser remuneradas, elas poderiam dedicar-se a outras atividades. 27 No Brasil, Debert (2004) aponta que proliferaram os programas voltados para os idosos ― escolas abertas, universidades para terceira idade, grupos de convivência para idosos ―, tendo como princípio a busca da auto-expressão e a exploração de identidades que era exclusivo da juventude. Contudo, questiona a precariedade dos mecanismos que dispomos para lidar com a velhice avançada, uma vez que a nova imagem do idoso não oferece instrumentais para lidar com a decadência de habilidades cognitivas, físicas, emocionais para que ele possa exercer sua autonomia. E coloca: “A dissolução desses problemas nas representações gratificantes da terceira idade é um elemento ativo na reprivatização4 do envelhecimento, na medida em que a visibilidade conquistada pelas experiências inovadoras e bem-sucedidas fecha o espaço para as situações de abandono e dependência”. (DEBERT, 2004, p.15). Nesse caso, essas situações passam a ser vistas como consequência da falta de envolvimento do idoso em atividades motivadoras, sendo delegada a eles a responsabilidade pela forma como envelhecem. A imposição de um estilo de vida se torna, pois, uma das preocupações, para alguns autores, devido ao risco que se corre da homogeneização das representações da velhice. Este fato omite a heterogeneidade desse grupo e, como dito, os problemas específicos de determinada estrutura social. Por exemplo, a realidade socioeconômica e cultural dos idosos permite que todos tenham a mesma concepção autopreservacionista do corpo? No momento em que esse ideal de cuidado passa a ser disseminado e os indivíduos são convencidos a assumirem a responsabilidade pela sua própria aparência, sua autonomia lhes é retirada. Assim intervenções que deveriam ocorrer em função do sujeito em questão tornam-se interesses e jogos de poder. O que ocorre, pois, é que um conjunto de práticas concretas se empenha em redefinir o que seria o comportamento adequado para pessoas de mais idade. (DEBERT, 2004). A padronização da vida, como já dito, aparece como elemento importante na organização social e envolveu segundo Fortes citado por Debert (2004) as dimensões do mundo familiar e do trabalho, sendo presente na organização do sistema produtivo, das instituições educativas, do mercado de consumo e, mesmo políticas públicas com seu foco para os grupos etários específicos. Entretanto, outra linha de pensamento aponta que essa padronização da vida só adquire relevância no contexto jurídico-político. 4 Expressão cunhada por Debert (2004) utilizada para designar processos que transformam a velhice em responsabilidade individual. 28 A padronização da infância, adolescência, idade adulta e velhice, pode ser pensada como resposta à mudanças estruturais na economia, devidas, sobretudo, à transição de uma economia que tinha como base a unidade doméstica para outra, baseada no mercado de trabalho. Inversamente, a ênfase pode ser dada ao Estado Moderno que – no processo de transformação de questões que diziam respeito à esfera privada e familiar em problemas de ordem pública – seria, por excelência, a instituição que orienta o curso da vida, regulamentando todas as suas etapas, desde o momento do nascimento até a morte, passando pelo sistema complexo de etapas de escolarização, entrada no mercado de trabalho e aposentadoria. (DEBERT, 2004, p.51). Pois, em se tratando das sociedades ocidentais contemporâneas, estaria ocorrendo a desinstitucionalização da vida, segundo Held citado por Debert (2004). Nesse caso, tal expressão significa uma relativização das normas apropriadas para cada etapa da vida, sendo identificados três momentos históricos em que a idade cronológica se distingue: a pré-modernidade em que a família se sobrepõe quanto ao controle do grau de maturidade e de recursos de poder; a modernidade que corresponde à cronologização da vida e a pós-modernidade que opera com uma desconstrução do curso da vida. Sendo assim, o curso de vida moderno, conforme Debert (2004) estaria atrelado à lógica da funcionalidade dos indivíduos na sociedade, baseado em um modelo fordista de produção. Já na sociedade pós-fordista, marcada pela informatização da economia, pela desmassificação dos mercados de consumo, da política, da mídia, da cultura, e pela fluidez e multiplicidade dos estilos de vida, teria como consequência o apagamento das fronteiras que separavam juventude, vida adulta e velhice, das normas que indicavam os comportamentos apropriados aos grupos de idade. Nessa lógica das etapas da vida, os autores apontam que a terceira idade surge, pois, como possibilidade dos indivíduos de faixas etárias distintas poderem vivenciar experiências semelhantes de vida. Tais perspectivas parecem atuar, porém, de forma contraditória em um mesmo momento, visto que se estaria vivendo ainda em uma sociedade em que a disciplina e o hedonismo determinariam modos padronizados de vida. Ao mesmo tempo que a globalização traria o apagamento dos comportamentos determinados para cada grupo etário. Entretanto, Debert (2004) chama atenção para o fato de que seria um exagero supor que a idade cronológica deixa de ter sua importância, pois ela torna-se cada vez mais um mecanismo importante na criação de mercados de consumo, na definição de direitos e deveres e na constituição de atores políticos. A partir disso, tem-se que a velhice é um conceito em mudança permanente, relacionado com fatores socioeconômicos e que não são necessariamente reflexos de transformações físicas do processo de envelhecimento. Logo, pode-se afirmar que a velhice é 29 fruto da elaboração de um discurso que tende a modificar-se de acordo com as necessidades econômicas e políticas do contexto histórico social. Por vez, esse discurso condiciona, orienta e define o comportamento das pessoas idosas e, mesmo das oportunidades que lhes são permitidas nas diversas estruturas sociais. Estes discursos são responsáveis por associar o processo biológico de uma imagem ― positiva ou negativa ― da velhice, atribuindo-lhe um status correspondente e que legitimará sua entrada ou exclusão em um determinado contexto histórico e social. Nesse caso, o mesmo corpo envelhecido pode ter representações totalmente distintas, o que quer dizer que a velhice, muito mais do que um conceito biológico, é uma construção social (DEBERT, 2004). Da velhice até a terceira idade, estão implicados significados que foram sendo atribuídos às pessoas envelhecidas, conforme o momento histórico, econômico e cultural. Atualmente pode-se dizer que as imagens dominantes sobre o velho, bem como os principais enfoques e diretrizes que orientam os estudos sobre o envelhecimento estão passando por uma redefinição. O primeiro aspecto que marca essa mudança refere-se à passagem de uma abordagem historicamente constituída nos aspectos biológicos e individuais da velhice para uma perspectiva que a identifica como um setor social de importância. Esta mudança reflete a preocupação com o crescimento populacional desse grupo que é reflexo de uma mudança demográfica mundial. A partir dessa percepção, novas demandas de serviço são geradas para dar conta das pessoas envelhecidas. Atualmente, o discurso que impera é o da revalorização da pessoa idosa através do estímulo à participação e à produtividade, que é um discurso condizente com os interesses socioeconômicos no momento. O discurso biologista sobre a velhice demonstra ter tido grande influência sobre o discurso da velhice bem sucedida hoje ― na construção de normas de comportamentos padronizadas a serem seguidas por esse grupo de população, sendo necessário avaliar as implicações dentro do coletivo desses discursos. 30 3 O IDOSO COMO SUJEITO DE DIREITOS E A POLÍTICA PÚBLICA 3.1 Políticas Sociais no Brasil A população idosa configura um contingente, segundo o IBGE (2010) de quase 15 milhões de pessoas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a população idosa dos países em desenvolvimento como aquela a partir de 60 anos de idade, e a partir dos 65 anos de idade quando se trata da população de países desenvolvidos. Como já discutido, a idade não é o único parâmetro para definir o processo sociodemográfico do envelhecimento, mas ele se torna um dos fatores primordiais quando se trata da construção de políticas públicas. Isso quer dizer que o crescimento da população idosa transformou-se em problema, despertando a necessidade de ação que segundo Capella (2007, p.90) “define-se por meio de três mecanismos básicos: indicadores; eventos, crises e símbolos; e feedback das ações governamentais”. No momento em que os indicadores ― custos de um programa, taxas de mortalidade infantil, variações na folha de pagamento de servidores, evolução do déficit público ― ao serem reunidos, apontam para uma questão, ela torna-se alvo dos formuladores de políticas, por ser uma problemática. Associado aos indicadores, os eventos de grande magnitude, como crises, desastres ou símbolos, também podem concentrar a atenção em um determinado assunto. Finalmente, o monitoramento de gastos, o cumprimento ou não de metas, podem chamar a atenção de quem formula as políticas. Além disso, em meio a esses fatores estão implicadas as construções sociais que significa a interpretação que se dá a determinado fato e a importância adquirida por ele. (CAPELLA, 2007). Assim, indicadores como os que serão apresentados se tornam referências para a aplicabilidade da discussão acima. Vejamos que ao que se refere ao crescimento de idosos, esse fato caracteriza-se como um fenômeno mundial: em 1950, os idosos correspondiam a 204 milhões de pessoas no mundo e, já em 1998, quase cinco décadas depois, esse número alcançava 574 milhões de idosos. Ou seja, um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. Além do aumento de idosos, de forma geral, ele se concentrou em áreas urbanas, o que contribuiu ainda mais para que o envelhecimento tivesse visibilidade. A proporção de idosos residentes nas áreas rurais passou de 23,3%, em 1991, para 18,6%, em 2000. O grau de urbanização da população idosa acompanhou a tendência da população total, ficando 31 em torno de 81% em 2000. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). A maioria desses idosos na área urbana são mulheres. Em 1991, as mulheres correspondiam a 54% da população de idosos, passando para 55,1% em 2000. Isto significa que para cada 100 mulheres idosas havia 81,6 homens idosos, relação que, em 1991, era de 100 para 85,2. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Em relação à condição do idoso no domicílio, o Censo de 2000 verificou que 62,4% dos idosos eram responsáveis pelos domicílios brasileiros, observando-se um aumento em relação a 1991, quando os idosos responsáveis representavam 60,4%. Os cônjuges representavam cerca de 22%, o que significa que a grande maioria (84,4%) desta população ocupa um papel de destaque no modelo de organização da família brasileira. Esses dados revelam algumas questões que se tornam foco de intervenções políticas e caracterizam indicadores sociais, como o fato do idoso ser o principal responsável pelo abastecimento da casa, do ponto de vista econômico, responsável por cuidar além dos filhos, dos netos juntamente, a aglomeração de pessoas em um único espaço muitas vezes em situação precária. A configuração desses domicílios mostra ainda que em mais da metade (54,5%), onde responsável é idoso, também, residiam pessoas na condição de filhos (ou enteados), tendência que se mantém desde 1991, com ligeiro declínio. Com relação às moradias ao que refere à condição de bem-estar e saúde, observa-se que 56,8% dos domicílios com responsáveis idosos apresentavam saneamento adequado, isto é, com escoadouros ligados à rede geral ou fossa séptica, servidos de água proveniente da rede geral de abastecimento e com lixo coletado direta ou indiretamente pelos serviços de limpeza. Esta proporção representou um aumento de, aproximadamente, 26% em relação a 1991, mas deve-se considerar as disparidades regionais encontradas nesse indicador: enquanto na Região Sudeste cerca de 80% dos domicílios com responsável idoso possuíam saneamento adequado, esta proporção atingia apenas 24% dos domicílios na Região Norte. Enquanto isso, ainda permanecia um contingente considerável de responsáveis idosos, vivendo em domicílios com saneamento semi-adequado e inadequado. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Quanto à situação educacional, na última década, houve aumento significativo neste indicador ― a proporção de idosos alfabetizados passou de 55,8%, em 1991, para 64,8%, em 2000, representando um crescimento de 16,1% no período. Apesar desse avanço, em 2000, o contingente de idosos analfabetos era expressivo, representando cerca de 5,1 milhões de pessoas. A escolaridade dos idosos é baixa, principalmente entre as mulheres. Mais uma vez, 32 se pode atribuir este resultado às características da sociedade e às políticas de educação prevalecentes nas décadas de 1930 e 1940, quando o acesso à escola era ainda muito restrito. Embora o quadro educacional para os idosos tenha melhorado na última década, a situação deste contingente populacional continua sendo muito desfavorável e afeta a sua condição de vida e a de seus familiares. Além disso, as novas dimensões relativas ao cotidiano do idoso apresentam exigências cada vez mais imperativas nas práticas da vida moderna. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). Outro dado relevante é do rendimento que caracteriza um indicador de bem, estar individual ou de pobreza, considerando que a renda de um indivíduo é responsável pela determinação de sua capacidade de aquisição de bens e serviços. A evolução do rendimento médio dos responsáveis de 10 anos ou mais e das pessoas com 60 anos ou mais de idade mostra que, embora a renda média do idoso seja inferior à do conjunto da população de 10 anos ou mais de idade em ambos os anos analisados, seu crescimento foi mais intenso, atingindo 63% entre 1991 e 2000, contra 42% desta população de 10 anos ou mais. Esta tendência repete-se na desagregação por áreas urbanas e dos idosos de quase 77%. Entretanto, essa diferença no crescimento do rendimento de uma área em relação à outra reflete a desigualdade na distribuição dos rendimentos. O envelhecimento populacional demonstra-se como um fenômeno de grande amplitude, do ponto de vista econômico e social, como aponta Capella (2007). Sendo assim, não apenas o Estado brasileiro, mas todos os outros países passaram a movimentar ações em favor da proteção social dos idosos por meio de intervenções estatais, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. Essas intervenções podem ser consideradas políticas públicas sociais. (HOLFLING, 2001). Segundo Souza (2006), a formulação das políticas públicas tem como efeito a produção de programas ou ações e, geralmente, são concretizações que partem de propósitos e plataformas eleitorais. O processo de formulação das políticas públicas, para Capella (2007), implica fatores como o momento histórico de cada país, sendo que através desse é possível localizar os interesses políticos e sociais de governos, de grupos de interesses, de movimentos sociais; a importância que determinada questão assume, isto é, a repercussão de sua imagem no meio social; as arenas institucionais e os atores envolvidos. Nesse caso, com a trajetória do sistema de proteção social pretende-se apresentar elementos para a compreensão da estruturação das políticas públicas voltadas aos idosos que tem seu fim o levantamento da concepção de 33 velhice nesse campo. Em relação ao contexto brasileiro, Cardoso Junior e Jaccoud (2005) apontam três vertentes históricas como ponto de partida para a organização do Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS). A primeira foi organizada durante a década de 30 e tinha como base os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s) e concretizações das Leis de Trabalho (CLT). A segunda voltada ao atendimento de situações de pobreza tinha o caráter filantrópico e caritativo, após a década de 30 e a terceira sustentada na afirmação de direitos sociais se consolida apenas em 1988 com a Constituição brasileira, como constituição cidadã. A política social se constituiu em torno de quatro eixos estruturantes que são: o eixo do emprego e do trabalho, eixo da assistência social e do combate à pobreza, eixo dos direitos incondicionais de cidadania social e o eixo da infra-estrutura social, sendo que o eixo do emprego e da assistência é foco dessa discussão por fornecer elementos que permitem perceber como vão sendo instituídas as populações denominadas vulneráveis que estão incluídos os idosos e, sob qual lógica as políticas sociais para essa população se estruturaram, configurando a concepção de velhice presente nas políticas públicas. É interessante ressaltar que a atuação do Estado no campo da proteção social moveu seu esforço para a construção de um sistema que tem como característica ter-se estruturado mais como sendo um conjunto abrangente de programas sociais que um conjunto articulado de políticas públicas. O sistema de proteção, hoje, é amplo, heterogêneo, muitas vezes, ineficaz, mas, dotado de instituições, recursos humanos e fontes de financiamento que lhe garantem uma estabilidade em caráter permanente (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005). Por outro lado, essa heterogeneidade não deve ser desprezada, visto ser fator de tensões que se referem à diversidade da ação social do Estado, tanto à forma como à natureza das políticas sociais, visto a diversidade do público atendido. Um exemplo disso são as políticas estruturadas em torno do eixo do trabalho e do emprego que convivem com o dilema permanente de ter que inovar na estruturação institucional dos programas de proteção social ― por meio da Previdência Social Rural, dos programas de intermediação e qualificação profissional, dos programas de microcrédito para geração de emprego e renda no campo e nas cidades, e dos programas de assentamento ―, sem, no entanto, poder romper efetivamente com a essência da cobertura assentada no emprego assalariado com carteira. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005). 34 A criação de novas garantias de proteção social, ao mesmo tempo em que exigiu esforços de reorganização das políticas então existentes, impeliu a construção de um conjunto de intervenções e instituições, levando o processo de reformas a se realizar em um universo marcado por grande heterogeneidade institucional. As diferentes problemáticas sociais enfrentadas pela Constituição relacionam-se com espaços distintos da vida social, respondendo a processos diferenciados de criação e recriação de vulnerabilidade e risco. Assim, ao se refletir sobre o sistema de proteção social que emerge da Constituição de 1988, vai-se além da análise dos espaços abertos à ação estatal. Trata-se igualmente de refletir em que medida o campo da proteção social aberto pela nova Constituição provoca a construção de eixos diferenciados de políticas sociais, em torno dos quais passam a desenvolver políticas articuladas e tensões específicas. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p.194). 3.1.1 Sistema Brasileiro de Proteção Social Grande parte da literatura aponta que a proteção social no Brasil tem início como resposta aos conflitos surgidos da relação capital-trabalho. Quando os trabalhadores não se encontravam mais em condição de venderem sua mão-de-obra, devido à doença, invalidez, ou velhice, eles eram retirados do mercado de trabalho ficando sem nenhuma remuneração. Tal fator transformou-se em um problema, visto que as condições de vida desses trabalhadores tornaram-se precária, necessitando intervenções para esse público. Portanto, tais intervenções estiveram voltadas, como é o caso das políticas de assistência social, para responder aos incapazes ― cujo principal público era composto pelos velhos. Logo, no início dos anos de 1920, já se formava um esboço de um Estado Social, cuja função era atuar no controle dos movimentos dos trabalhadores. Por outro lado, como a organização política dos trabalhadores se mostrou ausente ao longo do processo de industrialização, na visão de Medeiros (2001), isso criou uma lacuna de poder que foi apropriada pelo Estado. Os conflitos sociais associados ao processo de industrialização das sociedades modernas impulsionaram o Estado a intervir e a instituir certas garantias na medida em que ampliou-se o reconhecimento da incapacidade da esfera econômica para suprir, via mercado, um conjunto de necessidades consideradas socialmente relevantes. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p. 184). A preocupação a princípio, era com a classe trabalhadora, já que a implantação de um sistema de proteção implicaria não apenas em conter o risco social, mas atender aos interesses do Estado que era o de aumentar o seu papel na regulação da economia e da política nacionais como estratégia de desenvolvimento. 35 Quanto à constituição do Estado Social, nos anos de 1930 e início da década seguinte foi criada a base institucional-legal para as políticas sociais. O incentivo do Estado às ações que reforçassem o trabalho foi grande, já que o projeto brasileiro tinha como pretensão tanto minimizar o problema da pobreza como avançar no desenvolvimento econômico, através do trabalho. Foram criadas, pois, intervenções como as caixas de seguro social para a proteção dos trabalhadores e seus familiares de certos riscos coletivos, medidas destinadas à garantia do fluxo de rendas e de serviços para os trabalhadores que estavam impossibilitados de trabalhar em virtude de doença, invalidez ou morte. “O sistema de previdência social foi criado para atender aos setores organizados da classe trabalhadora urbana, sendo que ele promoveu a rápida expansão do estamento burocrático, tornando-se, logo, uma das fontes mais importantes de emprego público do país”. (MEDEIROS, 2001, p.11). Para o autor, a criação da seguridade teve o papel de dissipar a possibilidade de a classe trabalhadora organizar um movimento de oposição autônomo ao regime do capitalismo regulado pelo Estado, uma vez que a previdência social produziu uma mentalidade particularista nos trabalhadores, favorecendo a desarticulação dos movimentos. Assim a década de 30 caracterizou-se pela constituição de caixas de seguro social, organizadas por setor econômico, financiadas e geridas por empregados, empregadores e pelo Estado. Junto às políticas de proteção social, que visavam à proteção contra os riscos de vida, realizaram-se regulamentações das relações e condições de trabalho – todo o sistema de pensões e aposentadoria surge de direitos que tem como aspecto principal o exercício do trabalho, para ser mais preciso o emprego assalariado legal. Portanto, as classes não organizadas e que não faziam parte do processo de acumulação, a princípio, mantiveram-se fora do sistema de proteção social, já que o sistema era de caráter contributivo. Apesar de haver uma proposta de inclusão, posteriormente, desse outro contingente de pessoas – pobres urbanos – no projeto de modernização da economia brasileira por vias do trabalho. Sob a hegemonia de um projeto de bem-estar baseado no desenvolvimento da produção econômica nacional e na ampliação do assalariamento, a proteção social às populações vulneráveis não incorporadas pelo trabalho assalariado continuaria, durante o período, orientada na forma de uma gestão filantrópica da pobreza, realizada predominantemente por instituições privadas que contavam com o apoio de financiamento público. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p. 190). Nessa década houve a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) como iniciativa do Estado de atuação no campo da assistência social, mas que permaneceu apenas como iniciativa, uma vez que a ação 36 assistencial ficou ainda sob a intervenção paralela de instituições privadas e filantrópicas. Como consequência da interferência dessas instituições privadas, a filantropia e a caridade configuraram a lógica de atuação social em prol dos pobres cujas ações eram paternalistas, de ajuda, e que não contribuíam para retirar o indivíduo da condição de pobreza na qual se encontrava. A ideia era de que com a promulgação da Constituição de 1988, o Estado assumisse esse setor que até então estava nas mãos das instituições privadas, e criasse políticas públicas não sustentadas nessa lógica da caridade. Contudo, como a entrada governamental foi de forma tímida, a política de assistência se legitimou nessa condição. A força do projeto corporativo, que sinalizava com a incorporação futura dos segmentos não assalariados a um mercado de trabalho moderno e à proteção social que lhe estava vinculada pode ser também associada ao grande peso que o segmento filantrópico manteve entre nós. De fato, a ação estatal não se impôs senão parcialmente aos demais modelos de regulação social que lhe estava vinculada, num processo de coexistência entre regimes de regulação que ainda hoje se reproduz. (JÚNIOR; JACCOUD, 2005, p. 190). Das políticas implementadas, hoje, o Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS) conta com duas das políticas públicas que independem de quaisquer condicionalidades de inclusão: educação e saúde. A política de educação se firmou primeiro, em 1930, com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), mas desde a Constituição de 1981 a educação primária é reconhecida como obrigatória. A saúde se consolida na década de 1980, época em que de fato, se converte em um direito fundamental do cidadão podendo ser equiparada à política de educação. A década de 1988, segundo Cardoso Junior e Jaccoud (2005), teve uma relevância por ter sido a década em que as políticas sociais se instauraram a partir de princípios constitucionais. Com o reconhecimento de que a política previdenciária – fundada no processo de expansão do assalariamento – encontrava seus limites, além disso, a interpretação de que a regulação da pobreza via filantropia, era insuficiente para responder a algo que era de ordem estrutural, o Estado viu-se obrigado a ter de enfrentar o tema da igualdade cujas ações foram em favor de legitimar a participação política de todos os cidadãos. Todas essas preocupações referentes à pobreza, os limites da política de previdência, a retração econômica, movimentos da população, levaram ao debate sobre as políticas sociais que nortearam a Constituição de 1988, baseada em princípios universais. Portanto, os ideais universalistas são recuperados como norteadores da ação pública, tanto no âmbito dos direitos civis como no dos direitos sociais, pois do ponto de vista da igualdade, essa pressupõe o 37 reconhecimento do cidadão independente de sua condição socioeconômica. Os princípios da Constituição de 1988 é o da superação de um sistema através do autofinanciamento, nãodistributivo, e que buscava, pois, as bases de um sistema garantidor de direito e universal. O Sistema Brasileiro de Proteção Social fica, pois, entendido como o “conjunto de política e programas governamentais destinado à prestação de serviços e à transferência de renda, com o objetivo de cobertura de riscos sociais, garantia de direitos sociais, equalização de oportunidades e enfrentamento das condições de destituição e pobreza”. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p. 194). As políticas em torno do eixo de trabalho e emprego, o modo como elas vieram se configurando, demonstram um reconhecimento sobre a insuficiência do assalariamento como princípio norteador da proteção social (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005). Talvez um indício dessa insuficiência sejam as políticas organizadas com base no eixo da assistência social as quais adquirem historicamente importância institucional para grupos sociais que se encontravam em situação de carência. Crianças desassistidas, mulheres pobres – notadamente as viúvas ou com filhos pequenos -, portadores de deficiências e idosos incapacitados para o trabalho desde que sem outro tipo de proteção, compõem tradicionalmente o escopo da assistência que se organizou, no Brasil como em outros países, por meio da intervenção privada com base na caridade e na filantropia. (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p. 218). A própria organização da assistência, no Brasil, teve como substrato principal a filantropia e a caridade oferecidas por instituições privadas. O Estado interveio como mero colaborador. Um exemplo marcante é a regulação do subsidio público à ação privada ― leis ampliando e normatizando o acesso a subsídios e a insenção de impostos em benefício das entidades beneficentes. O objeto da assistência era, nesse contexto, a vulnerabilidade de situações ligadas ao ciclo de vida, ou seja, a pobreza. Foi instituída uma política de mínimos sociais e uma de atendimento de necessidades básicas para grupos vulneráveis da sociedade que agora se tratava de crianças, jovens, idosos e deficientes, incluindo as famílias pobres. Entretanto, apesar de instituída nos preâmbulos da Constituição de 88, o que deveria lhe conferir universalidade, a Política Nacional de Assistência Social abarcou e ainda abarca apenas uma parcela da população, ou seja, os pobres. Tal lógica vai de encontro ao princípio de igualdade perante a lei. Trata-se, pois, de que a igualdade puramente formal, inscrita sob forma de lei, começou a ser questionada quando se constatou que ela, por si só, não era suficiente para tornar acessíveis, a quem era 38 socialmente desfavorecido, as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. (GOMES, 2000). Produto do Estado Social de Direito, a igualdade substancial ou material propugna redobrada atenção por parte dos aplicadores da norma jurídica à variedade das situações individuais, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas. (GOMES, 2000, p. 3). Essa noção de direito ― igualdade substancial ― refere-se à ideia de igualdade de oportunidade, que resultou o surgimento de políticas sociais de apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados. Tal lógica está regida pelo princípio jurídico da equidade em que sua definição é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Assim, o princípio da equidade baseia-se na criação de leis [...] na qual são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneiras dessemelhantes, evitando assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade. (GOMES, 2000, p.3). Nesse caso, é visível a contradição no caráter de universalização da assistência social, no sistema capitalista, já que se configurou como resposta às contradições da desigual relação capital e trabalho. Claramente, é o pobre que tem sido público da assistência em seu percurso histórico. É o que garante a Política Nacional de Assistência Social (2004) a inclusão dos “invisíveis” e dos “desiguais” Estas ações são alternativas e não complementares a uma política social, ou seja, articuladas a políticas de desenvolvimento, reforçam a permanência da população em situação de vulnerabilidade, na condição de assistidos. E diante a trajetória da formação do Sistema Brasileiro de Proteção, vê-se que a maioria das políticas é compensatória. O fato para o qual chamo atenção é o da concepção de velhice que vem se estruturando a partir da análise da trajetória das políticas públicas voltadas para a população idosa. As formas como as relações se estabelecem entre o público a que as políticas sociais se destinam e os agentes nelas empenhados, podem se tornar avessas à cidadania e, devem, pois, ser questionadas. Quer dizer que a institucionalização da velhice fundou práticas que quando analisadas fornecem elementos para pensar o discurso que a concebe. 39 Para Simmel citado por Ivo (2008) as saídas para os aspectos socioculturais de dependência de assistência apenas podem ser efetivas sob o âmbito político e de cidadania. A condição de assistido significa receber de ‘outros’ sem poder definir-se através de uma relação de reciprocidade frente aos demais, em condições de igualdade. “[...] não é a pobreza em si nem a entidade dos pobres em si mesmos, mas as formas institucionais que eles assumem numa dada sociedade num momento específico de sua história. Essa sociologia da pobreza, em realidade, é uma sociologia dos laços sociais”. (SIMMEL apud IVO, 2008, p. 172). Com isso, o autor quer dizer que a pobreza, cujo status a velhice assumiu ao longo da sua história, foi construída socialmente. Analisa, pois, a pobreza e a condição de ser pobre em determinada sociedade a partir da relação dos direitos e obrigações das prestações ou dádivas, tendo em vista a dualidade que se estabelece nessa relação. A obrigação de dar não deriva de um direito do outro, mas de uma imposição moral daquele que dá, determinada pela sua própria moralidade e responsabilidade. Só no campo do direito é que ela se volta para “o outro”. Esse dualismo, que governa o desenvolvimento das ações morais, se expressa empiricamente nas diversas concepções de assistência aos pobres nas instituições da sociedade moderna: na forma como as coletividades (Estado, sindicatos, família, etc.) se dedicam aos pobres. (IVO, 2008, p. 173). Para Simmel citado por Ivo (2008) o pobre não seria o fim da ação, mas outros fatores a mobilizariam, como por exemplo, o risco deles se rebelarem. Sendo assim, a ideia de bemcomum, derivada da lógica do direito, torna-se paradoxal, uma vez que “o fim da assistência é precisamente mitigar certas manifestações extremas de diferenciação social, a fim de que a estrutura possa continuar a se fundar sobre essa diferenciação”. (SIMMEL apud IVO, 2008, p.49). Portanto, para se tornar, de fato, direito ela teria que superar o que é de sua própria estrutura. Nesse caso, Ivo (2008) chama atenção para o fato de que a forma como a assistência é prestada demonstra ser “uma aplicação de meios públicos para fins públicos”, o que torna essa relação entre assistência e pobre utilitarista – o pobre não é apenas pobre se considerarmos que ele participa dos direitos que a lei atribui à totalidade dos cidadãos, portanto, são também cidadãos. Assim, a posição do pobre na sociedade moderna é paradoxal, pelo aspecto sociológico, na medida em que a posição que ele ocupa não o impende de integrar-se ao Estado, como membros de uma unidade política. 40 Em princípio, aquele que recebe uma esmola dá também alguma coisa; há uma difusão de efeitos indo dele ao doador e é precisamente o que converte a doação em uma interação, em um acontecimento sociológico. [...] Mas se [...] o recebedor da esmola continua completamente excluído da cadeia teleológica do doador, se os pobres não preenchem outro papel senão o de servir de caixa coletora de esmola [...], a doação não é um fato social, mas um fato puramente individual. (SIMMEL apud IVO, 2008, p.56). Trazendo essa lógica para o coletivo, ultrapassando essa visão individualista, Simmel citado por Ivo (2008) aponta que essa doação social feita pela coletividade, tem um retorno sobre o próprio coletivo, sem passar pela esfera do indivíduo que é assistido – exclusão social. Os significados, pois, dessa exclusão para o autor, é que ela é característica da função que eles preenchem na sociedade. Em contrapartida, a subjetividade dessa classe é formada a “partir da objetivação que lhe é atribuída pelo 'outro', na luta política”. (IVO, 2008, p. 175) que pode ser percebida pela representação dominante presente no próprio discurso desses indivíduos considerados pobres pela coletividade. Essa discussão considera, pois, a análise da assistência aos pobres, mas reflete juntamente, a situação da velhice no Brasil, já que esta, por muito tempo, foi sinônimo de pobreza. Considerando que os princípios da política de assistência pautam-se, ainda hoje, em critérios de renda e que ela considera o idoso, de modo geral, como classe vulnerável, pode-se fazer um paralelo com a questão da pobreza. Nessa perspectiva, autores como Paugam (1998), apontam que a Política de Assistência Social demonstra ter-se tornado gradativamente, uma política residual. A legislação a princípio teve como base a proteção aos trabalhadores através de seguros obrigatórios contra os riscos de acidentes de trabalhos, doenças e da própria velhice, porém, uma parcela da população não foi integrada pelo seguro que ficou restrito aos trabalhadores assalariados. A consolidação de políticas sociais na formação de um sistema de proteção, como foi apresentada acima, aconteceu apenas com a Constituição de 1988, entretanto, a repercussão das condições de vulnerabilidades que alguns setores se encontravam, como os idosos, já vinha sendo tema de debate anterior, desde as Assembleias Mundiais em 1968 e 2002. 41 3.1.2 O envelhecimento como questão social e pública O ponto culminante na determinação de uma agenda internacional de políticas públicas voltadas aos idosos foi a Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento que aconteceu em Viena, em 1982. Porém preocupações relativas ao envelhecimento tiveram seu prelúdio na Conferência de Direitos Humanos em 1968 que aconteceu em Teerã cujo objetivo foi a reavaliação sobre o tema dos direitos humanos e a sua internacionalização, no intuito de fortalecer a noção de universalidade dos direitos. Com a noção de universalidade, ações globais passam a ser pensadas na busca de soluções para problemas globais. A Conferência de Direitos Humanos não se pautou em grupos específicos, mas como já dito, em uma série de problemas avaliados como consequência do contexto político vivenciado pelos países, como a Guerra Fria e as guerras anteriores. E o seu desenvolvimento se deu devido às violações de direitos humanos na era de Hitler, e a crença de que parte dessas violações poderia ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse. (MUNIZ; RODRIGUES, 2006). Dado este contexto político econômico e social, admitiu-se que, pela vulnerabilidade da população idosa, esta deveria sofrer mais as consequências desse contexto. Assim, a Assembleia Mundial em Viena foi pautada nessas conclusões surgidas da Conferência de Direitos Humanos. Essa assembleia foi o primeiro fórum global intergovernamental centrado na questão do envelhecimento populacional e que resultou na aprovação de um plano global de ação. Até este momento a questão do envelhecimento não era foco de atenção nem de assembleias gerais, nem de nenhuma agência especializada das Nações Unidas, portanto, tal evento caracterizou na visão de Camarano e Pasinato (2004) um avanço. Os objetivos do plano eram garantir a segurança econômica e social dos idosos, bem como identificar as oportunidades para sua integração ao processo de desenvolvimento dos países. Parte das recomendações visava promover a independência do idoso, dotá-lo de meios físicos ou financeiros para a sua autonomia. Nesse caso, o documento apresentava, juntamente, um forte viés estruturado e fundamentado em políticas associadas ao mundo do trabalho. (CAMARANO; PASINATO, 2004). É interessante observar o discurso de autonomia, promoção do idoso que começa a configurar esses espaços políticos e que decorreram em políticas sociais pautadas nessa lógica. Apesar de que a visão predominante foi de associar envelhecimento a dependência e a 42 problemas sociais. Talvez por isso, as ações da primeira assembleia tenham sido em favor de promover a autonomia, participação, o cuidado. A segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento aconteceu em Madri em 2002. Dois princípios que nortearam as discussões sobre Plano de Madri se referiam à luta contra a pobreza e à promoção do envelhecimento saudável. Mas, questões referentes ao trabalho ainda não deixaram de fazer parte dessa discussão. Os dois Planos, em especial o de Viena, mobilizaram ações para a garantia do envelhecimento saudável no intuito da mudança de visão do papel do idoso na sociedade, afirmando-o como sujeito ativo. A participação ativa dos idosos na sociedade considera que p envelhecimento populacional não é um processo que, necessariamente, esgota os recursos da sociedade. Em termos de políticas, pode-se pensar na adequação das instituições para que o crescimento da população idosa seja um elemento propulsor do bem-estar na sociedade. Nesse caso, políticas de trabalho, integração social e seguridade social são acionadas. Quanto ao fomento da saúde e do bem-estar, as políticas propostas são aquelas que promovem melhorias na saúde desde a infância até a velhice. Dentre elas, citam-se a promoção à saúde, o acesso universal aos serviços de saúde pública ao longo da vida, programas de capacitação de profissionais na área de geriatria, gerontologia e serviço social. Por fim, assegurar um entorno propício e favorável ao envelhecimento implica promover políticas voltadas para a família e a comunidade que assegurem um envelhecimento seguro e promovam a solidariedade intergeracional. (CAMARANO; PASINATO, 2004). O Plano de Madri não fez distinção quanto às condições socioeconômicas e culturais diante das diversidades regionais no processo de envelhecimento, mas foram elaborados documentos contendo ênfases particulares a cada região. Por exemplo, para a America Latina, como apontam Camarano e Pasinato (2004), a principal preocupação referiu-se às necessidades básicas como acesso a renda, saúde, educação e moradia, além da proteção dos direitos humanos. Desses documentos elaborados, é interessante apontar que todos enfatizaram a importância da contribuição dos idosos no trabalho voluntário, de subsistência e remunerado, cuidado, inclusive, da família, sendo essa colocada como fonte de apoio natural para as pessoas idosas. A velhice durante o século XIX foi tratada como etapa de vida decadente e de ausência de papeis sociais, mas essa condição também possibilitou a aquisição de direitos sociais como aponta Debert (2004), movimento esse que pode ser percebido no estímulo ao discurso do idoso ativo. 43 Desde o momento em que o Estado se deu conta de que o aumento da população idosa implicaria altos custos para os fundos de pensão e de aposentadoria e que a grande maioria dos idosos se encontrava em situação precária de vida, a intenção foi a de incentivar hábitos saudáveis para que a população idosa pudesse poupar gastos com a saúde e que elas fossem mantidas por mais tempo no convívio social. Logo, as políticas voltadas para a promoção do idoso têm implicado a prevenção do rompimento de vínculos familiares, bem como do asilamento a partir de atividades que estimulem habilidades físicas e cognitivas, na busca do envelhecimento saudável. No entanto, o cenário brasileiro atual demonstra que os idosos cada vez mais necessitam trabalhar, porque em muitas famílias é o provedor delas. Assim, a participação do Brasil nos debates internacionais e os compromissos firmados pelo país em relação à questão do envelhecimento, juntamente com as diretrizes lançadas pela Constituição de 1988, contribuíram para que em 1994 fosse aprovada a Lei 8.842 - Política Nacional do Idoso (PNI) cujos princípios indicam que o idoso deve ter seu atendimento diferenciado em suas necessidades físicas, sociais, econômicas e políticas. Foi atribuída à Secretaria de Assistência Social em nível nacional a responsabilidade de gerir a política. A PNI articulou a integração dos ministérios para elaboração de um Plano de Ação governamental para a Política Nacional do Idoso no âmbito da União, como apontam Camarano et al. (2005), até esse momento as políticas caracterizavam-se por ações fragmentadas em ordenamentos jurídicos setoriais ou em instrumentos de gestão política. A partir do Estatuto do Idoso é que se integrou todas as ações e foram deliberados órgãos de fiscalização no cumprimento do que era previsto, reforçando as diretrizes contidas na PNI. Após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, em 2003, foi sancionado o Estatuto do Idoso que contém em uma única e ampla peça legal muitas das leis e políticas já aprovadas. (CAMARANO; PASINATO, 2004). Portanto, o Estatuto do Idoso é a condensação sobre diversas áreas dos direitos fundamentais e das necessidades de proteção dos idosos, visando reforçar as diretrizes contidas na Política Nacional do Idoso. 3.1.3 A velhice no campo da Assistência Social A assistência social brasileira como política de proteção social, desde o início de sua atuação, tem como foco a garantia de serviços e a atenção ao público denominado 44 vulneráveis. Com a Constituição de 1988 ‒ que marca a entrada do Estado em uma área que até então esteve restrita a instituições filantrópicas e privadas com a influência da Igreja Católica ‒ a assistência continuou pautada na ideia de inclusão dos “invisíveis” definidos como a população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e idosos, segundo definições da Política Nacional de Assistência Social de 2004. A ideia de vulnerabilidade é apontada na PNAS (2004) como sendo decorrente de aspectos demográficos e socioeconômicos, associados ainda, aos processos de exclusão/inclusão social no Brasil. O processo de urbanização e industrialização no Brasil levou à precarização das condições de vida, seja pelo período crescente desemprego e da informalidade no mercado de trabalho, violência, fragilização de vínculos familiares e sociais, ou seja, processo no entendimento da assistência social de exclusão social. Ao ver da assistência, as vulnerabilidades da população no Brasil são reflexos, também, do processo de desenvolvimento econômico que junto ao contingente populacional e a má distribuição de renda fez com que essas pessoas entrassem para a condição de assistidos. Atualmente, ainda permanece a discrepância entre as regiões do país quanto ao contingente populacional, bem como quanto à distribuição de recursos em cada uma. No panorama geral do Brasil que foi traçado pela política de assistência, esse é o país que apresenta um dos maiores índices de desigualdade do mundo e se concretiza no cotidiano das cidades que também tendem a apresentar desigualdades. Sendo assim, existe uma diferença na distribuição de pessoas por região quanto à renda, sendo que essas diferenças refletem em determinados grupos de modo a torná-los públicos da assistência social. Contudo, a política de assistência, conforme a Política Nacional de Assistência Social diferente das outras políticas sociais como saúde e educação, essas pautadas em princípios universais, foi assentada em critérios de renda, ou seja, o acesso não é para todas as pessoas, mas aos enquadrados em critérios socioeconômicos que represente um estado de vulnerabilidade. Portanto, a assistência social é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais na garantia do atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 2004). Nesse caso, o idoso, público dos serviços da assistência social é aquele que se encontra em situação de risco ou vulnerabilidades sociais, conforme os critérios de vulnerabilidade definidos pela assistência, que são: “pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos 45 afetivos-relacionais e de pertencimento social (discriminação etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras)”. (BRASIL, 2004). Logo, enquanto política de garantia dos mínimos sociais seriam necessárias outras políticas que favorecessem a saída do indivíduo da condição de mínimo. Contudo, o que se observa é que essas políticas não têm atuado de forma articulada permanecendo como políticas emergenciais. Assim, quaisquer ações de proteção mais abrangentes exigiriam critérios menos unívocos, já que o mínimo da assistência aos pobres significa salvar alguém da falência física. (IVO, 2008). E, de uma perspectiva objetiva, “ao se colocar toda a assistência nas mãos do Estado, a medida normativa decorre não somente dos pobres, mas também do interesse do Estado. Assim, a medida da regulação deve se preocupar seja com o excesso [o montante do benefício em relação à coletividade], seja com sua falta [sobre a necessidade dos indivíduos]” (SIMMEL apud IVO, 2008, p.79). A política de assistência ao se consolidar com a promulgação da Constituição de 1988, teoricamente, adquiriu status de direito social, entretanto, torna-se contraditória a lógica de direito, quando se observa que, dificilmente, a grande maioria dos indivíduos em situação de vulnerabilidade sai da posição que assumiram continuando apenas com repasse de recursos ou como público de determinados serviços permanentemente. Ou seja, em vista aos princípios que regem a política de assistência, deveriam ser políticas de promoção do sujeito, porém, os critérios de acesso muitas vezes tornam o principio de promoção arbitrário, exatamente porque já existe um público específico e que geralmente fica na condição permanente de vulneráveis. A atribuição de uma renda desconectada da prestação de trabalho significa, hoje, na visão de autores como Chanial citado por Ivo (2008), o reconhecimento da dignidade do indivíduo de maneira igual a todos, independente da situação profissional, possibilitando, a princípio, uma saída da miséria e dos estigmas identitários. Pois, para o autor o reconhecimento de uma renda incondicional contradiz uma moral utilitária, não mais se adequando exclusivamente, à norma do trabalho e do emprego, da funcionalidade. Inclusive, essa renda incondicional deveria ser interpretada mais como uma dádiva de cidadania que direito de cidadania, já que essa última pressupõe uma contrapartida que seria o civismo, enquanto a dádiva de cidadania não requer uma contrapartida. Entretanto, se tratando de outro paradigma, o do contrato, a renda incondicional, é, de antemão, um direito sem contrapartida, um direito sem dever, já que na perspectiva de Rosanvallon citado por Ivo (2008), todo direito à renda supõe um direito ao trabalho. Nesse caso o fato de receber algo 46 que supostamente a pessoa não pode devolver, coloca o indivíduo na posição de assistido. Em todos os dois pontos de vista, o que se estabelece de comum é a condição de cidadania que deve ser dada a esses sujeitos para que saiam da posição de passividade. Por outro lado, não deve ser desconsiderada a perspectiva de mudança na realidade social desses segmentos, por suas lutas e movimentos sociais que significa “expressão de uma cidadania conquistada e da superação de lugares rígidos no âmbito do campo social”. (IVO, 2008, 178). Talvez o esforço da Política de Assistência Social seja desfazer-se da lógica que ao longo de sua constituição esteve presente, o assistencialismo. Para tal, seu fundamento principal é a promoção do indivíduo através de intervenções que possam prevenir situações de risco social. No caso da velhice, ações de promoção social da política de assistência estão previstas mesmo na proteção especial ‒ quando a pessoa já se encontra em situação de risco, mas a proteção básica é que tem como objetivo trabalhar no sentido de prevenir situações de vulnerabilidade. 3.1.4 A Assistência Social como política de promoção do idoso O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos (antigo Grupo de Convivência para Idosos) é um exemplo de proteção social. Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009) esse serviço é uma complementação do trabalho social com famílias feito com o objetivo de garantir direitos de prevenir situações de risco e de rompimento dos vínculos. É realizado em grupos de modo a facilitar as trocas culturais e de vivências, de desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, incentivar a socialização e a convivência comunitária. Possui caráter proativo e preventivo, assentado na defesa e na afirmação dos direitos, além do desenvolvimento de capacidades e potencialidades para que o idoso possa alcançar alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social através de intervenções que criam situações desafiadoras, da construção ou reconstrução de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no território. Como se percebe é um serviço que a princípio não tem implicado o repasse de qualquer recurso financeiro, trabalhando, pois, com o desenvolvimento de potencialidades no enfrentamento da vulnerabilidade que no viés da assistência seria, principalmente, o rompimento de vínculos familiares e comunitários, evitando assim o asilamento do idoso. 47 Entretanto, caso seja detectada a necessidade financeira do idoso é feito o encaminhamento para o acesso a programas de transferência de renda. Entre os objetivos do serviço oferecido aos idosos, é interessante apontar que o desenvolvimento da autonomia, envelhecimento ativo e saudável são bastante ressaltados e, conforme discutido é fruto das propostas do plano de ação global para o processo de envelhecimento. A lógica de intervenção nesse sentido é de que um idoso mais autônomo, ativo tende a permanecer por mais tempo no seio familiar, já que a família não depende de tempo para cuidados especiais com ele. O segundo aspecto a se observar é que a assistência tem como princípio a garantia de direitos em detrimento do assistencialismo, logo, o princípio para a atuação com seu público, seja ele, idoso, infantil ou jovem, é marcado pela participação do indivíduo no meio político e público para a garantia de seus direitos. Fóruns, plenárias, caracterizariam, dessa forma, ações que são muito incentivadas nos grupos que atendem os idosos. O serviço deve acontecer nos equipamentos da assistência social como CRAS Centro de Referência da Assistência Social e o objetivo é o de que os serviços atuem de forma articulada uns aos outros, em rede com as outras instâncias: proteção básica e especial, serviços, locais de educação, saúde, cultura, conselhos. O Estatuto do Idoso, ao contrário, como direito garantido a todos os idosos, tem como princípios a não distinção do indivíduo. Logo, não é feita restrição a apenas ao grupo em situação de vulnerabilidade social. Contudo, aos princípios referentes à assistência social, o Estatuto se reporta às diretrizes da LOAS ‒ Lei Orgânica da Assistência Social, Política Nacional do Idoso na garantia desses direitos. Nesse caso, a política de assistência está amparada pelo Estatuto do Idoso, sendo ela o plano executivo dessa legislação. Assim como a Política Nacional de Assistência Social, o Estatuto contém como princípios o estímulo ao idoso ativo, independente e, inclusive, propõe intervenções que promovam sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, a partir de atividades comunitárias que desenvolvam suas habilidades. Nesse caso, a promoção é palavra chave tanto ao que se refere à PNAS como ao Estatuto do Idoso. O trabalho de atuação junto a esse público, desde as discussões que se iniciaram sobre a questão do envelhecimento, é mais voltado para as ações de prevenção. A centralidade na família em detrimento da institucionalização do idoso é colocada como princípio do Estatuto e é diretriz central no trabalho da Política de Assistência Social, estando disposta tanto na PNAS como no Estatuto como medida de proteção. O Estatuto do Idoso garante intervenções para os idosos que necessitem proteção especial, ou seja, aqueles 48 que tenham sofrido qualquer tipo de violação de seus direitos, mas, a maior parte dos princípios está fundada em ações voltadas para a proteção básica que tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades, fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Vê-se que a assistência brasileira tem seus princípios embasados na lógica da prevenção, o que se caracteriza como estratégia para se produzir uma velhice saudável, que teve e, ainda hoje, tem como objetivo reduzir ônus tanto para o Estado, quanto para as famílias. Essa lógica da prevenção, como já dito, se alicerça no discurso da medicina e é tomado pelo Estado e outros agentes empenhados nas questões do envelhecimento, se efetivando em práticas de promoção do idoso. Não podemos desconsiderar que essas práticas, quando do desejo dos idosos em se integrarem, de fato, refletem positivamente em suas vidas, visto proporcionarem, como aponta Calvert (2009), espaços privilegiados para construção de novas redes de apoio social que promovem o bem-estar físico e psicossocial dos idosos. Por outro lado, observa-se que os idosos que participam desses espaços de convivência se referem aos que não se inserem nestes espaços como velhos e os associam aos estereótipos negativos da velhice. Desta forma afirmam que esses espaços de convivência “uma espécie de antídoto contra a velhice”. (CALVERT, 2009, p.106). A crítica, nesse sentido, refere-se não à prática em si das atividades ou espaços voltados para os idosos, mas ao discurso que permeia tais práticas. Dessa forma, a ideia de velhice que veio se constituindo, pois, diante a trajetória histórica apresentada, revela-se uma ideologia da velhice bem-sucedida e a negação do idoso que escolhe envelhecer na quietude. Tal aspecto é indicativo de que a velhice tem sido apoiada cada vez mais no ideal de juventude e que, portanto, a promoção do idoso condiz com a lógica do corpo que não deve envelhecer. 3.1.5 Políticas Públicas em Belo Horizonte no campo da Assistência Social Segundo Lopes (2010), em Belo Horizonte, a política publica de assistência social é instituída e passa a ser gerida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Dezembro de 1989 até Dezembro de 2000. No ano de 2000, é criada a Secretaria Municipal de Assistência Social e em 2005 a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social que 49 permanece até os dias atuais. No organograma da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não constava nenhum departamento específico para idoso até o ano de 1993, quando foi instituído entre outras frentes de trabalho os grupos de terceira idade. No período anterior a 1993 eram inexistentes os critérios de qualidade (plano de trabalho, local para realização dos grupos, tipo de atividades realizadas) e de convênios para os Grupos de Convivência para Idosos, sendo os convênios realizados diretamente entre Gabinete do Prefeito e as instituições (nessa época o repasse de recurso não era feito diretamente aos Grupos de Convivência, mas às suas entidades mantenedoras). Era ausente um setor de prestação de contas; com relação às equipes, não havia capacitação das equipes para o serviço de supervisão aos grupos de Convivência para Idosos e as entidades conveniadas não eram acompanhadas por equipes técnicas, devido à falta de critérios que estabelecessem esse acompanhamento. O repasse de recurso a instituições terceirizadas era feito sem nenhum tipo de acompanhamento sobre o destino do recurso. Nessa época já havia uma atuação junto à população idosa, mas a falta de critérios para o convênio de grupos com a prefeitura, o não acompanhamento por parte de técnicos sociais demonstra que os objetivos de atuação com os idosos não estava bem estruturado sendo apenas um repasse de recurso. É interessante apontar que a análise que Cardoso Junior e Jaccoud (2005) fazem dos atravessamentos nas políticas sociais no Brasil das instituições privadas ou ONG’s no gerenciamento da própria política pública, sendo que o Estado atua como mero colaborador. Lopes (2010) aponta que muita das dificuldades de trabalho com os grupos se dava devido à falta de estruturação de um plano de trabalho, que é consequência de um serviço que a princípio foi incorporado à assistência, mas sem um foco de trabalho. Sabia-se, pois, o fundamento desse serviço, mas não foram traçadas diretrizes de atuação. Foi a partir, pois, de 1993 que investimentos em recursos humanos para a assistência social começam a ser disponibilizados para modificações na política voltada ao idoso. Nesse caso, são formadas equipes específicas para trabalho com idoso, definidas metas de trabalho a partir de diagnóstico traçado sob consultoria contratada: diagnóstico das entidades asilares, criação de fóruns de discussão regionais, criação de grupos de convivência nos Centros de Apoio Comunitário (CAC) regionais, incrementação do Conselho Municipal do Idoso, a criação do Guia de Prestação de Contas em 1994 com a composição dos critérios de conveniamento que até então eram inexistentes, definição do repasse de verbas mediante Plano de Trabalho (Lei 8.666), supervisão de equipe técnica às entidades de atendimentos aos 50 idosos na execução de suas ações, ainda que sem uma sistematização das informações, passaram a ter grupo de discussão sobre o serviço de supervisão. Entretanto, ainda não haviam sido estabelecidos critérios de qualidade na avaliação dos serviços. A partir de 1993, começam indícios da constituição de fato de uma política social. Nessa época começam a ser implementadas outras ações que são importantes na permanência de uma política, bem como na sua institucionalização como direito social. Critérios de avaliação, por exemplo, tanto para a liberação de um recurso quanto para o monitoramento de políticas públicas é essencial para a análise da repercussão dela com determinado público, em determinado local. Quando não existem critérios para operacionalização das políticas passa a ser mero repasse financeiro e não é possível notar sua relevância ou qualquer mudança para os fins as quais foram destinadas. É possível observar que a partir de 1997 começam a ser criadas diretorias próprias para os serviços aos idosos ‒ criação da Diretoria de Apoio e Assistência ao Idoso ‒ SMDS, estrutura de atendimento ao idoso, assim os Grupos de Convivência aos Idosos passam a ser priorizados e alguns convênios são rearranjos. Sendo assim, um plano de visitas às entidades conveniadas é criado exatamente para fiscalização do recurso repassado a elas, pois, com a definição dos critérios do plano de trabalho, bem como a Sansão da Lei 7.427 de 19/12/97 que regulamentou critérios de qualidade para o serviço realizado, as instituições deveriam prestar contas do serviço realizado. Do período de 1999 até 2004 as ações ainda estavam voltadas para a construção de critérios de avaliação do cumprimento do serviço, definições de atividades que deveriam ser desenvolvidas com os idosos, o que demonstra já uma preocupação com a finalidade do serviço prestado a esse público, bem como da efetivação das diretrizes da assistência ao atendimento ao idoso. Os planos de trabalhos, agora, passam a ser orientados individualmente, conforme particularidades dos idosos de determinado território. Nesse período é extinta a Diretoria de Apoio ao Idoso e se cria a Gerência de Política para o Idoso (GEPID) com o objetivo de qualificar o atendimento à pessoa idosa com a implantação de mais dois serviços: Serviço de Atendimento Sócio-familiar (SASF), antigo Serviço de Atendimento no Domicílio (SAD), que visa atender idosos com direitos violados, e o Disque Idoso. Com a criação da GEPID foi possível a definição dos Grupos de Convivência para os Idosos que até esse momento não eram definidos, o que gerava um comprometimento na qualidade do serviço dos grupos devido à falta de critérios, inclusive, com o recurso repassado 51 pelo serviço ao grupo de convivência. É de relevância a criação de uma gerência para o idoso para a concretização de intervenções específicas para os idosos que se institucionalizam como práticas de garantia dos direitos desse público, que tem como consequência a expansão de recursos, a sistematização de ações, o fim do caráter de privilégio de alguns idosos que acessam o serviço em relação a outros idosos. Com a criação da Gerência de Política para o Idoso define-se o que seria o serviço Grupo de Convivência para Idosos, contribuindo dessa forma para criação de critérios de qualificação do serviço, inclusive na definição quanto ao recurso recebido para o funcionamento do serviço. Assim, passou-se a denominar Grupos de Convivência como modalidade de atendimento que tinha como objetivo o fortalecimento de práticas associativas, produtivas, promocionais e de prevenção para um envelhecimento saudável, de modo a evitar o isolamento e incentivando a participação na vida cotidiana e na comunidade. A Secretaria de Assistência Social cria como instrumento de regulação a Supervisão às Entidades Conveniadas com a finalidade de regular a aplicação dos recursos públicos e garantir a qualidade dos serviços prestados pela Secretaria de Assistência Social. Com a criação da equipe de supervisão aumentou-se o numero de técnicos para realizar o acompanhamento, aos grupos. A partir daí, a política de assistência vai se fortalecendo, se institucionaliza e com a publicação da Política Nacional de Assistência Social, em 2004, NOB/SUAS (2005) Operacional Básica Norma foi criado o Sistema Único de Assistência Social possibilitando uma organização do serviço por níveis de atendimento: proteção básica, média complexidade e alta complexidade. Foram criadas, pois, duas gerências relativas aos níveis de proteção: a Gerência de Proteção Social Básica, como foco em um trabalho de prevenção, e a Gerência de Proteção Especial, voltada para atuação em que houve a violação dos direitos dos idosos. A Norma Operacional Básica pode ser compreendida como instrumento normatizador que expressa pactuações que resultam de efetiva negociação entre as esferas de governo para assumir a co-responsabilidade em relação à gestão da assistência social. Isso inclui a definição de mecanismos e critérios transparentes de partilha e transferência de recursos do Fundo Nacional de Assistência Social para os Fundos Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência. (BRASIL, 2005, p.11). A proteção básica tem como objetivo a prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e 52 comunitários. São, portanto, considerados serviços de proteção básica de assistência aqueles que potencializam a família como unidade de referência por meio do protagonismo de seus membros, desenvolvidos como forma de fortalecer os vínculos desses membros que não foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho. Dois aspectos marcam a proteção básica: famílias que não tiveram seus vínculos rompidos e a promoção do indivíduo através de serviços que estimulem a autonomia, inclusive, da integração ao mercado de trabalho. Vale ressaltar que a ideia da inclusão no trabalho tem implicado o incentivo ao envelhecimento ativo, um idoso mais independente. Nessa mesma época, com a criação da NOB/SUAS (2005), é extinta, a Gerência de Política para o Idoso em favor da criação de gerências específicas para tipos de atuação conforme a demanda do idoso, sendo que os Grupos de Convivência, por ser um serviço de cunho preventivo, foi incorporado à Gerência de Proteção Básica. Em 2009, o serviço desenvolvido pelo Grupo de Convivência para Idosos, a partir da tipificação dos serviços, passa a ser caracterizado como Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, e trabalho continua sendo realizado em grupo e com o mesmo objetivo de fortalecer vínculos familiares e comunitários. Seu princípio é a prevenção e a proatividade dos indivíduos envolvidos, pautando-se na defesa e na afirmação dos direitos, bem como das potencialidades dos idosos. As atividades oferecidas nos grupos prevêem o desenvolvimento de atividades que contribuam para envelhecimento saudável, da autonomia e da sociabilidade. 53 4 DISCUSSÃO METODOLÓGICA 4.1 A pesquisa qualitativa Este estudo contemplou o domínio da pesquisa qualitativa, cuja perspectiva de estudo, Uchoa (1997) coloca que permite identificar o que é importante estudar em um dado contexto cultural, selecionar variáveis pertinentes e formular hipóteses adequadas a esse contexto. A pesquisa qualitativa é útil para identificar conceitos e variáveis relevantes de situações que não podem ser estudadas quantitativamente, sendo sua relevância a possibilidade de se explorar os aspectos que ficam obscurecidos nos relatórios estatísticos. (GOLDENBERG, 2007). Minayo (1994) coloca que, dessa forma, qualquer investigação social deveria ser delineada pelo aspecto qualitativo, tendo em vista a sua complexidade e as suas características contraditórias, inacabadas e em constante transformação. A metodologia qualitativa, nesse sentido, permite a inclusão das concepções teóricas, das técnicas necessárias para a apreensão da abordagem e do potencial criativo do pesquisador, o que poderia estar implícito em fórmulas numéricas ou dados estatísticos. Para a autora, a importância da pesquisa qualitativa refere-se à possibilidade de uma visão crítica no “imbricamento relacional” entre o pesquisador e o objeto, condição essa favorável para a aproximação crítica do pesquisador à realidade. Logo, numa ciência cujo observador é da mesma natureza que o objeto, o observador é, ele mesmo, uma parte da observação. As abordagens qualitativas, no que referem aos dados obtidos, procuram uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. A partir disso, a pesquisa qualitativa está relacionada à sua capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a “descrição densa” dos fenômenos estudados em seus contextos. (GOLDENBERG, 2007). 54 4.2 Referencial teórico-metodológico A temática da velhice, nesta dissertação, fundamentou-se nos processos históricos, culturais e sociais do curso de vida, sob uma perspectiva antropológica. A categoria de idade presente em uma sociedade é do ponto de vista da antropologia, “um material privilegiado para pensar a produção e a reprodução da vida social”. (DEBERT, 2007, p. 49). Assim, o estudo dessas dimensões é parte fundamental das etnografias que se preocupam com tipos de organização social, formas de controle de recursos políticos e especificidade das representações culturais. Aliada à pesquisa histórica, essa visão permite o estudo da construção social das categorias de idade. Da perspectiva antropológica, e também da pesquisa histórica, como aponta Debert (2007), trata-se de ressaltar, inicialmente, que as representações sobre a velhice, a posição social dos velhos e o tratamento que lhes é dado, seja pelos mais jovens, pelas políticas, seja pelos saberes especializados, ganham significados particulares em contextos históricos, culturais e sociais distintos. “Em outras palavras, do ponto de vista da antropologia, pode-se transcender aos particularismos através da relativização de noções que tendem a operar uma naturalização da vida social.” (DEBERT, 2007, p. 50). A pesquisa antropológica, nesse contexto, demonstra que a idade não é um dado da natureza, nem um princípio naturalmente constitutivo de grupos sociais, nem ainda um fator explicativo dos comportamentos humanos, mas construído socialmente. Para a autora, o potencial da pesquisa antropológica no estudo de grupos, como os idosos, não se limita a mostrar como eles organizam seu mundo de significados, nem a descrição do mundo em que esses significados ganham sentido. É especialmente importante analisar como os significados produzidos pelos cientistas afetam de maneiras distintas a nossa vida cotidiana e dos grupos pesquisados, politizando o debate em domínios que reagem veementemente a qualquer tentativa de politização. (DEBERT, 2004, p. 50). A antropologia, nesse sentido, ao se propor no desvendamento das lógicas através das quais o “outro” opera, adquire relevância, na medida em que pode politizar o debate em domínios pouco constituídos politicamente. 55 Instituições sociais, como a aposentadoria, criadas para gerir riscos, são transformadas em fontes de produção de outros riscos considerados inviabilizadores do sistema. Daí a urgência, por um lado, da compreensão da lógica que organiza as concepções de agentes tão poderosos sobre o que é a boa vida e a dignidade humana e, por outro lado, da necessidade de politizar esse campo que se apresenta como sendo de pura neutralidade contábil. (DEBERT, 2004, p.51). Assim sendo, o objetivo do estudo antropológico não é a resolução dos conflitos envolvidos na luta pelos direitos dos idosos, tão pouco a definição da idade correta para a entrada dos indivíduos na aposentadoria, ou o momento em que as pessoas ficam velhas demais para exercer certas atividades ou para ocupar determinadas posições sociais. Não cabe avaliar quais os programas e atividades que garantem uma adaptação bem-sucedida ao envelhecimento. A perspectiva antropológica se presta, sim, à análise de quem são os agentes envolvidos nessa luta em torno de definições, o tipo de “arma” que utilizam, as estratégias que põem em ação e como definem as relações de força que se estabelecem, bem como as representações dominantes na organização das práticas legítimas associadas à definição das idades e como, a partir delas, se definem os comportamentos corretos ou adequados. (DEBERT, 2007). 4.3 Pesquisa Documental: instrumento de pesquisa A observação documental pode ser definida como a observação que tem como objeto não os fenômenos sociais, quando e como se produzem, mas as manifestações que registram estes fenômenos e as ideias elaboradas a partir deles. A análise documental consiste, pois, em uma série de operações que visam estudar e analisar um ou vários documentos para descobrir as circunstâncias sociais e econômicas com as quais podem estar relacionados. (RICHARDSON, 2007). A pesquisa documental pode basear-se na documentação direta (questionários, entrevistas, formulários), ou indireta (resultante da extração de produtos oriundos de publicações oficiais ou privadas encontradas nos arquivos) de uma ou várias fontes (fontes primárias ou secundárias). A pesquisa documental em fontes primárias é a realizada com base em materiais que não receberam um tratamento analítico. Para coleta de dados desta dissertação foi utilizada a pesquisa documental em fonte 56 primária e realizada em documentação indireta. Os documentos de fontes primárias são aqueles de primeira mão, provenientes dos próprios órgãos que realizaram observações. Englobam todos os materiais, ainda não elaborados, escritos ou não, que podem servir como fonte de informação para a pesquisa cientifica. Podem ser encontrados em arquivos públicos ou particulares assim como em fontes estatísticas compiladas por órgãos oficiais e particulares. Incluem-se aqui como fontes não escritas: fotografias, gravações, imprensa falada (televisão e rádio), desenhos, pinturas, canções, indumentárias, objetos de arte, folclore, etc. (LAKATOS, 2001, p. 43). Sua notabilidade é justificada no momento em que se podem organizar informações que se encontram dispersas, conferindo-lhe uma nova importância como fonte de consulta. A pesquisa documental tem por finalidade reunir, classificar e distribuir os documentos de todo gênero dos diferentes domínios da atividade humana. Para tal, a investigação documental é realizada em documentos no interior de órgãos públicos e privados, como: registros, anais, regulamentos, circulares, ofícios, memorandos, balancetes, comunicações informais, filmes, microfilmes, fotografias, videotapes, diários. 4.4 Análises de Conteúdo: instrumento para análise do material pesquisado Para análise do material coletado, utilizou-se o método análise de conteúdo cuja técnica, segundo Richardson (2007) serve para estudar material de tipo qualitativo. Trata-se, portanto, “de compreender melhor um discurso, de aprofundar suas características (gramaticais, fonológicas, cognitivas, ideológicas), e extrair os momentos mais importantes”. (RICHARDSON, 2007, p. 224). Seu objetivo é, pois, detectar intenções em um discurso. Para a análise de conteúdo, optou-se pela análise por categoria que se baseia na “decodificação” de um texto em diversos elementos, que, por sua vez, são classificados e formam agrupamentos analógicos, de acordo com o problema pesquisado. (RICHARDSON, 2007). O método de análise de conteúdo, segundo Bardin (1977), depende da articulação da análise e descrição de elementos característicos da superfície dos textos com a dedução lógica do que determinou essas características. Para isso, torna-se necessário, que o analista consiga ultrapassar as significações da mensagem primeira, buscando os sentidos que estão submersos em segundo plano, de natureza cultural, histórica, política, psicologia e sociológica. O método de análise de conteúdo organiza-se em três etapas que consiste na pré- 57 análise – abrange a escolha do material, formulação de objetivos, reconhecimento dos conceitos mais utilizados, a partir de uma primeira leitura dos documentos para retirar as impressões sobre a “mensagem” deles, escolhendo formas de classificação inicial e determinando qual suporte teórico orientará a análise; na exploração do material – o que significa tratar o material, transformando, de forma sistemática, os seus dados brutos através de recorte, agregação e enumeração, permitindo uma descrição das características do texto. É nessa fase que se torna possível elaborar; a unidade de registro, através de uma palavra ou de um tema orientará a análise e, finalmente, o tratamento do material e interpretação que consiste na codificação, categorização e quantificação da informação – tratamento dos resultados. (BARDIN, 1977). Realizou-se uma pré-análise dos dados, orientada pelos pressupostos e objetivos do estudo com a leitura dos documentos ― Política Nacional de Assistência Social (2004), Estatuto do Idoso (2003), atas dos Fóruns Intersetoriais dos Idosos ―, no sentido de inteirarse do conteúdo e dialogar com os dados. Após essa primeira etapa, retiraram-se as categorias de análise que foram elencadas de acordo com o objetivo do estudo pretendido. Finalmente os textos foram analisados a partir das categorias estabelecidas. 4.5 O campo de investigação: contextualização 4.5.1 Estatuto do Idoso O Estatuto do Idoso, Lei 10.741 foi promulgado em 2003, em de 1º de Outubro. Norteia-se pelas diretrizes da Política Nacional do Idoso da lei nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994 que tem como finalidade assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições que promovam sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Como precedentes para o Estatuto do Idoso, temos a constituição Federal de 1988 que, segundo Camarano e Pasinato (2004), com a introdução do conceito de seguridade social, possibilitou que a rede de proteção brasileira deixasse de estar vinculada ao contexto social-trabalhista e assistencialista, passando a adquirir uma conotação de direito de cidadania. Ao longo da década de 1990, foram sendo regulamentados diversos dispositivos constitucionais referentes às políticas setoriais de proteção aos idosos (política de renda como 58 previdência e assistência social, saúde, cuidados de longa permanência e integração social), desde a aprovação do Plano de Custeio e Benefícios da Previdência Social; em 1993, a aprovação da LOAS, que regulamentou o Benefício de Prestação Continuada ao idoso; em 1994, a aprovação da Política Nacional do Idoso, que tem como objetivo garantir os direitos sociais dos idosos e em 1999 a Política Nacional de Saúde do Idoso, para então culminar em 2003 na sanção do Estatuto do Idoso. Até a promulgação do Estatuto, a legislação voltada aos idosos demonstrava-se fragmentada em ordenamentos jurídicos, sendo que após sete anos de tramitação no Congresso Nacional o Estatuto foi sancionado. O Estatuto é um documento legal composto por 118 artigos que dispõe sobre os direitos fundamentais: o direito a vida, liberdade, dignidade, alimentos, saúde, educação, lazer e esporte, a profissionalização e trabalho; a previdência social; a assistência social; a habitação e transporte; as medidas de proteção; a política de atendimento ao idoso; o acesso a justiça; a defesa e proteção em situação de violência e violação de direitos. Possui uma visão de longo prazo, incorporando medidas que visam proporcionar o bem-estar dos idosos, além de partir do direito comum a todas as pessoas para os direitos específicos ao público idoso. É interessante ressaltar que a promoção e assistência social são um dos princípios que fundamentam o Estatuto do Idoso e que compreendem: atendimento das necessidades básicas desse público mediante participação de alguns agentes, como a família, sociedade, entidades governamentais e não-governamentais e se estrutura em centros e alternativas de atendimento ao idoso – centros de convivência, centros de cuidado diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares. 4.5.2 Política Nacional de Assistência Social A Política de Assistência está pautada no artigo 203 da Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) de 07 de Dezembro de 1993 que a definiu como política social pública atuando no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. A implementação do Sistema Único da Assistência Social- SUAS foi requisito essencial da LOAS para dar efetividade à assistência social como política pública. 59 A LOAS define a política de assistência, inserindo-a no sistema de bem-estar social brasileiro, tido como campo da Seguridade Social e que, por sua vez, passa a fazer parte do tripé saúde e previdência social. A Política está organizada em tipo de proteção (básica ou especial), em níveis de complexidade (média e alta) e em território, considerando regiões e portes de municípios. Tem como objetivo a prevenção de situações de risco, o desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Segundo a PNAS (2004), a política de assistência se destina a famílias e indivíduos que vivem em situação de vulnerabilidade social. Os serviços, os programas, os projetos e os benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos e orientados pelas funções de proteção social básica ou de proteção social especial. A política de assistência aponta que sua proposta é a da inclusão de indivíduos que se encontram em situação de risco ou vulnerabilidades sociais, de modo a conhecer esses riscos e vulnerabilidades, assim como os recursos com que conta para enfrentamento de tais situações. Como critério para acesso do indivíduo à política de assistência, a renda econômica é um dos primeiros a serem levados em consideração. Distingue-se da saúde e educação, por exemplo, porque não são todos os sujeitos que podem acessá-la. Assim, a concepção de assistência social como direito à proteção social e direito à seguridade possui tem para dois sentidos: “o de suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia”. (BRASIL, 2004, p.12). A ausência de renda é o parâmetro medidor da desigualdade. A segurança de rendimentos é apontada pela política de assistência não como uma compensação de um salário inadequado, mas como uma garantia a todos de sobrevivência, independente das limitações para o trabalho ou do desemprego. Ela não garante a todos a sobrevivência, mas aos pobres, sendo, portanto, uma política de combate a pobreza. 4.5.3 Atas dos Fóruns do idoso Os Fóruns, segundo a Política Nacional de Assistência Social (2004), são espaços de participação popular e se constituem como espaços de controle social. A concepção de 60 controle social vem da Constituição de 1988 e é utilizado como instrumento de “efetivação da participação popular no processo de gestão político-administrativo-financeira e técnicooperativa, com caráter democrático e descentralizado”. (BRASIL, 2004, p.44). O acompanhamento das posições assumidas pelos representantes de dado segmento é objeto de ação dos fóruns. Os fóruns estão previstos na Política Nacional de Assistência Social como espaço de participação popular efetivada na Lei Orgânica de Assistência Social (artigo 5º, inciso I). São, ainda, no caso belohorizontino, acompanhados pela Secretaria de Assistência Social e estão distribuídos em regionais, conforme disposição territorial de Belo Horizonte. Nos fóruns estavam sempre presentes, um técnico social da Secretaria de Assistência, os idosos, representantes dos Conselhos de Assistência e pessoas convidadas de acordo com a temática discutida nos espaços. É interessante ressaltar que as atas analisadas se referem aos fóruns de idosos, sendo em sua maioria, pessoas que faziam parte dos Grupos de Convivência para Idosos. As atas pesquisadas na Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social estão organizadas de acordo com os Fóruns regionais de Belo Horizonte que são: Fórum Barreiro, Centro-Sul, Leste, Norte, Oeste, Pampulha, Venda Nova, Noroeste. As atas são registros da equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais) responsável pela supervisão dos Grupos de Convivência para Idosos, presentes nesse espaço. Nas atas dos Fóruns da Regional Pampulha constam como início dos registros o ano de 2005. E na Regional Centro-Sul, e Leste, em 2006. As atas das Regionais Norte e Barreiro constam a data de registro a partir do ano de 2007, e da Regional Noroeste, as atas registram o ano de 2008 como primeiro registro feito. Os Fóruns são mensais, no entanto, os registros são feitos na ocasião das visitas da equipe técnica que, pelo analisado quanto aos períodos dos registros, são a cada três meses, sendo que em algumas das atas o período de visita se estende além de três meses. Conforme as informações obtidas dos técnicos e da coordenadora da Gerência de Proteção Básica da Secretaria de Assistência, os períodos de grande intervalo do registro das atas dos fóruns se referem às questões de organização do trabalho interno da secretaria, como falta de técnicos e priorização de outras demandas que fazem parte do trabalho. Foram analisadas 14 atas do Fórum da Regional Noroeste, 11 da Regional Barreiro, 14 da Regional Leste, 14 da Regional Norte, 18 da Regional Centro-Sul, 2 da Regional Pampulha, 6 da Regional Venda Nova e 4 atas de Fóruns desvinculados das Regionais. 61 Os critérios para escolha do local para a pesquisa das atas dos Fóruns de idosos foi o de facilidade de acesso aos coordenadores e a presença de documentos referentes à prática com o público em questão ― idosos. Foi feita a leitura, uma a uma, de todas as atas que estavam registradas e depositadas no arquivo da Gerência de Proteção Básica e, após, a análise a partir das categorias elencadas. 62 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 A concepção de velhice A análise dos documentos demonstra que a velhice é caracterizada a partir de uma idade cronológica. São considerados velhos indivíduos a partir de 60 anos de idade, sendo que a idade é um fator relevante no estabelecimento de critérios para participação em determinados espaços e para usufruírem de certos serviços e direitos. Segundo a PNAD5 – 2002, a população idosa (pessoas com 60 anos ou mais de idade) era aproximadamente [...] (BRASIL 2004, p.19). Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurado às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (BRASIL, 2003, p.2). O BPC constitui uma garantia de renda básica, no valor de um salário mínimo, tendo sido um direito estabelecido diretamente na Constituição Federal e posteriormente regulamentado a partir da LOAS, dirigido às pessoas com deficiência e aos idosos a partir de 65 anos de idade [...] (BRASIL, 2004, p.28). Foi falado que apenas pessoas a partir de 60 anos podem utilizar o serviço do Grupo de Convivência para Idosos. (BELO HORIZONTE, 2010). Nesse caso, como aponta Debert (2004) a idade é responsável por um conjunto de imagens negativas associadas à velhice, mas foi também um elemento fundamental para a legitimação de direitos sociais, práticas de políticas públicas que cada vez mais voltam-se a grupos etários específicos. A tendência contemporânea tem sido rever os estereótipos associados ao envelhecimento, substituindo-se, com isso, a ideia de um processo de perdas pela consideração de que os estágios mais avançados da vida são momentos propícios para a realização de projetos abandonados, em que predomina o respeito à satisfação pessoal. (DEBERT, 2004). É ressaltado, pois, o incentivo dado às práticas para o envelhecimento saudável, o que se observa ser um discurso presente, tanto nos ordenamentos legais como nos espaços de participação do idoso, como é o caso dos Fóruns. Sendo assim, termos como “promoção”, “prevenção” aparecem com frequência nos documentos analisados, como ideia que norteia as práticas de políticas públicas para os idosos. A qualidade de vida é também um 5‒ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. 63 termo recorrente nos documentos e remete ao envelhecimento saudável. Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. (BRASIL, 2003, p. 3). Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. (BRASIL, 2003, p. 5). Idosa solicitou que se construa junto aos Grupos de Convivência para Idosos, o esclarecimento quanto a alimentação possível e necessária quando os idosos apresentam alguma deficiência na saúde, que os lanches servidos (nos grupos) sejam de qualidade. (BELO HORIZONTE, 2007a). Os idosos foram orientados em relação à qualidade dos alimentos, disciplina para quantidade da alimentação, vida saudável, diabetes. O trabalho desenvolvido é de redução alimentar onde um plano de alimentação individual é elaborado. Repasse de receitas light e reaproveitamento de alimentos. (BELO HORIZONTE, 2007a). Pauta: Promoção da Saúde- A saúde em seu aspecto biopsicossocial Participantes: gerente dos programas sociais e um geriatra. Conversa sobre a saúde – Definição de saúde, promoção, prevenção, tratamento, reabilitação, compromisso com a saúde. Saúde física e saúde mental. Fatores causadores de doença – fator econômico. Política de assistência é abordada como sendo uma das responsáveis nessa atuação. (BELO HORIZONTE, 2007b). Pauta: Palestra sobre qualidade vida. Participantes: Médico Foi enfatizada a importância da atividade física para se ter qualidade de vida. (BELO HORIZONTE, 2009a). É interessante observar, ainda, que a noção de velhice bem sucedida está presente na concepção que o idoso tem sobre si, conforme os termos, expressões que utilizam no hino “boa idade”, “viver um pouco mais”. Hino da 3ª idade. Nós somos da boa idade Só queremos é viver. Não queremos eternidade Só viver como você. Nós somos do raio de sol Só queremos é brilhar Convidamos a juntar a nós Pra viver um pouco mais. Só queremos é viver Com liberdade e lealdade Só queremos é muito amor E muita felicidade. (BELO HORIZONTE, 2008a). 64 O sentido da prevenção e promoção do idoso não se restringe a aspectos relativos a cuidados com a saúde, mas se amplia para práticas que incentivam a permanência do idoso por mais tempo em seu meio familiar e comunitário. Logo, ações que promovam o fortalecimento dos vínculos familiares, comunitários, estão previstas, nos documentos analisados, como relevantes para a promoção do envelhecimento bem sucedido. Grupos de Convivência, universidades para terceira idade, caracterizam, pois, práticas de promoção da velhice. Os Grupos de Convivência para Idosos caracterizam-se, pois, como um dos serviços da Política de Assistência Social de Proteção Básica que trabalha o aspecto preventivo e promocional, funcionando como espaços em que a atividade, o engajamento social são incentivados. São considerados Serviços de Proteção Básica de Assistência Social aqueles que potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam à convivência, à socialização e ao acolhimento em famílias cujos vínculos não foram rompidos. A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários [...]. (BRASIL, 2004, p.27). Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual. (BRASIL, 2003, p. 28). Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de: I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas. (BRASIL, 2003, p.29). Nos documentos, o discurso presente é o de fomentar ao seu público o protagonismo por meio da realização de eventos que tragam esses indivíduos para discussões e exercício de seus direitos e da cidadania, principalmente nos espaços dos Fóruns de idosos. A noção de engajamento refere-se ao idoso-agente político – participativo na formulação das políticas direcionadas a ele. Por isso, a própria Assistência tem o entendimento de que um dos grandes desafios da construção de sua política é a criação de mecanismos que venham garantir a participação dos usuários nos conselhos e fóruns, enquanto sujeitos não mais subrepresentados e, que, portanto, a política deve promover ações que desenvolvam a perspectiva 65 do sujeito de direito, rompendo com a lógica de que é uma caridade prestada. É forte a presença de discussões que envolvem os direitos, políticas públicas para idosos, eleições, participação em conferências municipais, estaduais, representação em Conselhos dos Idosos, eventos em geral promovidos pela Prefeitura, Coordenadoria do Idoso. Estas discussões estão muito presentes nos Fóruns dos idosos, sendo que a concepção de velhice ativa está fortemente vinculada à participação política. Vale ressaltar a importância os fóruns de participação popular, específicos e, ou, de articulação da política em todos os níveis de governos, bem como a união dos conselhos, e, ou, congêneres no fortalecimento da sociedade civil organizada na consolidação da Política Nacional de Assistência Social. (BRASIL, 2004, p.40). É importante assinalar que, cada conselheiro eleito em foro próprio para representar um segmento, estará não só representando sua categoria, mas a política como um todo em sua instancia de governo. E o acompanhamento das posições assumidas deverão ser objeto de ação dos fóruns, se constituindo estes, também, em espaços de controle social. (BRASIL, 2004, p.45). Assim, é fundamental a promoção de eventos temáticos que possam trazer usuários para as discussões da política fomentando o protagonismo desses autores. (BRASIL, 2004, p.46). Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. (BRASIL, 2003, p.25). VI – participação na vida política, na forma da lei; (BRASIL, 2003, p.25). Foi falado sobre a presença dos grupos da regional Leste na Conferência da Assistência Social. (BELO HORIZONTE, 2007a). O Fórum do Idoso é um espaço de articulação e conhecimento dos idosos onde os coordenadores dos grupos de convivência da terceira idade reúnem, discutem, procuram conhecer seus direitos e a realidade social para levar as informações aos seus grupos de convivência. (BELO HORIZONTE, 2006). Exposição do Estatuto do Idoso para esclarecimento dos direitos das pessoas idosas [...] Foi ressaltado pelo representante da Secretaria Municipal do Idoso que muitos desses direitos estão apenas no papel necessitando de uma ação conjunta e conhecimento por parte dos idosos. (BELO HORIZONTE, 2007b). Autores como Silva (2008), apontam que, ao observar as manifestações culturais daqueles que envelhecem na contemporaneidade, identificam-se mudanças significativas nos hábitos, imagens, crenças e termos utilizados para caracterizar a velhice. Além das tradicionais representações que atrelam os momentos mais tardios da vida ao descanso, à quietude e à inatividade, surgem hábitos, imagens e práticas que associam o processo de envelhecimento à atividade, aprendizagem, flexibilidade satisfação pessoal e vínculos amorosos e afetivos. Essa nova visão sobre a velhice que surge se concretiza nas práticas de 66 cuidado com o corpo, universidades para idosos e grupos de convivência, reforçando a concepção de velhice participativa, engajada, contrapondo-se à visão antiga de dependência, da velhice decadente. Pauta: Abertura com um idoso, elaboração do calendário para semana do Idoso. Desenvolvimento: Apresentação dos grupos de convivência da regional Leste com suas atividades para lançamento do projeto ‘A praça é nossa’. Comemoração do Dia do Idoso em equipamentos da Assistência- CRAS para os grupos de convivência, com a exposição dos trabalhos manuais (artes) dos idosos. (BELO HORIZONTE, 2007a). Pauta: Festa junina dos grupos de convivência da regional Norte Eleição de suplente do Conselho Municipal do Idoso da regional Norte. (BELO HORIZONTE, 2007c). Pauta: Comemoração do Natal. Apresentação do grupo literário do SESC. (BELO HORIZONTE, 2009b). Nesta concepção de idoso ativo, está implicada a noção de trabalho sob dois aspectos: primeiro, o incentivo para a permanência no trabalho como atividade remunerada, como é o caso dos artigos que penalizam situações em que ocorra discriminação de um idoso para o trabalho, devido à idade, assim como os critérios de desempate em concursos públicos que são estabelecidos também pela idade e cotas de emprego para pessoas idosas. Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas. Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir. Parágrafo único. O primeiro critério de desempate em concurso público será a idade, dando-se preferência ao de idade mais elevada. Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de: I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas. (BRASIL, 2003, p. 28). Por outro lado, tem-se o trabalho recreativo – a velhice é apontada como etapa da vida para se vivenciar outras experiências propiciadas pela aposentadoria. O trabalho no sentido recreativo aparece na proposição de práticas de esporte, lazer, educativas, culturais como forma de prevenir o envelhecimento inativo, dependente e o asilamento. O direito ao trabalho para os idosos parece estar sustentado pela ideia do sujeito ativo, sendo a aposentadoria um afastamento do trabalho remunerado, mas não de outras atividades. No Estatuto do Idoso, são vários os artigos que fazem menção às instituições que devem prover tais práticas bem como o Estatuto prevê políticas direcionadas para fins do trabalho recreativo. 67 Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinquenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais. (BRASIL, 2003, p.28). IV – participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo. (BRASIL, 2003, p. 34). Atividade: reunião com representantes de entidades mantenedoras de Grupos de Convivência para Idosos. Desenvolvimento: O convênio prevê a movimentação de conta bancária; passeios, oficinas, nutricionista. (BELO HORIZONTE, 2008b). Pauta: Exposição por parte de alguns grupos de convivência dos trabalhos manuais feitos no grupo. (BELO HORIZONTE, 2007b). Pauta: Apresentação e orientação sobre ginástica laboral. Apresentação e orientação sobre dança sênior. (BELO HORIZONTE, 2008c). Entretanto, um aspecto que se faz notar é de que as atividades, cujos idosos estão inseridos, dificilmente envolvem outras faixas etárias, caracterizando-se como um espaço reservado a um único público – Festa junina “do idoso”, A praça é nossa “do idoso”, atividade física “do idoso” –, apesar de serem, as práticas intergeracionais, um princípio previsto no Estatuto do Idoso e na Política de Assistência Social. A dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetiva, entre outras, devem ser ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio. Nesse sentido a Política Pública de Assistência Social marca sua especificidade no campo das políticas públicas sociais, pois configura responsabilidades de Estado próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros. (BRASIL, 2004, p. 26). IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações. (BRASIL, 2003, p. 24). Debert (2004) aponta que o surgimento de uma nova concepção de velhice pode ser entendido como resultante de um processo que envolve saberes médicos, discursos políticos, práticas sociais, interesses econômicos. A literatura tem ressaltado como os agentes empenhados no processo de envelhecimento, como a geriatria, gerontologia, são ativos em transformarem a velhice em questão social e, proporcionarem, com isso, abertura para novas demandas políticas e novos mercados de consumo. Nesse sentido várias funções/ocupações vão se constituindo: monitores e/ou educadores de crianças e adolescentes em atividades sócio-educativas, de jovens com medidas sócio-educativas, para abordagem de rua, cuidadores de idosos, auxiliares, agentes, assistentes, entre outros. (BRASIL, 2004, p. 46). 68 Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios; III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social; (BRASIL, 2003, p. 26). Art. 49. As entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência adotarão os seguintes princípios. II – atendimento personalizado e em pequenos grupos. (BRASIL, 2003, p. 34). Segundo Alves Júnior (2004), a nova concepção de velhice (terceira idade), ativa e engajada, tem obtido seu sucesso, não por acaso, fazendo parte das políticas destinadas aos idosos. Estas práticas instituem-se como uma moral do envelhecimento ativo, que encobrem a velhice ou a ignoram. O discurso das doenças e o sentido negativo da velhice acabam sendo substituídos por uma nova higiene de vida que é a do idoso ativo. O Centro de Referência da Pessoa Idosa oferece: Vida Ativa (ginástica), grupo de apoio psicológico, alfabetização, ensino fundamental, artesanato, pintura, dança sênior, capacitação de coordenadores de grupos de convivência. (BELO HORIZONTE, 2009c). § 1° Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna. (BRASIL, 2003, p.28). IX – promover atividades educacionais, esportivas, culturais e de lazer; (BRASIL, 2003, p.35). Neste discurso de valorização da velhice, entende-se que, de modo geral, está implícito que ela é tomada como etapa da vida que requer cuidados, devido às fragilidades físicas, cognitivas, apontadas como típicas da idade, bem como as que envolvem a exclusão social desse idoso. Ao incluir toda a velhice como etapa de vida que apresenta riscos em especial, pela Política de Assistência Social entende que ela é considerada como etapa de vida vulnerável. A velhice é uma etapa que requer cuidados, sem fazer distinção quanto à raça, cor, classe social. Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Assistência Social de 1993, pautada na dimensão ética de incluir “os invisíveis”, os transformados em casos individuais, enquanto de fato, são parte de uma situação social coletiva; as diferenças e os diferentes, as disparidades e as desigualdades (BRASIL, 2004, p. 11). 69 [...] essa política inaugura uma outra perspectiva de análise ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas – população em situação de rua, adolescentes em conflitos com a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoas com deficiência. (BRASIL, 2004, p. 12). [...] A conquista da autonomia na provisão dessas necessidades básicas é a orientação desta segurança da assistência social. É possível, todavia, que alguns indivíduos não conquistem por toda sua a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisões básicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência ou por uma restrição momentânea ou continua da saúde física ou mental. (BRASIL, 2004, p. 25). Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações. Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1°É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso. (BRASIL, 2003, p. 24). Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente. (BRASIL, 2003, p. 25). Art. 20. O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. (BRASIL, 2003, p. 28). Art. 22. Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria. (BRASIL, 2003, p. 28). A partir das concepções de velhice apresentadas, o que se percebe é que elas são, em certa medida, contraditórias ao estabelecerem uma visão do idoso ativo, engajado e, ao mesmo tempo como categoria de vida vulnerável. O histórico de surgimento da velhice como categoria, como discutido em capítulos anteriores, mostra que por muito tempo ela esteve associada à doença. É questionável se ainda não se sustenta uma ideia de velhice associada à incapacidade. No capítulo V, artigo 21 do Estatuto do Idoso, por exemplo, rege que devem ser criadas possibilidades de acesso do idoso à educação pela adequação de metodologias e material didático aos programas educacionais a eles destinados. Em vários momentos o Estatuto utiliza-se da palavra “adequação”. 70 Art. 20. O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. Art. 21. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados. § 1º Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna. (BRASIL, 2003, p. 17). Autores como Debert (1999) apontam que os discursos atuais que se tem sobre velhice demonstram ser mais uma tentativa de negação da mesma, implícito nos discursos da velhice bem-sucedida. Portanto, estas duas imagens que se tem da velhice ― da fragilidade e da versatilidade ― são semelhantemente estereotipadas e criticadas, na literatura, por teóricos que se dedicam ao estudo desse conceito. A primeira porque alimenta a mesma ideia, conforme pode se perceber ao longo da história, é o da velhice como uma etapa de dependência, de incapacidades e retraimento. A segunda, por transformar o envelhecimento em uma opção que pode ser adiada. Autores, como Debert (1999), apontam que os discursos atuais que se têm sobre velhice demonstram ser mais uma tentativa de sua negação, já que se criam formas de envelhecer e modos de ser velho. Sendo assim, expressões como terceira-idade, melhor idade, velhice ativa, seriam reflexos dessa nova imagem que vem sendo construída para velhice e que são reforçadas por discursos de experts na área de geriatria, gerontologia e pela própria legislação. O discurso de revalorização do idoso por meio do incentivo a sua participação e produtividade prescrevem comportamentos e são considerados, por teóricos que tratam desta questão, como tentativas de homogeneização desse grupo etário. As tentativas de homogeneização das representações da velhice tem-se tornado motivos de preocupação, visto que compreender o processo de envelhecimento e, disso, as experiências contemporâneas de envelhecimento, exige a consideração da heterogeneidade dos sujeitos que a velhice engloba, uma vez que a velhice não é um processo único, mas que envolve experiências singulares. 71 5.2 Direito do idoso Esta categoria analítica apresenta como o idoso é visto e assistido pelos ordenamentos legais. O direito do idoso, conforme a análise dos documentos demonstra ser uma temática relevante nas discussões que a Política de Assistência trata, assim como nos espaços dos fóruns, como demonstram as atas. É interessante observar que a lógica de direitos, ou seja, a lógica que considera o idoso como sujeito de direitos, que rege o Estatuto do Idoso é presente na Política de Assistência Social e nas atas. Inclusive, o Estatuto garante a assistência social aos idosos por meio das diretrizes e princípios da Política de Assistência Social que, por sua vez, contemplam, em seus princípios, os Fóruns de idosos como um dos espaços para concretização desses direitos. Art. 33. A assistência social aos idosos será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, na Política Nacional do Idoso, no Sistema Único de Saúde e demais normas pertinentes. (BRASIL, 2003, p. 30). Art.46. A política de atendimento ao idoso far-se-á por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 47. São linhas de ação da política de atendimento: I – políticas sociais básicas, previstas na Lei n° 8.842, de 4 de janeiro de 1994; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem (BRASIL, 2003, p. 33). [...] No Brasil, tal reconhecimento se reafirma nas legislações específicas da Assistência Social – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, entre outras. (BRASIL, 2004, p.35). Dos aspectos analisados, pode-se dizer que o incentivo à participação política do idoso é fortemente ressaltado nas três fontes, sendo os fóruns de idosos, a concretização do discurso que rege o Estatuto e a Política de Assistência. A participação nos espaços políticos é apontada como exercício de cidadania e forma de garantia dos direitos. A organização da Assistência Social tem as seguintes diretrizes, baseadas na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de Assistência Social: II - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (BRASIL, 2004, p.26). 72 Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1°O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos. VI – participação na vida política, na forma da lei. (BRASIL, 2003 p.25). Pauta: Conversa com o grupo sobre a Lei 7.427 – A relação de parceria entre poder público e entidades da sociedade sem fins lucrativos. (BELO HORIZONTE, 2008b). Pauta: Eleição para o Conselho do Barreiro. Desenvolvimento: é falado que o espaço do Fórum apresenta-se como discussão dos direitos. Não ocorre interferência do poder público nas eleições. (BELO HORIZONTE, 2009d). Pauta: Discussão com o vereador que representa o Barreiro na Câmara sobre a presença de parlamentares nos Fóruns. (BELO HORIZONTE, 2009d). Pauta: Escolha de delegados para a Conferência Municipal. Participantes: Grupos de Convivência de Idosos, Secretário de Políticas Públicas, coordenador de Direitos Humanos e Secretaria Municipal de Assistência Social. Desenvolvimento: Apresentação do estatuto do Idoso e palestra sobre o Centro de Referência do Idoso e questões sobre a situação do idoso em Belo Horizonte. (BELO HORIZONTE, 2008d). É interessante observar que a participação dos idosos em discussões sobre os seus direitos deve ser desenvolvida, primeiro por atuar como forma de controle sobre a violação dos seus direitos, e segundo como forma de garantir o protagonismo. O idoso, como se vê, tem responsabilidade sobre o controle de seus direitos. Assim, há que se produzir uma metodologia que se constitua ao mesmo tempo em resgate de participação de indivíduos dispersos e desorganizados, e habilitação para que a política de assistência social seja assumida na perspectiva de direitos publicizados e controlados pelos seus usuários. (BRASIL, 2004, p.46). O controle social tem sua concepção advinda da Constituição Federal de 1988, enquanto instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão político-administrativo-financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado. Dentro dessa lógica, o controle do Estado é exercido pela sociedade na garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos balizados nos preceitos constitucionais. (BRASIL, 2004, p. 44). A partir dessa lógica, se identifica a responsabilidade que é depositada nos próprios como agentes da garantia dos seus direitos. Nesse caso, pode-se pensar na “reprivatização” do envelhecimento, termo esse que Debert (2004) utiliza para designar a responsabilidade que tem sido delegada aos idosos ao que diz respeito ao processo de envelhecimento. Ocupar espaços políticos pode caracterizar-se como exercício de cidadania, contudo, existe um estímulo exacerbado sobre a presença dos idosos no controle e participação desses espaços, que ao final, parecem mais ser “espaços criados para envelhecer”. (DEBERT, 2004, p.16). 73 Segundo Debert (2004), nas últimas décadas, proliferaram no Brasil os programas voltados para idosos, como as “escolas abertas”, as “universidades para terceira idade” e os “grupos de convivência para idosos”, encorajando a busca da auto-expressão e a exploração de identidades de modo coletivo, e exclusivo da juventude. A autora chama atenção, ainda, para o fato de que as propostas de reverem os estereótipos do envelhecimento, por intermédio de programas que promovam o idoso, devem ser analisadas mais como sendo uma preocupação com as consequências do crescimento demográfico dessa população, que de fato, uma sensibilidade para questões relativas ao envelhecimento. Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual. (BRASIL, 2003, p.28). Informativo sobre atividades do Centro de Referência do Idoso e a importância da apropriação do espaço por esse público. Apresentação das atividades que serão oferecidas no Centro de Referência do Idoso e a importância da presença dos idosos no local para que se firme como área para a pessoa idosa e haja mais investimentos. (BELO HORIZONTE, 2009e). O Centro de Referência da Pessoa Idosa oferece: Vida ativa (ginástica), grupo de apoio psicológico, alfabetização, ensino fundamental, artesanato, pintura, dança sênior, capacitação para coordenadores de grupos de convivência para idosos. (BELO HORIZONTE, 2009f). Nessa lógica, segue outro aspecto relevante: a provisão para os idosos que se encontram em situação especial ― rompimento de vínculos comunitários e familiar ―, com intervenções voltadas para serviços de abrigamento. Sobre isso, Debert (2004) aponta que o sucesso das iniciativas de promoção dos idosos é proporcional à precariedade dos mecanismos que dispomos para lidar com a velhice avançada. Assim, a nova imagem do idoso não oferece instrumentos capazes de enfrentar a decadência de habilidades cognitivas e controles físicos e emocionais que são fundamentais para que um indivíduo seja reconhecido como ser autônomo. São várias as diretrizes, ações que tentam garantir uma velhice bem-sucedida. A análise dos documentos, de modo geral, permite perceber, em seus princípios, tentativas de amenizar as consequências do envelhecimento. Portanto, uma das garantias que se apresenta como eixo central, nas discussões dos documentos, são os vínculos familiares e comunitários e são considerados medidas de proteção, promoção do idoso. Ações, pois, que garantem o fortalecimento dos vínculos são incentivadas de várias formas, através do desenvolvimento de atividades recreativas, laborativas, culturais, voltadas para o desenvolvimento da cidadania, 74 estratégias de não institucionalização e incentivo à atividade, com o intuito de o idoso preservar seus vínculos familiares e comunitários. Art. 44. As medidas de proteção ao idoso previstas nesta Lei poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e levarão em conta os fins sociais a que se destinam e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações. (BRASIL, 2003, p.32). V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. (BRASIL, 2003, p. 24). V – participação na vida familiar e comunitária. (BRASIL, 2003, p. 25). A Política Pública de Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, considerando as desigualdades socioterritoriais, visando seu enfrentamento, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. Sob essa perspectiva, objetiva: Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2004, p. 27). A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. É na relação que o ser cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. A dimensão societária da vida desenvolve potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos civilizatórios. As barreiras relacionais criadas por questões individuais, grupais, sociais por discriminação ou múltiplas inaceitações ou intolerâncias estão no campo do convívio humano. A dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, entre outras, devem ser ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio. (BRASIL, 2004, p. 26). Entretanto, práticas de incentivo ao fortalecimento dos vínculos, nas atas, aparecem com menos frequência; quando questões referentes aos grupos de convivência dos idosos se misturam às discussões dos Fóruns. Pauta: Eleição de representantes da sociedade civil no grupo de trabalho do fórum do idoso; Homenagem às mães e importância da família; Estatuto do Idoso; Vacina anti-gripe. (BELO HORIZONTE, 2007d). Tendo em vista a necessidade de garantia de direitos que buscam manter os idosos incluídos, pode-se considerar que na velhice, o indivíduo está sujeito a sofrer violações. Na folha de apresentação do Estatuto, está posto que a elaboração deste ampliou, em muito, a resposta do Estado e da sociedade às necessidades do idoso. Nesse caso, estamos falando do reconhecimento do idoso como indivíduo não apenas a partir de uma idade – que para o 75 direito é elemento importante, pois faz um recorte do público que será contemplado, mas de uma identidade. Ou seja, a partir dos direitos garantidos a um determinado grupo, é possível uma leitura do que ele representa. Art. 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: I - atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II - preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas. VII - estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; Art. 4.º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. (BRASIL, 2003, p.23). A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário-mínimo inadequado, mas a garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã. Por segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Ela opera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário, e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da autonomia na provisão dessas necessidades básicas é a orientação desta segurança da assistência social. É possível, todavia, que alguns indivíduos não conquistem por toda a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisões básicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência ou por uma restrição momentânea ou contínua da saúde física ou mental. (BRASIL, 2004, p. 25). Pauta: Informações sobre o processo de eleição dos conselheiros para o Conselho Municipal do Idoso. Desenvolvimento: Exposição sobre o papel do Conselheiro: representar os interesses dos 230 mil idosos de Belo Horizonte; representar os idosos que moram em instituições; representar os idosos que moram sozinhos; representar os idosos que tem família e os que não têm; representar os idosos eu participam de movimentos e os que não se arriscam a manifestar sua opinião; representar os idosos ativos e os mais frágeis; representar os idosos que frequentam grupos de convivência e os que não saem de casa; representar os idosos que conquistaram espaço de participação e os que sofrem em silêncio; fiscalizar para o cumprimento das leis que garantem os direitos dos idosos no município de Belo Horizonte. (BELO HORIZONTE, 2008e). Entende-se, pois, que a leitura que os ordenamentos legais trazem é de que a velhice é uma etapa de vulnerabilidades, portanto, a partir da garantia de certos direitos que implicarão práticas aos idosos, é possível amenizar a consequência do envelhecimento. O que se observa é que as ações de promoções do idoso estão, em sua maioria, voltadas para a garantia dos direitos que desenvolvam capacidades para maior autonomia. 76 [...] como política social pública, a assistência social inicia seu trânsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. (BRASIL, 2004, p.25). Na política de assistência o direito à proteção social, direito à seguridade social supõe conhecer os riscos, as vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos, bem como os recursos com que conta para enfrentar tais situações com menor dano pessoal e social possível. Isto supõe conhecer os riscos e as possibilidades de enfrentá-las. (BRASIL, 2004, p.11). O direito na política de assistência tem dois efeitos: o de suprir sob dado padrão prédefinido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia. (BRASIL, 2004, p.12). A Política de Assistência Social demonstra entender que para o enfrentamento das desigualdades e a provisão de recursos são necessários em um primeiro momento. Assim, para garantir as condições mínimas de existência e como Política de Assistência Social, o Estatuto do Idoso assegura também a toda pessoa acima de sessenta e cinco anos, cuja renda não seja suficiente para a sua subsistência, o benefício de um salário mínimo mensal. Porém, ao contrário da Política de Assistência, que trabalha com critérios de mínimos sociais, o Estatuto do Idoso estabelece como garantia de direitos a todos os idosos (indivíduos com idade igual ou superior 60 anos). Já a Política de Assistência atua na perspectiva de prestar assistência a quem dela precisar, o que significa que delimita um público que é o idoso pobre. De acordo com o artigo primeiro da Lei Orgânica de Assistência Social, “a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. (BRASIL, 2004, p. 25). Em consonância com o disposto na Lei Orgânica de Assistência Social, capítulo II, seção I, artigo 4º, a Política Nacional de Assistência Social rege-se pelos seguintes princípios democráticos: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de renda econômica. (BRASIL, 2004, p. 26). Constitui o público usuário da política de Assistência Social, cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. (BRASIL, 2004, p. 27). 77 Tendo em vista que a política de Assistência Social sempre foi espaço privilegiado para operar benefícios, serviços, programas e projetos de enfrentamento à pobreza, considera-se a erradicação da fome componente fundamental nesse propósito. A experiência acumulada da área mostra que é preciso articular distribuição de renda com trabalho social e projetos de geração de renda com as famílias. (BRASIL, 2004, p.52). A questão da Assistência Social analisada por Simmel citado por Ivo (2008) aponta que o formato de atuação que a Assistência comporta atualmente, pode colocar o seu público como “classe passiva” levando a considerá-la como “classe para o outro”, constrangida a formar sua subjetividade a partir da objetivação que lhe é atribuída pelo “outro”, na luta política. Oliveira (2010) aponta que o contexto histórico em que o Sistema de Proteção Social no Brasil foi criado, implicou diretamente algumas características da política de assistência, que constituem desafios que são inerentes a essa política. Considera-se, em primeiro lugar, a perspectiva democrática e participativa, em que a condução da Assistência Social deve pautar-se, o que requer a gestão negociada entre União, Estados e Municípios, e, de outro, a organização e o efetivo funcionamento de instâncias paritárias e deliberativas de gestão. Nessa configuração, a Assistência Social remete ao pluralismo institucional, articulando sociedade civil e Estado no enfrentamento da pobreza. Por outro lado, a cultura tecnocrática confere a essa política um perfil ambíguo e limitado que estimula ações emergenciais e descontínuas no enfrentamento da pobreza e da desigualdade social. As ações tornam-se, pois, compensatórias de desigualdades, destinadas a apenas amenizar os riscos que os “miseráveis” podem trazer às liberdades individuais e à concorrência privada. Isso porque as reformas político-administrativas, ao tempo em que reforçam o núcleo tecnocrático do governo, introduzem sob essa ótica, uma série de dispositivos “legais” que incidem diretamente na LOAS e despolitizam os mecanismos de participação da sociedade nos espaços decisórios de gestão dessa política. (OLIVEIRA, 2010). Ainda para Oliveira (2010, p.24), “a descentralização da Assistência Social se restringe a um processo administrativo que na 'parceria' com a sociedade, acaba por homologar e legitimar a lógica focalista e seletiva que orienta essa estrutura políticoadministrativa no atendimento aos 'necessitados'”. Por fim, o clientelismo presente na Assistência, imprime uma cultura que fragiliza a ideia do direito e fortalecendo a da dádiva e do favor. 78 5.3 Família A família configura-se como fator de proteção e como instrumento principal para efetivação dos direitos dos idosos. Dessa forma, as práticas de políticas públicas têm como norteador as ações voltadas para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. No Estatuto do Idoso, a família é mencionada, já nas Disposições Preliminares e, na Política de Assistência, seus princípios se orientam sob o viés da matricialidade familiar. Nas atas, a família também é referenciada quando se discutem direitos. Art. 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2003, p. 8). V - priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. (BRASIL, 2003, p. 9). Tudo isso significa que a situação atual para a construção da política pública de assistência social precisa levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família. A proteção social exige a capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se constituem. (BRASIL, 2004, p. 10). Pauta: Eleição de representantes da sociedade civil no grupo de trabalho; Fórum do Idoso; homenagem às mães e importância da família; Estatuto do Idoso; vacina antigripe. Participantes: representantes da regional Venda Nova, grupos da regional Venda Nova. Estatuto – aposentadoria, benefício, centralidade na família. Grupo de trabalho – discussão das diretrizes para os fóruns. (BELO HORIZONTE, 2007d). Aspectos relativos à família como fator de risco, no caso da violência, também são mencionadas nos documentos, fator esse que aponta que ela é espaço de contradição das relações afetivas, porém ela não é eximida das obrigações de cuidado e proteção. Outra situação que pode demandar acolhida, nos tempos atuais, é a necessidade de separação da família ou da parentela por múltiplas situações, como violência familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado e criminalidade. Podem ocorrer também situações de desastre ou acidentes naturais, além da profunda destituição e abandono que demandam tal provisão. (BRASIL, 2004, p. 25). 79 A realidade brasileira mostra que existem famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação dos direitos de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, além da geração de outros fenômenos como, por exemplo, pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados (...). (BRASIL, 2004, p. 30). A realidade brasileira nos mostra que existem famílias com as mais diversas situações sócio-econômicas que induzem à violação dos direitos de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, além da geração de outros fenômenos como, por exemplo, pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados que estão nesta condição não pela ausência de renda, mas por outras variáveis da exclusão social. Percebe-se que estas situações se agravam justamente nas parcelas da população onde há maiores índices de desemprego e de baixa renda dos adultos. (BRASIL, 2004, p. 35). Chama-se atenção, ainda, para o fato de que a obrigação dos filhos de cuidar dos pais idosos, tida como tradição, passa a ser regulada por um dispositivo legal, em que a omissão ou negligência pode levar à punição. Debert (2007) aponta que essa discussão refere-se ao domínio do Estado no espaço doméstico e familiar e da forma como ele vem redefinindo esse espaço. Elementos que eram de ordem privada e da esfera familiar transformaram-se em questões de ordem pública e, por isso, o Estado passa a ser a instituição que orienta o curso da vida. (DEBERT, 2007). Se por um lado, a não entrada do Estado implicou, em muitos momentos, a negligência com os idosos, por outro, é questionável os atravessamentos de leis no campo afetivo. É interessante apontar que os dados estatísticos demonstram que a referência da família é a mulher. Da década passada até 2002, houve um crescimento de 30% da participação da mulher como pessoa de referência da família. Em 1992, elas eram referência para aproximadamente 22% das famílias brasileiras, e em 2002, passaram a ser referência para próximo de 29% das famílias. (BRASIL, 2004). A análise da centralidade da família como princípio das políticas de assistência revela a centralidade na mulher, uma vez que em nossa sociedade é atribuído a ela o papel de cuidado das crianças, dos idosos e dos doentes. Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado: Pena- detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa. (BRASIL, 2003, p. 58). É dada ênfase para a relevância que a família assume para a efetivação dos direitos, bem-estar, cuidado dos idosos. Entretanto, a realidade brasileira demonstra que os idosos é que tem provido seus familiares, isso quando não moram sozinhos. Parece existir, pois, uma 80 divergência quanto à realidade brasileira que se apresenta, e o olhar que é delegado a esse idoso pela legislação, já que a concepção de idoso sob aparato de uma legislação é de um indivíduo que pela própria idade se apresenta em situação de vulnerabilidade e, por isso, necessita cuidados especiais. Em 2002, a maioria dos idosos brasileiros era de aposentados ou pensionistas, 77,7%. Muitos ainda trabalham, 30,4%, desempenhando um papel importante para a manutenção da família. No Brasil, das pessoas com idade de 60 ou mais anos, 64,6% eram referências para as famílias. Destes, 61,5% eram homens e 38,5% mulheres. Um dado preocupante refere-se ao tipo de família dos idosos. No Brasil, 12,1% dos idosos faziam parte de famílias unipessoais, ou seja, moravam sozinhos. (BRASIL, 2004, p. 18). Esta realidade apresenta-se, em alguns momentos, controversa quando comparada com o discurso dos ordenamentos que colocam o idoso em posição de fragilidade. Com isso, adotam intervenções em favor de promover atividades de inclusão, desenvolvimento de habilidades físicas, cognitivas, de geração de renda para manutenção de vínculos familiares e comunitários. A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. [...] Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos, conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada. Deverão incluir as pessoas com deficiência e ser organizados em rede, de modo a inseri-las nas diversas ações ofertadas. Os benefícios, tanto de prestação continuada como os eventuais, compõem a proteção social básica, dada a natureza de sua realização. (BRASIL, 2004, p. 28). São considerados serviços de proteção básica de assistência social aqueles que potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam a convivência, a socialização e o acolhimento em famílias cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho, tais como: Programa de Atenção Integral às Famílias; Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamento da pobreza; Centros de Convivência para Idosos; Serviços para crianças de 0 a 6 anos, que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, ações de socialização e de sensibilização para a defesa dos direitos das crianças; Serviços sócio-educativos para crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Programas de incentivo ao protagonismo juvenil e de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; Centros de informação e de educação para o trabalho, voltados para jovens e adultos. (BRASIL, 2004, p.30). Art. 44. As medidas de proteção ao idoso previstas nesta Lei poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, e levarão em conta os fins sociais a que se destinam e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. (BRASIL, 2003, p. 32). 81 Art. 47. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas, previstas na Lei n.° 8.842, de 4 de janeiro de 1994; II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem. (BRASIL, 2003, p. 30). Apesar de contradições socioeconômicas e afetivas que se estabelecem a família é entendida como espaço capaz de desempenhar funções básicas que vai desde o direito à vida, até a convivência comunitária. Portanto, é tida como espaço de promoção da proteção e da socialização. A concepção de família é entendida, tanto no Estatuto, como na Política de Assistência Social, em seus vários arranjos, o que supera o reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear. Contudo, ao mesmo tempo em que se reconhecem estes vários arranjos, a Assistência Social os entende como componente que colaborou no processo de fragilização dos vínculos familiares, tornando as famílias mais vulneráveis. O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está explícito no artigo 226, da Constituição Federal do Brasil, quando declara que a ‘família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado', endossando, assim, o artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos, que traduz a família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e com direito à proteção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reconhecimento se reafirma nas legislações específicas da Assistência Social – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, entre outras. (BRASIL, 2004, p. 35). De modo geral, dos documentos analisados, a família é percebida como entidade que merece proteção do Estado e intervenções de políticas públicas, para que posteriormente, possam atuar como espaço de proteção. 82 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização desta dissertação permitiu o contato com a diversidade de estudos que tratam da velhice em diferentes aspectos. Como parte de uma realidade, esta pesquisa trouxe um recorte feito da concepção de velhice em fontes que norteiam as práticas voltadas ao público idoso. Levou-se em conta que as práticas voltadas para a velhice são fruto de discursos que se formaram sobre ela, logo, a análise do conteúdo presente nos ordenamentos que legitimam essas práticas, forneceu o substrato para se pensar o discurso emergente sobre a velhice. Ao considerarmos que o discurso, seja ele falado, seja escrito, contém as nuances daquilo que é objeto do desejo, sua análise permite a leitura do seu sentido, sua forma, seu objeto. (FOUCAULT, 2007). Os resultados desta pesquisa reforçam o que a literatura aponta, de que a velhice da quietude e do descanso, tem dado lugar à concepção de velhice ativa, engajada, pautada em uma ideia de promoção do idoso e, portanto, prevenção da velhice decadente. Através, pois, da permanência dos idosos em espaços, previstos nas legislações, que visam desenvolver habilidades físicas, cognitivas, artísticas, culturais, incentivar o cuidado com o corpo, a saúde, tenta-se amenizar, ao máximo, as consequências inerentes ao processo de envelhecimento. Logo, o discurso da velhice bem-sucedida é praticado, sustentado, sobretudo, por legislações específicas, ou políticas públicas que negam a possibilidade de vivenciar o envelhecimento por meio da quietude, inatividade. Termos como autonomia, protagonismo remetem, dessa forma, à nova concepção de velhice, em que a principal característica é a qualidade de vida por meio da promoção do sujeito. A promoção nos textos analisados remete a um conjunto de práticas – educação, saúde, assistência social, no intuito de fornecer a ele subsídios para permanecerem incluídos socialmente, ou seja, lidar com a velhice. É interessante destacar que em meio ao incentivo das práticas corporais, a promoção como sinônimo de participação política, conhecimento dos direitos, ganha cenário. O idoso ativo é, também, aquele que entende de seus direitos e os faz valer. Direitos esses, que o idoso é responsável por garantir através da participação em espaços como os Fóruns. A ênfase para a participação do idoso como agente de controle social para que seus direitos não sejam violados, é amplamente encontrada nos documentos analisados. 83 A nova concepção de velhice que se apropria de vários espaços – grupos de convivência, equipamentos públicos para idosos, fóruns, universidades para terceira-idade – é o modo pelo qual o discurso de promoção se materializa e que se pode considerar, serem espaços em que existe uma reprodução da lógica do ideal de velhice ativa e que é quase impossível o indivíduo ter uma crítica sobre, já que ele se faz presente no próprio discurso do idoso. Por outro lado, as práticas previstas tendem a ações homogeneizadoras, que não consideram a heterogeneidade do público idoso, estando restritas a um determinado público e que pouco incentivam o contato intergeracional. Em certos momentos a lógica do idoso ativo, parece reforçar um modo de classificar a velhice em um modelo binário da boa e da má velhice, corroborado para o que Groisman (2002) aponta como o binômio saúde-doença. Esse tipo de classificação acaba sendo perverso, na medida em que se o idoso não escolhe envelhecer ativamente, ele escolhe a doença. Parece haver uma exigência de o idoso seja responsável pelos aspectos concernentes ao envelhecimento. Nesse caso, as fontes analisadas demonstram conceber a velhice como uma etapa de vida que apresenta fragilidades físicas, cognitivas, que acarreta perda de papeis sociais, podendo gerar exclusão do idoso. A família exerce um papel relevante na perspectiva dos documentos, como provedoras de seus idosos, por garantir os direitos relativos ao processo de envelhecimento e como referência do cuidado aos mesmos. 84 REFERÊNCIAS ALVES JÚNIOR, E. D. Procurando superar a modelização de um modo de envelhecer. Movimento, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 57-71, maio/agosto de 2004. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981. 279p. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Ed. 70, 2004. 281p. BARROS, Myriam Lins. Gênero, Cidade e Geração: perspectivas femininas. In: BARROS, Myriam Lins (Org.). Família e Gerações. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 163p. BARROS, Regina Duarte Benevides de; CASTRO, Adriana Miranda de. Terceira idade: o discurso dos experts e a produção do novo velho. Estudos Interdisciplinares do Envelhecimento, Porto Alegre, v.4, p. 113-124, junho de 2002. BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência. 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