PDF: A INFLUÊNCIA DO DIREITO NATURAL E DO

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO-MESTRADO
EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A INFLUÊNCIA DO DIREITO NATURAL E DO CRISTIANISMO
NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Simone Pinto Ceccato
Fortaleza - CE
Abril, 2007
SIMONE PINTO CECCATO
A INFLUÊNCIA DO DIREITO NATURAL E DO CRISTIANISMO
NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Dissertação apresentada à banca examinadora e à
coordenação do curso de Mestrado da Universidade de
Fortaleza, para obtenção de grau de Mestre em Direito
Constitucional.
Orientador: Professora Dra. Lília Maia de Morais Sales
Fortaleza - Ceará
2006
BANCA EXAMINADORA
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“Instrução sobre o escândalo, o perdão, a fé. Jesus disse
também a seus discípulos. ‘È impossível que não haja
escândalos, mas ai daquele por quem eles vêm! Melhor lhe
seria que se lhe atasse em volta do pescoço uma pedra de
moinho e que fosse lançada ao mar, do que levar para o
mal a um só destes pequeninos. Tomai cuidado de vós
mesmos. ‘Se teu irmão pecar, repreende-o, se se
arrepender, perdoa-lhe. Se pecar sete vezes no dia
contra ti e sete vezes no dia vier procurar-te, dizendo.
‘Estou arrependido’, perdoar-lhe-ás.’ Os apóstolos
disseram ao Senhor. ‘Aumenta-nos a fé!’ Disse o Senhor.
‘Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta
amoreira. Arranca-te e transplanta-te no mar, e ela vos
obedecerá.’ ” (Bíblia Sagrada - Lucas,17,1-6) (grifos
nossos).
Para o meu esposo, Cleiton Ceccato, por todo o amor e
dedicação
que
sempre
despendeu
à
família,
proporcionando em nosso lar um ambiente de muita paz,
segurança e harmonia.
Aos meus filhos, Bruna e Renan Ceccato, por serem
crianças tão especiais que em nenhum momento foram
empecilho para o meu crescimento profissional, mas antes
pelo contrário, foram estímulo e fonte de vida.
Para os meus pais, Evanira de Oliveira Pinto e Francisco
Xavier Pinto (in memorian), que sempre foram exemplos
de humildade e fé.
E, especialmente, a Trindade Santa, Pai, Filho e Espírito
Santo, bem como a Nossa Mãe Santíssima, por me fazer
crer por mim e por aqueles que não crêem, dando-me a
certeza plena de que eu não conseguiria freqüentar o
mestrado e elaborar o presente trabalho se não fosse pela
força de Deus.
AGRADECIMENTO
A professora Lília Maia que de maneira tão brilhante defendeu a aplicação da Mediação
como uma forma eficiente de solução de conflito, empenhando-se, sempre, com tanta maestria
em todos os seus trabalhos relativos a referido tema, que foi, indiscutivelmente, luz para que
eu optasse por pesquisar sobre o mesmo. Agradeço também porque a mesma soube apoiar-me
no tema escolhido e teve o zelo para que eu não o desviasse do aspecto científico. Portanto, a
professora Lília a minha eterna gratidão e admiração pela sua forma segura e responsável de
ser.
Ao amigo do mestrado, Francisco Lisboa, que também foi peça imprescindível na
escolha do tema, pois sabe o que é ter um coração voltado para Deus, posto que o dele assim o
é, e como é bom buscar a paz individual e social.
RESUMO
A mediação é uma forma de solução de conflitos extrajudicial que busca reunir elementos
pacíficos indispensáveis para se alcançar, de forma eficiente, a solução de problemas entre
pessoas. Essa solução, nascida de uma boa mediação, será extraída respeitando-se o interior,
os sentimentos, as necessidades internas e externas das próprias partes envolvidas, que, muitas
vezes, - por falta de um diálogo rico e mais consciente, onde tenham condições de fazer uma
reflexão sobre sua vida, seus próprios atos, seus erros, acertos, e, inclusive, com oportunidade
de vislumbrar o norte de justiça advindo do próprio Direito Natural, dos ensinamentos
cristãos, buscam, desnecessariamente, o poder judiciário para solucionar suas lides das mais
diversas espécies, contribuindo para um judiciário assoberbado de processos, o que provoca
uma morosidade desgastante nos julgamentos dos conflitos, e submetem-se também a uma
decisão proferida por terceira pessoa, o juiz, que ao certo não é mais apta do que as próprias
partes para alcançar uma solução equilibrada, justa e satisfatória. Com a mediação, as partes
envolvidas no conflito buscam resolver seus problemas e tendem a alcançar uma maior
conscientização de direitos, a buscar novas formas de relacionamento, a ter um acesso
material à Justiça, e a perceber que devem se incluir na sociedade não como um peso para o
Estado, mas como um cidadão com direitos constitucionais garantidos e merecedores de viver
usufruindo da verdadeira paz social. A mediação não deve ser vista, portanto, só como um
instrumento capaz de bem auxiliar na solução de um conflito, mas também como eficaz em
proporcionar as pessoas a oportunidade de terem transformadas a sua capacidade de bem
melhor se relacionar, capacidade de fomentar a própria consciência no que tange ao seu real
valor, contextualizar-se melhor e administrar-se com mais propriedade dentro dos próprios
conflitos que o simples fato de sua existência humana lhe faz submeter-se.
Palavras-chave:
Direito Natural
Cristianismo
Mediação de Conflitos
Mediador
Mediados
ABSTRACT
The mediation is a form of solution of extrajudicial conflicts that searches to
congregate indispensable pacific elements to reach itself, in an efficient way, the solution of
problems between people. This solution, born of a good mediation, will be extracted
respecting the interior, the feelings, the internal and external necessities of the own involved
parts, that, many times, - due to a rich and more conscientious dialogue, where they have
conditions to make a reflection of their life, their own acts, their errors, right, and, also, with
chance to look the north of justice happened of the own Natural law, of Christian teachings,
search, unnecessarily, the judiciary power to solve all sorts of deal, contributing for a
judiciary full of processes, what provoke a wastage slowness of the conflicts’ judgments, and
it is also submitted to a decision that is pronounced in the third person, the judge, who isn’t
more capable than the own parts to reach a balanced, satisfactory and fair solution. With
mediation, the involved parts in the conflict search to decide their problems and tend to reach
a better awareness of rights, to search new forms of relationship, to have a material access to
Justice, and to perceive that they must be included in the society not as one weight for the
State, but as a citizen with guaranteed constitutional laws and deserving to live and make a
good use of the true social peace.
The mediation shouldn’t be seen, therefore, only as an instrument capable to help in
the solution of conflicts, but as also efficient in providing people the chance to transform their
capacity to get related, capacity to foment their own conscience relating to its real value, to
contextualize better and manage themselves with more property inside of their own conflicts
that the simple fact of the human existence make them submitted to.
SUMÁRIO
1O DIREITO NATURAL E SUA IMPORTÂNCIA NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS PELA
MEDIAÇÃO........................................................................................................................... 13
1.1Breve história do Direito Natural................................................................................................. 13
1.2Teses a favor do Direito Natural.................................................................................................. 25
1.3A relação humana sob o prisma do Direito Natural e o enfoque da Igreja Católica.................. 31
1.4O Direito Natural como fonte rica para a solução dos conflitos pela Mediação........................ 37
2O CRISTIANISMO E A ABORDAGEM CRISTÃ NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS.....................41
2.1O Cristianismo.............................................................................................................................. 41
2.2Abordagem cristã na mediação de conflitos................................................................................. 43
3OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS HUMANOS COMO BASE IMPORTANTE NO
DIRECIONAMENTO DAS MAIS DIVERSAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 58
4DOS CONFLITOS EXISTENTES E DO USO DA MEDIAÇÃO COMO MÉTODO POSITIVO NA
SOLUÇÃO DOS MESMOS.................................................................................................... 62
5A MEDIAÇÃO COMO FORMA EFICAZ NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS E SUAS
PECULIARIDADES .............................................................................................................. 68
5.1Em que consiste a medição........................................................................................................... 68
5.2Pontos mais relevantes na mediação............................................................................................ 69
5.3A mediação como fonte de auxílio................................................................................................ 71
5.4A pré-mediação e seus pontos críticos..........................................................................................73
10
5.5Lado emocional na mediação....................................................................................................... 74
5.6Mediação e seu caráter transformativo........................................................................................ 78
6A AÇÃO COMUNICATIVA COMO FATOR CONTRIBUTIVO NA BUSCA DOS INTERESSES
SOCIAIS, NA BOA CONVIVÊNCIA E NA PAZ SOCIAL...................................................... 82
7PARTES ENVOLVIDAS NUMA MEDIAÇÃO................................................................................. 87
7.1Os mediados.................................................................................................................................. 87
7.1.1 As dificuldades dos mediados................................................................................................... 88
7.2O mediador................................................................................................................................... 90
7.2.1 A importante escolha de um mediador..................................................................................... 91
7.2.2Meios de solução de conflitos e as técnicas que devem ser utilizadas pelo mediador para a
obtenção de uma mediação eficaz ........................................................................................ 94
CONCLUSÃO.................................................................................................................................... 97
REFERÊNCIAS................................................................................................................................100
INTRODUÇÃO
O homem, dentre os seres vivos, é, inquestionavelmente, um animal extremamente
inteligente e o único que não se acomoda com a sua forma primitiva de viver, e busca sempre
uma evolução, uma melhoria de seu estilo de vida.
Nessa ânsia de crescimento descomedido, de perseguição pelo progresso, o homem,
quase hipnoticamente comandado pela ambição econômica/financeira, por pensar muitas
vezes apenas em seu bem-estar, não se preocupando com a justiça e o direito do outro, pela
aplicação desregrada e infeliz do individualismo, tem extrapolado, em muito, os limites
permitidos pela convivência pacífica, pela harmonia social, e tornam-se cegos em suas
relações, provocando conflitos diversos, que seriam perfeitamente contornados caso as partes
envolvidas fossem submetidas a uma boa análise crítica da situação e de qual o caminho que
suas próprias ações tem seguido.
Existem vários caminhos para se buscar a solução de um conflito, embora quase todos,
ou até mesmo arriscando afirmar, a maioria, apresenta soluções inadequadas e ineficazes para
as partes, posto que o conflito real sequer vem a ser observado quando a decisão final é
prolatada.
Os meios adversariais de solução de conflitos -, aqueles em que uma terceira pessoa
alheia a situação conflituosa irá julgar e exarar uma sentença, e onde nessa restará
determinado um vencedor e um vencido, havendo, pois, um espírito de competição -, nem
sempre apresentam soluções satisfatórias, posto que muitas vezes o entendimento do julgador
-, devido a análise perfunctória do problema, sem o envolvimento direto das próprias partes e
sem que de fato seja certificado qual é o conflito real que envolve os conflitantes -, não
corresponde ao espelho da justiça.
Os meios não-adversariais -, aqueles em que não há propriamente uma competição, mas
a participação efetiva das próprias partes em busca de um acordo final do conflito -, em
especial o caso da mediação, têm muito mais probabilidade de alcançar a satisfação plena das
partes conflitantes, posto que elas próprias analisam o conflito, chegam, com a ajuda do
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mediador, a identificar e trabalhar o conflito real, e findam por acordar algo que irá satisfazêlas plenamente, e, portanto, não havendo comprometimento da mantença da boa relação entre
as mesmas.
O presente trabalho foi elaborado através de pesquisas bibliográficas do acervo da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, da biblioteca do Centro de Mediação – Mediare,
igualmente localizado no Rio de Janeiro.
Em visita ao Mediare, foi feita uma entrevista com a sua presidente, Dra. Tânia
Almeida, onde a mesma relatou a importante experiência que já adquiriu com a aplicação
humanista da mediação, os sucessos alcançados, as dificuldades enfrentadas, mas,
principalmente, o importante papel social que a mediação tem despertado em todos que com
ela estão envolvidos, quer direta ou indiretamente.
Essa pesquisa foi desenvolvida com o intuito de atender a uma solicitação do mestrado,
mas principalmente com o objetivo de contribuir para que a mediação venha a ser cada vez
mais difundida e respeitada, já que ainda temos arraigado em nossa cultura o uso do aparelho
jurisdicional como única forma de solução de conflitos, o que não é verdade, mas antes pelo
contrário, existem outros meios, onde a mediação se destaca por sua capacidade de envolver
as partes dentro dos seus próprios conflitos, para que elas próprias busquem, através da
comunicação, do diálogo, encontrar a solução mais adequada, e assim, sintam-se mais úteis,
responsáveis, findando por provocar uma maior inclusão das mesmas na sociedade, e por
contribuir com a paz social da qual os cidadãos estão tão carentes e necessitados.
1 O DIREITO NATURAL E SUA IMPORTÂNCIA NA SOLUÇÃO
DOS CONFLITOS PELA MEDIAÇÃO
“Quem dentre vós é sábio e inteligente? Mostre com um
bom proceder as suas obras repassadas de doçura e de
sabedoria. Mas, se tendes no coração um ciúme amargo e
gosto pelas contendas, não vos glorieis, nem mintais contra
a verdade. Esta não é a sabedoria que vem do alto, mas é a
sabedoria terrena, humana, diabólica. Onde houver ciúme
e contenda, ali há também perturbação e toda espécie de
vícios. A sabedoria, porém, que vem de cima, é
primeiramente pura, depois pacífica, condescendente,
conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem
parcialidade, nem fingimento. O fruto da justiça semeia-se
na paz para aqueles que praticam a paz.” (Tiago, 3,13-18)
(p. 1541).
1.1 Breve história do Direito Natural
É inconcebível estudar o Direito desvencilhado de sua história. Por isso, pensar no
Direito Positivo, bem como pensar nos institutos modernos que nascem a partir de
necessidades de adequação social, - em destaque nessa oportunidade a Mediação de Conflitos
-, sem pensar no Direito Natural, seria o mesmo que vislumbrar folhas despendidas do seu
talo, que qualquer moda jurídica ou política seria capaz de espalhar de forma arbitrária, não
sendo esta a proposta dos que pretendem firmar o instituto ora em estudo.
O Direito Natural mostra que houve uma ordem que fez com que os homens
realizassem, com o seu livre-arbítrio, o mundo civil, e que fosse-o adaptando de acordo com
as circunstâncias históricas, mas sem se desvencilhar de sua origem, de sua raiz, ou seja, sem
deixar de ter como referência o próprio Direito Natural, pois se assim o fizesse estaria
provocando reações febris, de mal-estar, de injustiça, e que deveria voltar a sua análise a fim
de alcançar novamente a ordem perdida.
Não se pretende no presente item exaurir a história do Direito Natural, até porque não é
esse o objetivo central do presente trabalho, mas pretende-se fazer uma explanação sucinta da
idéia jusnaturalista que de uma forma ou de outra, quer sendo exaltada ou refutada, sempre
esteve presente na história do próprio Direito.
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Cada época histórica teve a sua filosofia imperante, pelo que, conseqüentemente, terá
influenciado na idéia do Direito Natural, que teve épocas de apogeu, e momentos de menor
relevância. É indiscutível que a concepção de cunho positivista, que apresenta características
antimetafísicas, fez com que a idéia jusnaturalista sofresse alguns ataques em face de seu
fundamento ser baseado em uma metafísica do Direito. Mas os ataques ao Direito Natural não
foram tão consistentes e fulminantes ao ponto de feri-lo de morte.
Segundo o estudo histórico de Ylves José de Miranda Guimarães (1991, p. 10), e que
será adotado a título de explanação, pode-se indicar as seguintes fases mais marcantes do
Direito Natural:
1º No Oriente (no Egito, na Babilônia, na China, na Índia e entre os Hebreus)
2º Na Grécia, no século VI a.C.
3º Entre os sofistas.
4º Com Demócrito e Sócrates.
5º Entre os pós-socráticos.
6º Em Platão e Aristóteles
7º Entre os romanos.
8º Na patrística.
9º Na idade Média.
10º Na época moderna.
11º Na época atual
- No Oriente (no Egito, na Babilônia, na China, na Índia e entre os Hebreus)
No Egito, o Faraó era considerado como deus, e era ele que estabelecia a união do seu
povo com a ordem divina do universo.
Com a chamada “Grande Revolução”, no período compreendido entre os anos 2360 e
2160 a.C, restaram produzidas novas instituições e idéias, onde o poder no Império Tebano se
consolidou e funcionava como órgão supremo de coordenação e direção dos esforços de
todos a serviço da coletividade, tendo os reformadores procurado criar uma síntese
entre o antigo direito divino e uma associação ativa dos súditos, onde existiam leis
dirigidas ao bem comum que seriam aplicadas na vida social, mas ainda não havia uma
ordem desejável a certos direitos naturais.
Embora fosse desordenado o acatamento a certos deveres naturais, respeitava o Egito deveres
imperativos, morais e jurídicos, como o direito à vida e à integridade corporal, o direito de
formar família, o direito aos bens necessários para a subsistência e outros, recebidos
diretamente do Direito Natural. (GUIMARÃES, 1991, p. 11).
Na Babilônia, uma das tarefas mais importantes do príncipe babilônico era fazer valer a
justiça, objetivando que o mais fraco não fosse massacrado pelo mais forte, e buscava também
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dirimir contendas, e poderia utilizar-se da equidade para suprir as injustiças, abrandando o
rigor das leis escritas.
Célebre se tornou o Código de Hammurabi, ditado a este rei pelo deus Sehamasch,
senhor da justiça, em cujo preâmbulo se vê a assertiva de que fora ele chamado pelos
deuses para promover o bem entre os homens, pra fazer valer o direito, exterminar a
perversidade e o mal. O soberano não buscava exclusivamente regulamentar a vida
civil, mas instaurar também o reinado da justiça para imperar a ordem querida pelos
deuses, reflexo da harmonia de um mundo superior. (GUIMARÃES, 1991, p. 11).
Na China, pode-se destacar Cathrein
Cathrein, sobre a existência do Direito Natural entre os chineses, cita como exemplo a
formosa palavra de Vu-Vang, que informa o Chu-King (Livro de Recordações) , o
maior livro do Império Celeste : ‘Pela vontade do povo existe um Rei, Príncipe e
Governador. Estes não devem agravar e prejudicar, mas cuidar dos pobres e proteger
as viúvas, os órfãos e as donzelas sem defesa. Todos devem ajustar-se aos princípios
da razão , e todos devem ter o necessário conforme seu estado.’ Esses princípios dos
Chineses a ‘vontade do céu’. (GUIMARÃES, 1991, p. 13).
O que se denomina filosofia da Índia:
é, sobretudo a do bramanismo, que crê na existência de um princípio eterno
universal, causa única de tudo existente, substância pura, única e total, que é
o Brahmam; essa realidade se encontra em nossa consciência como atman
(espírito ou sopro vital); que é o substrato inconsciente dos fenômenos da
consciência; brahman e atman são os princípios espirituais que
respectivamente definem o cosmo e o homem. (GUIMARÃES, 1991, p. 13).
Buda combatia a ira e impedia a inimizade no mundo, sugerindo a idéia cristã de
combater o mal com o bem. O homem deveria evitar matar criaturas e não odiar a seus
semelhantes, e abster-se de beber bebidas alcoólicas, da luxúria e da desonestidade.
A Lei de Manu, promulgada no século II a.C, continha preceitos de ordem religiosa e
moral, bem como normas jurídicas. Ela justifica o poder como função repressiva: “já que o
homem é naturalmente mau e só se submete mediante castigo, tendo o rei a função de impedir
a anarquia, mediante a coação, e proteger com justiça a tudo que estivesse sujeito ao seu
poder”. (GUIMARÃES, 1991, p. 15).
Os Hebreus tinham um espírito marcadamente religioso, em que o Decálogo tinha
eficácia de Direito divino, pelo que tinha forte influência na vida política, social e jurídica
desse povo.
Para os Hebreus, a lei de Deus não só estava contida nas Tábuas da Lei dadas a Moisés,
mas também impressa na consciência dos homens.
16
- Na Grécia, no século VI a.C
A riqueza da filosofia do Direito na Grécia era muito grande, posto que havia um clima
de liberdade propício para tanto. Nessa liberdade é que foi gerada os germes da teoria do
Direito Natural, bem como do positivismo.
Para Homero, a justiça tem a característica de necessidade. Como a natureza se impõe
desde o cosmo exterior, toda força natural é considerada justa, parecendo que natureza, justiça
e Direito se identificam.
Para Hesíodo, os valores supremos da comunidade são a ordem, a justiça e a paz,
protetoras dos trabalhos dos homens. A justiça como o maior dos bens tem origem divina,
distinguindo os homens dos animais.
Hesíodo (século VII? a.C) descreve os frutos dourados que aguardam o povo cujo rei
observa a lei dos deuses e os desastres que cairão sobre o povo se seu rei, cego pela
arrogância, for contra a vontade dos deuses:
Quem, em contrapartida, dá julgamentos corretos aos estrangeiros e aos homens da
terra, e em nada se apartam do justo, a estes lhes prosperam a cidade e nela
florescem as pessoas; [reina a] paz no país, aquela que alimenta os jovens, e Zeus,
que tudo vê, não lhes impõe árdua guerra. Nem jamais perseguirá a fome e a
desgraça a homens de correta lei, mas alegremente cuidarão dos campos que é tudo
que lhes preocupa. Para estes produz a terra muito alimento e nas montanhas o
carvalho no seu topo gera bolotas e no meio [do tranco] abelhas; suas ovelhas
lanudas [caminham] carregadas de tosões; suas mulheres geram filhos semelhantes
aos pais; continuamente florescem em meio aos bens e em embarcações não viajam,
pois a terra doadora de grãos lhes produz o fruto.
Mas para aqueles que obram violência e crueldade, a esses o cronida Zeus, que tudo
vê, impõe o castigo [da lei]; amiúde mesmo uma cidade inteira sofre com um
homem mau que comete faltas e trama atos de soberba e, do céu, o cronida envia
grandes sofrimentos ao povo, fome e peste simultaneamente, de sorte que os homens
perecem e suas mulheres não parem filhos e suas habitações familiares escasseiam
por inteligência de Zeus olímpico. E, de novo, em outra ocasião, o cronida destrói o
grande exército deles, ou sua muralha, ou faz perder seus navios no mar. (ROSS,
2003, p. 270).
Segundo o que dispõe Alf Ross (2003, p. 272), a diferença entre Homero e Hesíodo está
que:
Para o primeiro, Zeus é o protetor e o defensor que preserva uma ordem harmoniosa,
enquanto para Hesíodo, que está repleto de ódio e amargura pela maldade dos
tempos, Zeus se tornou o grande juiz que castiga os poderosos e os injustos.
Enquanto Homero representa o ponto de vista das classes dominantes, Hesíodo
reflete a desconfiança e a animosidade dos camponeses que só desejam viver em paz
e são testemunhas da audaz arrogância dos poderosos, envolvidos em suas lutas pela
supremacia, em completo menoscabo pela tradicional ordem das coisas.
17
Para Sólon, a justiça nem sempre se faz presente imediatamente, tampouco permanece
indefinidamente escondida, vindo a aparecer afinal. Para ele a igualdade é o meio técnico da
paz social.
Heráclito proclamava que todas as leis humanas se alimentam de uma que é a lei divina.
“Henrique Rommen entreviu a idéia de uma lei natural eterna e que se dirige à razão do
homem na medida em que esta participa de Logos eterno, sendo imutável e da qual todas as
leis humanas derivam sua força.” (GUIMARÃES, 1991, p. 20).
O conceito de justiça iniciou o seu lento processo de espiritualização com a escola de
Elea, pelo que tomou um caráter mais metafísico, como se vê em Parmênides. O Direito
Natural para Parmênides consiste na afirmação de uma eterna identidade do Direito consigo
mesmo.
“Píndaro sustenta que as boas leis, junto com a justiça firme e fértil paz, são as inimigas
da insolência. A justiça produz tranqüilamente e esta a manutenção das relações pacíficas e do
comércio.” (GUIMARÃES, 1991, p. 20).
Dentre outros filósofos.
- Entre os sofistas
Os sofistas levantam que “o homem é a medida de todas as coisas”. Eles abandonaram a
concepção no sentido de fundamentar a justiça na natureza. Baseiam-se na razão pessoal. Para
os sofistas, as leis não tinham um princípio eterno, objetivo e exterior ao homem,
universalmente válido.
Alf Ross, em comentário a época dos sofistas comenta:
Aqui nos interessa, somente, um aspecto dessa época culturalmente explosiva: a
abolição das crenças mágico-religiosas, o abandono da crença no absoluto e eterno
em matéria de conhecimento e moral, a fundamentação de um ponto de vista
científico baseado na relatividade de toda apreensão racional e a evolução de uma
nova moralidade segundo amplas linhas humanistas. Tudo isto se encontra
intimamente conectado entre si. (ROSS, 2003, p. 273-274).
Os sofistas mais jovens, contudo, souberam extrair de seu ensino o necessário para
efetuar uma crítica contundente das instituições sociais existentes. Perceberam quão
vazio e enganoso era atribuir divindade às leis. As leis humanas são a corporificação
do poder arbitrário dos governantes. Todo governante produz leis que lhe são
proveitosas e chama de justo aquilo que serve aos seus próprios interesses. A
doutrina da justiça imanente às leis não passa de uma capa astuciosa que encobre o
predomínio da força. Desta maneira, os sofistas nos oferecem a primeira tentativa de
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formular uma teoria sociológica da relação entre o direito, de um lado, e o poder e o
interesse, do outro, e do conflito entre grupos sociais. (ROSS, 2003, p. 275).
- Com Demócrito e Sócrates
Para Demócrito, o mais alto valor consistia em promover a prosperidade dos cidadãos,
sendo a política a atividade mais digna. A justiça consiste na promoção dos interesses
públicos.
O pensamento de Sócrates preconizava que o homem devia ajustar a sua conduta a uma
ordem universal objetiva, aos valores do bem, da beleza e da justiça. Reconhecia uma atitude
ética transcendente à vontade humana, válida para todos os homens, promulgada por leis não
escritas dos deuses, voltando-se para as questões morais, ensinando a necessidade de precisão
nos conceitos.
Sócrates percebeu que o racionalismo dos sofistas levava ao perigo do ceticismo,
ameaçando dissolver a noção de bem e de moralidade.
- Em Platão e Aristóteles
“Platão e Aristóteles, se empenharam em reconstruir o que os sofistas haviam
derrubado: a crença no absoluto e no eterno” (ROSS, 2003, p. 278).
Para Platão, a lei autêntica é a que se assemelha à lei ideal e nas normas postas pelos
homens só se dará a justiça quando realizarem a justiça ideal.
Segundo Aristóteles a justiça não se origina em Deus, nem nas leis, mas na natureza. A
lei positiva tem sua gênese na vontade do legislador, é variável no tempo e nos povos. A
natural radica na essência do justo, na natureza, daí porque é imutável, independentemente da
lei positiva que a expressa. A lei natural, entretanto, não se encontra além do Direito Positivo,
que deve ser a realização daquela.
“É claro que eles não podiam reviver a crença nos deuses olímpicos e nas leis cósmicas
do destino. A magia e a mitologia haviam tido seus dias de esplendor e agora pertenciam ao
passado. O lugar da magia e da religião foi ocupado agora pela metafísica filosófica.” (ROSS,
2003, p. 278).
As idéias éticas de Aristóteles são importantes porque as principais foram adotadas
pelo direito natural católico. Aristóteles não desenvolveu uma teoria do direito com
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idêntica minúcia. Apropriou-se da distinção dos sofistas entre direito positivo e
direito natural, mas deu à filosofia do direito natural um novo viés conservador e
metafísico. A lei natural é a válida em si mesma e obrigatória para todos. (ROSS,
2003, p. 280).
- Entre os romanos
A eclosão do Direito Natural em Roma se deu por influência do estoicismo, escola
fundada em Atenas, cerca do ano 300 a.C, por Zenon, que se caracterizava por afirmar a
existência de uma Cosmópolis, de que o homem está obrigado a agir eticamente conforme a
natureza; a importância da virtude, e que a razão devia não só imperar sobre as paixões, mas
também extirpá-las. O estoicismo fundamenta-se no princípio ético da submissão à lei eterna
no mundo, às exigências da reta razão.
“[...] o estoicismo teve especial importância para o desenvolvimento do direito natural.
[...] Através de seu espírito de humildade e universalidade, foi um instrumento de
disseminação do cristianismo.” (ROSS, 2003, p. 281).
O estoicismo também vê na razão e na natureza humana a medida para o
comportamento do homem sábio. [...] A razão não é meramente a razão individual.
Esta não passa de uma centelha da razão eterna e universal, ou razão divina, que
tudo governa no mundo. A exigência de viver em harmonia com a natureza ou de
conformidade com a razão, o que constitui a mensagem básica do estoicismo,
adquire, por isso, um cunho estranho e ambíguo, uma fascinante ambivalência de
auto-afirmação e humildade, independência e sujeição, liberdade e dever. De um
lado, a natureza é igual à razão universal, ou à vontade divina. De acordo com isto a
exigência moral é uma exigência de completa sujeição e autodestruição ante o
divino, ante a onipotência que governa o mundo, mediante a determinação de
identificar-se com o universal, com Deus. Por outro lado, a natureza é também a
natureza razoável do próprio ser humano, e contemplada deste ângulo, a moral
significa uma exigência de completa liberdade e independência, isto é, uma vida
determinada unicamente por nossa natureza razoável, libertada completamente da
ilusões dos sentidos. (ROSS, 2003, p. 281).
Os estóicos trouxeram uma idéia muito clara de que todos os homens são iguais diante
de Deus, e que devem, portanto, viverem em harmonia. Eles encaminharam o direito natural
para direção religiosa e universal.
O estoicismo conferiu ao direito natural uma direção religiosa e universal. Não a
razão individual, mas a razão cósmico-divina é a fonte suprema do direito. Mas a
razão universal nos exige que levemos uma vida social pacífica enquanto
observamos aquelas regras que se encontram em nossa natureza razoável. Na
interpretação deste pensamento, os estóicos, com vigor crescente, enfatizaram a
idéia da igualdade de todos os seres humanos. . Cada ser humano encerra uma
centelha do eterno: somos, portanto, todos iguais diante de Deus. (ROSS, 2003, p.
282).
20
Os estóicos apesar de defenderem que os homens são iguais perante Deus e por isso
deveriam viver em harmonia, reconhece que o desatino e perversidade dos seres humanos
resultou em que vivessem apartados, em estados separados, e de acordo com leis humanas que
só refletem de maneira imperfeita a justiça natural.
- Na Patrística
Essa expressão se dá à filosofia dos Padres da Igreja dos primeiros séculos.
A patrística não cogitou de construir um conjunto sistemático de doutrina moral e
jurídica, a sua especulação tinha a preocupação de expor as verdades da fé, em perigo, devido
aos cultos e mistérios da Antiguidade decadente, utilizando-se da filosofia como fundamento
da teologia.
Se a patrística não deu tratamento sistemático e especial ao Direito Natural, teve como
característica principal assinalar a identidade entre a lei natural e o Decálogo, enfatizando
também que se Deus manifestou a sua lei nos preceitos dados a Moisés, esses mesmos
preceitos foram postos na consciência do homem ao criá-lo.
Os Santos Padres que mais se destacaram na patrística foram: Tertuliano, Latâncio,
Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e Santo Agostinho.
“Para Tertuliano, há uma lei comum para todos os homens, judeus e gentios, que é o
Direito Natural. A natureza é sua mestra e a aluna, a alma humana. Em decorrência da
corrupção da nossa natureza deu-se o esquecimento de certos preceitos naturais.”
(GUIMARÃES, 1991, p. 32).
“Segundo Latâncio, a justiça adquire sua plenitude no mandamento de Cristo: amar a
Deus e ao próximo.” (GUIMARÃES, 1991, p. 32).
Santo Ambrósio distingue duas naturezas: uma empírica, como se dá na realidade
existencial, cheia de falhas, e uma boa natureza, criada por Deus, que serve como
medida do nosso agir. O Direito Natural nos prescreve agir justamente, ou seja,
ajudando os demais em todas as formas possíveis, não causando dano a ninguém.
(GUIMARÃES, 1991, p. 32).
Para São João Crisóstomo as leis se radicam na consciência. Os legisladores
estabelecem suas leis sobre a base da regra que Deus deu ao homem ao criá-lo. Reside nessa
lei fundamental a gênese dos Tribunais e do Direito.
21
Santo Agostinho desenvolve o pensamento cristão assentado na epístola paulina e na
exegese dos Santos Padres anteriores com relação a lei natural.
A doutrina de Santo Agostinho relativa ao Direito Natural não pode ser exposta
isoladamente, mas atrelada a doutrina geral da lei, porque a lei natural se acha encaixada na
lei eterna e na lei positiva.
Sendo Deus o autor da lei eterna e a lei natural manifestação daquela no coração do
homem, as normas positivas hão de estar fundamentadas na lei natural. Lei só será
autêntica se derivada da lei natural, pois não há lei que não seja justa. Se um preceito
dado por uma autoridade humana não evidencia essa conexão com a legalidade
natural, não é lei e, conseqüentemente, não obriga. (GUIMARÃES, 1991, p. 33).
Para Santo Agostinho a lei eterna estipula uma ordem hierárquica. Viola esta ordem
todo sistema antropocêntrico que não dê a Deus o que é seu, que transforme o homem em um
deus ridículo; desrespeita esta ordem todo sistema político e econômico que faça o homem
escravo das coisas.
- Na idade Média
Pode-se evidenciar na Idade Média o pensamento de Santo Tomás de Aquino,
destacando-se que o direito natural católico alcançou sua formulação definitiva nele,
“[...] que com admirável energia e capacidade criadora construiu o sistema teológicofilosófico medieval em sua poderosa Summa Theologica, cujos ensinamentos, sem alterações
e acréscimos particulares, são aceitos ainda hoje pela filosofia jurídica católica.” (ROSS,
2003, p. 285)
As idéias de Santo Tomás de Aquino centralizavam-se em torno da doutrina da lei. Ele
distingue, mas não considera compartimentos estanques, a lei eterna, a lei natural, a lei
humana e a lei divina revelada ao homem.
A lei eterna é a que rege a ordem das coisas que Deus conhece com anterioridade. É
uma razão que governa todo o universo e que existe na mente divina.
A lei natural é existente no homem, e é um reflexo e participação da lei divina.
A lei divina é uma exigência necessária. Só ela pode suprir as deficiências da lei
humana, dada nossa contingência, que demonstra a debilidade do conhecimento humano e
suas possibilidades de erro.
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Pode-se afirmar que para Santo Tomás de Aquino toda a conduta humana já está sujeita
a lei natural, sendo o direito positivo apresentado apenas como um desenrolar, um
desencadear, “[...] uma adaptação gradual da máxima geral à situação concreta.” (BOBBIO,
1997, p.39).
Percebe-se, pois, que segundo o pensamento de Santo Tomás há uma superioridade do
Direito Natural em relação ao Direito Positivo.
Não pode deixar de lembrar estas palavras famosas de Santo Tomás quem queira
contrapor à doutrina positivista do direito – para a qual uma lei positiva é válida
mesmo se não é justa -, a concepção tradicional jusnaturalista – segundo a qual, para
ser válida uma lei positiva deve também ser justa – isto é, conformar-se à lei natural:
Omnis lex humanitus posita intantum habet de ratione legis inquantum a lege
naturae derivatur si vero in aliquo a lege natural: discordet, iam non erit lex, sed
legis corruption. (BOBBIO, 1997, p.40).
Alf Ross (2003, p. 284) quando comenta sobre o Direito Natural dos Escolástico (Tomás
de Aquino), aduz que:
A novidade mais importante ocorreu em dois pontos. Em primeiro lugar, o direito
natural adquiriu um conteúdo mais variado. Enquanto os antigos filósofos do direito
natural não tinham ido além de imprecisas idéias acerca de uma lex naturae eterna e
absoluta, sem atribuir-lhe um conteúdo sistemático preciso, o cristianismo encontrou
na Revelação um ponto de vinculação firme e dogmático. O cerne de todo o direito
natural cristão é a vontade revelada – e, neste sentido, positiva – de Deus : a lei
mosaica e o Evangelho. Em segundo lugar, a idéia da supremacia do direito natural
sobre o direito humano foi então tomada a sério. O direito humano somente adquire
sua força obrigatória, sua validade como direito enquanto em oposição ao poder
arbitrário, em virtude de sua derivação do divino; e nenhum direito humano que
esteja em conflito direto com o direito natural tem validade alguma.
- Na época Moderna
Entrou-se na época em que é repudiado o pensamento escolástico, no fim da Idade
Média. Levou-se em crise a ciência do Direito Natural, resultado das posições irredutíveis da
corrente intelectualista.
Ressalte-se, entretanto, entre os séculos XVI e XVII, a Escola Espanhola de Direito
Natural, que pelo seu papel de relevo nas concepções jusnaturalistas, procede ao
ressurgimento da filosofia escolástica, dentro do espírito da nova época, atendendo as suas
estruturas culturais, políticas e sociais. Segue ela a fidelidade ao dogma, cultiva a teologia,
conhecendo a vinculação do Direito Natural a Deus.
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Vitória, um dos prosélitos que mais se destacaram, traz à tona e prolonga a doutrina do
Direito Natural, como conjunto de leis inscritas por Deus na natureza dos seres,
imprescritíveis e sagradas, que o homem as discerne graças a razão. Para ele a lei humana
positiva nada mais é que uma imperfeita imitação da lei natural, a qual lhe confere força e seu
caráter de obrigatoriedade.
Suarez, no tratado das Leis, na primeira parte, expõe a lei em geral e na segunda, as
várias espécies de leis e questões a ela pertinentes. Distingue a lei eterna, a lei natural, o
Direito das gentes, a lei positiva humana (Direito Civil e Canônico) e a positiva divina
(Antigo e Novo Testamento.)
Destaques, ainda, Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau.
Thomas Hobbes, empirista inglês, firma o Direito Natural sobre dois princípios: 1º)
na natureza perversa do homem, ser anti-social, dominado pelo egoísmo, que o
transforma no homo homini lupus; 2º) frente a essa visão pessimista antropológica, o
Direito Natural se cifra na necessidade de se firmar um contrato social pelo qual
todo o poder físico é cedido ao Estado, despojando-se os indivíduos de sua liberdade
e do direito de dispor de si, devendo aquele ser suficientemente forte para sufocar as
más tendências dos homens e garantir a ordem. (GUIMARÃES, 1991, p. 46).
Hobbes pertence à tradição do jusnaturalismo, mas não se pode negar que ele também
foi um precursor do positivismo jurídico, sendo esse paradoxo explicado com o fato de que
Hobbes adota a doutrina do direito natural para alcançar objetivos positivistas. “[...] Hobbes é
um jusnaturalista, ao partir, e um positivista, ao chegar” (BOBBIO, 1997, p.41)
Bobbio destaca um trecho do Capítulo XIV da parte 4 do De Cive de Hobbes :
Todas as leis podem ser dividas, em primeiro lugar, em leis divinas e humanas. As
leis divinas são de duas espécies, conforme os dois modos como Deus pode
manifestar sua vontade aos homens : natural (ou moral) e positiva. Natural é aquela
que Deus manifestou a todos os homens por meio da sua palavra eterna, neles inata,
isto é, por meio da razão natural. Positiva é aquela que Deus revelou mediante a
palavra dos profetas [...]. Todas as leis humanas são leis civis. (BOBBIO, 1997,
p.44).
“Para resumir o pensamento hobbesiano sobre a validade da lei natural e da lei civil,
podemos dizer que a lei natural põe toda a sua força a serviço do direito positivo e, desta
forma, morre ao dar à luz o seu filho.” (BOBBIO, 1997, p.44)
John Locke procura salvar a teoria do Direito Natural do naufrágio a que conduziu
Hobbes. Considera que no estado natural prevalecem a ordem e a razão, pois os homens são
sociáveis, faltando-lhes apenas a integração em ordens políticas organizadas. Distingue o
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estado da natureza, nos quais existem uns direitos naturais, fundamentalmente o direito a vida,
a liberdade e a propriedade, possuídos por todos os homens que são iguais. Necessário se
tornar a constituição do Estado, como autoridade para interpretação e tutela destes direitos e
defesa, quando vulnerados.
Para Rousseau o homem não é então nem bom, nem mau, ignora tanto as virtudes
quanto os vícios.
Rosseau entende que o erro de Hobbes, nesse ponto, consiste em ter acreditado que,
para conservar-se a si mesmo, impunha-se lutar com os outros e matá-los ou torná-los
escravos. No entanto, a ausência da bondade não implica a maldade. O direito sobre as coisas
de que tem necessidade não leva o homem natural a um domínio universal. Pode-se zelar pela
própria conservação sem prejudicar a de outrem.
A etapa racionalista culmina com Imanuel Kant. A filosofia jurídica de Kant, idêntica a
do Iluminismo, cuidou tão-somente de normas racionais abstratas, relegando a realidade da
vida moral e jurídica no seu desenvolvimento histórico, como se nesta nada mais houvesse
que contingência, capricho e azar.
Hegel foi outro grande filósofo, mas sua filosofia fora bastante obscura.
O pensamento deste filósofo se desenvolve em função do processo dialético da idéia,
triádico, da tese-afirmação; da antítese-negação do afirmado, e da síntese - a superação de
ambas, criando a realidade e explicando o mundo e a História.
Hegel não podia admitir um Direito Natural com o sentido e a significação
Aristotélica tradicional de um Direito intemporal e, portanto, aplicável em todo
tempo e lugar, acima das variações da história, pois não passa de uma manifestação
da liberdade externa do sujeito, dentro de uma dinâmica historicista que preside toda
a sua concepção. (GUIMARÃES, 1991, p. 58).
- A Escola da Exegese
Surge a Escola da Exegese, na França, onde restou promulgado o Código de Napoleão.
Para essa Escola só a lei deve ser alvo das especulações dos juristas. Estes só têm que
interpretá-la, pois o Direito já está ali posto. A intenção do legislador é o marco decisivo do
intérprete, só a vontade daquele constitui a lei.
Houve-se uma verdadeira negação ao Direito Natural.
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- A Escola Histórica
A ciência jurídica nasce modernamente na Alemanha com a Escola Histórica, como
manifestação do espírito romântico que dominou o início do século XIX. Insurgiu-se
contra o racionalismo, sustentando que o Direito não era produto da razão ou da
vontade, mas possui raízes nas convicções jurídicas do povo, ‘ o espírito popular’ na
expressão de Savigny o Direito é fruto da historicidade do espírito do povo,
verdadeiro sujeito da história como realidade orgânica. (GUIMARÃES, 1991, p.
58).
- A Escola da Jurisprudência de Interesses
Essa escola também foi denominada de “finalista”, teve como representante marcante
Rudolf Van Ihering, o qual constrói toda sua doutrina sobre a vontade como capaz de se
determinar livremente. O que move os indivíduos é o interesse. A sociedade também só pode
conseguir seus fins levando em consideração os egoísmos individuais e os interesses
individuais.
- Da época atual
Para falar da época atual, entende-se por bem ressaltar as teses a favor do Direito
Natural, que será objeto do tópico seguinte.
1.2 Teses a favor do Direito Natural
O professor Arnaldo Vasconcelos (1998), traz à baila oito teses a favor do Direito
Natural, embora não negue que existem teses contrárias a ele. As teses a favor são:
1ª Tese – ‘O Direito Natural não é Direito da natureza, considerada esta como domínio
das chamadas ciências naturais.’
Não há que se dizer que o Direito Natural é Direito da natureza, posto que esta última
envolve os reinos animal, vegetal e mineral, não tendo, portanto, Direito. Aquela por sua vez
está ligada a natureza humana, sendo uma marca de identificação diferenciadora.
A idéia do Direito Natural, no homem, constitui sinal inequívoco de sua
humanidade, a marca identificadora do saber a priori que só ele possui. Tal atributo
o eleva à dignidade de ser espiritual. Negá-lo, mais do que simples erro, é
inconsciência de suas aptidões e potencialidades, ignorância de sua vocação criadora
e transformadora, temor de mobilizar sua capacidade de superação e ultrapassagem.
(VASCONCELOS, 1998, p. 29).
26
O Direito Natural que se baseia na natureza humana é intrinsecamente humanista e se
propõe a fazer firmar os Direitos e Garantias fundamentais do homem, a fim de que a
dignidade da pessoa humana seja preservada. É o Direito Natural uma espécie de modelador
do Direito Positivo, bem como uma forte fonte de confirmação de que não se pode falar em
discriminações entre os seres humanos, posto que todos, sem distinção, têm a mesma
natureza.
Para os defensores dessa tese:
O Direito Natural tornou-se elemento imprescindível a toda especulação sobre o
Direito. Tem sido assim desde as origens mais remotas da Filosófica do Direito, e
não há indício de nenhuma mudança para o futuro. A não ser que o homem perca
sua identidade. (VASCONCELOS, 1998, p. 31).
2ª Tese – ‘O Direito Natural de fundamentação teológica não é todo o jusnaturalismo,
nem sua origem o inferioriza diante das suas outras versões, nem diante da Teoria da Ciência.’
Alguns autores pretendem negar o Direito Natural, pois o consideram completamente
anticientífico, chegando a fazer afirmações peremptórias de que Deus, autor ou inspirador do
Direito Natural, não existe absolutamente. Parece que a intenção desses autores foi, justamente numa época em que a ciência contava com ótimo prestígio, enquanto a religião
caminhava para um completo desprezo -, reduzir o Direito Natural a uma fundamentação
teleológica a fim de conseguir melhor o atingir e desprestigiá-lo.
Ressalte-se, entretanto, que a versão teleológica do Direito Natural é apenas uma das
várias existentes, posto tratar-se de um tema fértil, com uma doutrina bastante variada sobre o
tema, e não seria uma limitação do Direito Natural ao aspecto teleológico que iria colocá-lo
em desprestígio. Ademais, nada é ciência, mas tudo pode ser analisado por esse prisma:
A ciência não é algo substancial, mas sim processual e metodológico. Em outras
palavras: nada é ciência, porém tudo pode ser apreciado e formulado em termos
tanto científicos, como filosóficos ou metafísicos. Assim também o problema de
Deus e do Direito Natural. (VASCONCELOS, 1998, p. 36).
3ª Tese – ‘O sistema de Direito Positivo não afasta o Direito Natural, dada a
insuficiência daquele.’
Os positivistas acreditavam que devido ao seu alto grau de cientificidade, bem como por
estar esta numa época de muito prestígio, podiam fazer tudo, e tudo o que fizessem seriam
27
verdades definitivas, pelo que instituíram verdadeiros dogmas jurídicos, e o primeiro dogma
que proclamaram foi o da auto-suficiência do Direito Positivo:
A chamada Dogmática Jurídica pretende ser uma espécie de ciência do Direito de
cunho marcadamente hermenêutico. Seu objetivo principal é a aplicação contenciosa
do Direito. A esse nível, o primeiro dogma que proclama é o da auto-suficiência do
Direito Positivo, muitas vezes reduzido à lei. (VASCONCELOS, 1998, p. 29).
Ressalte-se, entretanto, que o sistema do Direito Positivo não pode afastar o Direito
Natural, posto que eles se completam, a mantença e inter-relação dos dois é imprescindível na
constituição de uma ordem jurídica pluralista e democrática, e não existe nenhum meio que
consiga desprezar a Metafísica em sua fundamentação. Arnaldo Vasconcelos, quando fala a
respeito da intenção dos positivistas em desprezar o Direito Natural, faz referência ao aqui
exposto:
Esqueceram, ou fizeram por esquecer, alguns posicionamentos teóricos
fundamentais, a seguir enumerados:
1 – Direito Natural e Direito Positivo são, é verdade, conceitos contrários, mas não
contraditórios. Há meios de compatibilizá-los;
2 – A existência múltipla das coisas, num mundo dinâmico e aberto, implica
coexistência inclusive dos sistemas jurídicos das instituições, das sociedades, das
associações, etc., imprescindível na constituição de uma ordem jurídica pluralista e
democrática;
3 – Não existe nenhum meio eficaz de fundamentação que prescinda da Metafísica.
Em primeiro lugar, caberia ao Direito Natural desempenhar esse papel.
(VASCONCELOS, 1998, p. 39-40).
Assim, não há como se desprezar a influência do Direito Natural sobre o Direito
Positivo. “Que mais são, a não ser transposições de princípios do Direito Natural, as normas
constitucionais sobre Direitos e Garantias individuais, sociais econômicas e sobre os
denominados recentemente Direitos Humanos ou Fundamentais?” (VASCONCELOS, 1998,
p. 40).
4ª Tese – ‘A dialetização de fatos e valores não constitui equívoco do jusnaturalismo,
mas, precisamente ao contrário, sua incomunicabilidade é a grande falha da teoria
sociológica.’
Max Weber e Hans Kelsen, cada um com suas teorias próprias, buscaram proclamar um
objeto de pureza, não só de método, mas do próprio objeto que investigaram. “O propósito de
uma Sociologia pura, em Weber, corresponde em Kelsen, ao projeto de um Direito puro.”
(VASCONCELOS, 1998, p. 41).
28
Com o fenômeno metodológico pretendido, eles entendiam que os fatos sociológicos ou
jurídicos estudados deveriam estar totalmente livres de quaisquer influências, de quaisquer
traços de impurezas que porventura viessem a desnaturá-los. O Direito Natural é, pois,
totalmente negado em nome da diferença entre fatos e valores. “O fato sociológico ou
jurídico, que procuravam, haveria de estar de todo despido de quaisquer traços de impureza,
que o desnaturasse. Deveria, portanto, ser original, transparente, puro.” (VASCONCELOS,
1998, p. 41).
O fetichismo do fato levou ao fenômeno da reificação, a saber, da degradação da
imagem do homem, tomado, para fins científicos, como sendo coisa, e não como
pessoa, na pluralidade de significados espirituais e éticos que se contém nessa
palavra. [...] Verifica-se pela força da ideologia do Positivismo cientificista, que
pretende, por toda parte e em detrimento dos títulos de dignidade do homem, instalar
a ditadura da ciência. Tudo em favor da pureza, o novo nome da excelência
científica. [...]. (VASCONCELOS, 1998, p. 41).
Querer negar a comunicabilidade entre fato e valor é um grande equívoco. Não se pode
ter o fato do Direito como sendo puro, posto que ele é em sua essência impuro.
O fato do Direito é, por definição, impuro, pois até chegar a ser jurídico, ele já
passou por três qualificações: humano, social e, por exemplo, econômico. O fato
existe para abrigar um valor, e o valor, para qualificar existencialmente um fato,
fazendo daí nascer um novo ser. Assim: o valor juridicidade, ao incidir sobre um
fato econômico, torna-o um novo fato, um fato jurídico. (VASCONCELOS, 1998, p.
42).
O Direito Natural, ao contrário da intenção das teorias acima mencionadas, já
reconhecia a importante comunicação entre fato e valor. “Ora, o Direito Natural,
precisamente, antecipou-se no reconhecimento da dialeticidade intrínseca existente entre fato
e valor, cujo sentido está expresso na afirmação de que o Direito é um dever ser para ser
justo”. (VASCONCELOS, 1998, p. 42).
5ª Tese – ‘As idéias de progresso e de Direito Natural não são incompatíveis. ’
Alguns doutrinadores acreditam que o Direito Natural é muito limitado para
acompanhar o progresso social que se dá naturalmente com o passar do tempo, e que ele,
portanto, não encontraria abrigo na História do Direito.
O progresso social traz por vezes a necessidade de que sejam atualizadas as normas
reguladoras das relações, sendo estas do Direito Positivo. É evidente que não se admite
alterações infundadas e impertinente, pois provocaria um caos na ordem e segurança das
relações sociais. No entanto, indiscutível é a necessidade de adequação das normas aos fatos e
29
aos valores nascidos com o progresso social, sempre em busca da mantença da justiça e da
paz.
É, pois, do Direito Positivo, a obrigação de fazer as necessárias adequações, mas não se
pode deixar de olvidar que dessas alterações não podem advir ofensas aos princípios do
Direito Natural, pelo que denota-se a importância deste na História do Direito.
É ao Direito positivo, portanto, que compete disponibilizar os meios legislativos ou
judiciais para sua constante compatibilização com o ritmo do progresso social. Ao
Direito Natural, tornado-lhe os princípios disponíveis, cabe fornecer-lhe as diretrizes
desse ajuste. O que envelhece e se desatualiza são as normas do Direito Positivo, e
não os princípios do Direito Natural, os quais, por seu descompromisso com os fatos
concretos da história, não contam tempo, nem perecem. (VASCONCELOS, 1998, p.
44).
6ª Tese – ‘Pretender afastar o Direito Natural, alegando sua indisponibilidade para
aplicação judicial, constitui equívoco primário.’
A existência do Direito Natural pressupõe a do Direito Positivo, não podendo um
pretender eliminar o outro, posto que os dois são espécies do mesmo gênero.
Os
doutrinadores
que
pretendem
afastar
o
Direito
Natural
alegando
sua
indisponibilidade para aplicação judicial não estão revestidos de fundamento, posto que o
próprio ordenamento jurídico brasileiro autoriza expressamente o juiz a aplicar o Direito
Natural. Isso ocorre quando dispõe que, se a lei for omissa, o juiz deverá julgar o caso
tomando-se por base a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, sem que deste
faça distinção se Direito Positivo ou se Direito Natural, pelo que se entende o termo “direito”
como genérico, compreendendo, pois, as duas espécies, Direito Natural e Direito Positivo.
Ocorre que o próprio ordenamento jurídico brasileiro, no que se equipara aos
congêneres ocidentais, autoriza expressamente o juiz a aplicar Direito Natural. Está
no texto que deveria chamar-se, no dizer de Haroldo Valladão, “Lei Geral de
Aplicação das Normas Jurídicas”, tal sua abrangência e superioridade sobre a
produção legislativa ordinária. Trata-se da Lei de Introdução ao Código Civil. Seu
artigo 4º dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (VASCONCELOS, 1998, p.
49).
Ora, “o conceito de ‘Direito’, que aí aparece, é genérico, pelo que compreende, lógica e
necessariamente, as espécies Direito Natural e Direito Positivo. [...] Portanto, não se pode
dizer que são apenas princípios de Direito Natural, nem somente princípios de Direito
Positivo. [...]” (VASCONCELOS,1998, p. 49).
30
7ª Tese – ‘A incomunicabilidade entre ser e dever-ser, fundamento da chamada objeção
de princípio ao Direito Natural, constitui teoria de aceitação restrita aos círculos Kantianos,
porém há muito ultrapassada.’
Nas bases das teorias do Direito Natural, desde a Grécia clássica até meados do século
XVIII, encontrava-se a comunicabilidade entre o ser e o dever-ser, pelo que poder-se-ia
entender que o Direito Natural traçava o desenho do Direito Positivo.
David Hume, posteriormente apoiado por Kant, criou uma objeção a essa
comunicabilidade entre o ser e o dever ser, - fulminando, pois, o Direito Natural como
princípio e modelo do Direito Positivo -, posto que entendiam que entre ser e dever-ser havia
uma distinção radical, e que jamais poderiam se comunicar, pelo que o ser não poderia derivar
do dever-ser. No entanto, essa objeção já esta de há muito ultrapassada.
8ª Tese – ‘O Direito Natural é imprescindível como modelo do Direito Positivo’
Para os defensores dessa tese não há que se falar em Direito Positivo sem se falar em
Direito Natural, pois esse é uma espécie de modelo para a elaboração daquele, onde, ainda
que haja necessidade de adequação das normas positivas ante as mudanças sociais, a justiça
não restará prejudicada, pois as alterações terão como modelo os princípios e diretrizes do
Direito Natural. “A doutrina pura do direito, o direito natural, ou melhor, o direito moral,
encontra-se ao contrário, mas sempre ele mesmo, na base de toda legislação jurídica,
exatamente como a matemática pura está na base das matemáticas aplicadas.”
(VASCONCELOS, 1998, p. 57).
“[...] o Direito Positivo é tanto mais justo, quanto mais suas normas se aproximam dos
princípios do Direito Natural.” (VASCONCELOS, 1998, p. 56).
Diante de todas essas teses defensoras do Direito Natural, parece interessante que no
próximo tópico continue-se a ressaltar alguns pontos de defesas contidos nas mesmas que
servirão para fortificar o posicionamento de que o Direito Natural tem absoluta relação com a
Mediação, sendo, inclusive, uma ponte bastante eficaz para que as partes conflitantes
alcancem um entendimento satisfatório, já que, mesmo que não sejam exímios conhecedores
do Direito Positivo, possuem dentro de si, já que é nato de todo ser humano, os princípios
básicos de justiça e moral, princípios esses capazes de fazer com que as partes, se os
31
observarem, cheguem a uma solução justa, pacífica e eficaz para os conflitos reais a que se
encontram envolvidos.
1.3 A relação humana sob o prisma do Direito Natural e o enfoque da
Igreja Católica
Para que a sociedade humana esteja bem constituída, fecunda, deve-se buscar
salvaguardar as instituições sociais, e deve haver, portanto, um especial empenho de cada ser
humano em função do bem comum.
É evidente que não há como manter uma boa relação entre os seres humanos sem que
existam normas regulamentadoras das relações dotadas de “autoridade”.
Mas o que vem a ser “autoridade”?
Segundo o disposto no livro Catecismo da Igreja Católica (1897, p. 505): “Chama-se
‘autoridade’ a qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições fazem leis e dão ordens a
homens, e esperam obediência da parte deles.”
Pela definição retro, verifica-se, evidentemente, que só há sentido em se falar de
autoridade de normas regulamentadoras de relações quando se refere a natureza humana.
“Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode gloriar-se de ter sido digno de receber de
Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e discernimento, regulará sua
conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe confiou.”
(CATECISMO..., 1951, p. 516).
Importante lembrar que o papel das normas que servem para regular as relações entre as
pessoas deve sempre buscar evidenciar o bem comum da sociedade, e não as vantagens
individuais.
As normas nascidas dessa autoridade não podem ser consideradas escritos vazios, pois
devem, a bem de toda a sociedade, ser obedecidas por todo ser humano.
Desde há muitos séculos já existiram uma infinidade de leis, normas, que buscaram
regular as relações humanas, tendo vindo as mesmas sofrendo adaptações e ampliações no
decorrer dos anos em face da necessidade de enquadrá-las dentro do contexto
histórico/cultural e social de cada época.
32
Para que as normas sejam eficazes e de fato sejam consideradas justas devem ter sido
geradas levando-se em consideração, evidentemente, os valores morais, a justiça natural,
preceitos do Direito Natural, pois, sem eles, poder-se-ia estar diante de leis mal-intencionadas,
direcionadas para o favorecimento de apenas uma classe social, ou até mesmo para o
benefício de um indivíduo isolado, o que é inadmissível, pois, conforme mencionado alhures,
as normas devem ser criadas para regular a relação entre os homens, mas sem deixar nunca de
se observar o aspecto social, sendo este infinitamente mais relevante do que o aspecto
individual.
Conforme está disposto na Bíblia Sagrada, Rm (13,1-2), a autoridade exigida pela
ordem moral emana de Deus:
Todo homem se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não
venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele
que se revolta contra a autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que
se opõem atrairão sobre si a condenação.
Não se pode afirmar que a autoridade por si só é detentora de legitimidade moral, posto
que a mesma deve antes de qualquer coisa comportar-se de forma a atingir o bem comum
através de uma força moral fundada na liberdade e no senso de responsabilidade. Como diz
Santo Tomás de Aquino:
A legislação humana não goza do caráter de lei senão na medida em que se
conforma à justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na
medida em que ela se afastasse da razão, seria necessário declará-la injusta, pois não
realizaria a noção de lei; seria antes uma forma de violência. (CATECISMO...,
1902, p 506).
Percebe-se, portanto, que a autoridade de uma lei, de uma norma, só será reconhecida se
na essência dela for percebido o bem comum de todo um grupo e se, para atingi-lo, tiverem
sido empregados todos os meios moralmente lícitos.
É evidente que pode acontecer de serem promulgadas leis injustas, mas, nesse caso, a
própria autoridade deixa de existir, e restará deflagrado o “abuso do poder”.
As leis são, indiscutivelmente, soberanas, mas se elaboradas levando-se em conta a
vontade arbitrária dos homens serão fulminadas de morte, pois, toda e qualquer norma que
tenha sido gerada com tão grave mácula não há de resistir a pura e simples necessidade da
observância dos valores morais, pois esta é a única forma de legitimar as leis
regulamentadoras das relações sociais.
33
Não há, portanto, como se pretender eliminar ou desprezar a importância da lei natural,
pois é ela que fornece os fundamentos sobre os quais a lei positiva deve ser elaborada,
editada, respeitada e seguida.
Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os
quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas
opções. Ela assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da
comunidade dos homens. Proporciona, enfim a base necessária à lei civil que se
relaciona com ela, seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios,
seja por adições de natureza positiva e jurídica. (CATECISMO..., 1959, p. 518).
A própria condição humana oferece o entendimento de que ninguém pode viver isolado,
pois cada pessoa é um elemento essencial na formação de uma sociedade. Em sendo um ser
social, cabe ao ser humano buscar obedecer e seguir a uma lei “divina e natural”, onde por ela
é mostrado ao homem o caminho a seguir para praticar somente o bem a toda a sociedade,
buscando ter sempre um respeito pela verdade, fugindo da mentira, pois somente assim serão
nutrida boas relações humanas.
O compendio já em muitas partes tem demonstrado, que para o homem ser perfeito é
necessário existir em convivência com seus semelhantes, que a sociedade natural é
necessária para a nossa conservação, e para o nosso bem ser: ora se o dom da
palavra nos foi dado pela Natureza Naturante para formarmos a mesma sociedade, e
para termos os meios de pôr-nos em contacto com o nosso próximo, é evidente, que
elle nos foi dado em geral para nos conservarmos, e aperfeiçoarmos. Como, porém
as Leis da natureza não são relativas só ao homem, mas também aos seus
semelhantes, segue-se, que o dom da palavra também nos foi dado para
conservarmos, e aperfeiçoarmos os nossos semelhantes, nem o contrário se póde
estabelecer, pois, se se estabelecêsse, destruir-se-hia a sociedade natural. D’estes
princípios tira-se a seguinte necessária conseqüencia, que nós devemos ter um
respeito sagrado pela Verdade, a fim de não violarmos a mente da Natureza
Naturante, e o fim para que nos foi dada a mesma palavra. O homem faltando á
verdade viola as Leis da natureza em relação a si próprio: a Natureza Naturante fez
todos os homens iguais, ella fez todos livres : o mentiroso é sempre guiado ou pelo
medo, ou pela vaidade (BROTERO, 1829 p. 415-416) ‘[...] com muita razão dizia
Aristóteles – a recompensa do mentiroso é jamais sêr acreditado, ainda mesmo
quando fala a verdade’. (BROTERO, 1829, p. 416).
Nesse sentido imprescindível que se destaque, na íntegra, uma outra colocação
importante encontrada no livro “Catecismo da Igreja Católica”, (1955 e 1956, p. 517)
A lei “divina e natural” mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e
atingir seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a
vida moral. Tem como esteio a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo
bem, assim como sentir o outro como igual a si mesmo. Está exposta, em seus
principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é denominada natural não em referência à
natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que a promulga pertence, como
algo próprio, à natureza humana:
Onde é, então, que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se
chama a verdade? Aí está escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do
homem que cumpre a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando aí a sua
34
marca, à maneira de um sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o
anel.
A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus.
Por ela, conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei,
deu-a Deus à criação.
Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é
universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela
exprime a dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres
fundamentais:
Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza,
difundida em todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao
dever; suas proibições afastam do pecado. [...] É um sacrilégio substituí-la por uma
lei contrária; é proibido não aplicar uma de suas disposições; quanto a ab-rogá-la
inteiramente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo.
A sociedade é composta por pessoas comprometidas com o bem comum e por outras
cujo referido compromisso fora totalmente descartado, posto que buscam antes o seu próprio
bem-estar, a sua boa situação, sem importar-se com o que está acontecendo com o seu
semelhante. Os seres humanos que só pensam em si não observam as leis que lhe são
impostas, muito menos se preocupam com o aspecto moral ou não da lei.
O quadro da sociedade atualmente demonstra que ela não consegue mais manter uma
relação harmônica, de paz, de amor, de respeito mútuo, onde a dignidade da pessoa humana é
respeitada, mas antes pelo contrário, há um ambiente hostil, capaz de distribuir medo,
desconfiança, violência, dentre outros fatores negativos que a cada dia que passa tem atingido
cada vez mais o bem comum.
Os fatores que têm levado a sociedade a essa situação são diversos, não se podendo
atribuir a esse ou aquele tipo de problema, e ninguém pode eximir-se da sua co-participação
com toda essa situação, pois alguns fatores começam dentro das próprias residências, sendo
um deles a falta de diálogo entre seus membros, a falta de condição de apreciar e trabalhar
seus próprios conflitos, preferindo alimentar rancores, mágoas, que não levam nenhum ser
humano a lugar algum, mas antes pelo contrário.
A sociedade está despreparada. O quadro de exclusão social é muito evidente, onde,
alguns não se manifestam por estarem sendo de alguma forma, quer direta ou indiretamente,
beneficiados pela situação, outros porquê pensam não serem capazes de ir em busca de uma
melhoria de qualidade de vida para todos, outros porquê não têm nenhuma consciência
política, econômica, social, sendo este despreparo fruto já de uma estrutura inadequada e
proposital de uma educação precária e medíocre que é dada com o fulcro de justamente
manter o povo apático aos mais aviltantes erros e agressões aos direitos sociais .
35
Os cidadãos devem buscar tornar-se parte ativa na vida pública, mas para isso é
necessário que cada um sinta-se um pouco responsável por tudo o que está acontecendo, e que
ele saiba que a sua participação pode ser de uma valia imensurável. “A participação se realiza,
antes de tudo, assumindo os setores pelos quais se tem a responsabilidade pessoal, pelo
cuidado na educação da prole, por um trabalho consciencioso, o homem participa no bem dos
outros e da sociedade”. (CATECISMO..., 1914, p. 509).
A mediação de conflito é um trabalho que deve ser feito de forma conscienciosa. Ela é,
portanto, capaz de ser um instrumento bastante valioso no sentido de fazer com que o cidadão
sinta-se capaz de ir a busca de seus direitos de forma pacífica, inteligente, equilibrada. Assim,
a mediação é um importante fator de inclusão social e, conseqüentemente, é um caminho para
que cada vez mais se alcance uma melhoria nas relações sociais.
Quando se fala na melhoria das relações sociais, é evidente que se pretende referir-se a
todos os tipos de relações, desde as relações familiares, até as mais complexas, tais como:
relações de trabalho, de comunidade, de estudo, de âmbito político, enfim, dos mais diversos
níveis de relações.
O ideal para todo e qualquer tipo de relação seria que cada pessoa buscasse, em
primeiro lugar, respeitar a outra pessoa como tal; em segundo lugar, deixar que aflorasse
dentro si o entendimento daquilo que é certo ou errado, bem como deixar que seu senso de
justiça tome corpo, - senso este que, no mais puro entendimento do Direito Natural, já existe
dentro de cada ser humano, mas que pouco uso fazem, posto que na maioria das vezes se
deixam dominar pela auto-suficiência, pelo egoísmo, pelo individualismo, pela ira, pela
inveja, pelo desejo de vingança, pela má conduta, enfim, pelos mais diversos meios negativos
de comportamento que findam por prejudicar as mais diversas formas de relações humanas.
“O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: ‘Que cada um
respeite o próximo, sem exceção, como ‘outro eu’, levando em consideração antes de tudo sua
vida e os meios necessários para mantê-la dignamente.’ (CATECISMO..., (1931, p. 511).
Falta ao cidadão buscar conscientizar-se de que dentro de si, pela própria essência do
Direito Natural, já há esse entendimento nato daquilo que é ou não moralmente justo, e um
trabalho de saber controlar-se diante dos mais variados problemas da vida, buscando sempre
que estiver diante de algum conflito manter o equilíbrio tão necessário para que, pelo diálogo,
se alcance uma solução satisfatória para todos os envolvidos.
36
Em algumas situações, dependendo do ponto de vista a que se estejam sendo analisados
os fatos, pode haver mais de uma vertente, que, se trabalhadas com um grau de
amadurecimento, pelo estímulo de um bom diálogo entre as partes envolvidas, ao certo
chegar-se-á a um entendimento razoável e proveitoso para todos. Nesse ponto a mediação de
conflitos, bem utilizada, é uma importante ferramenta para que se alcance a paz social.
Conforme mencionado alhures, todos os valores morais são natos ao ser humano, ou
seja, já nascem com ele, por isso não há como se negar a importância do Direito Natural.
Essa afirmação se faz ainda mais cristalina quando se vislumbra que mesmo um ser humano
completamente sem civilização, uma criança, se questionado acerca do que é ou não justo ou
moralmente correto, ainda que nunca tenha visto nenhuma norma positivada, é capaz de
identificar com clareza.
As leis da Natureza são dictadas pelo Supremo Creador, que é sábio, e infinitamente
bom por essência, as Leis da natureza são universaes, e necessárias para a
conservação do homem; os homens não obstante nascerem com aptidão de razão, não
nascem entretanto com razão culta, e por isso se as Leis do Creador fossem
complicadas, e não podessem ser descobertas senão por meio de um juízo recto, então
seguir-se-hia, que ellas não erão nascidas de um poder infinitamente bom e sábio, o
que era um absurdo; logo as Leis da natureza são simples, isto e, pódem ser
conhecidas por toda especie humana. O Creador é um poder infinito, e por isso podia
prescrever aos homens as Leis, que bem quizesse, ainda que fossem injustas e duras,
mas elle é um ente infinitamente sabio, e bom, e por isso elle só estabeleceo Leis
fundadas sobre a justiça, que existe na natureza das cousas anteriores a algum preceito
positivo, e as Leis eternas e immutaveis do bem e do mal, ás quaes a mesma Natureza
Naturante se conformou antes de crear a mesma natureza naturata. ‘Os princípios de
Justiça Universal são – viver honestamente, não offender a ninguém, dar a cada um o
que é seo’ (BROTERO,1829, p. 71-72).
Mas então se pergunta: - Por que é necessária a positivação das normas?
A necessidade da positivação das normas se dá não porque o ser humano não saiba o
que é ou não justo, pois, como já restou ressaltado, esse entendimento é nato de todo ser
humano, mas sim porque, em sendo o homem um ser livre, inteligente, mas também
possuidor de uma série de características negativas, se fez necessário positivar as normas, a
fim de que as mesmas pudessem ser cobradas pela sociedade na tentativa de se buscar uma
boa relação social., evitando-se, ou pelo menos tentando-se evitar, que um ser humano busque
se sobrepor ao outro por ser detentor de mais sagacidade.
A positivação das normas não teve, em absoluto, o condão de desprezar o Direito
Natural ou torná-lo obsoleto, mas antes pelo contrário. Não há como se desprezar o Direito
Natural e a sua importante participação nas relações sociais, não só por ter servido de base
37
sólida para a positivação das normas, mas também como norte eterno capaz de, mesmo diante
das mais diversas mudanças históricas, sociais, alteração de valores, fazer com que seja
mantida a legitimidade moral das novas normas positivadas. Ademais, o Estado de direito
supõe necessariamente o direito natural.
[...] O Estado de direito supõe necessariamente o direito natural. A subordinação do
Estado à ordem jurídica – isto é, do governo, de seus agentes imediatos, da
administração pública, do corpo legislativo, da magistratura, da milícia – essa
subordinação só será verdadeiramente eficaz mediante uma condição indispensável:
que se reconheça um critério objetivo de justiça, transcendente em relação ao direito
positivo e do qual este depende. (PRIMEIRAS..., 1980, p. 12).
A aplicação da lei positiva varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à
multiplicidade das condições de vida, conforme os lugares, as épocas e as
circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como
uma regra que liga entre si os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis
diferenças, princípios comuns. (CATECISMO..., 1957, p. 517-51).
A lei natural é imutável e permanente através das variações da história; ela subsiste
sob o fluxo das idéias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As
regras que alguém negue até os seus princípios, não é possível destruí-la nem
arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a ressurgir na vida dos indivíduos e
das sociedades. (CATECISMO..., 1958, p. 518).
Aliás:
Nenhuma lei seria capaz, por si só, de fazer desaparecer os temores, os preconceitos,
as atitudes de orgulho e egoísmo que constituem obstáculos para o estabelecimento
de sociedades verdadeiramente fraternas. Esses comportamentos só podem cessar
com a caridade, que vê em cada homem um ‘próximo’, um irmão. (CATECISMO...,
1931, p. 511).
Por tudo o quanto acima exposto, não é conveniente que se refute os preceitos e os
princípios do Direito Natural.
“Não deve procurar o homem libertar-se desse vinculo que, creatura, o subordina á lei
do Creador. Seria abdicar das prerrogativas de sua natureza, desistir dos privilégios que lhe
foram conferidos, seria preferir a sua diminuição.” (OLIVEIRA FILHO, 1933, p. 102).
1.4 O Direito Natural como fonte rica para a solução dos conflitos pela
Mediação
Como visto não é razoável que o homem queira abdicar das prerrogativas de sua própria
natureza, refutando o Direito Natural, tentando libertar-se das leis morais natas implantas pelo
Criador, desprezando o senso de justiça que é peculiar ao ser humano.
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A mantença dessas características se faz ainda mais necessária diante de institutos como
o da Mediação de Conflitos, posto que aquelas são ferramentas eficazes para a participação
nesta, já que a mediação é uma forma de solução de conflito em que o acordo final nasce a
partir de um entendimento amigável, maduro, - independentemente de conhecimento das leis
positivadas - , advindo das próprias partes, ou seja, dos mediados, tendo estes apenas tido um
auxílio do mediador no que tange a facilitação do diálogo. Os mediados, por força do diálogo,
conseguem, racionalmente, alcançar um acordo que ponha fim às suas divergências; e o
melhor, sendo capazes de manter a mesma relação existente antes do conflito depois de terem
alcançado a paz com o auxílio da mediação.
Verifica-se, assim, que para que uma mediação seja frutífera não se falou na aplicação
fria da norma positiva, mas antes pelo contrário, falou-se em diálogo, em técnicas de
comunicação, em coração aberto, libertação de mágoas, rancores e de desejos de vingança,
enfim, se faz imprescindível que os mediados estejam abertos ao diálogo, ainda que sequer
saibam ler e escrever, ainda que não saibam o que dizem as leis, mas sim façam com que o
seu senso interior de justiça e paz sejam aflorados, ou seja, façam com que os valores morais
natos em cada cidadão, fruto da própria criação Divina, defendido pelo Direito Natural, tome
conta da sessão de mediação.
Percebe-se, portanto, que o Direito Natural deve ser visto como fonte rica para a
solução de conflitos pela mediação.
“A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiados pelo
Criador. Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente
responsáveis e obrigados a esse dever”. (CATECISMO..., 1929, p. 511).
O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de
sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem.
São eles que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou
recusando-se a reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria
legitimidade moral. Sem esse respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou
na violência para obter a obediência de seus súditos. (CATECISMO..., 1930, p.
511).
Só pode-se falar em Direito Natural quando se fala do ser humano, pois somente ele é
marcado com esse sinal inequívoco de humanidade. Portanto, querer desprezar a existência e
valor do Direito Natural é mesmo um grande erro, pois estar-se-ia desvalorizando uma
característica peculiar e importante que diferencia o homem de todos os outros animais e que
o eleva a um ser espiritual. Nesse sentido:
39
A idéia do Direito Natural, no homem, constitui sinal inequívoco de sua
humanidade, a marca identificadora do saber a priori que só ele possui. Tal atributo
o eleva à dignidade de ser espiritual. Negá-lo, mais do que simples erro, é
inconsciência de suas aptidões e potencialidades, ignorância de sua vocação criadora
e transformadora, temor de mobilizar sua capacidade de superação e ultrapassagem.
Antes de repudiar o Direito Natural, abjuram-se os valores formativos da
intelectualidade humana. Afasta a idéia, em favor da simples imagem, instala-se a
aridez mental, fonte da desolação e do pessimismo. (VASCONCELOS, 1998, p. 29).
Uma importante contribuição do Direito Natural foi dar conformação aos Direitos e
Garantias fundamentais do homem, objetivando preservar sua dignidade. Além disso, o
Direito Natural, por sua natureza divina e, portanto, capaz de atingir a toda a humanidade,
independente de raça, sexo, religião, idade, foi e continua sendo um modelador das normas
positivadas, enfim, do Direito Positivo. “Obra humana, projeção de sua natureza, o Direito
Natural tornou-se elemento imprescindível a toda especulação sobre o Direito. Tem sido
assim desde as origens mais remotas da Filosofia do Direito, e não há indício de nenhuma
mudança para o futuro. A não ser que o homem perca sua identidade.” (VASCONCELOS,
1998, p. 31).
A Natureza Naturante, sendo infinitamente boa, e justa, formou o entendimento
humano de tal maneira que ficou perfeitamente igual em todos os homens, igual no
estado de imperfeição, igual no seo estado de aptidão á ser perfeito; e tendo dado
vontade e liberdade aos homens, lhes deo igualdade no conhecimento ou poder de
execução da virtude, ou em outras palavras a Natureza Naturale promulgou
perfeitamente as leis da natureza entre todos os homens, sem a menor excepção.
(BROTERO, 1829, p. 76).
Não se pode olvidar que o Direito Positivo é um norte importante que busca manter, da
forma mais estável possível, as relações entre as pessoas de uma sociedade, tendo como foco
a ordem e segurança nas mesmas. No entanto, não há como deixar de reconhecer que com o
passar do tempo as normas positivas vão se tornando obsoletas, ultrapassadas, devido ao
dinamismo que envolve as relações, sendo este um processo histórico natural. Assim, se faz
imprescindível que haja uma atualização constante das regras, onde haverá a incorporação dos
fatos e dos valores recentes nascidos em decorrência do próprio progresso da sociedade, mas
sempre obedecendo aos objetivos principais da convivência humana, quais seja, de justiça e
paz.
Assim, as leis positivas devem inspirar-se no bem commum, conformando-se,
embora remotamente aos princípios do direito natural, que têm por base a noção de
justiça. Mas o direito não deverá ser uma construção ideologica, fundada, apenas,
em meros princípios de razão. Não poderá ser um para todos os povos, nem as suas
regras positivas poderão permanecer immutaveis, como princípios de razão. Hão de
variar, acompanhando as transformações sociaes, as quaes o direio terá que adaptarse. (OLIVEIRA FILHO, 1933, p. 77).
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É ao Direito positivo, portanto, que compete disponibilizar os meios legislativos ou
judiciais para sua constante compatibilização com o ritmo do progresso social. Ao
Direito Natural, tornado-lhe os princípios disponíveis, cabe fornecer-lhe as diretrizes
desse ajuste. O que envelhece e se desatualiza são as normas do Direito Positivo, e
não os princípios do Direito Natural, os quais, por seu descompromisso com os fatos
concretos da história, não contam tempo, nem perecem. (VASCONCELOS, 1998, p.
44)
“[...] os princípios do direito natural são de ordem transcendental, o que significa que,
por sua natureza, não estão sujeitos a condições de tempo ou lugar.” (OLIVEIRA FILHO,
1933, p. 54).
Vem de longe, na tradição dos povos, nos ensinamentos da história e na doutrina dos
pensadores, a afirmação reiterada, a crença inequívoca na existência de um direito
natural, de uma lei não escripta, revelada pela razão, impondo-se á consciência, lei
suprema, superior ás leis humanas, a cujo império a ninguém é dado furtar-se, lei
justa e indefectível, inscripta por Deus no coração dos homens, pairando soberana
por sobre os arbítrios do poder, sobre o desvario das aberrações e as violências da
força. (OLIVEIRA FILHO, 1933, p. 11).
Destaque-se, na oportunidade, que o Direito Natural ganhou uma conotação marcante
com o advento do cristianismo.
A supremacia do direito natural sobre o direito positivo devia tornar-se muito mais
clara com o advento do cristianismo, mediante o qual a lei natural – que orienta a
conduta das pessoas neste mundo – deveria inserir-se em uma concepção teológica e
hierárquica do universo. A lei natural passa a ser – direta ou indiretamente – a lei de
Deus [...]. (BOBBIO, 1997, p.37).
A partir dessa colocação de Norberto Bobbio (1997), verifica-se que é possível fazer-se
uma ligação entre o Direito Natural e o Cristianismo, bem como é possível extrair do
Cristianismo uma importante fonte para a Mediação de Conflitos.
2 O CRISTIANISMO E A ABORDAGEM CRISTÃ NA
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os
homens : Jesus Cristo, homem que se entregou como resgate
por todos. Tal é o fato, atestado em seu tempo; e deste fato –
digo a verdade, não minto – fui constituído pregador, apóstolo
e doutor dos gentios, na fé e na verdade.
Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando
as mãos puras, superando todo ódio e ressentimento.” (I
Timóteo, 2,5-8) (Grifos nossos)
2.1O Cristianismo
O conceito de Direito Natural, com fulcro nas abstrações metafísicas, foi posto de
lado no pensamento moderno, ocasionando a falta de sua fundamentação real. Daí o
empenho dos jusfilósofos-cristãos de hoje, retomando as tradições da cultura grecoromano-cristã, objetivando deixar de lado o homo faber, o homo sapiens, mas se
voltando para o homo humanus et religiosus, nas suas relações com os seus
semelhantes e com a sociedade, à altura dos seus conhecimentos técnicos e
científicos e voltando as suas raízes para a realidade primordial , afastada as
ideologias que o esmagam e o enchem de angústia procurando sustentar a
imutabilidade dos seus direitos, unindo a dicotomia da pseudo-estrutura jurídica
moderna, baseada na normatividade proveniente de dois legisladores diferentes :
divino, na ordem moral; humano, na jurídica, da mesma sorte que se cuidou de
separar o ser do dever-ser. (GUIMARÃES, 1991, p. 1,2).
Que o Universo teve princípio, que foi creado, que foi, e é regido por Deos, e que o
mesmo Deos existe eternamente, é uma verdade, ou uma thése, estabelecida entre
todos os povos e nações não obstante ter sido muito combatida, e ter havido alguns
sabios talentos, e engenhos raros, os quaes mostrando-se ingratos á Natureza
Naturante, e aplicando suas faculdades para um fim contrário ao fim, para que ellas
forão concedidas, tem mais por capricho, e por vaidade, do que por convicção,
combatida esta mesma proposição, e tem tido a louca lembrança de negar a
existência de Deos, Sêr Supremo. (BROTERO, 1829, p. 7-9).
Na plenitude dos tempos, opera-se a encarnação do Filho de Deus; Cristo vem ao
mundo produzindo-se o acontecimento de maior valor transcendetal da história
universal. Nenhum fato foi tão significativo para a evolução das idéias como o
aparecimento do cristianismo. Tal evento produziu impacto inevitável no modo de
pensar e de agir dos homens, e, conseqüentemente, em toda a cultura humana,
influindo na arte, na filosófica, na política, na literatura e também no Direito.
(GUIMARÃES, 1991, p. 30).
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Inegável é que a religião cristã produziu forte impacto no ordenamento jurídico
romano, transformando-o, mormente no tocante à concepção do homem, elevado
que foi a uma dignidade superior à do cosmo, fruto da imagem divina que encarna e,
em conseqüência, da relação filial que une a Deus, outorgando-lhe a condição de
pessoa, com profundas repercussões na esfera política e jurídica, daí surgindo o
amor fraterno universal, com uma crença plena de caridade. (GUIMARÃES, 1991,
p. 31).
Os historiados indicam que a primeira referência á lei natural no pensamento cristão foi
dada por São Paulo, na Epístola aos Romanos, 2,14-15:
Os pagãos, que não têm a lei, fazendo naturalmente as coisas que são da lei, embora
não tenham a lei, a si mesmos servem de lei; eles mostram que o objeto da lei está
gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua consciência, bem como os
seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente.
São Paulo acredita na existência de uma lei natural, derivada da natureza, de uma lei
moral natural que supre a falta de conhecimento de leis escritas. “Crê, pois, o Apóstolo das
Gentes em uma lei natural, derivada da natureza de uma lei moral natural, suprindo nos
gentios a falta de conhecimento da lei mosaica compendiada no Decálogo, mas ínsita em seus
corações”. (GUIMARÃES, 1991, p. 32).
As passagens Bíblicas são ricas no sentido de trazer a baila a importância que teve a
vinda e as revelações de Jesus Cristo, e são elas que servirão de base para a pretensão do
presente trabalho, qual seja, de defender que dentro de cada ser humano há um entendimento
natural daquilo que é bom, certo, justo, e que se cada pessoa seguisse as revelações, os
ensinamentos de Jesus Cristo, constantes na palavra de Deus, e deixassem aflorar o que de
bom há dentro de si, ao certo conseguiriam viver melhor, respeitando mais os semelhantes,
envolveriam-se em menos conflitos, bem como seriam capazes de melhor conduzir os seus
próprios conflitos.
O homem foi creado pela Natureza Naturante, e com os fins de conservar-se, e
aperfeiçoar-se. Aperfeiçoar-se nada mais é do que conformar suas acções com a
recta razão, isto é, praticar a virtude, ora virtude perfeita não existe sem existir a
Revelação; logo o homem é obrigado a seguir a Religião revelada a fim de cumprir a
Lei Natural – aperfeiçoar-se.
O homem foi creado pela Natureza Naturante, e esta lhe gravou no coração a
seguinte lei natural – Tu deves indagar o bem, e alcançar o mesmo bem; deves
indagar o mal, e o fugir do mesmo mal – Bem absoluto, e real é só Deos; ora para
adorarmos a Deos e alcançarmos a vida eterna, ou o Summo Bem, é necessário
praticar certas acções, e o meio de praticá-las só se acha na Religião revelada; logo o
homem é obrigado a seguir a Religião revelada para cumprir a Lei Natural –
alcançar o bem. (BROTERO, 1829, p. 224-225)
43
2.2Abordagem cristã na mediação de conflitos
“Se vossa censura é filha da maledicência, e capricho, sois uns entes nullos no
Universo; se ella porém é filha do amor da verdade, então sois homens bem fazejos,
e imitaes ao Creador.” (J.M.A.B, 1828)
Na maioria dos trabalhos científicos percebe-se que há um grande receio de falar de
Deus, de Jesus Cristo, dos seus ensinamentos.
Grande parte dos cientistas o admira profundamente, mas a ciência nunca o estudou
nem conheceu os seus mais complexos pensamentos. Milhões de professores nutrem
grande respeito por ele, mas o mundo educacional não o conheceu seriamente nem
compreendeu os fundamentos de sua pedagogia e psicologia. Ele foi o mais
excelente mestre da emoção. Tudo o que foi escrito até agora sobre o treinamento da
emoção, ele viveu e praticou na plenitude e, surpreendentemente, levou pessoas sem
qualquer qualificação intelectual a praticá-lo. (CURY, 2007, p. 112)
O maior de todos os livros e o que contém um conteúdo amplo, sempre atual e com
ensinamentos ricos que ao certo ajudariam a todos a viverem melhor, a tentarem resolver seus
próprios conflitos, a buscarem viver em paz e em maior harmonia, - sendo esta exatamente o
que pretende a mediação de conflitos -, é a Bíblia, livro mais vendido no mundo.
Houve um homem cujas idéias não apenas influenciaram gerações, mas causaram a
maior revolução da história. O seu nascimento dividiu a história. Ele é o mais lido
do mundo, embora não tenha escrito nenhuma palavra. Ele é o mais estudado da
atualidade, embora seja o mais cercado de mistérios e o menos conhecido. Inúmeras
pessoas em todo o planeta se dividiram em milhares de religiões em torno do seu
nome, mas às portas da morte ele rogava aos seus íntimos amigos que amassem uns
aos outros em detrimento de suas diferenças. (CURY, 2007, p. 112) (grifos nossos).
A Bíblia obviamente nos aponta a direção correta. É a carta do amor de Deus para
nós, que permite que não tateemos no escuro, tentando descobrir o que ele requer de
nós. Sabemos o que Deus quer, porque ele mesmo escreveu. Os Dez Mandamentos
cobrem os aspectos morais positivos e negativos. Mais tarde, os ensinamentos de
Jesus delinearam o desejo do Pai para nós, enfocando o Grande Mandamento (que é
amá-lo e amar ao próximo) e a Grande Comissão (falar sobre a fé com outras
pessoas). A moralidade é escrita em letras grandes e com detalhes distintos na
Bíblica – coisa que devemos fazer ou não. (BERKLEY, 2001, p. 75).
Assim, ainda que desafiando as críticas dos que não crêem, - fato este perfeitamente
previsível já que na própria Bíblia há: “Lembrai-vos da palavra que vos disse: O servo não é
maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir. Se guardaram a
minha palavra, hão de guardar também a vossa.” (João, 15,20) -, opta-se aqui por trazer a
baila um capítulo específico sobre passagens Bíblicas que, indiscutivelmente, tem total
relação com a Mediação de Conflito. Ao certo está nesse tópico uma parte bastante rica, capaz
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de auxiliar principalmente nas mediações que envolvem discórdias familiares, desarmonia
entre vizinhos, mágoas, ressentimentos, enfim, nas desavenças em que o lado sentimental,
emocional das partes está envolvido de uma forma mais acentuada, e que a necessidade da
boa convivência entre as mesmas, apesar do conflito, é imprescindível.
A mediação de conflitos é um meio de solução de conflitos, - não a solução imposta por
terceiros, sem a participação direta e efetiva dos envolvidos, mas a solução nascida de dentro
das partes envolvidas no conflito, levando-se em consideração suas emoções, seus medos,
seus traumas, suas angústias, enfim, solução nascida não se levando em conta apenas o lado
racional, mas principalmente observando-se o emocional de cada um, sendo este respeitado
tanto quanto a lei o deve ser -, em busca da paz social, da boa relação entre as pessoas. A
Bíblia Sagrada é justamente a coletânea de vários livros que, conforme mencionado alhures,
não tem outro condão senão o de ensinar, pela luz do Espírito Santo, a humanidade a buscar
ser melhor, a perdoar e a viver, ainda nessa vida, a paz prometida por Jesus Cristo.
Em sendo passagens Bíblicas, portanto completas e perfeitas, não cabe sejam feitos
comentários pessoais, pelo que apenas serão transcritas na íntegra. Coube apenas o trabalho
de efetuar uma seleção direcionada das mesmas a fim de auxiliar na boa mediação em busca
da paz social.
Inicialmente, já cabe ressaltar que Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, não veio ao
mundo para abolir as leis. A mediação também não é uma forma de solução de conflito onde
se pretenda desprezar a lei. Não, antes pelo contrário, pretende-se aperfeiçoar a aplicação das
leis, tornando-as eficazes por atender as necessidades das partes envolvidas num conflito que
necessitam viver em harmonia. Muitas vezes, a aplicação da lei simplesmente imposta por
terceiro, sem que se leve em consideração o contexto emocional dos envolvidos, pode
provocar uma ruptura definitiva no relacionamento das partes, não sendo esta uma boa
situação para a paz individual e social.
Pela passagem Bíblica que ora se transcreve, pode-se perceber claramente que Jesus
Cristo, além de informar que não veio para abolir a lei, recomendou que as pessoas buscassem
se reconciliar antes de efetivamente buscar o julgamento por parte do juiz, deixando claro que
a conciliação entre os irmãos, - sendo a mediação um instrumento eficaz para que se alcance a
mesma -, é até muito mais importante e emergente do que qualquer oferta material que
porventura se pretenda fazer. Verifica-se, já de início, a abordagem Cristã na Mediação.
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Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim
para levá-los à perfeição. Pois em verdade vos digo: passará o céu e a terra, antes
que desapareça um jota, um traço da lei. Aquele que violar um destes mandamentos,
por menor que seja, e ensinar assim aos homens, será declarado o menor no Reino
dos céus. Mas aquele que os guardar e os ensinar será declarado grande no Reino
dos céus. Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus,
não entrareis no Reino dos céus.
Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás, mas quem matar será castigado
pelo juízo do tribunal. Mas eu vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão
será castigado pelos juízes. Aquele que disser a seu irmão: Raca, será castigado pelo
Grande Conselho. Aquele que lhe disser: Louco, será condenado ao fogo da geena.
Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que
teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta. Entra
em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás em caminho com
ele, para que não suceda que te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao seu
ministro e sejas posto em prisão. Em verdade vos digo: dali não sairás antes de
teres pago o último centavo. (Mateus,5, 17-26) (p. 1288-1289) (grifos nossos)
Na mentalidade humana ainda se tem muito arraigado o péssimo ensinamento do “olho
por olho, dente por dente”. Inclusive, nos meios adversariais de solução de conflitos,
conforme dispõe Juan Carlos Vezulla (2001, p.77) “A maioria das vezes os cidadãos se
apresentam ao Judiciário clamando por justiça. E qual o seu conceito dela? É ser vingado pelo
Juiz que, sentenciando a seu favor, logicamente sentencia contra o outro.”
De fato não há como se negar que muitas vezes o convívio humano é muito difícil, e
que se fosse considerado apenas o lado negativo do fato e o lado humano das pessoas, não
haveria outro caminho a ser seguido senão o da necessidade de vingança. No entanto, Jesus
Cristo, sabendo da fraqueza do homem, veio trazer uma nova visão de convivência, que, aos
olhos de muitos, em face da má interpretação dos ensinamentos Bíblicos e da pequenez de seu
coração, parece um conselho esdrúxulo, mas que na verdade é um conselho que só busca
proporcionar a paz, um conselho que tem a intenção de barrar a violência, de inibir o desejo
de vingança, pretendendo, assim, propagar o amor, a união, o perdão, a compreensão,
deixando cristalinamente perceptível que a discórdia e a instigação a ela é terminantemente
abominável. A mediação também tem esse condão de levar as pessoas envolvidas no conflito
a abandonar o desejo cego de vingança e ir a busca da harmonia e paz na relação que ora se
encontra fragilizada em decorrência do conflito. Veja-se, pois, mais uma passagem Bíblica
onde se evidencia que a mediação tem sua base nos ensinamentos cristãos.
Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo:
não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra.
Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se
alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede
e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado. (Mateus,5,38-42) (p.1289)
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Jesus Cristo requer, ainda, que as pessoas sejam perfeitas, e segundo o ensinamento
Dele um dos sinais de perfeição do ser humano é o de justamente amar os nossos inimigos, os
que nos odeiam, os que nos fazem sofrer. Enfim, Jesus Cristo propõe um grande desafio, pois
solicita que se tenha um coração piedoso, que não se alimente com pensamentos vingativos,
de raiva, de rancor, mas antes pelo contrário, nos ensina a amar as pessoas que nos parecem
difíceis, a orar por elas. Assim, se de fato se consegue ter esse comportamento, que aos olhos
humanos é impossível, mas com o coração em Deus é sim possível, ao certo um diálogo entre
pessoas que estivessem em conflito seria muito mais proveitoso, rico, e com certeza, chegarse-ia a uma solução pacífica e proveitosa para todos, sendo esse exatamente o objetivo da
mediação.
Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai
pelos que vos [maltratam e] perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do
céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover
sobre os justos e sobre os injustos. Se amais somente os que vos amam, que
recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos? Se saudais apenas
vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?
Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito. (Mateus, 5,43-48)
(p.1289)
Que vossa caridade não seja fingida. Aborrecei o mal, apegai-vos solidamente ao
bem. Amai-vos mutuamente com afeição eterna e fraternal. Adiantai-vos em honrar
uns aos outros. Não relaxeis o vosso zelo. Sede fervorosos de espírito. Servi ao
Senhor. Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na
oração. Socorrei às necessidades dos fiéis. Esmerai-vos na prática da hospitalidade.
Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis. Alegrai-vos com
os que se alegram; chorai com os que choram. Vivei em boa harmonia uns com os
outros. Não vos deixeis levar pelo gosto das grandezas; afeiçoai-vos com as coisas
modestas. Não sejais sábios aos vossos próprios olhos.
Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos
os homens. Se for possível, quanto depender de vós, vivei em paz com todos os
homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus,
porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Deut
32,35). Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber.
Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça (Prov 25,21s).
Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem. (Romanos,12)
(p.1461-1462) (grifos nossos)
Parece unânime em um conflito que cada uma das partes se julgue detentora da razão.
El número de posibles intepretaciones que experimenta un individuo para cada
situación es muy variado. En las relaciones humanas, cada uno considera que su
manera o encuadre para interpretar el mundo (por ejemplo, su costumbre cultural
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o local) es el correcto, y si alguien lo transgrede, sin duda estará equivocado
(TAPIA, 1999, p.117).
Por isso, quando buscam os meios adversariais de solução de conflitos pretendem que
seja feito um julgamento favorável a si, e, conseqüentemente contrário ao outro, sendo,
portanto, satisfeito o desejo de vingança.
Vezzulla (2001, p.77), quando fala acerca do desejo de vingança das partes que se
encontram em conflito, aduz que para elas “Recuperar o equilíbrio anterior significa obter não
só o perdido, mas conseguir que o outro perca, no ter e no ser. É a destruição do outro.”
No entanto, a proposta da mediação de conflito não é essa, posto que o objetivo
precípuo é o de fazer com que as partes compreendam a responsabilidade de cada um,
reflitam sobre seu comportamento, buscando entender suas próprias motivações, e a dos
outros, que findaram por desaguar no conflito em discussão. Esse objetivo da mediação
jamais será alcançado se as partes não se propuserem a afastar de si todo e qualquer
sentimento de vingança. Ressalte-se, inclusive, que um dos ensinamentos Cristãos é
justamente o de que o homem não deve guardar rancor, e que a pessoa não deve buscar
nenhum tipo de vingança contra o próximo, pois ninguém é perfeito, pelo que, portanto,
também é suscetível de erros, e, como ser falho que se é, também gostaria de ter a
compreensão de todos quando porventura tenha sido o autor de algum ato impensado que
tenha sido o estopim para o surgimento de algum tipo de conflito. Veja-se, pois:
Aquele que quer vingar sofrerá a vingança do Senhor, que guardará cuidadosamente
os seus pecados.
Perdoa ao teu próximo o mal que te fez, e teus pecados serão perdoados quando o
pedires.
Um homem guarda rancor contra outro homem, e pede a Deus a sua cura!
Não tem misericórdia para com o seu semelhante, e roga o perdão os seus pecados!
Ele, que é apenas carne, guarda rancor, e pede a Deus que lhe seja propício! Quem,
então, lhe conseguirá o perdão de seus pecados?
Lembra-te do teu fim, e põe termo às tuas inimizades.
Pois a decadência e a morte são uma ameaça (para aqueles que transgridem) os
mandamentos.
Lembra-te do temor a Deus, e não fiques irado contra o próximo.
Lembra-te da aliança com o Altíssimo, e passa por cima do erro que o teu próximo
cometeu inadvertidamente. (Eclesiástico,28).
Verifica-se, assim, que a mediação de conflito propõe que as partes abandonem por
completo o sentimento de vingança, e, ao tempo em que façam uma reflexão do seu próprio
comportamento, busquem evitar julgar o outro sem fazer também um julgamento dos seus
atos. Vezzulla (2001) ressalta que “o mediador deverá transformar o desejo de vingança dos
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mediados em compreensão da responsabilidade que cabe a cada um deles e levá-los a
entender as motivações das atitudes próprias e dos outros.”. Esse conselho de não julgar o
outro, de não só buscar apontar o problema e falha dos outros, mas também fazer uma
avaliação do próprio comportamento, das próprias responsabilidades, é perfeitamente
compatível com outro ensinamento de Jesus Cristo constante na Bíblia, Mateus, 7,1-5 (p.
1291).
Não julgueis, e não sereis julgados. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis
também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis
medidos. Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que
está no teu? Como ousas dizer a teu irmão: Deixa-me tirar a palha do teu olho,
quando tens uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave de teu olho e assim
verás para tirar a palha do olho do teu irmão. (grifos nossos!)
Antes de julgar, procura ser justo; antes de falar, aprende. Usa o remédio antes de
ficares doente. Interroga-te a ti mesmo antes do juízo, e acharás misericórdia diante
de Deus. (Eclesiástico,18,19-20).
Importante se observar que quando se pratica esse exercício de olhar para dentro de si,
de refletir sobre as próprias atitudes, buscando isentar-se do sentimento de autopiedade, mas
sim buscando fazer uma análise mais ponderada dos próprios atos e dos atos dos outros aos
quais se esteja em situação conflituosa, passa-se a perceber que todo ser humano, incluindose, inclusive, é fraco, e que tem inúmeras limitações, inúmeros erros camuflados, erros até
piores do que os dos nossos vizinhos, companheiros, sócios, funcionários, cônjuges, enfim, do
que os da pessoa ao qual se encontra em conflito.
Esse reconhecimento já é uma grande sabedoria Divina, e ao certo será imprescindível
para que se busque perdoar os erros cometidos por nós, e pelos outros em relação a nós.
- Quando erramos, gostaríamos de ser perdoados? Acredita-se que sim! E, se é assim: Porque não perdoamos a quem errou para conosco? - Se somos capazes de cometer erros
aviltantes, e depois nos arrependemos profundamente e pedimos perdão, por que não
acreditamos que aquele que nos pede perdão de fato não se arrependeu do erro cometido?
Confirmado, portanto, que não se deve julgar, e que se deve buscar perdoar. Como diz Padre
Leo, (1998, p. 123):
Não adianta tentarmos ser bons por nós mesmo. Todos somos sujeitos a falhas,
quedas, pecados, fracasso. Todos estamos sujeitos a tomar decisões erradas, a
cometer atos inconseqüentes, a tropeçar na vida. Ninguém está livre disso. Jesus
mesmo desafiou aqueles que queriam apedrejar uma prostituta flagrada em
adultério: ‘Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra’ (Jô 8,1ss). A sabedoria
está em reconhecer nossas fraquezas e limitações, em não tentar praticar uma justiça
própria a favor de nós mesmos. Só conseguiremos perdoar os outros na medida em
que aprendermos a nos perdoar. E para aprender a se perdoar é preciso reconhecer-
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se limitado e fraco e procurar corrigir o que pode ser mudado e melhorado.
Compreendendo-nos fracos e limitados, saberemos também compreender as
fraquezas e limitações de todos os que nos cercam. E isso ajuda muito a perdoar os
outros.
Ressalte-se, entretanto, que para perdoar é preciso querer. É necessário ter a consciência
de que a falta de perdão aprisiona as pessoas, provoca angústia e rancor, é um fruto ruim que
está preso a uma árvore ruim, que deve ser cortada para dar bons frutos.
Todo sentimento de vingança não possui outro atributo senão o de ser um veneno que
tira a paz daquele que nutre esse sentimento tão negativo, tão deprimente. O sentimento de
vingança rouba a alegria da pessoa, rouba o brilho do olhar, rouba a paz interior.
O perdão não tem o condão de apagar o passado, mas tem a nobre função de nos libertar
de toda a angustia e das lembranças negativas, de trabalhar falhas cometidas para um futuro
mais maduro e equilibrado.
Na mediação tem-se muitas vezes situações em que se faz imprescindível a concessão
do perdão para que se possa desenvolver um diálogo em busca de um acordo final satisfatório
para todos. Enquanto uma das partes nutre em si um sentimento negativo de falta de perdão,
ela se recusa a ir em busca do esclarecimento dos fatos, e conseqüentemente, se recusa a dar
encaminhamento a um bom diálogo, inviabilizando, pois, que se chegue a um acordo positivo,
capaz de trazer a paz interior e a paz social. Como diz Pe. Leo (1998, p. 127):
Perdoar não é dizer que tudo está bem quando não está, não é encobrir os erros dos
outros. Perdoar é tomar a decisão de se libertar da raiva e do rancor. Perdoar
também é procurar descobrir o que realmente aconteceu. Nem sempre a falta foi tão
grave assim. Nem sempre o outro me feriu conscientemente ou por vontade. Muitas
vezes, como acontece conosco, a atitude do outro foi só uma reação.
Parece rico para ilustrar o acima exposto, a indicação de um caso de mediação de
conflitos em que estavam envolvidos diretores de uma empresa, onde a própria sociedade
estava correndo risco de extinguir-se em decorrência de atos cometidos por um dos membros
da diretoria, e que por conta de referidos atos causou-se muito desconforto e provocou até
mesmo desconfiança entre eles. Esse caso de mediação foi apontado por Fiorelli (2004, p. 374
– 379), que ora pede-se licença para transcrevê-lo.
No caso, ter-se-á a oportunidade de vislumbrar cristalinamente que em muitas
mediações a reflexão amadurecida de seus próprios atos, - sem querer amarrar-se em seus
erros e sem pretender justificá-los quando injustificáveis, mas simplesmente pretender
50
reconhecer suas limitações, sem, entretanto, se auto flagelar por ter errado, posto que todo e
qualquer ser humano é limitado e suscetível de cometer falhas, erros, mas sim buscando se
redimir -, e a capacidade de perdão da outra parte, - que teve a felicidade de não ter sido o
autor do erro que desaguou no conflito, mas que não tem o direito de julgar o outro, posto
que, como ser humano que é, limitado e fraco, também é capaz de cometer falhas talvez até
piores do que a que está em pauta -, são imprescindíveis para que se alcance na mediação um
acordo final positivo, e, conseqüentemente, para que a paz interior e a paz social voltem a
reinar no ambiente em que estava conturbado em face do conflito.
Caso 13 – O diretor apaixonado
Descrição
O diretor de Marketing e sócio minoritário de uma Organização, no transcorrer de longa
e dolorosa crise conjugal, apaixonou-se pela encarregada de produção, eficiente executiva,
divorciada, sendo por ela correspondido.
Esse diretor, prevalecendo-se de liberalidades que o cargo e o fato de ser sócio lhe
proporcionavam, permitiu à amante utilizar seu cartão pessoal de crédito, pago pela empresa;
encontrou justificativa, pouco convincente, para lhe ceder um veículo da companhia e
distinguiu-a com outros pequenos benefícios funcionais, privativos dos diretores – nada de
novo: Salomão, que era sábio, fez muito pior quando recebeu a visita da Rainha de Sabá (cf. I
Reis, 10)
Tal comportamento, naturalmente, tornou-se visível e público, provocando críticas dos
empregados. A notícia logo chegou ao conhecimento da esposa, com as conseqüências
previsíveis no âmbito familiar, e dos demais diretores. Estes, debateram a situação e
assumiram a posição de propor ao diretor de Marketing que se demitisse e provocasse sua
saída do quadro de associados; a encarregada de produção seria, naturalmente, demitida.
O diretor de Marketing não concordou com essa posição; alegava que sua ação era
determinante pra o sucesso da empresa, que as questões particulares não interessavam aos
diretores e, também, discordou da demissão da encarregada.
Chegou-se, no calor das discussões, a se pensar em colocar a empresa à venda, caso não
se encontrasse forma de resolver o conflito. As relações interpessoais entre o diretor de
Marketing e os demais deterioraram-se e o clima de confiança, indispensável, foi
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comprometido. Foi quando, por sugestão de um dos diretores, procurou-se uma possível
solução por meio de mediação. Aos diretores, não era nem um pouco simpática a idéia de um
conflito judicial para promover a saída do diretor de Marketing, porque isso abalaria a
reputação da empresa.
Informações obtidas com o mediador
•
O diretor de Marketing declarou-se, desde logo, culpado por ter adotado um
comportamento inadequado à sua posição. Declarou que agiu dominado pela
paixão, e compreendia que passou a adotar comportamentos que contrariavam o
bom senso, as normas e a ética da Organização, sentindo-se muito envergonhado
por isso. Contudo, estava disposto a solicitar a compreensão dos demais e
encontrar uma saída honrosa. Não concordava com dois pontos : sua saída da
empresa, que ele percebia como a grande prejudicada pelo ocorrido, e a
demissão da encarregada. Ela, segundo sua percepção, fora induzida por ele ao
relacionamento e apenas cedeu à paixão. Por sua eficiência, não via motivo para
puni-la. O uso de regalias de que ela se prevaleceu, ele entendia como sendo
devido à pressão que ele mesmo fez para que ela aceitasse. Ele percebia a
encarregada como pessoa de reconhecida competência técnica e que poderia ser
mantida em um cargo de assessora, sem relacionamento com os empregados.
Explicou que, por ser casado com uma prima de um dos sócios da Organização,
tentou manter oculto esse relacionamento; temia agravar a situação com a
esposa, levando ao rompimento definitivo, capaz de prejudicar a boa convivência
que sempre teve com o diretor que era primo dela.
•
Os outros diretores mostraram sentimentos oscilando entre a surpresa e a
indignação. Dois eram solteiros e um viúvo. Sentiram-se traídos na confiança
que depositavam no diretor de Marketing. Percebiam seu comportamento como
antagônico às mensagens de ética, produtividade e probidade no uso dos
recursos da Organização, veiculadas pelos programas de qualidade. Temiam que
isso servisse de precedente, perante os empregados e, como tal, deveria receber
punição exemplar, que demonstrasse o profundo aborrecimento da diretoria; por
outro lado viam com grande preocupação seu afastamento em função do
prestígio de que ele desfrutava junto ao mercado.
52
Considerações teóricas
Este caso mostra o efeito da mudança comportamental de uma pessoa influente na
Organização e ilustra as conseqüências da combinação perversa entre a paixão e o ódio. O
ódio, dirigido contra a esposa, empurrou-o para um novo relacionamento; a paixão impediu-o
de esperar que a crise conjugal se equacionasse e levou-o a adotar os comportamentos
descritos.
Adicione-se a isso um falso conceito a respeito de poderes e deveres enquanto diretor da
empresa e tem-se a equação perfeita para a instalação de conflito de difícil solução.
Os demais diretores percebiam que, na empresa, o comportamento considerado
socialmente incorreto de uma pessoa investida de alto poder provocaria desmotivação e
desconfiança, decorrentes de sentimentos de injustiça entre os empregados. Com a
propagação da informação, os vínculos entre eles e a diretoria foram afetados. Isso, na opinião
dos diretores, requeria uma ação rápida – a mediação foi lembrada por eles como uma opção
para a solução do impasse, por ser de caráter privado.
A comunicação entre o diretor de Marketing e os demais diretores foi, a partir da
eclosão do conflito, simétrica, porém destrutiva. Interpelado de modo agressivo, reagiu da
mesma maneira – as emoções reduziram as opções de diálogo e mecanismos de defesa
extremamente inadequados se fizeram presentes.
Sua característica de personalidade dominante – predominantemente narcisista – apenas
acentuou os sentimentos de indignação nos demais. Uma vantagem do ponto de vista de
atingimento de metas, conquista de clientes e consolidação da imagem empresarial, tornou-se
obstáculo ao relacionamento. O ambiente organizacional contribuiu para criar um clamor de
punição para ele e sua protegida.
No desenho do acordo foi importante o conhecimento do mediador a respeito do
processo de gestão empresarial, o que lhe permitiu explorar com segurança os esquemas
rígidos de pensamento que permeavam o conflito.
Durante as sessões, os mediandos conseguiram clarificar a importância do diretor de
Marketing para os resultados empresariais, considerando o seu profundo conhecimento de
mercado, produto e preferências dos clientes, resultado de uma experiência de longos anos na
Organização.
53
O diretor de Marketing foi confrontado com a importância de manter sua reputação
perante o mercado que ajudou a conquistar, transmitindo aos clientes segurança e idoneidade.
O passado, neste caso, foi utilizado pelo mediador como importante referência para as
decisões – sem perder o foco no futuro. Foram longos anos de confiança mútua entre os
diretores que conduziram a empresa à posição em que se encontrava. Ignorar essa história não
parecia sensato, muito menos estratégico.
Ficou transparente, para todos, que os comportamentos eticamente condenáveis do
diretor de Marketing resultaram de um período de forte emoção, em que ele, dominado pela
paixão, ultrapassou os limites do cargo e do bom senso, desenvolvendo um quadro de
autêntico transtorno mental. “O amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”.
O processo de mediação lhe deu a oportunidade de reconhecer esse fato e admiti-lo,
para si mesmo e para os demais diretores. Esse comportamento foi visto como altamente
significativo por todos eles e inspirou, sobremaneira, as soluções idealizadas. Muitas vezes, as
pessoas precisam apenas de uma oportunidade para perdoar – “o perdão redime o ofendido”.
O mediador conseguiu que os mediandos estabelecessem um raciocínio sistêmico a
respeito do envolvimento emocional que permeou todo o processo. Eles conseguiram
identificar, avaliar e compreender a complexa seqüência de equívocos induzida por ódio e
paixão, que colheu o diretor de Marketing; entenderam como uma ação má conduzida levava
a outra. Perceberam como isso edificava uma barreira que impedia o retorno e a reconstrução
de novas alternativas de ação e estabelecia uma figura constante e indestrutível nas
percepções dele e de sua amante.
Para os diretores ficou clara a falsa crença do diretor de Marketing a respeito das
prováveis reações deles, em relação às suas desavenças com a esposa: ele associava a
permanência na diretoria com a relação de parentesco – porém, em nenhum momento colocou
isso à prova.
Conjugação de interesses
Durante a mediação, todas as questões emocionais foram, gradativamente, sendo expostas e
debatidas – até que se tornaram administráveis, porque saíram do campo da ocultação em que tudo
se imagina e pouco se sabe. Essa estratégia abriu espaço para inserir, em contrapartida, os
argumentos ditados pela razão – em especial, a convergência de opiniões em torno de um ponto
considerado essencial por todos os diretores e que refletia seus reais interesses: a preservação da
empresa, sem prejuízo para sua competitividade e imagem junto ao mercado.
54
Foi também identificado o interesse do diretor de Marketing em não penalizar a encarregada de
produção por uma falta que ele entendia ter sido o desencadeante.
A mediação possibilitou fazer com que ele compreendesse que isso poderia ser feito sem a
permanência dela na empresa, respeitando o interesse dos demais diretores de demonstrar firmeza
em coibir comportamentos considerados inadequados.
Pouco a pouco, esse ponto de convergência contribuiu para delinear caminhos e os ânimos
começaram a se acalmar. O clima de confiança do passado passou a ser reconstruído a partir das
propostas seguintes que representaram o consenso entre todos os quatro diretores:
A encarregada de produção não permaneceria na empresa; seria demitida, porém, a diretoria se
encarregaria de, previamente, assegurar uma nova colocação, em posição similar, em outra
Organização; isso seria feito pela diretoria, sem envolver a área de recursos humanos,
aproveitando-se das boas relações comerciais com outras empresas, as quais possibilitavam uma
troca de favores; com isso, o interesse do diretor de Marketing, de não prejudicá-la
financeiramente, seria respeitado e a diretoria não abriria mão de demiti-la.
O diretor de Marketing compensaria a Organização pelos prejuízos financeiros ocasionados por
seu comportamento; ele mesmo faria a apuração dos gastos decorrentes de sua liberalidade e
prestaria contas para os diretores; o ressarcimento seria feito de modo indireto, para não passar
pelos mecanismos formais da burocracia empresarial (por exemplo), arcando com despesas de
viagens feitas a serviço); dessa maneira, a empresa não seria prejudicada financeiramente e o
diretor de Marketing não teria sua imagem pessoal ainda mais prejudicada perante os empregados.
O diretor de Marketing tomaria providências imediatas para separar-se da esposa, um interesse de
ambos, reconhecendo que a tentativa de encenar um falso relacionamento abalou-o
emocionalmente.
Os demais diretores acolheriam essas iniciativas como demonstração de firme intenção do diretor
de Marketing de recuperar uma posição que ele soube conquistar, sempre foi prestigiada e somente
se deteriorou em função do conflito interpessoal, o qual, para infelicidade de todos, refletiu-se na
Organização.
Com essas ações a hipótese de dissolução da sociedade ficaria completamente descartada.
O caso mostra a evolução das posições para os interesses. Nesta mediação, a história da
Organização foi importante, porque estabeleceu uma base lógica para o desenho das soluções. Para
os mediandos, foi vital para a compreensão dos acontecimentos e a efetivação do acordo, a
clarificação dos efeitos das emoções sobre os comportamentos – e o papel do mediador foi
determinante para que ela ocorresse.
A ampliação da percepção – do fato presente para o futuro da Organização – fez, também, parte da
estratégia adotada pelo mediador.
Observe-se que ele procurou trabalhar importantes valores que identificou na Organização: a
fidelidade, o perdão, a cooperação. A partir da compeensão mútua, os diretores puderam
estabelecer um caminho para restaurar um ambiente que sempre existiu na empresa; as pessoas
erram – se errar é humano, perdoar também pode ser. O reconhecimento de suas falhas, por parte
do diretor de Marketing, foi ponto de partida para isso.
Caminhou-se para recuperar o respeito mútuo, para substituir o desejo de vingança e punição, pela
paz nos relacionamentos. Acalmadas as emoções, as pessoas podem, novamente, olhar-se nos
olhos e reconstruir suas vidas.
Com a exposição do caso concreto acima transcrito, pode-se vislumbrar o quão rica e
importante é a mediação. Ressalte-se, ainda, que esse tipo de trabalho de transformação de um
conflito, de reflexões pessoais, amadurecimento, perdão, só encontra um terreno fértil e
55
propício na mediação, posto que na forma tradicional de solução de conflitos nada disso é
observado, já que as partes não são estimuladas a extraírem delas próprias uma solução para o
conflito, mas simplesmente entregam a uma terceira pessoa, o juiz, a solução de seus
problemas, que simplesmente ao analisar o caso concreto, sem interferências sentimentais,
emocionais, dará o direito a quem o mesmo entender que assim o é detentor, instigando ainda
mais, na maioria das vezes, o rancor e a mágoa já existente e não curada entre as partes
conflitantes, o que, evidentemente, não é bom para a convivência, para a inclusão social das
pessoas, que a cada vez mais se sente tolhida em seus sentimentos, decepcionadas com o
mundo, com o sistema, com o outro, e afasta-se cada vez mais do seu semelhante, acreditando
que assim agindo estará protegendo-se contra outras possíveis decepções e frustrações, sendo
essa atitude uma péssima aliada da paz e da inclusão social.
Muitas vezes pode ocorrer que sequer a pessoa com que se mantém um conflito tenha
praticado o ato do qual se acredita que ele praticou, pois nem sempre o que as pessoas dizem
por aí corresponde a verdade. Assim, tem-se na mediação uma excelente forma de solucionar
conflitos, pois ter-se-á a oportunidade de se fazer uma reflexão do que de fato aconteceu, se
realmente aconteceu. Como o caminho a ser percorrido pela mediação é o do bom diálogo, ao
certo os conflitos não obterão uma solução superficial, mas sim profunda, e, por assim ser,
duradoura.
Repreende o teu amigo, porque talvez não tenha compreendido,
e diga : ‘Nada fiz’.
Ou, se o fez, para que não torne a fazê-lo.
Repreende o teu próximo,
Porque talvez não tenha dito(aquilo) de que é acusado.
Ou, se o disse, para que não o torne a dizer.
Repreende o teu próximo,
Porque muitas vezes se diz o que não é verdade,
E não acredites em tudo o que dizem.
Homem há que peca pela língua, mas sem fazer com intenção.
Pois quem não peca pela língua?
Repreende o teu próximo antes de ameaçá-lo
E dá ensejo ao temor ao Altíssimo;
Pois toda a sabedoria consiste no temor a Deus;
nela está o temor a Deus.
E em toda a sabedoria reside o cumprimento da lei. (Eclesiástico,19,1318) (grifos nossos)
Ao lembrar o preceito “Tu não matarás” (Mt 5,21), Jesus Cristo pede a paz do coração
e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio.
O Senhor disse: “Todo aquele que se encolarizar contra seu irmão terá de responder no
tribunal” (Mt 5,22)
56
No Catecismo da Igreja Católica (2000, p.599-600), encontra-se um grande
ensinamento de que a paz no mundo só será conseguida se houver comunicação entre os
homens, se houver respeito pela dignidade das pessoas, se as pessoas forem fraternas:
O respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é somente
ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz
não pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre
comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos
povos, a prática assídua da fraternidade. É a ‘tranquilidade da ordem’, ‘obra da
justiça’(Is 32,17) e efeito da caridade.
A paz terrestre é imagem e fruto da paz de Cristo, o ‘Príncipe da paz’ messiânica (Is
9,5). Pelo sangue de sua cruz, Ele ‘matou a inimizade na própria carne’, reconciliou
os homens com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano
e de sua união com Deus. ‘Ele é a nossa paz’(Ef 2,14). Declara ‘bem-aventurados os
que promovem a paz ( Mt 5,9).
Parece ainda oportuno trazer a baila algumas regras Bíblicas que se aplicam a todos os
casos de vida e, conseqüentemente, de Mediação:
- Nunca é permitido praticar um mal para que daí resulte um bem.
- A “regra de ouro”: “Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles”. (Mt 7,12; cf. Lc 6,31; Tb 4,15)
- A caridade respeita sempre o próximo e sua consciência: “Pecando contra vossos
irmãos e ferindo sua consciência... pecais contra Cristo”(1Cor 8,12). “É bom se abster... de
tudo o que seja causa de tropeço, de queda ou enfraquecimento para teu irmão”(Rm 14,21)
Amar a Dios por se quien es i a nuestros prójimos como a nosotros mismos : ésta es
toda la lei; e de este doble amor se derivam, como de su oríjen, todos los afectos i
todas lãs obligaciones naturales, domésticas i civiles, que perfeccionan a los
hombres i los hacen mas felices. Em suma, sear rejidos los afectos por la razon, e
todo estará em órden ; entonces serán útiles, i jamas será funesta su actividade.
Guarnecer um rio de fuertes diques, no es por cierto destruir su curso. ( Don
Ramon Brisenõ, Derecho Natural o Filosofia Del Derecho, Imprenta Del Mercúrio
de Tornero y Letelier, 1870, p. 67).
Nesse capítulo da dissertação, esteve-se diante de ensinamentos sérios vindos da
sabedoria Divina, que, aos olhos humanos parece impossível seguí-los, aos olhos de alguns,
principalmente aos olhos dos que não crêem, não passam de quimeras sem importância,
chegando até mesmo a pretenderem menosprezar ou ridicularizar aos que buscam propagá-las
-, mas caso a pessoa se deixe conduzir pelos ensinamentos de Jesus Cristo verificará, não só
que é possível, como terá a grata satisfação, a imensa alegria de sentir a evolução em seus
57
relacionamentos, em sua própria vida, e terá a ousada, mas arriscada pretensão de auxiliar a
todas as pessoas a terem esse privilégio, tornando-se um homem virtuoso.
Virtude consiste na conformidade de nossa acções com a razão. Virtude é a base
sólida da nossa felicidade, é a única Lei, que existe para sermos felizes : na virtude
se encerrão todas as Leis da natureza, e todos os princípios da moralidade. Virtude
se divide em três grandes pontos. 1º Deveres para com Deos, como piedade,
reverência, resignação, gratidão, & c. 2º para com nós mesmos, como castidade,
sobriedade, temperança, conservação da vida &.c; 3º para com os outros homens,
como justiça, fidelidade, Charidade, lealdade &.c. (BROTERO, 1829, p. 50-51).
E o próprio Jesus Cristo conclui:
Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um
homem prudente, que edificou sua casa sobre as enchentes, sopraram os ventos e
investiram contra aquela casa; ela, porém não caiu, porque estava edificada na
rocha. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é
semelhante a um homem insensato, que construiu sua casa na areia. Caiu a chuva,
vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela caiu e
grande foi a sua ruína. (Mateus,7,24-27) (p.1291)
Assim, apressemo-nos a entrar neste descanso para não cairmos por nossa vez na
mesma incredulidade. Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do
que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas
e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração. Nenhuma criatura lhe
é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar
contas.(Hebreus, 4, 11-13) (p. 1529).
3 OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DIREITOS
HUMANOS
COMO
BASE
IMPORTANTE
NO
DIRECIONAMENTO DAS MAIS DIVERSAS FORMAS DE
SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Os direitos fundamentais surgiram através da fusão de várias fontes, tais como:
diversas civilizações, conjunção dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas
com a religião, dentre ela o cristianismo, e com o direito natural. Havia, em todas essas fontes
uma forte necessidade de limitar e controlar os abusos que comumente eram cometidos pelo
próprio Estado.
Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os
primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o
mundo antigo, por meio da religião e da filosófica, nos legou algumas das idéiaschaves que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento
jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é
titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma
também ser denominada, consoante já ressaltado, de ‘pré-história’ dos direitos
fundamentais. (SARLET, 1998, p. 38).
Importante que se ressalte que as expressões direitos humanos e direitos fundamentais
são normalmente utilizadas como sinônimas, mas , conforme defende Ingo Wolfgang Sarlet,
Lilia Maia de Morais, dentre outros, assim não podem ser consideradas, posto que direitos
fundamentais seriam os direitos constitucionalmente positivados, enquanto direitos humanos
estaria relacionado com os documentos de direito internacional.
Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’)
comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se
aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do
direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão
‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional,
por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que,
portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte
que revelam um inequívoco caráter supranacional(internacional). (SARLET, 1998,
p. 31-32).
59
Lilia Maia de Morais Sales (2003, p.155), ao discorrer sobre a mediação, traz a baila a
possibilidade de se diferenciar os direitos do homem, direitos humanos e direitos
fundamentais. Para essa distinção a autora destacou o que dispõe Ingo Wolfgang Sarlet (1998,
p. 32), que ora se transcreve:
[...] direitos dos homens são os direitos naturais, direitos ainda não positivados; os
direitos humanos são os positivados na esfera do direito internacional e os direitos
fundamentais, os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito
constitucional interno de cada Estado.
Os direitos fundamentais são de difícil conceituação, mas podem ser considerados, em
síntese, como sendo o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que
tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o
arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento
da personalidade humana.
O respeito aos direitos humanos e direitos fundamentais é pilastra-mestra na construção
de um verdadeiro Estado de direito democrático.
Os direitos natos ao ser humano, devido a sua importância, seguiram destino a uma
positivação constitucional. A constitucionalização dos direitos não significou mera
enunciação formal de princípio, mas a plena positivação de direitos, através dos quais
qualquer pessoa poderá exigir sua proteção ante o Poder Judiciário para a concretização da
democracia.
A partir da Constituição Federal de 1988 há uma redefinição do Estado Brasileiro, bem
como dos direitos fundamentais. Revelou-se uma vontade constitucional de priorizar os
direitos e garantias fundamentais. O texto de 1988 inova quando busca alargar a dimensão dos
direitos e garantias, pois não mais se limita a assegurar direitos individuais. Passa a Carta
Magna a incorporar a tutela dos direitos coletivos e difusos.
Os direitos fundamentais, em decorrência de sua importância, colocam-se numa posição
hermenêutica elevada em relação aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico. Eles
apresentam várias características que, para a boa compreensão de sua importância, se faz
imprescindível conhecê-las. Destaca-se aqui as características mencionadas por Alexandre de
Moraes (2003, p. 41):
60
[...]
•
•
•
•
•
•
•
•
Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais não se perdem pelo decurso do
prazo;
Inalienabilidade: não há possibilidade de transferência dos direitos humanos
fundamentais, seja a título gratuito, seja a título oneroso;
Irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de
renúncia. Dessa característica surgem discussões importantes na doutrina e
posteriormente analisadas, como a renúncia ao direito à vida e a eutanásia, o suicídio e o
aborto;
Inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais
ou por atos das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa
e criminal;
Universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos,
independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica;
Efetividade : a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação
dos direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que
a Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato;
Interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem
diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, por exemplo, a liberdade
de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus, bem como previsão
de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente;
Complementariedade: os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados
isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos
previstos pelo legislador constituinte.
Os direitos humanos devem ser considerados universais, pois fazem parte da própria
dignidade humana e são eles capazes de proporcionar paz social. Pela ‘universalidade’ dos
direitos humanos, a responsabilidade dos Estados concentra-se no desafio da extensão
universal da cidadania, sem qualquer discriminação. Concentra-se, ainda, na tarefa de conferir
cumprimento às obrigações internacionais assumidas relativamente aos direitos humanos
ratificados.
Urge que se ressalte que se faz importante um controle de constitucionalidade dos
direitos dos seres humanos configurando-se esse controle uma verdadeira e primordial
garantia de supremacia dos mesmos, que além de configurarem limites ao poder do Estado,
são também parcela da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando
possível o processo democrático em um Estado de direito, bem como são os direitos
fundamentais imprescindíveis para que se alcance a paz social.
61
Lília Maia Sales (2003), ao escrever sobre a mediação comunitária e a pacificação
social, faz referência a essa importância dos direitos fundamentais como ponte para o alcance
da paz. Veja-se, pois :
A paz real entre os homens somente será possível se o entendimento de paz se
entender além da sua compreensão como ausência de guerra. Paz não é somente
ausência de guerra. Para o indivíduo viver em paz, também se entende necessário a
efetividade dos direitos fundamentais. [...]
Diante dessa realidade, faz-se necessária a concretização dos direitos fundamentais
garantidos constitucionalmente para que se alcance a paz. A paz é assim encontrada:
a luta pelos direitos, a busca incessante pela concretização dos direitos. Não se fala
em luta armada, fala-se em conscientização política e de direitos, educação para a
cidadania, para o exercício da cidadania.
Os direitos humanos e os direitos fundamentais, antes mesmo de tomarem corpo num
papel, que, apesar disso, muitas vezes sequer é respeitado, já deveriam ser observados e
seguidos em face da natureza humana, do Direito Natural que deve sempre nortear as
relações, bem como em respeito aos próprios ensinamentos de Cristo, que veio ao mundo,
conforme inúmeros relatos do Novo Testamento, para pregar o amor, a paz, a humildade, o
respeito ao semelhante, a dignidade da pessoa humana, o perdão e a harmonia.
[...] não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos
(internacionais) e fundamentais(constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo
direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido,
assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supra-estatal
(SARLET, 1998, p. 32).
Muitos conflitos, entretanto, têm seu nascedouro exatamente na não observância dos
direitos fundamentais, pela violação dos Direitos Naturais, e que, ao certo, se os violadores
desses e de outros direitos se dispusessem a fazer uma análise de seus próprios atos, das
injustiças por eles cometidas, dos valores humanos, morais, sociais e cristãos que estão sendo
massacrados, alcançar-se-ia uma melhor e mais respeitosa convivência e paz social. A
mediação proporciona esse mecanismo de solução de conflitos fundamentada no cristianismo
e no Direito Natural auxiliando a concretização dos Direitos Fundamentais.
4 DOS CONFLITOS EXISTENTES E DO USO DA
MEDIAÇÃO COMO MÉTODO POSITIVO NA SOLUÇÃO
DOS MESMOS
A realidade social, política, econômica, principalmente em grandes países, nas grandes
regiões metropolitanas, não é muito satisfatória no sentido de respeito aos direitos
fundamentais de cada indivíduo, posto que, há uma busca desenfreada e cega pelo próprio
bem estar, pela riqueza, pelo poder, onde se provoca um desprezo aos direitos individuais, aos
direitos coletivos, bem como um desrespeito aos direitos das próximas gerações, que,
inclusive, já com direitos seus violados, ainda sequer podem participar de uma lide em busca
de fazer com que os mesmos sejam resguardados e seja prevalecida a justiça e paz social.
A sociedade, por ser uma forma de convivência em grupo, com diversas formas de
pensamento, ideologias, crenças, raças, comportamento, vive um quadro com inúmeros
conflitos, das mais variadas espécies. As pessoas buscam ficar ilhadas em seus próprios
mundos, e, ainda assim se vêem mergulhadas num mar de conflitos, e com suas vidas
agitadas, não conseguem manter seu controle emocional para enfrentar com maturidade os
conflitos que se envolvem.
O controle emocional é um grande aliado para que as pessoas possam viver melhor
consigo mesmo e com os outros, buscando, a partir de sua própria atitude e decisão, resolver a
grande parte dos conflitos que os afligem, e, conseqüentemente, encontrar não só a paz social,
mas também a paz interior.
Os conflitos têm sido objeto de estudo de várias ciências, onde se busca compreender
melhor sua origem, suas conseqüências, sua repercussão negativa em todos os âmbitos e
aspectos, quer familiar, quer numa relação de trabalho, numa relação entre países, entre
Estados, entre vizinhos, dentre outras relações não menos importantes.
Um dos pontos que mais se destaca como formador de um conflito é quando se envolve
bens materiais, verificando-se que a propriedade privada é um estopim para a formação de
conflitos, pois o homem mantém muito arraigado em seus sentimentos a necessidade do ser
63
proprietário, da posse, onde, para muitos os fins de proteção a sua condição de “dono”
justificam os meios defensivos por eles utilizados.
Os conflitos nascem também porque muitas vezes alguém está se arvorando no direito
de desejar algo que pertence a outrem, ou que duas ou mais pessoas estão desejando a mesma
coisa, ou que alguém está se considerando detentor de direitos de propriedade inexistentes ou
clandestinos.
Verifica-se, portanto, que, a partir do momento em que alguém se sente ameaçado em
seu “ser proprietário”, nasce dentro dela um sentimento de invasão, onde gera-se a
possibilidade do nascimento de um conflito.
Rousseau já buscava mostrar como a raiz da desigualdade está na propriedade privada,
na divisão do trabalho que a acompanha, nos conflitos de interesse e na desigualdade que
emergem necessariamente da ação do mercado.
No entanto, urge que se ressalte que para efeito dos conflitos estudados nesse trabalho
não se trata apenas e exclusivamente da propriedade material, mas admite-se também o
nascedouro de um conflito a partir de situações envolvendo apenas desejos, oposições a um
desejo de outrem, enfim, há um leque muito mais amplo de situações conflituosas que podem
passar pelo crivo da mediação, forma participativa de solução de conflitos, em busca da
mantença da paz e do bom convívio social.
Juan Carlos Vezzulla (1998), destaca três tipos de conflitos, quais sejam: conflitos
interpessoais, conflitos intrapsíquicos e conflitos reais e falsos. Ele ressalta, ainda, na mesma
obra, a visão clínica de gestação de alguns autores, como Rummel e Kenneth Boulding,
quando buscam uma definição para “o conflito”, posto que entendem que num conflito há um
nascimento, desenvolvimento e eclosão.
Quando se fala em conflito já se vem em mente uma situação negativa, principalmente
porque pelo conflito o ser humano pode perder com facilidade o seu equilíbrio, devido as suas
próprias contradições internas. Somando-se a estas as contradições advindas pela luta
gananciosa pelo poder, pela rivalidade, e pela necessidade que se tem de impor ao(s) outro(s)
a própria vontade, pode-se chegar a um conceito mais apropriado de conflito interpessoal.
O conflito interpessoal é aquele, segundo afirma Vezulla (1998, p. 24),
64
onde duas individualidades, confundidas pelas próprias limitações intrapsíquicas, se
enfrentam por posições incompatíveis, determinadas pelo desejo de poder mais que
o outro, estruturadas numa posição defensiva, cheia de preconceitos, que confunde
mais do que esclarece os próprios interesses.
Os mediadores, diante de um conflito interpessoal para mediar, não devem utilizar-se de
artificialismo enfadonho, mas sim de um domínio natural a fim de transmitir a seus clientes os
aspectos positivos que podem ser emanados do conflito que está a envolvê-los, ocasião em
que ao cativar o respeito e o coração possa seguir rumo a um crescimento e a uma nova
ordem, onde os benefícios devem ser ressaltados, as angústias afastadas, e, conseqüentemente,
sendo as partes mediadas capazes de resolverem satisfatoriamente seus próprios problemas.
Vezzulla (1998, p.21), buscando resumir acerca dos conflitos interpessoais, ressaltou:
“Resumindo essas definições, podemos convir que o conflito consiste em querer assumir
posições que entram em oposição aos desejos do outro, que envolve uma luta pelo poder e
que sua expressão pode ser explícita ou oculta atrás de uma posição ou discurso encobridor.”
Essa colocação de Vezzulla (1998) traz a baila o entendimento de que na Mediação muitas
vezes trabalha-se com duas vertentes de conflitos, um conflito manifesto e outro conflito
oculto, sendo que este chega a ser até mesmo negado, mas é justamente ele o âmago do
problema existente entre as partes conflitantes, e se não for eficientemente trabalhado pode
provocar uma ruptura posterior daquilo que restou acordado na mediação, posto que o
problema original não foi solucionado.
Na mediação há um trabalho diretamente realizado com pessoas, denominados
mediados, sendo elas próprias as envolvidas com o problema in loco, ou como representantes
de alguma empresa, instituição, organização. Assim, sendo esse um trabalho de contato
eminentemente humano, se faz imprescindível o estudo psicológico que já restou realizado
acerca dos conflitos intrapsíquicos, feitos a partir do século XX.
Pelos estudos psicológicos realizados acerca dos conflitos intrapsíquicos foi possível a
identificação da existência de motivações e aspectos relativos ao conflito que estavam ocultos,
mascarados por um conflito aparente, pelo que, a partir da descoberta desse aspecto nãoaparente, ou melhor dizendo, que não se apresentou de forma cristalina, mas sim camuflado, é
que se tornou possível atingir o âmago do problema e buscar a solução mais satisfatória para
todas as partes envolvidas.
65
Importante se observar que esse diferencial de ser possível trabalhar não só o conflito
aparente, mas detectar o conflito oculto e, portanto, buscar solução para o mesmo, faz da
mediação uma forma de solução de conflito diferenciada.
O ser humano, ao tempo em que se apresenta como a obra-prima de Deus, capaz de
executar as mais diversas façanhas, e capaz de satisfazer muitas de suas necessidades,
apresenta dentro de si uma imensa fragilidade, uma grande necessidade de ser querido pelos
outros, e é comandado muitas vezes por um psiquismo inconsciente, que findam por provocar
reações humanas às vezes inesperadas, e até mesmo indesejadas. Essas reações podem dar
origem aos mais diversos conflitos, podem inviabilizar o alcance da solução de um conflito,
enfim, podem gerar situações não animadoras e infrutíferas para a boa convivência humana.
Juan Carlos Vezulla (1998, p. 22 - 23) faz uma colocação importante acerca do conflito
na ótica psicológica que deve ser entendido pelos mediadores, já que estes estarão trabalhando
diretamente com os sentimentos, ideais, contradições e inseguranças dos mediados. Assim
aduz:
A luta entre a procura de satisfação das necessidades; o respeito aos ideais(autoestima) que podem entrar em contradição com essas necessidades, e o que os outros
esperam do sujeito(como deve ser para ser querido), é a chave do conceito de tensão
e conflito na ótica psicológica e de grande importância de ser compreendido pelos
mediadores. Estes planos de querer, dever, ser e procurar ser querido, serão os que
dominarão a comunicação dos problemas e confundirão os clientes, não só na
elaboração dos seus discursos, mas, também, o próprio saber do que desejam
realmente e quais são seus interesses
Como se sabe, toda mensagem só alcança seu objetivo final após a interpretação do
interlocutor, ou seja, não basta que o locutor emita sua mensagem, deve-se aguardar como
esta fora recebida pelo destinatário. Muitas pessoas não conseguem expressar-se de forma
satisfatória, pois não são claras em suas colocações. Muitas falam tanto, até mesmo sem parar,
e ao utilizarem-se de argumentos tão inúteis, não conseguem outro intento senão o de pôr todo
o seu esforço a perder, pois apesar de tanto falar não conseguem atingir o âmago do problema.
Outras dão tantas voltas para falar de um assunto tão simples que findam por cansar a si
mesmo e aos outros, e o pior, sequer alcançam o objetivo pretendido. Com atitudes dessa
natureza pode haver uma má interpretação por parte do interlocutor, e, conseqüentemente,
alguns conflitos podem ser gerados, ou até mesmo pode ser inviabilizada, em uma mediação,
a solução de um conflito.
66
Arnaldo Vasconcelos (1998, p. 15), faz referência a Ludwig Wittgenstein a fim de
buscar destacar a importante arte de ser claro e de bem delimitar um problema para que então
se possa alcançar uma possível solução do mesmo. Veja-se, pois:
Verifica-se, pois, que toda questão tem seu próprio lugar epistemológico, fora do
qual se multiplicarão os desvios que conduzem fatalmente a querelas enfadonhas e
infrutíferas. Daí a inteira procedência do conselho de Ludwig Wittgenstein: ‘ Em
filosofia, deve perguntar-se sempre : Como é que devemos olhar para este problema
de modo a tornar possível a sua solução?’(B,43, n.11). A primeira coisa a fazer, já o
havia respondido o próprio Wittgenstein no Tractatus, ‘ é torná-lo claro e bem
delimitado’(A,77, n.4.112). Afinal de contas, o que se pretende é fazer funcionar o
princípio da navalha de Occam sobre a economia de pensamento, o qual prescreve
não dever-se supor o múltiplo sem necessidade: multiplicitas non ponenda sine
necessitate. A clareza resultará disso. Pelo mesmo motivo, será alcançado com mais
rapidez e maior segurança o objetivo visado.
Baltasar Gracián (2006, p. 76) destaca o que vem ao encontro do acima exposto, e que
pode ser de muita valia em uma mediação:
Ir ao âmago das questões
Tomar logo pulso dos negócios. Muitos se perdem nas árvores mas não atinam com
a floresta, ou põem seus esforços a perder, falando sem parar, argumentando
inutilmente, sem atingir o cerne da questão. Dão voltas e mais voltas, cansando a si
mesmos e os outros, e nunca chegam ao que importa. Têm entendimento confuso,
não sabem como desemaranhar. Desperdiçam tempo e paciência naquilo que
deveriam deixar de lado, e depois não há mais tempo para o que deveriam fazer.
Não se pretende aqui acelerar o processo de diálogo em uma mediação, - até porque o
tempo é marcado pelas partes e o mediador não pode urgi-las, nem demorá-las -, ou aduzir
que a natureza da solução de um conflito pela mediação deve ser mais simples. Não. As
vezes simples poderá ser só as aparências, mas na realidade a solução de um conflito em uma
mediação requer muito esforço e pertinácia, pois o importante é resolver o problema real,
buscando encontrar o problema oculto e trabalhá-lo, não ficando apenas a trabalhar o conflito
aparente. O que se pretende é que as partes tenham maturidade e poder de decisão para dirimir
os seus conflitos, que sejam bem auxiliadas pelos mediadores na forma mais satisfatória de
comunicação, que deixem de lado o desejo obstinado de vingança, pois do contrário a
mediação não encontrará outro caminho senão o de ser frustrada e infrutífera.
Tomando-se por base a existência dessas possíveis falhas de comunicação, tem-se que
na mediação pode-se trabalhar com conflitos reais e falsos.
Os conflitos denominados de falsos são justamente aqueles originados de falhas na
comunicação, e que até que as coisas sejam esclarecidas há uma aparente oposição. Os
conflitos reais, por sua vez, são aqueles entendidos quando de fato há uma oposição
67
envolvendo os mediados, aonde os direitos e desejos de um vão de encontro aos direitos e
desejos do outro.
Nesse diapasão não se pode olvidar da imensa importância do trabalho dos mediadores,
pois, embora não sejam eles os autores do acordo final, mas por meio deles os mediados
podem superar as falhas de comunicação e ser mais claros em suas mensagens, conduzindo,
assim, a mediação para as raias de uma solução plausível e de fato eficiente, onde o conflito
real é de fato trabalhado e o conflito falso é esclarecido.
Sendo, pois, uma das funções mais relevantes do mediador a de impor regras de
comunicação, se faz imprescindível que o mesmo tenha absoluto domínio sobre as mesmas.
Assim ressalta Vezulla (1998) “[...] assim como a responsabilidade dos clientes é a de discutir
o problema, a do mediador é a de como discuti-lo.”
Pode-se concluir, portanto, que para que o mediador possa exercer bem a sua função ele
deverá ser um bom ouvinte, deverá buscar fazer pequenos resumos do que conseguiu extrair
do diálogo proferido entre os clientes, não deve deixar espaços vazios na comunicação, deverá
está atento para que não restem dúvidas nas colocações feitas pelos mediados, buscando
sempre, evidentemente, respeitar o tempo de expressão de cada parte, dando ênfase a
importante arte de escutar.
5 A MEDIAÇÃO COMO FORMA EFICAZ NA SOLUÇÃO DE
CONFLITOS E SUAS PECULIARIDADES
5.1Em que consiste a medição
A mediação é uma técnica de resolução de conflitos que, embora ainda seja
desconhecida de muitas pessoas, tem buscado ganhar o seu espaço com muita
responsabilidade e seriedade.
Por esse meio de solução de conflitos tem-se que uma terceira pessoal, alheia ao
conflito, devidamente preparada para dominar todas as técnicas de comunicação, irá auxiliar
as partes na negociação, sendo que as diretrizes do acordo final devem ser extraídas das
próprias pessoas envolvidas no litígio e não do mediador.
Percebe-se, assim, que a mediação é uma forma de solução de conflito não-adversarial,
onde o conflito será trabalhado não como se competição fosse, mas haverá uma participação
madura, equilibrada, sensata, efetiva e fundamental das partes envolvidas.
Na mediação a decisão final do conflito não será prolatada por uma terceira pessoa,
como é o caso dos conflitos que estão sob a égide do poder judiciário, mas sim irá ser
direcionada pelas próprias partes, onde elas irão buscar trabalhar positivamente seus
problemas, aparentes e até os ocultos, e irão, - com a imprescindível ajuda do mediador no
que tange a guiar a conversa entre os mediados da forma mais pacífica, amigável e proveitosa
possível -, traçar o acordo de solução do conflito.
A mediação consiste, assim, numa proposta de trabalho onde o mediador deve buscar
auxiliar as partes envolvidas em um conflito a evitarem ficar tergiversando sobre um ou mais
problemas que os têm levado a uma convivência desarmoniosa, auxiliando-os a detectarem a
origem real e verdadeira do conflito, a fim de que, após uma conversa madura, cooperativa,
positiva, possam elas mesmas alcançarem a solução mais satisfatória possível para suas
divergências.
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José Vasconcelos Sousa (2002, p. 61) define a mediação como sendo:
[...] uma forma privada informal, de resolução de conflitos, na qual uma terceira
pessoa, neutra, ajuda as partes em disputa a chegar a um acordo. As regras de prova
e processo não se aplicam à mediação. A mediação é um processo confidencial e
muito flexível que pode ser estruturado de forma a ir ao encontro das necessidades
das partes e do tipo de conflito que é mediado. [...].
Lilia Maia de Morais Sales (2003, p.24) , quando fala acerca do que é a mediação
afirma que ela:
É um mecanismo de resolução de controvérsias pelas próprias partes, construindo
estas uma decisão ponderada, eficaz e satisfatória para ambas. Essa decisão
construída possui o mediador como facilitador dessa construção por meio do
restabelecimento do diálogo pacífico.
Imprescindível que se ressalte que, independentemente do problema que esteja sendo
trabalhado em uma mediação, esta só alcançará o objetivo pretendido caso as partes
envolvidas no conflito estejam de fato interessadas em empenhar-se a resolvê-lo, estejam
dispostas a deixarem suas divergências pessoais de lado, eliminando por completo qualquer
desejo de vingança porventura existente em seus corações, e buscarem cuidar da satisfação do
outro tanto quanto da sua própria satisfação.
5.2Pontos mais relevantes na mediação
A mediação tem alguns pontos que merecem destaque, principalmente por ser uma
forma de solução de conflito que tem buscado seu espaço com bastante eficiência, mas ainda
enfrentando muita dificuldade em face da cultura adversarial que está muito arraigada na
população.
Um dos pontos mais relevantes na mediação é o fato de que ela oferece a oportunidade
de duas ou mais pessoas envolvidas num conflito de - através de um diálogo harmonioso buscar descobrir qual é o real problema que está comprometendo a paz, provocando discórdia,
fulminando o bom convívio, para, na seqüência, amadurecerem-no e conseguirem chegar a
uma solução nascida das próprias partes, que ao certo será muito mais eficaz do que a solução
imposta por terceiros, onde o problema real sequer pode ter sido apreciado. Ressalte-se, ainda,
que o alcance dessa harmonia só é possível caso as partes busquem manter uma conduta
cooperativa e pacífica, e só será alcançada, evidentemente, com a preciosa ajuda do mediador,
posto que este faz uso de todas as técnicas de conhecimento de comunicação.
70
Outro ponto bastante relevante na mediação é o fato de que, em tendo sido o acordo
final extraído das próprias partes envolvidas na contenda, é evidente que proporcionará a
possibilidade delas continuarem mantendo suas relações futuramente, sem comprometimento
da qualidade do convívio, posto que o acordo de fato resolve o conflito.
A mediação poderá trazer uma solução para o conflito de forma muito mais célere do
que se as partes tivessem optado pelo método adversarial, por exemplo, o poder judiciário.
Sabe-se que este último encontra-se abarrotado de processos necessitando de apreciação, com
uma infinidade de meios e recursos capazes de procrastinar ainda mais o fim de uma lide,
onde, inclusive, muitas vezes tais meios/ recursos são utilizados de forma leviana pelos
operadores do direito, que, sob a pecha de encontrarem-se legalmente amparados, arvoram-se
no direito de utilizarem-nos com o único objetivo de retardar o andamento e conseqüente
finalização do feito. Eis aqui, portanto, outro ponto bastante relevante na mediação.
Embora seja notório que o Poder Judiciário não está atendendo aos anseios da
sociedade, posto que seu funcionamento é ineficaz em face de inúmeros fatores negativos que
inviabilizam a prestação jurisdicional a contento, tais como: morosidade, custas processuais
elevadas, decisões na maioria das vezes tardias e incompatíveis com a realidade social dos
conflitantes, não se pretende aqui aduzir ser a mediação uma forma de solução de conflito
mais eficiente e completa, capaz, portanto, de substituir o meio adversarial de apreciação dos
conflitos realizada pelo mesmo. Evidente que não.
A mediação é um meio não-adversarial de solução de conflitos que, com suas
características próprias, diversas dos meios adversariais, pode sim vir a auxiliar o Poder
Judiciário, mas jamais substituí-lo.
Todo cidadão tem o direito constitucional de ter suas querelas apreciadas pelo Poder
Judiciário, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
(CF/88 – art. 5º XXXV), não podendo o órgão julgador se eximir de dar solução ao caso
concreto. No entanto, muitos dos conflitos que chegam as raias da justiça poderiam ter sido
resolvidos por outros meios de solução não-adversarial, como por exemplo, pela mediação,
evitando, assim, que o Poder Judiciário fique abarrotado de ações judiciais, e, portanto,
inviabilizado de proporcionar ao cidadão a prestação jurisdicional satisfatória e pretendida.
Tem-se, assim, a mediação como meio auxiliar ao processo judicial. Lilia Maia de Morais
Sales (2004, p. 67), aduz nesse sentido.
71
O processo de mediação como auxiliar ao processo judicial, por outro lado, significa
que o primeiro resolverá os conflitos que podem prescindir do Poder Judiciário,
cabendo a esse Poder a possibilidade efetiva de solucionar os conflitos com maior
qualidade e celeridade. A mediação, dessa forma, apresenta-se como um meio aliado
ao Poder Judiciário, que jamais competiria com este, já que é direito fundamental do
indivíduo a apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito. Como
explica Roberto Portugal Bacella, ‘ a mediação não visa acabar ou competir com as
atividades do poder Judiciário, até porque nenhuma lesão ou ameaça de direito pode
ser substituída do Poder Judiciário’.
Outro ponto bastante relevante na mediação, especialmente a mediação comunitária,
aquela que funciona dentro de uma comunidade carente, é o fato dela proporcionar uma nova
ordem com base na solidariedade humana, uma vez que ela faz com que os conflitos sejam
resolvidos pelas próprias partes, e que, ao buscarem resolver seus problemas tendem a
alcançar uma maior conscientização de direitos, a buscar novas formas de relacionamento, a
ter um acesso material à Justiça, e a perceber que devem se incluir na sociedade não como um
peso para o Estado, mas como um cidadão com direitos constitucionais garantidos e
merecedores de viver usufruindo da verdadeira paz social.
Lília Maia Sales (2004, p. 159 e 167), defende, com muita propriedade, o acima exposto
quando diz que:
A mediação comunitária torna-se a possibilidade do acesso material á Justiça para os
indivíduos excluídos da sociedade. Representa não só a possibilidade do acesso á
Justiça por aqueles que jamais a alcançariam pelos meios tradicionais, como a
inclusão social deles, já que lhes atribui a responsabilidade de decidir o conflito (em
pé de igualdade). O sentimento de inclusão, de não-abandono, cria laços entre os
indivíduos que os fazem mais fortes, evitando conflitos e conscientizando-os para o
bem-estar social.” (p. 159); “Ensina-se a paz quando se ensina a resolver e prevenir
os conflitos de maneira amigável, quando se restaura o diálogo, quando se oferece
possibilidades de conscientização de direitos e de responsabilidade social; quando se
substitui a competição pela cooperação, o individual egoísta pelo coletivo solidário.
É evidente que existem outros pontos relevantes na mediação, mas os acima
referendados já são suficientes para fazer crer que essa forma não-adversarial de solução de
conflitos é bastante eficaz, necessitando, apenas, incorporar-se na cultura do nosso povo, a
fim de conseguir atingir cada vez mais a credibilidade necessária para que ela possa ocupar
um lugar de destaque no que se refere as soluções de conflitos.
5.3A mediação como fonte de auxílio
É evidente que não se pretende afirmar no presente trabalho ser a mediação a melhor e
infalível forma de solução de conflitos, mas pretende-se propagá-la por acreditar que a mesma
apresenta mais características positivas do que negativas.
72
A mediação, além de auxiliar as partes envolvidas num conflito a buscarem elas
próprias a solução de suas contendas, - trabalhando não só os conflitos aparentes, mas sim os
conflitos reais -, faz brotar na mente e no coração do homem a sensação de que ele é capaz de
argumentar, de controlar suas emoções e manter um diálogo construtivo para alcançar um fim
positivo para si e para a outra parte.
A partir do momento em que o homem conseguir participar positivamente de uma
mediação, ao certo a sua concepção de relacionamento, de vida, de cidadão detentor de
direitos e deveres, sua visão acerca dos conflitos, irá sofrer uma acentuada transformação. Daí
dizer-se que uma das principais características da mediação é o seu caráter transformativo.
No entanto, para que a mediação faça acender essa nova luz de vida para os mediandos,
- sendo uma poderosa fonte de auxilio para eles, aonde irão ter a oportunidade de se sentirem
mais incluídos dentro da sociedade, mais capazes de dialogarem em busca de seus direitos,
capazes de transformar o entendimento sobre o conflito, portanto, tornando-se mais
conscientes não só socialmente, mas também econômica e politicamente -, é necessário que
haja um trabalho cooperativo entre os participantes, incluindo-se, evidentemente, o mediador.
O trabalho consciente e comprometido de todos é, pois, uma fonte inesgotável de auxílio e
transformação.
Lilia Maia de Morais Sales (2003, p. 25), fazendo referência Joseph P. Forger e Robert
A. Bush, aduz que esses estudiosos
[...] explicam que o conflito pode ser transformado, ou seja, o mediador, por
intermédio de sua competência, poderá conseguir modificar o entendimento das
partes sobre o problema. De algo negativo, o conflito passa a compreender o
caminho para o entendimento, para a harmonia entre as partes. Assim o conflito é
entendido de maneira positiva e a sua solução torna-se mais simples.
Não se pode esperar tal resultado positivo, inclusive com caráter transformativo das
partes, se não houver um entendimento acerca dos benefícios que a mediação poderá
proporcionar, e, em sabendo, que haja um compromisso ativo de todos, com real intenção de
resolver suas contendas.
Como é de plena sabença, na grande maioria dos casos em que duas ou mais pessoas
estão envolvidas em um conflito, há entre elas um rancor, ou uma mágoa, ou um desejo de
vingança, ou uma quebra de fidúcia, enfim, há, indiscutivelmente, um ou mais sentimentos
73
negativos que muitas vezes são colocados em uma lente de aumento, restando, portanto, caso
assim permaneça, inviabilizado o bom andamento de um diálogo.
Ora, em sendo a mediação uma forma de solução de conflitos onde o diálogo é
instrumento imprescindível para a boa conclusão dos trabalhos, fica bastante complicado
quando as partes, ou uma das partes dramatiza o problema, - fazendo muitas vezes a situação
conflituosa mais problemática do que de fato é -, ao ponto de impedi-la de racionalizar os
fatos a fim de facilitar o alcance de uma solução plausível e satisfatória para todos.
Assim, há que se reconhecer que a mediação é uma poderosa fonte de auxílio, mas que
pouca valia terá se os conflitantes não se empenharem no sentido de pretenderem resolver
suas divergências de forma pessoal, levando-se em consideração não só a sua própria
satisfação, mas também respeitando a satisfação do outro, buscando desarmar-se de todo
sentimento negativo que porventura esteja rondando sua mente ou o seu coração, pois, do
contrário, não se conseguirá alcançar outro resultado na mediação senão o de presenciar as
partes sem saber que rumo seguir, e, o pior, - por dar a mediação justamente a oportunidade
das partes falarem -, haver uma verdadeira manifestação negativa de sentimentos. O mediador
deve, portanto, ter o bom senso de saber discernir quando será frutífero prosseguir com uma
mediação, ou quando será melhor encerrar a sessão de mediação a fim de evitar o surgimento
de barreiras psicológicas desnecessárias, e, até quem sabe, o agravamento do conflito já
existente.
5.4A pré-mediação e seus pontos críticos
A mediação ainda está percorrendo um caminho dentro da sociedade a fim de se fazer
conhecida, aceita, respeitada e acolhida pelos cidadãos como forma eficiente e eficaz na
solução de conflitos. Esse caminho é árduo e ainda está longínqua a sua chegada ao ponto
ideal de reconhecimento e aceitação, por isso, evidentemente, se faz ainda mais importante
que todos os profissionais que trabalham com a mediação tenham muita responsabilidade em
suas ações, em suas colocações, tenham zelo pelo seu trabalho, a fim de cada vez mais
conquistar a confiança e credibilidade junto aos seus mediados, e estes possam, satisfeitos,
continuarem buscando a mediação como forma de solução de seus conflitos, bem como
possam indicá-la para outras pessoas de seus convívios.
Sabe-se também que a mediação, embora seja uma forma bastante positiva na solução
dos conflitos, não é adequada para determinados casos. Assim, pela pré-mediação será
74
possível fazer uma análise se de fato o caso apresentado é ou não passivo de ser trabalhado
pelo processo da mediação.
A participação em um processo de mediação deve ser absolutamente voluntária.
Ninguém participa de um processo de mediação a não ser mediante a vontade,
absolutamente livre. [...] a voluntariedade é condição sine qua non para o andamento
do processo, dadas as características dos resultados a serem alcançados. O objetivo é
o consenso transformado em acordo com relação às questões em discussão. Como
alcançá-lo sem a participação espontânea dos interessados? (SERPA, 1999, p. 154).
Pelos pontos acima expostos, é importante que antes da mediação propriamente dita
haja um encontro entre os pretensos mediados com alguém ligado ao trabalho de mediação,
podendo ser, inclusive, o próprio mediador, a fim de que nesse primeiro contato sejam
esclarecidos, detalhadamente, para os mediandos, alguns pontos, tais como: - Qual o objetivo
daquele primeiro encontro; - Em que consiste o processo de mediação; - Tentar passar para os
mediandos o maior grau de confiabilidade no processo ao qual eles irão submeter os seus
conflitos; - Deixar esclarecido que o papel do mediador não é o de tomar nenhuma solução
por eles; - Deixar cristalino que o mediador não dá assessoramento legal, apenas conduz
diálogo; - Buscar eliminar a adversariedade entre os mediandos; - Estimular o espírito de
cooperação entre as partes; - Escutar atentamente o que cada um deseja; - Buscar alimentar a
confiança mútua ; enfim, trabalhar para que no momento da mediação as partes estejam
seguras e preparadas para que possam alcançar um acordo final positivo.
5.5Lado emocional na mediação
Vive-se em sociedade, e em todos os ambientes onde duas ou mais pessoas mantêm
uma relação constante, quer por laços familiares, por amizade, por interesses políticos, relação
de trabalho, relação de cliente, por serem vizinhos, enfim, pelos motivos mais diversificados
possíveis, é evidente que se pode nascer um conflito.
A origem dos conflitos se dá porque nessa necessária convivência humana há a maior
diversidade de pensamentos, ideologias, crenças, valores culturais, educação, enfim, as
pessoas não são iguais, não pensam de forma igualitária, mas antes pelo contrário.
Todos os seres humanos militam com o conflito, em todos os espaços, por muito
tempo. Quando não se trata de conflitos externos, com outras pessoas ou grupo de
pessoas, são conflitos internos oriundos do arquivo de conceitos, princípios e
sentimentos de cada um. (SERPA, 1999, p.13).
75
Essa forma diferente de ser de cada indivíduo deveria ser vista como uma bela e
valorosa característica do ser humano, e como a maior confirmação da criação Divina. No
entanto, assim não o é, mas sim muitas vezes é visto como uma barreira para uma convivência
harmoniosa, pacífica, pois, infelizmente, cada pessoa quer ter, na maioria das vezes, a falha
pretensão de que a verdade está com ela, de que aquilo que o outro pensa, faz ou crer é algo
sem importância, é infantilidade, chegando muitas vezes a humilhar e menosprezar as ações e
colocações feitas pelos outros. Pergunta-se, - Com que razão tem-se a pretensão de querer ser
o único detentor dos bons pensamentos, das boas idéias, do bom comportamento, da mente
infalivelmente privilegiada? Devia-se pensar mais nisso para que se alcançasse a maturidade
de respeito, de saber ouvir, de saber calar, a arte da humildade, da sabedoria, enfim, a arte de
bem saber viver consigo mesmo e com os outros.
Baltasar Gracián (2006, p. 65), tem uma colocação que destaca justamente o fato de que
se o ser humano soubesse valorizar as diferenças poder-se-ia realizar maravilhas.
Saber associar-se. É muito eficaz o convívio; a companhia pode realizar maravilhas.
Hábitos, gostos e até a inteligência se comunicam por este caminho sem que se
perceba. Procure, pois o decidido se juntar ao hesitante, e assim os demais tipos de
temperamentos. Assim se conseguirá o equilíbrio sem violência. Requer muita
habilidade saber adaptar-se. A alternância de opostos torna o universo belo e o
sustenta, e nos hábitos humanos causa uma harmonia ainda maior do que na
natureza. Valha-se deste conselho ao selecionar amigos e criados. A comunicação de
extremos produzirá um discreto e valioso meio-termo.
Outro ponto bastante relevante que provoca a desarmonia nas convivências sociais é o
fato de que na maioria das vezes que uma pessoa comete erros, fraquezas advindas da sua
própria natureza humana, ela não admite reconhecer que errou, não tem humildade de aceitar
ser falho e com limitações, chegando até mesmo a muitas vezes a ofender o já ofendido, a
vítima, querendo justamente com essa lamentável atitude intimidar toda e qualquer forma de
manifestação da outra parte que porventura venha a expor aquilo que ela própria não quer
enxergar, e que, por sua pequenez de coração, prefere fugir e negar, - muitas vezes até de
forma agressiva -, seus atos falhos, do que reconhecê-los e tentar reverter a situação
conflituosa que provocara. Na maioria dos casos, um simples pedido de desculpas talvez fosse
suficiente para fazer voltar a paz e harmonia entre as partes.
Diante dessa diversidade de pensamentos, de personalidades, de hábitos culturais e
sociais diferentes dos seres humanos, diferenças de humor, de medos, de ansiedade, dentre
outros fatores, pode-se afirmar que, numa mediação talvez a tarefa mais difícil para o
mediador, e que requer dele um grande grau de sensibilidade e de perspicácia, é o de conhecer
76
e controlar as emoções dos mediandos e da sua própria emoção. “Portanto, embora o
mediador não seja um terapeuta, ele deve estar familiarizado com as técnicas psicológicas
para auxiliar as partes a lidarem com suas emoções” (FIORELLI, 2004, p. 199)
Naturalmente, o mediador deve estar atento aos componentes sócio-culturais que
influenciam na forma como as pessoas manifestam suas emoções e que, nesse
momento, possuem grande importância. É reconhecida a maneira hermética como as
pessoas de certas regiões do país se comportam quando se relacionam, enquanto em
outras áreas a interação é muito mais aberta.
Sabe-se que podem comparecer para uma mediação pessoas nas mais diversas
condições: controladas, descontroladas, equilibradas, desequilibradas, pessoas de boa-fé, de
má-fé, pessoas que apresentam problemas de saúde mental, transtornos mentais, transtornos
relacionados ao estresse, ansiedades, medos, pessoas com reações inesperadas de ódio, ira,
vingança, enfim, pessoas que podem encontrar-se com o seu lado emocional totalmente
comprometido. Importante, então, que o mediador busque controlar-se e não demonstre medo
ou fragilidade, mas sim busque manter um equilíbrio e tente passar aos mediados um
comportamento seguro, de confiança, de paz.
Nesse sentido ressalta Fiorelli, (2004, p. 202): “O mediador deve estar ciente de que
explosões emocionais podem ocorrer durante o processo de mediação. O primeiro passo para
administrá-las é não reagir a elas. Reagir significa demonstrar fragilidade e abrir, ao
mediando, um caminho para controlar as sessões.”
Outro cuidado que o mediador deve ter é o de não irritar ainda mais o mediando, que já
se encontra nervoso, com colocações inadequadas, tal como “O senhor está muito nervoso”,
pois, como destaca Juan Carlos Vezulla (2001, p. 80).
, “Normalmente quando dizemos ‘Observo que o senhor está nervoso’ conseguimos o
contrário do que esperamos, irritamos mais ao mediado e impedimos que ele fale sobre isso.”
A ira é uma emoção negativa e nociva a quem a alimenta, e, ao certo, se o conflito entre as
partes começar a ser trabalhado sem que esse sentimento tenha sido transformado, ou pelo
menos neutralizado, os mediandos serão conduzidos a uma conduta desgastante, e,
conseqüentemente, não se alcançará um resultado positivo no final do processo, pois,
A ira constitui uma emoção altamente prejudicial aos mediandos. Além de conduzir a
condutas inadequadas, que em nada contribuem para o bom andamento do processo,
ela drena a energia do indivíduo que deixa de se concentrar na busca de novas opções
e fecha-se para os argumentos dirigidos ao acordo. (FIORELLI, 2004, p. 202)
77
O ódio é outra emoção negativa inibitória da capacidade de raciocínio, pelo que
igualmente deve ser trabalhado pelo mediador no sentido de retirar essa pessoa que se
encontra com esse sentimento dessa areia movediça, e transportá-la para uma terra fértil onde
se possa trabalhar esquecer-se do passado e concentrar-se na possibilidade de estruturar um
futuro mais feliz.
O mediador deve tentar colocar o foco do conflito no problema em si, retirando-o do
outro mediando. Veja-se o que propõe Fiorelli (2004, p. 204):
Ao se deparar com o ódio, o mediador deve lutar para conseguir que o foco do
mediando mude do passado – onde o conflito terá colorido toda a paisagem da
memória – para o futuro, que ainda é percebido, por ele, como o lugar da vingança.
É essencial colocar o foco das atenções nos problemas, tirando-o do inimigo, que é o
outro mediando. Como bem acentua Acland (p. 273), ‘não há resposta fáceis.
Ao mediador, portanto, é atribuída a nobre tarefa, não de julgar, como é o caso do juiz,
não de funcionar como conhecedor profundo de determinado assunto a fim de exarar uma
decisão técnica, como é o caso dos árbitros, mas sim de ser uma pessoa que busque, antes de
mais nada, motivar os mediandos para uma mudança positiva, para um controle de emoções e,
conseqüente obterem competência psicológica para encontrarem, a partir deles próprios, uma
solução para seus conflitos.
O mediador deve, pois, para exercer bem a sua função, além de ser uma pessoa calma e
equilibrada, manter uma relação de confiança entre ele e os mediados, devem manter uma boa
interação, pois:
A chave para abrir o cofre onde as pessoas escondem suas emoções chama-se
‘relacionamento interpessoal’. Mediador e mediandos devem interagir intensamente
para que os sinais – ainda que tênues – reveladores das emoções, possam despertar a
percepção do mediador(e dos mediandos) para suas presenças. (FIORELLI, 2004,
p. 199)
Destaque-se nessa oportunidade o Decálogo da boa emoção, descrito no livro
“Psicologia na Mediação - Inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais”, já
anteriormente mencionado, (2004, p. 201) que servirá de guia para que um mediador possa
buscar seguir um caminho positivo no acompanhamento de uma mediação.
DECÁLOGO DA BOA EMOÇÃO
01 Mantenha-se calmo e, sempre que couber, sorria.
02 Transmita um clima emocional positivo.
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03 Crie foco nos problemas – elimine focos nas pessoas.
04 Faça com que as pessoas possam falar sem interrupção.
05 Proíba qualquer ataque verbal ou gestual.
06 Traduza frases emocionais para linguagem objetiva e sem julgamento.
07 Assegure-se de que todas as idéias estão claras para todos.
08 Assegure-se de que todos possuem a mesma percepção de cada idéia.
09 Aceite as expressões de sentimento, sem se envolver emocionalmente.
10 Mantenha a ordem e faça cumprir os procedimentos estabelecidos.
Assim, não há como se deixar de reconhecer a valorosa experiência da mediação como
forma de solução de conflito, pois ela é capaz, - com a ajuda de uma terceira pessoa alheia a
relação, o mediador, estando esse devidamente preparado e instruído com todas as boas
técnicas de mediação-, fazer com que as próprias partes busquem mergulhar profundamente
na situação conflitante, e, controlando suas emoções, seus sentimentos, - sem deixá-los,
entretanto, de serem observados, valorados e respeitados -, façam uma analise madura do
contexto geral dos fatos, provocando reflexões, vislumbrando-se os interesses de cada uma
das partes, - embora estes nem sempre sejam fáceis de serem identificados -, para, a partir daí,
trabalharem de forma ampla, equilibrada, não só o conflito aparente, mas também buscando
identificar o conflito real e sobre este encontrarem, juntos, a melhor solução para o caso
concreto.
5.6Mediação e seu caráter transformativo
Quando se objetiva propagar o relevante papel da mediação como forma de solução de
conflitos, é evidente que não se pretende questionar a competência do poder judiciário em
apreciar as lides que lhe são submetidas, posto que é, inquestionavelmente, positiva e
importante para a sociedade, sendo este, inclusive, um direito do cidadão constitucionalmente
garantido.
Embora se reconheça, evidentemente, a importância do poder judiciário no julgamento
das lides que lhes são afetas, não se pode, também, deixar de admitir a extrema necessidade
de uma reforma no sistema jurisdicional como um todo, pois já de longas datas o mesmo vem
enfrentando uma grave e preocupante crise de credibilidade.
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Como já foi levantado anteriormente no presente trabalho, infelizmente, muitos fatores
negativos, tais como: morosidade, acúmulos de processos nas varas, custas processuais
elevadas, artifícios procrastinatórios utilizados pelos operadores do direito, dentre outros, têm
revestido o poder judiciário de uma mácula que compromete a confiança do cidadão se que de
fato a justiça será aplicada, e se a será em tempo hábil.
Não se pode deixar de ressaltar também que a contenta judicial tende a criar para os
indivíduos envolvidos nela uma animosidade negativa, capaz de complicar ainda mais uma
relação que se encontra fragilizada por algum desentendimento, discordância. Como diz Luiz
Fernando Gevaerd (1994, p. 12):
Nenhum conflito nasce insolúvel. Mas pode vir a tornar-se assim. A passagem de
um desentendimento banal para uma briga apaixonada, com inúmeros
desdobramentos, pode ser muito rápida.
Quantas vezes os disputantes passam diretamente da controvérsia inicial para uma
ação judicial litigiosa, sem nenhuma etapa intermediária que vise a impedir o
crescimento da animosidade entre eles?
Uma coisa é certa: em grande parte das vezes, uma simples intimação ou notificação
judicial contra o oponente desencadeia um clima que em nada ajudará futuras
tentativas de negociação.
A mediação oferece justamente a oportunidade de duas ou mais pessoas envolvidas num
conflito de dialogarem, e, em dialogando, evidentemente de forma emocionalmente
controlada, há uma troca habilidosa de mensagens que redundará no esclarecimento de uma
série de mal-entendidos e discordâncias.
Em tendo as partes a oportunidade de dialogarem, sem apelarem logo para a instância
judicial, podem chegar a um acordo satisfatório para todos, já que o clima de animosidade
criado pela simples existência de uma ação judicial não chegou a ameaçar os brios de
ninguém.
A partir dessa oportunidade que as partes possuem de participarem de um diálogo
maduro e bem dirigido pelo mediador, - que deve ser conhecedor de todas as técnicas de
comunicação, pois, mesmo sem influenciar no acordo final, deverá está apto a bem conduzir
as partes a fim de que melhor se interajam, sintam-se a vontade e confiantes para falarem
acerca de tudo que está envolvido com o conflito, e, ao mesmo tempo, tentando fazer com que
o ambiente cortês entre os mediandos seja sempre mantido - é que se é possível alcançar de
fato, não só a solução de um problema, mas sim dando todo um enfoque transformativo para
os mediandos que, a partir de tal experiência serão capazes de trabalhar melhor as situações
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da vida das quais serão submetidas, pois foram, ao certo, agraciados com um valoroso
crescimento moral.
Vislumbrar a mediação não só como um instrumento capaz de bem auxiliar na solução
de um conflito, mas também como eficaz em proporcionar as pessoas a oportunidade de terem
transformadas a sua capacidade de bem melhor se relacionar, capacidade de fomentar a
própria consciência no que tange ao seu real valor, contextualizar-se melhor e administrar-se
com mais propriedade dentro dos próprios conflitos que o simples fato de sua existência
humana lhe faz submeter-se, é de uma grandeza imensurável.
Ter a mediação apenas como um método de negociação colaborativa, assistida por uma
terceira pessoa, em busca da resolução de um problema, como propõe o modelo de Harvad -“
El Modelo de Harvard define básicamente la mediación como uma negociación colaborativa
asistida por um tercero, y su enfoque teórico se conoce com la orientación a la “resolución
de problemas” – (TAPIA, 1999, p. 25) – , parece privá-la de alcançar o “pódio” no quesito
“Auxílio a evolução humana”.
Nesse sentido ressalta Francisco Diez y Gachi Tapia (1999, p. 26):
En el extremo del modelo de solución de conflictos que propone Harvard, se
encuntra el Modelo Transformativo orientado a la comunicación y las relaciones
interpersonales de las partes. Sus creadores (Bush y Folger), proponen
diferenciarlo del modelo anterior al que incluyen dentro de lo que denominan
historia de la satisfacción, al darle um enfoque terapéutico en un marco que Ilaman
la historia de la transformación.
Para ellos el objetivo de la mediación no es el acuerdo sino el desarrollo del
potencial de cambio de las personas al descubrir sus propias habilidades.
Focalizan em las relaciones humanas com la intención de fomentar el crecimiento
moral, destacando la capacidad de este procedimiento para promover la
revalorización y el reconocimiento de cada persona.
No entanto, “A fim de se realizar a mudança de uma orientação de resolução de
problema para uma abordagem transformacional, é preciso uma nova compreensão da
comunicação.” (SCHNITMAN, 1999, p. 73)
A capacidade de comunicação é um bem precioso do ser humano, que, detentor de
inteligência, diferencia-se dos outros animais, pelo que não se discute a plena competência
dele de bem melhor utilizar esse instrumento de socialização com metas transformacionais.
81
Schnitman (1999, p. 75), faz referência a uma nova forma de ver a comunicação, sendo
vista essa sob uma perspectiva construcionista social. referendada, há um resumo dessa nova
visão:
Em suma: uma perspectiva construcionista social modifica a compreensão mais
comum da comunicação de três maneiras: primeira: ao invés de descrever a
comunicação como um intercâmbio de mensagens isoladas, os construcionistas a
descrevem como um processo de criação conjunta de significados no qual as
práticas, as relações, as identidades e outras formas de realidade social são
construídas; segunda : ao invés de descrever a comunicação como a transmissão
intermitente de mensagens, os construcionistas a descrevem como padrões contínuos
de interação; terceira : ao invés de descrever a comunicação em termos de causa-eefeito linear, os contrucionistas a descrevem em termos de sistemas em evolução.
Percebe-se, portanto, que a ação comunicativa é de crucial importância, pelo que deve,
pois, ser um instrumento poderoso na mão do mediador a fim de se alcançar resultados
positivos nas mediações, não só para resolver o conflito em si, o que por si só já é de profunda
importância, mas para inserir o cidadão dentre do contexto social com muito mais capacidade
de avaliar, escolher, resolver, decidir, interagir, participar, controlar-se, enfim, com mais
capacidade de construir outras perspectivas sociais.
6 A
AÇÃO
COMUNICATIVA
COMO
FATOR
CONTRIBUTIVO NA BUSCA DOS INTERESSES SOCIAIS,
NA BOA CONVIVÊNCIA E NA PAZ SOCIAL
“Si tenemos que definir nuestra práctica no dudamos en
decir que la mediación es comunicacíon” (TAPIA,
1999, p. 29).
Comunicar-se é um ato de crescimento. As vezes se faz mal alguma coisa por
inconsciência. Por falta de se considerar as próprias atitudes. Acha-se que sempre a verdade
está consigo. Que os outros devem tolerar e agüentar tudo. Paralisa-se o crescimento da união,
pelo uso indevido do poder de comunicação. E despreza-se o fato de que comunicando-se,
cresce-se e leva-se o mundo a crescer também.
Como se acabou de verificar, o diálogo entre as pessoas é de fundamental importância
para que se alcance a harmonia entre os membros de uma sociedade, e, conseqüentemente,
possa contribuir para que estes, convivendo de forma harmônica e mais conscientes devido a
boa prática da linguagem, possam reivindicar que seus direitos sejam respeitados, e,
conseqüentemente seja alcançada a paz social.
Na sociedade moderna, em decorrência da excessiva busca por uma posição social
privilegiada, tem-se percebido que a linguagem (diálogo entre as pessoas) tem sofrido uma
severa redução, sendo, a cada dia que passa, substituída pelo poder ou pelo dinheiro.
A falta de diálogo entre as pessoas de uma sociedade é bastante prejudicial, pois sem ele
os membros dessa sociedade assumem uma posição passiva diante dos acontecimentos
sociais, políticos e econômicos, e passam progressivamente a não participar das mais diversas
decisões, nos mais diversos setores, que, direta ou indiretamente, vão influenciar em suas
vidas. “O futuro será horrível se não pudermos imaginar um mundo em que homens e
mulheres dominem a sua tecnologia através do diálogo.” (BARBOSA, 2002, p. 60)
Lília Maia de Morais Sales (2004) a fim de destacar o importante papel do diálogo em
uma sociedade, dedicou um capítulo específico para tratar da Teoria da Ação Comunicativa
83
de Jurgen Habermas. Essa Teoria, como bem afirmou Lilia Sales (2004, p.171), “[...] procura
um conceito comunicativo de razão e um novo entendimento da sociedade, ou seja, sociedade
na qual os indivíduos participam ativamente das decisões individuais e coletivas
conscientemente, ensejando-lhes a responsabilidade por suas decisões.[...]”.
Como um indivíduo pode participar ativamente das decisões individuais e coletivas sem
que tenha domínio da linguagem, sem que saiba se comunicar de forma satisfatória?
Evidentemente que essa participação só será possível com o aprimoramento da ação
comunicativa.
O poder e o dinheiro, conforme mencionado alhures, têm afastado a ação comunicativa
da sociedade moderna, posto que eles substituem a linguagem.
Nota-se, também, que não há interesse político em contribuir com a ação comunicativa,
posto que quanto menos os indivíduos de uma sociedade se conscientizarem de seus direitos,
quanto menos estiverem unidos, sem força coletiva, sem argumentos plausíveis e bem
estruturados em busca da efetivação dos seus direitos, melhor para a mantença de uma política
social fraca, pobre e exploradora, onde o povo aceita apaticamente todos os acontecimentos
políticos aviltantes, todo o descaso político com os direitos sociais, enquanto os governantes
usufruem poder e riqueza as custas de um povo sem instrução, sem força argumentativa, e,
conseqüentemente, cada vez mais medíocre.
A falência da ação comunicativa é tão flagrante que a sociedade não consegue mais
manter um diálogo proveitoso e rico nem nas próprias famílias, nem nas escolas, nem nas
associações de bairro, nem nos sindicatos, enfim, em nenhum setor. A família e a sociedade
estão pagando um preço muito alto por essa falta de diálogo, pois se tem visto de forma
crescente a desestruturação familiar, rebeldia dos filhos, impasses entre alunos e professores,
desavenças entre vizinhos, enfraquecimento das forças sindicais, enfim, é preciso de fato, e
com urgência, fazer renascer o diálogo entre as pessoas, o espírito cooperativo, solidário,
respeitoso, enfim, é necessário, dentre outros fatores, buscar estimular a aplicação da teoria da
ação comunicativa, pois do contrário ter-se-á o caos social e um comprometimento na paz
social.
Dotados de inteligência, o ser humano tem necessidade de se comunicar. Pela
comunicação o homem revela o que está dentro dele. Toma-se conhecimento do que pensa o
outro. Haverá, assim, possibilidade de entrosamento.
84
A mediação é um meio de solução de conflito que busca exatamente estimular o uso do
diálogo entre as partes envolvidas na contenda, fazendo com que elas mesmas possam extrair
do seu diálogo a melhor maneira de se entrosar e de solucionar os seus próprios problemas.
Daí a sua grandiosa importância dentro da sociedade.
É evidente que a falta de diálogo que tem atingido a sociedade moderna é um fator
negativo para a boa prática da mediação, já que esta é eminentemente desenvolvida na base da
comunicação entre as partes conflitantes, e os indivíduos não estão estimulados ao uso da
linguagem.
Se faz, portanto, necessário que seja estimulado na sociedade a prática do discurso,
sendo que este, segundo Lília Sales (2004, p.177),
deve ser realizado de maneira que todo indivíduo interessado possa agir e falar,
problematizando as afirmações, introduzindo novas declarações no discurso,
esclarecendo sobre suas convicções, não sendo possível a imposição de qualquer
barreira para a expressão do discurso.
Dora Fried Schnitman e Stephen Littlejohn, (1999, p. 213), a importância do diálogo em
uma mediação, importância do ouvir e do falar, também é ressaltado:
O diálogo não leva, necessariamente, ao acordo, mas pode resultar em entendimento
e respeito entre adversários. No diálogo, falar por si mesmo e a partir da experiência
pessoal é fundamental. No diálogo, ouvir é tão importante quanto falar, e o
tratamento respeitoso é crucial. No diálogo, os disputantes conversam diretamente
um com o outro. Eles fazem perguntas um ao outro motivados por uma curiosidade
legítima e pelo desejo de saber mais.
Importante se ter em mente que não só o que se diz, mas o como se diz, também é fator
contributivo para o alcance de um resultado positivo na mediação. “Sin embargo, existen
otros canales o niveles para comunicarse, que no siempre son conscientes. Gran parte del
significado está contenido em estos otros niveles; la manera como decimos algo es más
importante que lo que decimos.”(TAPIA, 1999, p. 29).
Como se percebe pela colocação acima posta, não se pode aqui afirmar que a mantença
de um diálogo é garantia para obtenção de um acordo positivo na mediação, mas é um
caminho para que um conflitante possa conhecer as idéias do outro, e até mesmo as suas
próprias idéias, para que possam organizá-las, e então possa ser possível furar a barreira do
conflito aparente e se possa atingir o conflito real, sendo este o principal foco a ser trabalhado.
85
Pelo diálogo, é possível vislumbrar o que permeia a mente de cada um dos conflitantes,
e muitas vezes se percebe que os pontos de indefinição não são tão claramente definidos
quanto as partes acreditavam que fosse a princípio.
Ressalte-se, entretanto, que não basta às partes começarem a dialogar para dar
prosseguimento a mediação. É importante que esse diálogo seja limpo, sincero, despido de
medos, isentos de rancores tais que impeçam a visão nítida do problema porque se a mente já
se encontrar totalmente poluída com algum sentimento negativo, tais como: de vingança, de
ira, de ódio, enfim, reconhece-se que o diálogo positivo pode não ser tão fácil de ser atingido.
No entanto, a riqueza na relação que será extraída quando se consegue atingi-lo é
indiscutivelmente positiva.
“Mediar um conflito significa chamar as partes à razão. E a melhor maneira de fazer
isso é levá-las, pelo menos, a falar como pensam. E garantir que o que é dito por uma parte
seja compreendido pela outra com o cérebro, e não com a emoção. ”(GEVAERD, 1994, p. 41)
Não se pode, entretanto, deixar de ressaltar que, dependendo da cultura de cada uma das
partes envolvidas no conflito, os padrões de comunicação podem ser diferentes. Em alguns
lugares apresentam a cultura “monocrônica”, ou seja, enquanto uma pessoa fala outra
simplesmente escuta, sem efetuar interrupções. Já para outros lugares, que apresenta a cultura
“policrônicas”, podem ocorrer várias conversas ao mesmo tempo, interrupções, enfim,
verifica-se que uma é exatamente o extremo oposto da outra. Assim, cabe ao mediador, diante
dessa divergência cultural de comunicação, buscar um equilíbrio, e, caso ele não consiga
ajustar as diferenças, ao certo o diálogo poderá restar comprometido.
Assim destaca Christopher W. Moore (1998, p. 187):
Os padrões de comunicação também podem diferir entre as culturas. Algumas
culturas, como a cultura da maioria dos Estados Unidos, são “monocrônicas”, em
que os acontecimentos ou atividades de um grupo humano ocorrem um de cada vez
(Hall, 1983). Uma pessoa fala e a outra escuta. Várias outras culturas, como muitas
encontradas em torno do Mar Mediterrâneo, são “policrônicas”, pois muitas
atividades e conversas podem ocorrer ao mesmo tempo. Estes padrões de
comunicação podem afetar muito o tipo de diálogo que ocorre entre o mediador e as
partes durante a declaração de abertura, assim como a discussão ou a argumentação
entre as partes. O que para uma cultura parece ser grosseria, interrupção e escuta
desatenta, será uma discussão justaposta aceitável em outra. Os mediadores podem
precisar ajustar seus padrões de comunicação quando trabalharem em ou entre
culturas monocrônicas e policrônicas, adotando ou adaptando-se à cultura das partes,
discutindo abertamente e chegando a um acordo sobre as normas de comunicação
que serão usadas na sessão ou fazendo adaptações quando as partes de diferentes
culturas estiverem relacionando-se.
86
Assim, em sendo a mediação uma forma de solução de conflitos que explora muito o
diálogo para que se consiga um acordo final justo e bom para todas as partes envolvidas no
conflito, o mediador, como ponto crucial para o bom andamento da reunião de mediação,
deve buscar dominar todas as técnicas de comunicação, bem como deverá pactuar com as
partes, caso haja divergência de culturas de comunicação, quais serão as normas de
comunicação que serão utilizadas.
Vezulla (1998, p. 27) ressalta essa importância de que o mediador domine as regras de
comunicação, “O mediador, longe de impor sentenças, impõe regras de comunicação,
inclusive com seu exemplo. Daí a importância de que as conheça completamente”. Malhadas
Junior (2004, p. 294), também faz referência ao importante uso da linguagem, reconhecendo
que “A mediação é uma ação que se desenvolve nos campos da linguagem e do pensamento –
a comunicação é o meio pelo qual se estabelece – ou não – o relacionamento interpessoal.”
Malhadas Junior (2004, p. 294) faz uma importante colocação que merece destaque,
qual seja:
Cada família, empresa ou sociedade possui sua própria linguagem. O que, para uma
delas, significa ‘amor’, para outra pode ser apenas ‘atenção’; quando alguém diz que
‘fará tudo pelo outro’, pode significar muito ou, apenas, retórica – somente quem
compreende a linguagem pode interpretá-la.
“Como nem sempre uma parte compreende o que a outra diz, é tarefa do mediador
traduzir as posições de cada uma em termos aceitáveis, reduzindo as diferenças de percepção
e os desníveis culturais que possam existir.” (GEVAERD, 1994, p. 43). “Una de las
funciones clave del Mediador consiste en ayudar a cada parte a comprender lo que la outra
realmente dice o pide.” (URY, 2000, p.157). Daí mais uma grande informação confirmadora
de que o mediador deve ser detentor de um conhecimento aprimorado na linguagem, devendo
buscá-la internalizar, bem como internalizar os estilos, as experiências dos mediandos, a fim
de que possa estar mais apto a compreender os conflitos reais que envolvem as partes, e
assim, poder ser útil na boa condução da mediação, já que está sendo capaz de entender as
narrativas de cada um dos conflitantes, que, ao certo, as farão nas suas respectivas linguagens.
7 PARTES ENVOLVIDAS NUMA MEDIAÇÃO
7.1 Os mediados
Os mediados são as partes envolvidas num conflito que buscam a mediação, meio nãoadversarial de solução de conflitos, a fim de tentarem colocar fim a uma querela.
Cada pessoa que busca a medição, da mesma forma da que busca o poder judiciário,
tem em mente que é detentora de uma pretensão que está sendo resistida pela outra parte.
Imagina estar sendo violentada em seus direitos, não aceitando que esse seu entendimento
representa apenas um lado da moeda, sendo, portanto, uma compreensão parcial do fato
conflituoso.
Embora seja a mediação um meio de solução de conflito não-adversarial, pelo que se
uma parte, conhecedora do que persegue a mediação, busca tal recurso para dirimir seu(s)
problema(s) com outrem, vislumbra-se claramente que pelo menos está disposta a dialogar,
posto ser essa a essência da mediação. No entanto, não significa que ela tenha dúvida acerca
da sua posição na querela, pois, na maioria das vezes, ela tem plena certeza de que ela está
certa e que a outra parte que será convidada para participar da mediação é que está errada.
Muitas vezes também, os mediados, mesmo quando começam a participar de uma
mediação, ainda tem em mente uma péssima intenção de se fazer vingado por alguma situação
que ele entenda ter sido enganado, traído.
Imagine-se, pois, uma mediação onde a parte acredita veementemente ter plena certeza
de que está correta em seu posicionamento, e que tem enraizado em seu coração um péssimo
sentimento de vingança. Pergunta-se: - É possível a realização de uma mediação? Outra
resposta não pode ser oferecida senão a que induz como infrutífera a realização de uma
mediação nessa condição. Assim, os mediados devem ser trabalhados para que venham a ser
estimulados a dialogarem, a ouvirem o posicionamento e visão da outra parte, a abandonarem
todo e qualquer sentimento de vingança, para que dessa forma se possa iniciar uma mediação,
e se possa extrair delas um acordo realmente positivo. “Se as partes estiverem a caminho de
88
um acordo sobre suas diferenças, devem mudar o seu procedimento de uma interação de
disputa para uma interação cooperativa.” (MOORE, 1998, p. 188).
Uma posição muitas vezes assumida pelo(s) mediado(s) é a de vítima, pois com esse
comportamento pensam estar influenciando o mediador de que a sua versão é a verdadeira,
que de fato é uma vítima daquele conflito. Esse comportamento deve-se porque o(s)
mediado(s), em face da cultura adversarial de solução de conflito, - a idéia de competição e de
que uma terceira pessoa irá prolatar uma sentença decisória -, que ainda está arraigada dentro
da nossa sociedade, pensa que irá levar alguma vantagem assim agindo. No entanto, de nada
adiantará ao mediado colocar-se na posição de vítima, pois na mediação o acordo final deverá
ser extraído das próprias partes, não tendo o mediador nenhuma participação nos termos do
acordo.
Os mediados não obrigatoriamente só serão pessoas físicas, não somente será um de
cada lado no conflito. Assim, os mediados tanto podem ser pessoa(s) física(s), como
instituição (ões), organização (ões), fundação (ões), enfim, também podendo ser pessoa (s)
jurídica (s), sendo que estas últimas deverão estar representada (s) por uma pessoa física
capaz e com poderes para tomadas de decisões, a fim de que a mediação não venha a se tornar
inviável porque a parte não tem poder para acordar.
Qualquer pessoa, natural ou jurídica, envolvida em qualquer tipo de disputa pode ser
parte num processo de mediação. A pessoa, ou grupos de pessoas, em qualquer área
de atividade humana, pública ou privada, nacional ou internacional são receptáculos
de conflitos que não raramente se transformam em disputas. (SERPA, 1999, p. 149).
7.1.1 As dificuldades dos mediados
“El primer paso consiste em conseguir que la gente se siente alrededor de uma mesa.
Este suele ser el mayor desafio [...]” (URY, 2000, p. 156). Numa mediação, a maior
dificuldade encontrada é, seguramente, levar os mediados a sentarem numa mesa
conciliatória, pois, além dos próprios ânimos encontrarem-se em desavença, o que,
conseqüentemente, provoca uma animosidade negativa, culturalmente falando esse meio de
solução de conflito não repousa em berço esplêndido, pois o meio adversarial ainda é muito
presente.
Outra dificuldade a ser superada são os próprios ânimos que devem ser controlados a
fim de evitar que se transforme a sessão de mediação num verdadeiro palco de ofensas e
89
lamentações. É evidente que o mediador deve ser conhecedor de técnicas de comunicação
que auxiliem na busca em alcançar o equilíbrio emocional das partes. No entanto, não se pode
garantir que de fato o mediador conseguirá tal intento, posto que ele não é conhecedor, pelo
menos não no início da sessão de mediação, de quão profunda e enraizada encontra-se a
mágoa, o rancor, a decepção de um mediado em relação ao outro.
No que se refere a esse ponto especificamente, importante que se ressalte que tudo em
uma mediação é feito, pensado e direcionado para que se alcance um ambiente harmonioso,
de paz, posto que, se esse ambiente propício não for alcançado infrutífera será a mediação.
Verifica-se essa preocupação a começar na formação das próprias salas em que serão
realizadas as mediações, já que elas devem apresentar cores que transmitam paz. Os móveis,
objetos de decoração, cadeiras onde os mediados e o mediador irão sentar-se devem ser
criteriosamente escolhidos e bem posicionados a fim de não passar para os mediados
nenhuma sensação de constrangimento, de humilhação, de discriminação. O bom gosto e a
simplicidade são, pois, requisitos fundamentais para a montagem de uma sala de mediação.
Parece que o outro entrave bastante significativo e problemático é fazer com que o
estado psicológico dos mediados mantenha-se equilibrado durante toda a sessão de mediação,
ou durante todas as sessões, já que pode ser que não se chegue a um acordo final em uma
sessão somente.
[...] Qualquer sentimento, seja de baixa estima, ofensa, raiva, etc., pode provocar
imobilização na parte e bloqueará o andamento das questões. É preferível evitar
qualquer comentário ou atitude que provoque emoções passíveis de estimular
reações negativas. Isto não quer dizer que as emoções não possam ser ventiladas
durante o processo, mas que o devido cuidado para com os sentimentos da outra
parte é fator de ajuda na negociação. (SERPA, 1999, p. 136).
Importante, portanto, que os mediados estejam dispostos a falar, a ouvir, enfim, estejam
dispostos a manter um diálogo maduro, de muito respeito, mas ao mesmo tempo profundo e
realista a fim de alcançar qual é de fato o conflito real que aflige as partes e está prejudicando
a relação entre eles. Se os mediados não chegaram na sessão de mediação com tal intenção,
devem, evidentemente, vir a ser bem estimulados pelo mediador, já que é justamente este o
principal diferencial da mediação, fazer com que os mediados encontrem, eles próprios,
solução não só para os seus conflitos aparentes, mas sim para os conflitos reais, e que
consigam um entendimento de tal forma amadurecido e harmonioso que não prejudique a
mantença da relação futura das partes.
90
7.2 O mediador
O mediador é o terceiro interventor que, mediante técnicas apropriadas ligadas à
negociação dirige as partes para uma solução de valor mútuo. Sua intervenção é
neutra e de certa forma limitada, porque sua autoridade está voltada para o processo
propriamente dito e não para a substância da disputa. Seu papel cobre a facilitação
da comunicação entre as partes e o provimento de fórum e normas básicas para
discussão. Ele é um condutor entre as partes, mas deixa o controle de sua negociação
bilateral. (SERPA, 1999, p. 150).
El Mediador no pretende determinar quién tiene razón y quién está equivocado,
sino que trata de alcanzar el núcleo de la disputa y resolver-la. Ese núcleo está en
los intereses de cada lado: en otras palabras, en sus necesidades, preocupaciones,
deseos, temores y aspiraciones. Dividir la diferencia entre las dos posiciones
opuestas no es suficiente; um Mediador tiene que ayudar a las partes a satisfacer
los intereses que subyacen em sus posiciones. (URY, 2000, p.156).
O mediador, quando bem desenvolve o seu trabalho e nele acredita, exerce um papel
muito importante para a sociedade, pois faz nascer nos mediandos a convicção de que são
capazes de trabalhar seus próprios conflitos.
É importante que o mediador, antes de levar as partes ao início de um diálogo acerca do
conflito a que estão envolvidos, busque, juntamente com estas, identificar, estruturar as
questões conflituosos, delimitando-as, a fim de poder trabalhá-las com mais responsabilidade
e melhor direcionamento. “No processo de definição dos parâmetros de uma disputa, as partes
e o mediador trabalham em uma definição preliminar de tópicos e questões específicas que
serão o foco das negociações futuras.” (MOORE, 1998, p. 191).
Somente a partir da identificação das áreas e questões específicas que de fato devem ser
trabalhadas, buscando-se eliminar, evidentemente, as questões desnecessárias, muitas vezes
nascidas apenas por emoções fortes, má interpretação ou por comunicação deficiente, pode-se
ter a certeza de que, ainda que não se chegue a um acordo final, pois este ninguém poderá
garantir que de fato será alcançado, mas pelo menos ter-se-á a convicção plena de que se
estará trabalhando não só os problemas aparentes, mas sim estar-se-á trabalhando o conflito
real que muitas vezes não está tão evidente quanto se pretenda acreditar. Estar-se-á certo
ainda que no diálogo não se está tergiversando sobre pontos infrutíferos e que não tem esses
outro condão senão o de inviabilizar o desenrolar de uma comunicação saudável e proveitosa.
Quando os negociadores enquadram as questões de uma maneira produtiva, voltada
para a resolução de problemas, o mediador pode ser apenas um observador
interessado. Entretanto, algumas disputas chegam a impasses porque os disputantes
não descobriram uma definição ou enquadramento mutuamente aceitável das
questões que lhes permita cooperar. Neste ponto, a intervenção do mediador pode
ser valiosa. O mediador pode enquadrar as questões antes que as partes se restrinjam
a uma determinada definição, ou pode ajudar as partes a reenquadrar suas questões,
91
afastando-as de uma definição improdutiva e colocando-as na direção de outra que
conduza a uma resolução bem-sucedida do problema. (MOORE, 1998, p. 192)
Assim, verifica-se que o papel do mediador é de uma importância fundamental, pois,
embora não seja ele o responsável pelo acordo final, tem-se que, com a ajuda dele pode-se
conseguir trilhar caminhos mais adequados e capazes de conduzir a uma finalização
satisfatória e positiva do conflito.
7.2.1 A importante escolha de um mediador
É bem verdade que na mediação o mediador não poderá sequer dar sugestões dos
termos do acordo final a ser alcançado pelas partes, devendo este ser totalmente extraído das
próprias partes. No entanto, o papel do mediador é de fundamental importância, e, portanto,
ele deve ser muito bem escolhido pelos mediados, já que um mediador despreparado pode
levar todo o processo de mediação a um grande insucesso.
Alguns erros cometidos pelo mediador são fatais para provocar um insucesso na
mediação, tais como: - revelar informações confidenciais de qualquer uma das partes; divulgar propostas ou decisões não suficientemente amadurecidas; - não estar atento e/ou não
for sensível para detectar tensões na conversa findando por permitir um desconforto no
desenrolar do diálogo; - não corrigir a tempo distorções de entendimento de uma das partes
em decorrência da forma não suficientemente clara com que a outra parte expôs os motivos
que lhe levaram ao conflito, ou ainda outras colocações distorcidas; - permitir que as partes ou
qualquer uma delas utilize-se de discurso inflamados ou retóricos; - permitir atos hostis,
agressivos, desrespeitosos ou ofensivos, dentre outros não menos importantes.
A escolha de um bom mediador, portanto, é fator preponderante para que se possa
perseguir um acordo final satisfatório e de fato duradouro.
Mas o que vem a ser considerado um bom mediador? Segundo Maria de Nazareth
Serpa, o mediador para ser considerado bom deve ser:
“1. Capaz de apreciar a dinâmica do ambiente, no qual a disputa está ocorrendo.
2. Inteligente.
3. Ouvinte efetivo.
4. Articulador.
5. Isento para julgar.
92
6. Flexível.
7. Vigoroso e persuasivo.
8. Criativo.
9. Engenhoso.
10. Uma pessoa de posição e reputação profissional.
11. Confiável.
12. Capaz de natural acesso aos recursos necessários.
13. Não-defensivo.
14. Pessoa de integridade.
15. Humilde.
16. Objetivo.
17. Neutro, com relação ao resultado.”
(SERPA, 1999, p. 220)
O estilo do mediador é um elemento importante no processo. A mediação é
geralmente um processo de facilitação, porém, por vezes, o mediador necessita de
trazer uma ou ambas as partes à realidade. Nestas situações é útil que o mediador
tenha conhecimento sobre os temas em discussão. Pode ainda ser importante que o
mediador seja uma pessoa persistente e criativa na procura de soluções, mesmo
quando aparentemente as partes estejam em impasse. (SOUSA, 2002, p. 63).
Percebe-se, portanto, que ser um bom mediador não é uma tarefa simplória, e,
conseqüentemente, encontrar um bom mediador também não é fácil.
O mediador deve encarar o seu trabalho com bastante seriedade e compromisso, pois,
com certeza, se assim o fizer, uma pessoa que foi por ele mediada o indicará para outros, e
assim sucessivamente. Com esse trabalho sério do mediador, além dele propagar a sua própria
condição positiva para guiar os trabalhos em uma mediação, estará contribuindo para a
propagação do próprio instituto da mediação, que, embora já tenha feito uma boa caminhada,
ainda está distante do ideal pretendido.
Todas as sessões de mediação devem ser acompanhadas pelo mesmo mediador, já que
somente dessa forma será possível alcançar um desenvolvimento positivo do diálogo, pois os
mediados vão aos poucos adquirindo mais confiança no mediador, vão sentindo-se mais livres
para falar, além do que, caso seja necessária a realização de mais de uma sessão seria inviável
e extremamente prejudicial ao acordo final se outro mediador ocupasse o lugar do que até
então estava acompanhando a mediação, posto que, além do agravante de que esse novo
93
mediador não estaria a par dos fatos até então já discutidos e perfeitamente ultrapassados, os
próprios mediados poderiam não sentir-se a vontade de expor a sua situação conflituosa
novamente para outra pessoa.
Essa necessidade acima referendada não é, entretanto, inviolável, posto que, os
mediados ou mesmo apenas um dos mediados poderá, a qualquer tempo, solicitar a
substituição do mediador. Isso ocorrerá sempre que qualquer uma das partes mediadas não
esteja sentindo-se a vontade com o mediador, ou não sintam confiança o suficiente para
continuar o desenvolvimento do diálogo, ou não tenham sentido segurança na capacidade do
mediador de conduzir o diálogo, enfim, caso surja qualquer motivo que leve pelo menos um
dos mediados a um desconforto na participação das sessões de mediação.
É evidente que para o mediador, quando vem a ser substituído por outro, além do mais
por solicitação dos próprios mediados, sem que segundo ele tenha havido nenhum motivo
aparente, não é uma situação agradável, podendo-lhe causar descontentamento, já que colocou
em xeque-mate o seu próprio trabalho. No entanto, não se pode numa mediação colocar os
interesses individuais do mediador na frente da veemente necessidade de que os mediados
sintam-se seguros, confiantes e a vontade para poder contribuir no bom desenvolvimento do
diálogo, posto que qualquer fator negativo que fulmine o sucesso do diálogo, ao certo
comprometerá a qualidade da mediação, e, conseqüentemente, as chances de se alcançar um
acordo final positivo e com bases sólidas serão consideravelmente reduzidas, ou quiçá
totalmente anuladas.
Dessa forma, cabe ao mediador, - caso venha a ser substituído por um motivo que
envolva a sua capacidade de trabalho, e que, conseqüentemente, comprometa a sua
autoconfiança -, buscar aperfeiçoalizar-se em cursos preparatórios, ler mais acerca da sua
atividade, fazer uma análise criteriosa de qual teria sido a sua principal falha, e buscar
corrigir-se, mas sem deixar de acreditar em si, no seu trabalho, e, principalmente, na plena
convicção de que a mediação é um caminho muito promissor para se buscar a paz social, é um
caminho facilitador de inclusão social, é contributivo para o desafogamento da justiça
comum, mas consciente, também, que não é tão fácil quanto o que se possa parecer, exigindose, pois, não só dedicação ao estudo, maturidade, mas principalmente “paixão” e “respeito”
pelo que se está fazendo.
Para el mediador siempre es decepcionante que la parte convocada opte por otro
mediador. Por un lado, porque naturalmente los mediadores desean retener sus
94
casos y, por outro, porque a nadie lê agrada ser desplazado de uma posible tarea
profesional para la que fue propuesto y que entiende que puede llevar solidamente
adelante. Sin embargo, su desplazamiento no lo desentiende de la situación, hasta
estar seguro de que lãs partes tienen a sua disposición todos los datos para tomar
contacto com el mediador que él mesmo há incluído em su lista. (CARAM;
EILBAUM; RISOLÍA, 2006, p. 95).
7.2.2Meios de solução de conflitos e as técnicas que devem ser utilizadas
pelo mediador para a obtenção de uma mediação eficaz
Sabe-se que existem meios adversariais e não-adversariais para solucionar conflitos.
São meios adversariais de solução de conflitos: 1 – querelas apresentadas ao poder
judiciário a fim de que um terceiro, juiz, possa prolatar um julgamento final com base apenas
no que está contido nos autos do processo, ainda que o que lá se apresenta não esteja
abrangendo o conflito real existente entre as partes; 2 – querelas apresentadas a um arbitro,
sendo este escolhido pelas próprias partes, mas limitando-se estas apenas a essa indicação,
posto que a solução final da contenda será dada pelo então escolhido árbitro.
A Negociação, Conciliação e Mediação são meios não-adversariais de solução de
conflitos. Neles haverá a participação das partes no acordo final alcançado em face do conflito
apresentado. Ressalte-se, entretanto, que os três meios de solução de conflitos, embora
estejam enquadrados na mesma linha de solução de conflitos, apresentam características
bastante distintas.
Não cabe no presente trabalho aprofundar-se na distinção entre referidos meios de
solução de conflitos, mas apenas a título de uma melhor didática, tem-se por proveitoso fazer
uma breve explicação daquilo que é proposto em cada um deles.
A negociação trata-se de um diálogo direto entre as partes envolvidas num problema,
com o objetivo de falarem sobre determinado ponto comum de interesse, onde se procura a
solução dos problemas existentes em torno desse ponto. Ela é, “[...] sem dúvida, o mais rápido
e econômico meio de resolver controvérsias quando os negociadores conhecem as técnicas
que os auxiliarão a obter satisfação para ambas as partes.” (VEZZULLA, 2001, p. 15).
“Infelizmente, em nosso meio, a negociação tem-se convertido em sinônimo de concessão, de
abrir mão de certos pedidos.” (VEZZULLA, 2001, p. 15).
A conciliação como técnica exige um profissional que domine a investigação, a
escuta e mantenha sua imparcialidade para que, sem forçar as vontades das partes, as
convença das vantagens de alcançarem um acordo que, mesmo não sendo totalmente
95
satisfatório, poupe-as de complicações futuras onde ambas as partes perderão tempo
e dinheiro. (VEZZULLA, 2001, p. 16).
A conciliação como técnica é de grande utilidade nos problemas que não envolvem
relacionamento entre as partes, o que permite trabalhar sobre a apresentação
superficial(verdade formal ou posição) para alcançar uma solução de compromisso
sem repercussão especial no futuro de suas vidas. ( VEZZULLA, 2001, p. 16).
A Mediação é a técnica privada da solução de conflitos onde o mediador apenas ajuda
as partes a elas próprias, através de um bom diálogo, encontrarem as soluções para suas
contendas, sem, entretanto, sugerir nenhum tipo de proposta, sem deixar transparecer opiniões
pessoais, muito menos interferir nos acordos nascidos, posto que estes são gerados pelas
próprias partes.
A Mediação apresenta técnicas próprias, completamente diferentes das técnicas
utilizadas pelos meios adversariais e até mesmo dos outros meios não-adversariais. Essas
técnicas devem ser seguidas pelo mediador a fim de que ele possa conduzir as partes, os
mediados, por um caminho de diálogo positivo em busca da solução de seus conflitos, sempre
buscando preservar os laços fundamentais que envolvem os mediados.
Uma das técnicas que mais deve ser utilizada numa mediação, e que é de uma
conveniência impar, é a acolhida. A acolhida leva a uma disposição interior completamente
diferente. A acolhida faz as pessoas dizerem “sim” a uma realidade percebida em um primeiro
momento como negativa, porque vem o sentimento de que algo positivo pode surgir da
situação.
É evidente que não será possível no presente trabalho catalogar todas as técnicas a
serem seguidas pelos mediadores, posto que existe um número muito grande de tipos de
conflitos, e, além do mais, por ser a mediação um meio de solução de conflitos onde o acordo
final deverá nascer das próprias partes, não se pode deixar de levar em consideração a
diversidade de comportamentos, de maneiras de se expressar, de cultura, análise psicológica
dos conflitantes, que, indiscutivelmente, contribuem na diversificação das técnicas a serem
utilizadas pelo mediador, que deve ser uma pessoa sensível, criativa, inteligente, a fim de
encontrar estratégias sábias para lidar com os mais inusitados problemas e comportamentos
dos mediados, mas sem, evidentemente, perder de foco uma das principais características da
mediação, qual seja:
a de que o acordo final deve partir somente das próprias partes.
“Embora o mediador não seja um terapeuta, ele deve estar familiarizado com as técnicas
psicológicas para auxiliar as partes a lidarem com suas emoções.” (MOORE, 1998, p.147).
96
Não existem normas fixas de conduta para todas as situações passíveis de mediação,
e nem modelos rigidamente estabelecidos. O fundamental é que as regras sejam bem
definidas, referendadas pelos participantes e, de preferência, estipuladas antes de
iniciado o processo da mediação propriamente dita. .(GEVAERD, 1994, p. 28)
A ordem em que as questões serão tratadas pode ser também um fator decisivo para
o sucesso da negociação. É mais fácil chegar a um acordo quando, inicialmente, são
abordados os problemas que geram menos atrito. Isto proporciona resultados
imediatos visíveis, incentiva o hábito do diálogo e imprime um tom de sucesso às
reuniões, permitindo que temas mais delicados sejam abordados.(GEVAERD, 1994,
p. 46)
O mediador deve tentar imprimir às reuniões uma atmosfera de otimismo e
progresso. Mas seus esforços redundarão em fracasso caso esta atmosfera não
corresponda à realidade. Ele deve ser hábil o suficiente para capitalizar pequenas
vitórias – tais como a soluções de questões secundárias, a redução do clima inicial
de animosidade, etc. – e estimular o hábito do acordo. (GEVAERD, 1994, p. 44)
“[...] Um processo de negociação bem sucedido não é aquele em que as partes chegam
rapidamente a um consenso, mas aquele cujo acordo não se desmancha uma semana depois de
assinado.” (GEVAERD, 1994, p. 59).
Verifica-se, assim, o importante papel do mediador que deve, antes de mais nada, amar
o seu trabalho, respeitá-lo e buscar aprender técnicas de comunicação fora de uma sessão de
mediação, mas principalmente dentro delas, pois cada uma apresenta particularidades
diferentes, sendo todas importantes para o enriquecimento do mediador e canal para o
crescimento do profissional de mediação.
CONCLUSÃO
A realidade social, política, econômica nos dias de hoje, principalmente em grandes
países, nas grandes regiões metropolitanas, não é muito satisfatória, posto que há uma busca
desenfreada e cega pelo próprio bem estar, pela riqueza, pelo poder, onde se provoca um
desprezo aos direitos individuais, aos direitos coletivos, aos direitos fundamentais, bem como
um total desrespeito aos direitos das próximas gerações.
Os direitos humanos e os direitos fundamentais que muitas vezes sequer estão sendo
respeitados, e, portanto provocando caos social e inúmeros conflitos, antes mesmo de
tomarem corpo num papel, já deveriam ser observados e seguidos em face do Direito Natural
que deve sempre nortear as relações, bem como em respeito aos próprios ensinamentos de
Cristo, que veio ao mundo, conforme inúmeros relatos do Novo Testamento, para pregar o
amor, a paz, a humildade, o respeito ao semelhante, o perdão, a harmonia, podendo-se dizer,
em suma, que Ele veio pedir nada mais nada menos que a dignidade da pessoa humana fosse
respeitada.
Nesse caos social é evidente que a formação de inúmeros conflitos, das mais variadas
espécies, vão aparecer. As pessoas estão ilhadas em seus próprios mundos, e, mergulhadas
nesse mar de conflitos, e com suas vidas agitadas, perderam o controle emocional. No
entanto, se os violadores desses e de outros direitos se dispusessem a fazer uma análise de
seus próprios atos, das injustiças por eles cometidas, dos valores humanos, morais, sociais e
cristãos que estão sendo massacrados, alcançar-se-ia uma melhor e mais respeitosa
convivência e paz social.
O poder judiciário já está saturado de tantos conflitos que lhe são confiados para que se
prolate uma solução. Ressalte-se, ainda, que ele não é o meio mais adequado para resolver os
conflitos em que as partes pretendam, ou necessitem, manter uma convivência harmoniosa
após a contenda, posto que, indiscutivelmente, quando as partes recorrem ao órgão
jurisdicional estão, na grande totalidade das demandas, revestidas de um sentimento negativo
98
de vingança, pretendendo que sua pretensão seja acolhida em face da completa derrota da
outra parte.
A mediação surge, portanto, não para eliminar o poder judiciário, posto que a sociedade
necessita desse órgão julgador, mas sim como uma forma paralela de solução de conflito,
sendo ela mais calorosa, mais amena, mais humana, uma vez que através dela as partes
trabalharão seus conflitos reais, internos, externos em busca de um acordo final nascido a
partir de um entendimento amigável, maduro, advindo das próprias partes, ou seja, dos
mediados, tendo estes apenas tido um auxílio do mediador no que tange a facilitação do
diálogo. Os mediados, por força do diálogo, conseguem, racionalmente, alcançar um acordo
que ponha fim às suas divergências; e o melhor, sendo capazes de manter a mesma relação
existente antes do conflito, ou quiçá até melhor, depois de terem alcançado a paz com o
auxílio da mediação.
A proposta da mediação é fazer com que as próprias partes compreendam as suas
respectivas responsabilidades, reflitam sobre seus comportamentos, buscando entender suas
próprias motivações, e a dos outros, que findaram por desaguar no conflito em discussão.
A mediação propõe que as partes abandonem por completo o sentimento de vingança, e,
ao tempo em que façam uma reflexão do seu próprio comportamento, busquem evitar julgar o
outro sem fazer também um julgamento dos seus atos.
A pilastra mestra em uma mediação é justamente o diálogo, que é a força da
comunicação entre as partes, que, se bem dirigido pelo mediador, ao certo contribuirá para
que se alcance a solução do conflito em questão. É importante que o mediador, antes de levar
as partes ao início de um diálogo acerca do conflito a que estão envolvidos, busque,
juntamente com estas, identificar, estruturar as questões reais conflituosos, delimitando-as, a
fim de poder trabalhá-las com mais responsabilidade e melhor direcionamento.
Embora não se exija que o mediador seja um profissional dessa ou daquela área,
existem algumas características que o mesmo deve apresentar, e que ao certo auxiliarão para o
sucesso da mediação, tais como: deve ser uma pessoa capaz de apreciar a dinâmica do
ambiente no qual a disputa está ocorrendo, deverá ser pessoa de integridade,
humilde,
objetivo, neutro com relação ao resultado, inteligente, articulador, isento para julgar, flexível,
vigoroso e persuasivo, criativo, engenhoso, deverá ser uma pessoa de posição e boa reputação
99
profissional, confiável, capaz de natural acesso aos recursos necessários, não-defensivo, e
acima de tudo ouvinte, sensível e muito carismático.
O mediador para exercer bem a sua função deverá ser tudo o quanto acima exposto, mas
deverá também ser conhecedor de técnicas de comunicação, buscando, durante as audiências
de mediação, fazer pequenos resumos do que conseguiu extrair do diálogo proferido entre os
clientes, não deve deixar espaços vazios na comunicação, deverá está atento para que não
restem dúvidas nas colocações feitas pelos mediados, buscando sempre, evidentemente,
respeitar o tempo de expressão de cada parte, dando ênfase a importante arte de escutar.
Verifica-se, assim, que para que uma mediação seja frutífera não se falou na aplicação
fria da norma positiva, mas antes pelo contrário, falou-se em diálogo, em técnicas de
comunicação, em coração aberto, libertação de mágoas e de desejos de vingança, enfim, se
faz imprescindível que os mediados estejam abertos ao diálogo, ainda que sequer saibam ler e
escrever, ainda que não saibam o que dizem as leis, mas sim façam com que o seu senso
interior de justiça e paz sejam aflorados, ou seja, façam com que os valores morais natos em
cada cidadão, fruto da própria criação Divina, do próprio Direito Natural, tome conta da
sessão de mediação.
Conclui-se, portanto, que a mediação é um meio de solução de conflitos, - não a solução
imposta por terceiros, sem a participação direta e efetiva dos envolvidos, mas a solução
nascida de dentro das partes envolvidas no conflito, levando-se em consideração suas
emoções, seus medos, seus traumas, suas angústias, enfim, solução nascida não se levando em
conta apenas o lado racional, mas principalmente observando-se o emocional de cada um,
sendo este respeitado tanto quanto a lei o deve ser -, em busca da paz social, da boa relação
entre as pessoas. A Bíblia Sagrada é justamente a coletânea de vários livros que não tem outro
condão senão o de ensinar, pela luz do Espírito Santo, a humanidade a buscar ser melhor, a
dialogar, a perdoar e a viver, ainda nessa vida, a paz prometida por Jesus Cristo, o primeiro e
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