Separação materna: um modelo de estresse neonatal para o rato

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Martins, O.A., Teixeira, G.R., Pinheiro, P.F.F. et al. Separação materna: um modelo de
estresse neonatal para o rato Wistar (revisão). PUBVET, V.2, N.26, Art# 268, Jul1, 2008.
PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.
Disponível em: <http://www.pubvet.com.br/texto.php?id=268>.
Separação materna: um modelo de estresse neonatal para o rato
Wistar (revisão)
Otávio Augusto Martins1, Giovana Rampazzo Teixeira1, Patrícia Fernanda Felipe
Pinheiro1, Francisco Eduardo Martinez1, Wílson de Mello Júnior1
1
Departamento de Anatomia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Botucatu, São Paulo,
Brasil.
Resumo
No modelo denominado Separação Materna (SM), os filhotes são
separados da mãe no período do hiporresponsivo ao estresse (SHRP, do inglês
stress-hyporesponsive period), antes do desmame. Nesse período, os filhotes
ficam privados dos cuidados maternos e, com isso, sofrem com a alteração do
comportamento materno. Os filhotes e a mãe ficam sujeitos a fatores
estressantes resultado desse isolamento. A SM induz a hiperatividade do eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) permanente no adulto, aumentando as
concentrações séricas de ACTH (do inglês adrenocortitotrophic hormone). O
eixo HHA está normalmente quiescente durante o SHRP, que nos ratos
estende-se do 4o ao 14o dia pós-natal. Nesse período, o rato Wistar neonato
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estresse neonatal para o rato Wistar (revisão). PUBVET, V.2, N.26, Art# 268, Jul1, 2008.
demonstra, aparentemente, pouca ou nenhuma resposta adrenocortical a
estímulos estressores, o que no adulto resultaria em aumento significativo das
concentrações plasmáticas de ACTH e corticosterona.
Palavras
chaves:
Separação
Materna;
Estresse;
SHRP;
HHA;
ACTH;
corticosterona.
Maternal separation: a model of neonatal stress for Wistar rat (review)
Abstract
In the model called Maternal Separation (MS), the pups are separated
from the mother during the SHRP (stress hypo responsive period), before
weaning. In that period, the pups are deprived of maternal care and thus
suffer from the change of maternal behavior. The pups and mother are subject
to factors stressful result of this isolation. The MS leads to hyperactivity of the
axis hypothalamus-pituitary-adrenal (HPA) standing in adults, increasing
serum concentrations of ACTH (adrenocortitotrophic hormone). The HPA axis is
normally quiescent during the SHRP, which in rat extends from the 4th to 14th
post-natal day. In that period, the Wistar rat shows, apparently, little or no
adrenocortical response to stimuli stressors, which in adults result in significant
increase in plasma levels of ACTH and corticosterone.
Keywords: Maternal Separation; Stress; SHRP; HPA; ACTH; corticosterone.
Introdução
Estresse
O termo estresse designa uma série de diferentes conceitos e
definições que evoluíram tanto em termos históricos, quanto por sua utilização
em diferentes áreas do conhecimento. De etimologia latina (stringere: apertar,
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cerrar, comprimir), foi primeiramente utilizado pela Física no século XVII, por
Robert Hooke, para designar uma carga pesada que afeta uma determinada
estrutura física (Lazarus, 1993). Posteriormente, através dos trabalhos do
fisiologista Walter Cannon e do endocrinologista canadense Hans Selye, o
termo estresse foi trazido para as Ciências Biológicas, tendo seu uso também
pela Psicologia, pelas Ciências Sociais, dentre outras áreas, bem como um
amplo uso popular do termo (Lazarus, 1993; Ramos, 2004).
Desta forma, torna-se necessário a conceituação de estresse, visto
que, mesmo dentro dos trabalhos científicos especializados, possui diferentes
aplicações e definições. Hans Selye, em 1936, aplicou o termo às ciências
biomédicas, conceituando estresse como a resposta não específica do
organismo frente a agentes ameaçadores de sua integridade. Assim, Selye
assumiu o estresse como uma resposta do organismo à ação de estímulos
adversos e nocivos que ameaçam a homeostase, os quais denominaram de
estressores (Lazarus, 1993).
Encontra-se na literatura especializada, até mesmo dentro de um
mesmo trabalho (Chrousos & Gold, 1992; Lazarus, 1993; De Bellis et al.,
1999; Heim & Nemeroff, 2001; Newport et al., 2002; Tsigos & Chrousos,
2002; Gluckman et al., 2005; Kyrou et al., 2006; Meijer, 2006), a utilização do
termo estresse com diferentes concepções, ora sendo sinônimo de estressor
(ou agente estressor), ora como o sistema de resposta orgânica frente a um
estressor, ora como doença advinda de alterações orgânicas crônicas. Assim,
conforme a perspectiva teórica da pesquisa realizada, o termo estresse tem
sido definido como: 1) condição ambiental externa ou interna que perturba o
normal funcionamento do organismo, sendo neste caso sinônimo de estressor;
2) resposta do organismo, automática, global e não específica, a qualquer
agente perturbador, neste caso assumindo o conceito inicial de Selye; e 3)
interação desajustada entre as exigências do ambiente e a capacidade de
resposta do indivíduo (Chrousos & Gold, 1992; Lazarus, 1993; Sapolsky, 2000;
Ramos, 2004).
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A evolução do conceito apresenta a união de várias características
atribuídas ao termo, apresentando o estresse como um estado do organismo.
Assim, estresse foi conceituado como o estado de ameaça à homeostasia ou de
desarmonia, causado por forças adversas intrínsecas ou extrínsecas, que é
contrabalanceado por um repertório intricado de respostas fisiológicas e
comportamentais (resposta adaptativa ao estresse), que visa restabelecer o
equilíbrio corpóreo ameaçado; podendo ser específico para determinado
estressor ou generalizado e inespecífico (Chrousos & Gold, 1992; Tsigos &
Chrousos, 2002; Kyrou et al., 2006).
No presente trabalho, utilizou-se o termo estresse vinculado ao
conceito de resposta orgânica frente a um agente estressor, muitas vezes,
mesmo que redundante, utilizou-se o termo resposta ao estresse, para dar
ênfase à resposta orgânica, independentemente do agente estressor, também
denominado de reação, reatividade ou responsividade ao estresse. Ainda,
muitas vezes o termo foi utilizado em diferentes conotações, quando
necessário, a fim de respeitar a idéia, mesmo que ambígua, do autor
consultado. Procurou-se não utilizar o termo com conotação de doença, visto
que o estresse como resposta orgânica, faz parte da normalidade e do
mecanismo de manutenção da saúde e da vida (Chrousos & Gold, 1992). No
entanto, a expressão estresse crônico tem sido utilizada com conotação
patológica, pois a constante ameaça a homeostase pela persistência ou
freqüência de estressores, ou mesmo pela resposta exacerbada, pode ser um
fator significativo na manifestação de diversas doenças e síndromes (Kyrou et
al., 2006). A reação ao estresse grave e os transtornos de adaptação são
considerados como doença e estão relacionados na CID-10 (Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde).
Na perspectiva biológica, precisa-se ainda conceituar sistema de
estresse, que é o conjunto de estruturas e ações orgânicas que coordenam as
respostas adaptativas do organismo frente a agentes estressores. Os principais
componentes deste sistema são: 1) o sistema autônomo simpático e medula
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da glândula supra-renal e 2) os hormônios do eixo hipotálamo-hipófise-córtex
da glândula supra-renal1 (Tsigos & Chrousos, 2002; de Kloet, 2002). A
ativação
do
sistema
de
estresse
leva
as
alterações
orgânicas
e
comportamentais que melhoram a habilidade do organismo para ajuste da
homeostase e aumenta suas chances de sobrevivência (Tsigos & Chrousos,
2002). Os trabalhos de Cannon foram os primeiros a elucidar o sistema de
estresse. Seus trabalhos descreveram as funções do sistema nervoso simpático
(SNS) e da medula da glândula supra-renal. Posteriormente, os trabalhos de
Selye descreveram as ações do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (Lazarus,
1993, Ramos, 2004).
Quando a homeostasia (equilíbrio fisiológico) é alterada, devido à
falha no sistema de estresse em estabelecer uma resposta adequada,
equilibrada em tempo e intensidade ao agente estressor, ou mesmo devido à
permanência do estressor; a regulação ao redor deste novo estado alterado
denomina-se alostasia. Quando há falha do sistema de estresse, o resultado é
a sobrecarga alostática, que produz danos a vários órgãos e sistemas
(Goldstein, 2003; Kyrou et al., 2006).
Estresse na fase do desenvolvimento pós-natal
Eventos
desenvolvimento,
estressantes,
contribuem
durante
as
significativamente
primeiras
para
tornar
fases
o
do
adulto
vulnerável a psicopatologias. Os cuidados paternos contribuem para proteger a
criança, porém a privação da presença dos pais, especialmente materna, pode
romper com essa proteção (De Bellis et al., 1999; Heim & Nemeroff, 2001;
Newport et al., 2002; Gluckman et al., 2005; Meijer, 2006). Crianças que
sofreram estresse durante a infância, devido a alterações no comportamento
dos pais, demonstraram alterações permanentes no comportamento (Teicher,
1
Glândula supra-renal no homem e glândula adrenal em animais e na língua inglesa. Devido aos inúmeros trabalhos
experimentais e pelo uso na língua inglesa, também será utilizado o termo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA).
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2000).
Traumas
e
negligências
na
infância
exercem
influências
no
comportamento emocional e riscos para o desenvolvimento de depressão,
ansiedade e abuso de substâncias químicas (Kendler et al., 1995; Dube et al.,
2001; Hein & Nemeroff, 2001).
Estudos com animais indicam que perturbações, durante período de
cuidados
maternos,
produzem
impactos
prejudiciais
e
persistentes
no
comportamento da prole. Fatores estressantes, incluindo a separação materna,
produzem no animal comportamento característico de ansiedade e de
desordem afetiva. Esses fatores induzem hiper-reatividade persistente no eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal, secundária à hipersecreção do hormônio liberador
de corticotrofinas (ACTH2) (Newport et al., 2002).
Nos mamíferos, a mãe é a fonte nutricional da prole, no entanto, a
relação complexa mãe-prole vai além do suprimento das necessidades
nutricionais. A mãe provê estímulos essenciais térmicos, somatossensórios,
olfatórios, visuais e auditivos durante parte do desenvolvimento pós-natal. O
ambiente produz impressões, tanto em animais quanto no ser humano, que
influenciarão neurobiologicamente e psicologicamente, a vida inteira (De Bellis
et al., 1999; Teicher, 2000; Pryce & Feldon, 2003).
Relação mãe-filhote
Na relação mãe-filho, durante os primeiros meses de vida, a criança
vive e experimenta o corpo da mãe como sendo o mundo. Embora o
desenvolvimento ocorra gradualmente, há uma forte tendência, na criança, em
manter-se nessa relação simbiótica com a mãe, porque depende dela material
e psicologicamente. Uma ruptura abrupta nessa relação causará danos
irreparáveis ao desenvolvimento da criança. A ausência da figura materna
poderá provocar uma perda de contato com o mundo e deficiências na
formação do ego. A mãe possibilita ao filho um desenvolvimento saudável,
capacitando-o a enfrentar o mundo com segurança. A forma como a mãe lida
2
ACTH, do inglês adrenocortitotrophic hormone.
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com os aspectos da maternidade, por exemplo, dispensando atenção em
demasia ou negando, ausentando-se mesmo que involuntariamente e estando
em um estado psicológico desfavorável; poderá trazer problemas na formação
da personalidade da criança, muitas vezes irremediáveis (Dobkin et al., 1997;
Seipp & Johnston, 2005).
O desenvolvimento adequado em muitas espécies depende da relação
estável entre mãe e seu infante (recém-nascido). Variações no cuidado
materno representam um fator importante no desenvolvimento do eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal
(HHA)
e
na
regulação
comportamental
dos
filhotes. A ativação do eixo HHA é um componente central da resposta
fisiológica que ocorre após variações internas ou estressores ambientais. A
deficiência
de
cuidados
maternos
deixa
o
infante
estressado
e,
conseqüentemente, suscetível a doenças e problemas sociais na vida adulta
(Liu et al., 1997; Francis et al., 1999a; Walker et al., 2004).
Estudo realizado com mães dependentes de substâncias químicas
(principalmente álcool), cujos filhos possuíam até quatro anos de idade,
demonstrou que essas mães apresentavam maiores dificuldades em cuidar de
suas crianças, quando comparadas às mães não dependentes (Savonlahti et
al., 2004). Evidenciando, dessa forma, um distúrbio no comportamento
materno durante o período pós-natal. Encontrando dados semelhantes,
Brudenell (2000) enfatizou que os primeiros três meses após o nascimento é o
período mais crítico para a maternidade. Sendo um período especialmente
difícil para mãe alcoólica, que mesmo tentando abster-se da ingestão de
álcool, acaba suspendendo atividades de ajuda na recuperação. Concluindo
que, o uso do álcool pela mãe, após o nascimento, pode aumentar os riscos
para a saúde da criança, causando efeitos sociais e psicológicos, como abuso e
negligência infantil.
Lieberman (2000), ao rever diversos trabalhos sobre filhos de
alcoólicos, observou que esses apresentavam alto risco de dependência
alcoólica, não somente devido às características genéticas ou às congênitas,
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mas também aos fatores do convívio familiar. Salientou que, mesmo após uma
reestruturação familiar, os problemas comportamentais dos filhos de alcoólicos
persistiam sugerindo que tais problemas iniciavam precocemente. Muitos
estudos têm documentado o uso de álcool durante a gravidez e sua
conseqüência na saúde do infante, como a Síndrome Alcoólica Fetal e Efeitos
do Álcool no Feto (Eustace et al., 2003), porém pouca atenção tem sido dada à
relação materno-infantil, durante o período pós-natal.
Experiências traumáticas na infância precoce estão associadas ao
aumento do risco de abuso de álcool e substâncias na adolescência e no
adulto. Crianças e adolescentes maltratados manifestam distúrbios do sistema
biológico
em
resposta
ao
estresse,
incluindo
efeitos
prejudiciais
no
desenvolvimento cerebral. Esses distúrbios podem ser a causa do aumento do
risco de abuso de álcool durante a adolescência e na vida adulta (De Bellis,
2002; Roman et al., 2004, 2005).
Diferenças individuais nas características da personalidade são
transmitidas para a prole. Como relatado anteriormente, estudos com gêmeos
têm provido evidências de mecanismos genéticos envolvidos nos mais
complexos padrões de comportamento e personalidade, como o alcoolismo.
Por outro lado, transmissões não genéticas de comportamento também foram
descritas (Francis et al., 1999a, b).
Em ratos Wistar naturalmente ocorrem variações no comportamento
materno de lamber/limpar e amamentar com o dorso arcado seus filhotes
(Licking/grooming and arched-back nursing - LG-ABN). Quando adultos, os
filhotes de mãe com alto índice de cuidados (High LG-ABN) possuem
comportamento de menor temor frente a situações novas e uma resposta
branda do eixo HHA ao estresse, quando comparados aos filhotes de mãe com
baixo índice de cuidados maternos (Low LG-ABN) (Francis et al., 1999a, b). Ou
seja, o comportamento materno é capaz de modular o desenvolvimento de
respostas
individuais
do
eixo
HHA e,
assim,
influenciar
as
respostas
comportamentais ao estresse no adulto (Liu et al., 1997; Caldji et al., 1998;
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Francis et al., 1999a, b). Francis et al. (1999b), através de estudos
experimentais com ratos, concluíram que essas variações do comportamento
materno e da resposta ao estresse são formas de transmissão não genética de
comportamento através de gerações, pois através de experimentos de adoção
cruzada entre mãe com altos e baixos cuidados maternos (LG-ABN), verificam
que o filhote fêmeo reproduz o comportamento da mãe adotiva e não da mãe
biológica, o mesmo ocorrendo em relação à resposta ao estresse.
Modelos experimentais de relação mãe-filhote
Diferentes modelos experimentais foram propostos para estudar os
efeitos da relação mãe-filhote na neurobiologia e no comportamento do adulto.
Diferentes intervenções que modificam o cuidado materno neonatal, ou que
são estressantes por si só, produzem efeitos diversos permanentes na prole.
Procedimentos que aumentam os cuidados maternos, em lamber/limpar e
amamentar a ninhada produz resultados positivos na reposta biológica e
comportamental a estressores no adulto. Por outro lado, intervenções que
minimizam o contato e os cuidados da mãe com o filhote, durante o
desenvolvimento deste, provocam resposta excessiva a estressores quando
adulto, especialmente a hiper-reatividade do eixo HHA (Pryce et al., 2001;
Newport et al., 2002; Pryce & Feldon, 2003). Os diferentes graus de
comportamento materno, intensos ou baixos, que naturalmente ocorrem nas
linhagens de ratos, estão diretamente relacionados à resposta do sistema de
estresse no adulto (Liu et al., 1997; Caldji et al., 1998; Francis et al., 1999a,
b).
O modelo de experimentação, inicialmente utilizado, relacionado ao
efeito do estresse neonatal na vida adulta, foi denominado de Manipulação
Neonatal. Nesse modelo, os filhotes de roedores são removidos diariamente,
durante 15 minutos, de suas caixas e rapidamente manuseados pelo
pesquisador.
Como
resultado,
os
filhotes
apresentam
diminuição
dos
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comportamentos de ansiedade e das respostas biológicas a estressores quando
adultos. Filhotes manipulados são resistentes ao estresse e à diminuição
temporal da capacidade cognitiva, exibem alto nível de comportamento
exploratório em ambientes novos e demonstram atenuada ativação dos
circuitos neuronais de estresse na vida adulta (Pryce et al., 2001; Newport et
al., 2002; Pryce & Feldon, 2003). Segundo Newport et al. (2002), a
manipulação melhora a adaptabilidade do rato a subseqüentes estressores,
visto que, o breve afastamento da mãe produz aumento dos cuidados
maternos à prole, causando benefícios à adaptabilidade do filhote, ou seja, o
efeito modulador no eixo HHA é devido aos cuidados maternos, causando sua
resposta mais branda, quando o animal adulto.
Outro modelo utilizado denomina-se Separação Materna (SM). Nesse
modelo, os filhotes são separados da mãe em intervalos superiores a uma
hora, geralmente com duração de 4 horas, durante dias do desenvolvimento
pós-natal, antes do desmame. Assim, os filhotes não só ficam privados dos
cuidados maternos durante o período, mas também sofrem pela alteração do
comportamento materno, que persiste aberrante e torna-se menos intenso,
após a reunião mãe-filhotes, bem como o filhote e a mãe ficam sujeitos a
fatores estressantes desse isolamento. A SM induz hiperatividade do eixo HHA
permanente no adulto, aumentando as concentrações séricas de ACTH. O eixo
HHA está normalmente quiescente durante o período hiporresponsivo ao
estresse (SHRP3), que nos ratos estende-se do 4o ao 14o dia pós-natal. Nesse
período, o rato neonato demonstra, aparentemente, pouca ou nenhuma
resposta adrenocortical a estímulos estressores, o que no adulto resultaria em
aumento significativo das concentrações plasmáticas de ACTH e corticosterona
(Smith et al., 1997; Yoshimura et al., 2003; Schmidt et al., 2003). No entanto,
a
Separação
Materna
pode
desinibir
o
eixo
HHA,
durante
o
SHRP,
possibilitando ao rato neonato responder a fatores estressantes brandos. São
3
SHRP, do inglês stress-hyporesponsive period.
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observadas diferentes alterações neurobiológicas conforme diferentes modelos
de SM, no entanto, essas alterações tornam-se duradouras quando a
separação ocorre durante o desenvolvimento do sistema nervoso central e
podem ser um fator significativo de risco de psicopatologias na vida adulta
(Smith et al., 1997; Levine, 2001; Pryce et al., 2001; Lehmann et al., 2002;
Newport et al., 2002; Pryce & Feldon, 2003; Schmidt et al., 2004, Macrì &
Würbel, 2006).
Estudos experimentais que consideram os efeitos de impactos
crônicos, ocorridos no ambiente pós-natal, sobre o neurocomportamento,
constituem exemplos de abordagem interdisciplinar, considerando as interfaces
entre as ciências biológicas, sociais e médicas (Pryce & Feldon, 2003). Esses
dois modelos apresentados tornaram-se amplamente utilizados, apresentando
efeitos antagônicos no animal adulto, em relação à atividade do sistema de
estresse.
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