Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Artigo Original Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dila ada Estimulação Ventricular Direita Bifocal no Tratamento da Miocardiopatia Dilatada com Insuficiência Cardíaca José Carlos Pachón Mateos, Remy Nelson Albornoz, Enrique Indalécio Pachón Mateos, Vera Márcia Gimenez, Juán Carlos Pachón Mateos, Maria Zélia Cunha Pachón, Eusebio Ramos dos Santos Fº, Paulo de Tarso Jorge Medeiros, Marco Aurélio Dias da Silva, Paulo Paredes Paulista, José Eduardo Moraes Rêgo Sousa, Adib Domingos Jatene São Paulo, SP Objetivo - Descrever um novo tipo de estimulação cardíaca endocárdica, mais eficaz, com QRS mais estreito, sem utilizar o seio coronariano ou veias cardíacas. Métodos - Estudamos 5 pacientes com severa cardiomiopatia dilatada, fibrilação atrial crônica e bloqueio atrioventricular, submetidos a implante de marcapasso endocárdico definitivo, com 2 eletrodos em ventrículo direito, um na ponta e outro no septo interventricular alto (subpulmonar), conectados, respectivamente, às saídas ventricular e atrial de marcapasso bicameral. Utilizandose ecodopplercardiograma foram comparados, no mesmo paciente, estimulações convencional (VVI), septal alta (AAI) e bifocal (DDT com intervalo AV≅0). Resultados - A estimulação bifocal em ventrículo direito mostrou o melhor resultado com aumento da fração de ejeção e do débito cardíaco e redução da duração do QRS, do refluxo mitral e da área do átrio esquerdo (p≤0,01). A estimulação convencional mostrou o pior resultado. Conclusão - Na impossibilidade de estimulação ventricular esquerda, sugere-se que seja utilizada a estimulação ventricular direita bifocal nos casos de miocardiopatia dilatada importante com indicação de marcapasso. Palavras-chave: marcapasso, estimulação multi-sítio, insuficiência cardíaca Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Hospital do Coração – São Paulo Correspondência: José Carlos Pachón Mateos – Av. Jamaris, 650/72 - 04078-001 São Paulo, SP Recebido para publicação em 28/4/99 Aceito em 18/10/99 Na miocardiopatia dilatada existe grau maior ou menor de retardo na condução parietal do estímulo, conduzindo a alargamento do QRS. Além disto, freqüentemente, les es associadas do sistema de condução produzem alargamento adicional do QRS. Nestes casos, quando é necessário implante de marcapasso cardíaco definitivo, o QRS estimulado geralmente é muito alargado, não raramente, atingindo duração maior que 200 ms. O retardo na ativação ventricular, por si só, provoca disfunção sistólica, disfunção diastólica e aumenta a insuficiência mitral funcional 1 . Sabe-se, desde o início da estimulação cardíaca, que a contração originada por QRS estimulado é claramente menos eficaz, que a resultante de um QRS normal. Quando o QRS é largo, o aumento de pressão originado pela contração de uma área do miocárdio é atenuado pela complacência natural de outras áreas que, ainda relaxadas, serão ativadas tardiamente. Contrariamente, na contração normal, a ativação muito rápida da maioria das células miocárdicas, cria, entre elas, um sinergismo mecânico extremamente favorável para o aproveitamento máximo do inotropismo, originando uma onda de pressão com alto dP/dt, ou seja, com gradiente de pressão mais rápido e altamente eficaz. No miocárdio dilatado, a ativação elétrica deflagrada pelo marcapasso é distribuída num intervalo de tempo muito maior, originando uma onda de pressão tanto mais atenuada quanto maior a duração do QRS estimulado. Para preservar as funções sistólica e diastólica e reduzir a insuficiência mitral funcional parece ser fundamental estimular os ventrículos com o QRS normal ou com QRS o mais estreito possível. Isto é facilmente obtido na estimulação AAI, quando o paciente tem as conduç es atrioventricular e intraventricular normais. Na presença de bloqueio atrioventricular o QRS resultante, originado por estimulação ventricular geralmente endocárdica direita, normalmente é bastante alargado. Nestas condiç es pode se obter um estreitamento do QRS, estimulando-se ao mesmo tempo em mais de um ponto. Estudos recentes têm mostrado o estreitamento do QRS e melhora da contra- Arq Bras Cardiol, volume 73 (nº 6), 485-491, 1999 485 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dilatada tilidade miocárdica, quando se estimulam ao mesmo tempo os dois ventrículos 2 . O problema maior, no entanto, é a via de acesso para a estimulação do ventrículo esquerdo. Trabalhos iniciais utilizaram a via epicárdica. Neste caso, o maior problema era a necessidade de toracotomia 3 . A outra alternativa é a estimulação do ventrículo esquerdo por veias cardíacas. Neste método utiliza-se acesso endocárdico, sem toracotomia. Entretanto, não raramente, existe grande variabilidade da anatomia das veias cardíacas, de forma que nem sempre o implante é possível. Os objetivos básicos deste trabalho foram: 1) propor uma forma simples de estimulação ventricular com QRS mais estreito, através do implante de dois eletrodos no ventrículo direito, por via endocárdica, sem a necessidade de toracotomia ou de acesso ao seio coronário; 2) propor um modelo de estudo para testar o rendimento hemodinâmico imediato deste tipo de estimulação frente à convencional, no mesmo paciente, no mesmo instante, de forma a reduzir ao mínimo as variáveis intercorrentes e que permitisse responder às seguintes questões: a) é possível ressincronizar parcialmente o miocárdio ventricular utilizando-se somente o acesso venoso ao ventrículo direito? b) o grau de ressincronização resultante teria algum benefício hemodinâmico em casos de cardiomiopatia dilatada severa? c) a forma de implante seria fácil, de baixo risco e facilmente reproduzida pelos profissionais da área em todas as regiões do país? Métodos Foram estudados cinco pacientes com indicação de marcapasso definitivo, quatro do sexo masculino e um do sexo feminino. A idade variou de 37 a 66 com média de 52,2 anos (DP=17,7). Todos apresentavam insuficiência cardíaca avançada por miocardiopatia dilatada (classes III e IV da NYHA), refratária ao tratamento clínico habitual, com áreas cardíacas Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 variando de 3 a 4+. A etiologia foi doença de Chagas em quatro e indeterminda em um. Todos eram portadores de fibrilação atrial crônica com alto grau de bloqueio atrioventricular ou bloqueio atrioventricular total. Todos os pacientes foram submetidos a implante de marcapasso endocárdico no ventrículo direito, o primeiro na área do feixe de His (septal) ou no septo alto na via de saída do ventrículo direito, e o segundo, implantado de forma convencional, na ponta do ventrículo direito (fig. 1). Utilizamos o marcapasso Biotronik Dromos DR que permite o intervalo atrioventricular de 15ms, o menor na época do estudo. No desenho deste protocolo o mais conveniente seria um marcapasso com intervalo atrioventricular ainda menor, 0 se possível. O eletrodo septal foi conectado à saída atrial e o de ponta à saída ventricular. Para evitar o risco da síndrome do marcapasso (já que estamos estimulando unicamente os ventrículos) decidimos selecionar somente pacientes com fibrilação atrial crônica e bloqueio atrioventricular os quais, normalmente, já teriam indicação para a estimulação unicamente ventricular. Como os pacientes apresentavam insuficiência cardíaca, após o implante os marcapassos foram programados no modo DDT com intervalo AV=15ms (estimulação VVI bifocal). Após duas semanas de evolução com a freqüência cardíaca devidamente corrigida pela estimulação artificial, todos os pacientes foram avaliados através de ecocardiograma, em três modos de estimulação: 1) programandose o marcapasso para o modo AAI, obtendo-se uma estimulação VVI da região do feixe de His ou da via de saída do ventrículo direito (septal); 2) programando-se o modo VVI, obtendo-se a estimulação VVI convencional, tendo em vista que o eletrodo conectado à saída ventricular era o implantado na ponta e; 3) programando-se o modo de estimulação bicameral DDT com intervalo atrioventricular = 15ms, obtendo-se uma estimulação quase simultânea em dois pontos do ventrículo direito (septo alto e ponta), (fig. 2). Nosso Estimulação Ventricular Bifocal VSVD - Ponta Cardiomiopatia Dilatada + FA Visão Antero-posterior Fig. 1 - Esquema representativo das posições dos eletrodos para os três modos de estimulação utilizados neste estudo, septal, bifocal e ponta ou convencional. À direita observase a radioscopia com as posições dos eletrodos logo após o implante de um sistema bifocal definitivo. 486 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dila ada Estimulação Ventricular Direita Septal, Bifocal e Convencional Duração média do QRS em ms Septal Alta 192,4ms DP=17,9 VD Bifocal 151,0ms DP=10,2 VE Convencional Ponta 212,0ms DP=19,2 Cardiomiopatia Dilatada - Visão Transversal Fig. 2 - Esquema representativo dos três modos de estimulação utilizados e decorrentes deste modelo de estudo com os complexos QRS estimulados resultantes, com as duraç es médias e o desvio padrão no grupo estudado, A, B e C. Ao centro, observa-se o QRS estimulado mais estreito resultante da estimulação bifocal (B). objetivo era o de estimular ao mesmo tempo dois pontos o mais distante possível dentro do ventrículo direito. As programações foram realizadas no laboratório de ecocardiografia, na mesma freqüência de estimulação, em repouso e sem nenhuma mudança de posição do paciente. Após cada modo programado, eram aguardados 5min para estabilização hemodinâmica e, em seguida, medidas as seguintes variáveis nos modos M e bidimensional com Doppler: fração de ejeção, débito cardíaco, área do átrio esquerdo, a área do refluxo mitral e a duração do QRS em três derivações simultâneas (D1, D2 e D3). Foram calculadas as médias e o desvio padrão de todos os parâmetros e aplicado o teste-t pareado para séries de variância equivalentes, comparando-se os modos de estimulação septal e o modo de estimulação bifocal com o modo de estimulação convencional. Resultados Com a estimulação bifocal obteve-se uma duração média do QRS de 151ms (DP=10,2) ou seja, 61ms mais estreito em relação à duração média do QRS resultante da estimulação convencional (212ms, DP=19,2). Este estreitamento foi estatisticamente significativo, p=0,003. A estimulação septal também mostrou um QRS mais estreito porém sem significância estatística, (tabela I e figuras 2). Comparando-se a estimulação convencional com a estimulação bifocal verificou-se que todos os parâmetros ecocardiográficos apresentaram melhora significativa com a estimulação bifocal. A fração de ejeção aumentou 0,068 (p=0,002), e o débito cardíaco aumentou 0,6l/min (p=0,01) em média. Da mesma forma, houve uma redução significativa do átrio esquerdo, em média 7,5cm2 (p=0,004) em decorrência de uma redução evidente no grau de insuficiência mitral funcional. A área regurgitante se reduziu 7,4cm2 em média (p=0,006). Discussão Considerando que o intervalo atrioventricular curto não se mostrou claramente útil no tratamento da insuficiência cardíaca, tem havido um interesse crescente na ressincronização ventricular 4 . Mecanicamente, o QRS largo (comum na miocardiopatia dilatada e na estimulação por marcapasso artificial, (figuras 2) é claramente menos eficaz que o QRS estreito 5 ,6 . A contratilidade é tanto mais prejudicada quanto mais alargado for o QRS. A ativação de todas as células miocárdicas, quase ao mesmo tempo, gera um sinergismo contrátil de grande eficiência mecânica. Entretanto, na vigência de condução lenta, o aumento de pressão pela contração de uma área do miocárdio é atenuado pela complacência de outras regi es, que somente serão ativadas tardiamente. Quando o coração está muito dila487 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dilatada Tabela I - Parâmetros ecocardiográficos Pct FE/S FE/C FE/BF DC/S DC/C DC/BF AES AE/C AE/BF IM/S IM/C IM/BF QRS/S QRS/C QRS/BF 1 2 3 4 5 M DP P 0,09 0,27 0,17 0,34 0,32 0,24 0,11 0,468 0,13 0,32 0,18 0,27 0,28 0,24 0,08 0,18 0,35 0,27 0,35 0,37 0,30 0,08 0,002 2,26 3,7 2,39 3,65 3,2 3,0 0,7 0,038 2,35 3,58 1,99 3,19 2,9 2,8 0,6 2,42 3,99 2,97 3,93 3,9 3,4 0,7 0,011 32,3 29,2 18,1 7,11 18,2 21,0 10,1 0,018 49,4 34 22,1 12,8 24,1 28,5 13,9 36,4 27,1 18,3 3,93 19,1 21,0 12,0 0,005 24,1 12,1 8,5 5,6 7,6 11,6 7,4 0,032 31 14 7,5 10,7 12,5 15,1 9,2 20,2 7,1 6,3 3,48 5,5 8,5 6,7 0,006 185 200 175 220 182 192,4 17,9 0,275 220 190 240 200 210 212,0 19,2 140 155 160 160 140 151,0 10,2 0,003 FE- fração de ejeção; S- estimulação septal ou de via de saída do ventrículo direito; C- estimulação convencional (ponta do ventrículo direito); D- débito cardíaco em l/min; BF- estimulação bifocal entre a região septal (área de His ou via de saída) e a ponta do ventrículo direito; AE- área do átrio esquerdo (cm2); IM- insuficiência mitral funcional medida pela área de refluxo (cm2); QRS- duração do QRS em ms medida em 3 derivações simultâneas (D1, D2 e D3); M- média; DP- desvio padrão; p- coeficiente de significância. A le Sísto B le Sísto Diástóle Diástóle Estimulação Clássica Estimulação Bifocal QRS = 200 ms Assinergismo inotrópico Ponta-Base QRS = 150 ms Sinergismo inotrópico Ponta-Base Fig. 3 – A) Esquema representativo do prejuízo contrátil ocasionado pela falta de sincronismo e sinergismo inotrópicos em decorrência da condução miocárdica lenta; B) com a estimulação bifocal dobra-se o número de células que se contraem ao mesmo tempo e, principalmente, no início da sístole, quando a pressão intraventricular está baixa, aumentando o inotropismo. tado este fenômeno se acentua, constituindo-se num elemento a mais de disfunção contrátil, além da própria miocardiopatia (figuras 3). Além da disfunção sistólica, o alargamento do QRS, ao reduzir o tempo de enchimento ventricular 7 , provoca disfunção diastólica e aumento do refluxo mitral funcional. Atualmente existem trabalhos em andamento 8 , testando a viabilidade e utilidade clínica da ressincronização ventricular, estimulando ao mesmo tempo os ventrículos direito e esquerdo. A estimulação ventricular esquerda, entretanto, encerra algumas dificuldades técnicas. Por via endocárdica tem de ser feita pelas veias cardíacas, através do seio coronariano ou então, por via epicárdica através de toracotomia. A estimulação ventricular esquerda endocárdica definitiva através de punção trans-septal não é recomendável pelo risco de tromboembolismo sistêmico. A estimulação pelas veias cardíacas, 488 além da dificuldade de acesso, impõe problemas adicionais tais como: necessidade de eletrodo especial para veias cardíacas, estabilidade a longo prazo do eletrodo, tendência a limiares mais elevados, flebite de veia cardíaca, impossibilidade de acesso em boa parte dos casos, que apresentam variaç es anatômicas e/ou obstruções venosas, e dificuldades e riscos maiores caso seja necessária a retirada de eletrodos implantados há longo tempo. Por outro lado, a estimulação ventricular esquerda epicárdica tem, classicamente, limiares agudos e crônicos mais elevados além da inconveniência da toracotomia, altamente indesejável em pacientes descompensados com miocardiopatia grave, ou seja, de alto risco cirúrgico. Diante destas considerações, a possibilidade de estimulação com QRS mais estreito, utilizando-se unicamente a via endocárdica mostrou-se bastante atrativa. Neste Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dila ada Fig. 4 - Representação gráfica das mudanças na duração do QRS nas derivações D1, D2 e D3 simultâneas, conforme o tipo de estimulação. Verifica-se significativo estreitamento do QRS com a estimulação endocárdica ventricular direita bifocal. sentido, o modelo de estudo proposto permitiu observar os seguintes aspectos: Os resultados obtidos sugerem que é possível ressincronizar parcialmente o miocárdio ventricular com estimulação ventricular bifocal direita tendo em vista o estreitamento significativo do QRS e a melhora da contratilidade miocárdica com este tipo de estimulação, (figuras 4). A comparação dos três modos de estimulação mostrou que o melhor desempenho hemodinâmico foi obtido com a estimulação bifocal direita. Houve aumento significativo da fração de ejeção (+28,8%, p=0,0024), do débito cardíaco (+21,4%, p=0,0114) e redução significativa da duraçãodoQRS (- Estimulação Convencional 28,8%, p=0,003), do refluxo mitral (-3,7%, p=0,0063) e da área do átrio esquerdo (-26,3%, p=0,0049) quando passamos da estimulação convencional para a estimulação bifocal (tabela I). Um aspecto muito interessante foi a redução significativa do refluxo mitral. Acreditamos que este efeito, altamente desejável, se deve à ressincronização parcial da contração ventricular a qual favorece a função mitral (figuras 5). Exceto pela fração de ejeção (p=0,468), a estimulação septal alta, também mostrou melhor desempenho que a estimulação convencional, porém o benefício hemodinâmico foi menos evidente quando comparado com o da estimulação bifocal (tabela I). Estimulação Bifocal Fig. 5 - Ecocardiograma bidimensional mostrando redução significativa da insuficiência mitral funcional com a estimulação bifocal. Além da redução do refluxo mitral, verifica-se também evidente mudança na direção do fluxo regurgitante, sugerindo que a mudança na ativação ventricular modifica e favorece o sincronismo entre os músculos papilares da valva mitral. 489 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dilatada Os implantes foram realizados seguindo a metodologia clássica dos implantes de marcapassos endocárdicos bicamerais, convencionais e, portanto, são facilmente reprodutíveis. Não foram necessários toracotomia, eletrodos especiais ou acesso ao seio coronariano ou veias cardíacas. O primeiro eletrodo era posicionado por via endocárdica, de preferência na ponta do ventrículo direito (para estar o mais distante possível da base), e o segundo eletrodo, na região do feixe de His guiado pelo potencial H e por elementos anatômicos. Freqüentemente (quatro pacientes nesta série), Fig. 6 - Tipo de estimulação sugerido pelos autores para aproveitar o benefício da estimulação endocárdica ventricular direita bifocal em paciente sem fibrilação atrial. Nos ventrículos seriam colocados eletrodos unipolares, principalmente da nova geração, muito mais finos que os atuais. devido à própria cardiomiopatia avançada, o potencial H era difícil de ser visibilizado e, nesse caso, o eletrodo era posicionado um pouco mais acima, na via de saída do ventrículo direito (figura 6). Esta posição era facilmente obtida entrando na artéria pulmonar, retrocedendo-se lentamente com o eletrodo estimulando, fixando-o, a seguir, logo que se obtinha a captura ventricular. Utilizou-se a posição oblíqua anterior esquerda para avançar a ponta deste eletrodo, o máximo possível, em direção ao ventrículo esquerdo. Em todos os casos este eletrodo era bipolar, de fixação ativa. As medidas da onda R, das impedâncias e do limiar de estimulação foram obtidas pelas técnicas convencionais. O primeiro eletrodo (ponta do ventrículo direito) à saída ventricular e o segundo, septal (His/via de saída do ventrículo direito) à saída atrial. A fixação dos eletrodos ao plano muscular e o fechamento da loja do gerador foram realizados conforme a técnica convencional. Finalmente, tendo em vista que o sincronismo atrioventricular contribui significativamente no rendimento do coração insuficiente 9 , acreditamos que este tipo de estimulação (fig. 6) deverá ser bastante benéfico nos casos com cardiomiopatia dilatada, insuficiência mitral funcional e bloqueio atrioventricular na ausência de fibrilação atrial. A curto prazo houve uma melhora clínica significativa em todos os casos que passaram da gradação NYHA III e IV para gradação II, (figura 7). O seguimento clínico a longo prazo será fundamental para avaliar a constância dos resultados. Obviamente o número de pacientes deste estudo é reduzido para se obt er informações definitivas. Entretanto, um aspecto favorável é que cada paciente foi o seu próprio controle. Além disto, o objetivo inicial foi encontrar tendências e VVI Convencional (9 anos) Bifocal (8 dias) Estimulação Ventricular Bifocal Cardiomiopatia Dilatada sem FA Visão Antero-posterior Fig. 7 – Radiografias de tórax em PA, a primeira com nove anos de evolução com estimulação ventricular convencional e, a segunda, após 8 dias de estimulação ventricular bifocal. Verifica-se evidente redução da área cardíaca. Neste caso o marcapasso antigo VVI foi trocado por desgaste, sendo implantado um sistema bifocal. 490 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 6), 1999 Pachón e cols. Estimulação ventricular direita bifocal no tratamento da miocardiopatia dila ada modelos de estudo que poderiam ser úteis em novos projetos mais extensos. Neste sentido, acreditamos que um ponto positivo deste estudo é o modelo proposto. Este modelo usou a estimulação ventricular tipo VVI, obtida a partir de um marcapasso DDD, sem prejuízo hemodinâmico por se tratar de pacientes com fibrilação atrial crônica. A grande vantagem entretanto, é que podemos estudar, em qualquer momento, no mesmo paciente, os três tipos de estimulação. Assim sendo, utilizamos um marcapasso bicameral DDD sem nenhuma barreira técnica, para obter informações inquestionáveis e seguras, a longo prazo, da estimulação ventricular multi-sítio. Mesmo sem considerar a melhora da contratilidade miocárdica, os pacientes são beneficiados na medida em que recebem uma estimulação mais segura (dois pontos independentes de estimulação) e, certamente, mais fisiológica (QRS mais estreito). Aliás, estes argumentos nos fizeram adotar rotineiramente este tipo de estimulação, para os casos de ablação do nó atrioventricular, no tratamento de taquiarritmias atriais intratáveis com taquicardiomiopatia. A comparação de uma variável ecocardiográfica, mudando-se a forma de estimular o ventrículo através de programação não-invasiva, sem que o paciente sofra nenhuma mudança de posição, de freqüência cardíaca, de atividade física, de retorno venoso, de tônus adrenérgico ou de condi- ção psicológica, constitui-se num valioso método capaz de evidenciar alterações hemodinâmicas mínimas. Um outro aspecto criticável é o controle exclusivamente ecocardiográfico. Isto se justifica pelo fato de nosso objetivo ter sido inicialmente o de encontrar evidências claras e imediatas que justificassem a realização de um número maior de implantes, sem que houvesse prejuízo para os pacientes. Como estávamos selecionando casos muito graves, estudos de ergometria e de aptidão física não foram cogitados na presença de insuficiência cardíaca, sendo programados para uma fase posterior. Os pacientes estão sendo acompanhados e, sob o ponto de vista de evolução clínica observa-se evidente benefício da estimulação bifocal. Não obstante, a evolução a longo prazo é objetivo de outro trabalho. Concluindo, neste grupo de pacientes, com miocardiopatia dilatada e insuficiência mitral funcional, sob o ponto de vista ecocardiográfico, dentre os modos de estimulação testados, o modo convencional clássico foi o pior. A estimulação endocárdica ventricular direita bifocal foi significativamente superior em todos os parâmetros testados. Houve melhor sincronismo funcional do miocárdio ventricular evidente pela redução significativa na duração do QRS, melhora da contratilidade miocárdica e redução do refluxo mitral. A técnica de implante foi simples, reprodutível e não ocasionou aumento no risco cirúrgico. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Xiao HB, Brecker SJ, Gibson DG. Effects of abnormal activation on the time course of the left ventricular pressure pulse in dilated cardiomyopathy. 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