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A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Fabrício Silva Nicola
Mestre em Direito pela Universidade de
Ribeirão Preto; Especialista em Direito
Processual pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais; Professor Titular
de Direito Civil da UNIFEOB; Advogado;
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo demonstrar a importância do posicionamento adotado
pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Habeas Corpus nº 82.959/SP, referente à
progressão de regime nos crimes hediondos, submetida à corte em razão da alegada
inconstitucionalidade do § 2º, do art. 1º, da Lei 8.072/90, que vedava a possibilidade de
progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos, em face dos
princípios da individualização da pena e da isonomia, dentre outros. Na oportunidade,
entendeu nossa corte que a vedação de progressão de regime prevista na Lei 8.072/90
afronta o direito fundamental à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao
não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de
reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba por afetar
o núcleo essencial desse direito, tornando inócua a garantia constitucional.
Palavras-chave: progressão de regime; crimes hediondos; princípios; ressocialização.
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate the importance of the position taken by the Supreme
Court when considering the HC nº 82.959/SP, related to the progression of regime in
heinous crimes, submitted to the court on grounds of alleged unconstitutionality of § 2º
of art. 1º of Law 8.072/90, which prohibited the possibility of progression Feather
compliance regime in heinous crimes in the face of the principles of individualization of
punishment and equality, among others. On that occasion, our court understood that the
sealing progression planned regime of Law 8.072/90 affront the fundamental right to
individualization of punishment (CF, art. 5º, LXVI), since, by not allowing taking into
consideration the particularities of each person, their social reintegration capacity and
effort applied with a view to rehabilitation, ultimately affect the essential core of that
right, making innocuous the constitutional warranty.
Key words: progression system; heinous crimes; principles; resocialization.
INTRODUÇÃO
Criado em 1940, o atual estatuto repressor só entrou em vigor no dia 1º de janeiro
de 1942. Interpretá-lo em conformidade com nossa Constituição Federal nos leva a
constatar a observância de princípios basilares do direito, dentre os quais, o princípio da
legalidade, princípio do devido processo legal, princípio da proporcionalidade, princípio
da individualização, princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros.
Embora relativamente extenso no seu conteúdo, nosso Código Penal não esgotava
e continua a não esgotar toda a matéria penal prevista em nosso ordenamento, o que
possibilitou a edição de várias leis esparsas a definirem condutas típicas nele não
previstas.
São exemplos: a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que trata do tráfico ilícito
de drogas; a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prevê os crimes contra o meio
ambiente; a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que disciplina os crimes de natureza
hedionda, Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define os crimes contra a ordem
tributária nacional, Lei 9.455, de 07 de abril de 1997, que define os crimes de tortura,
dentre várias outras.
No tocante às alterações recentes ocorridas em seu texto original, cite-se a Lei nº
12.015, de 07 de agosto de 2009, que alterou o Título IV da Parte Especial, trazendo
modificações substancias aos crimes contra a dignidade sexual. De frisar que o tema foi,
em grande parte, modificado, com a extinção de alguns crimes como aquele previsto no
artigo 214 que tratava do atentado violento ao pudor, absorvido pelo novo tipo que
descreve a conduta de estupro.
Ainda que previstas no Código Penal ou em leis especiais, determinadas condutas
típicas se mostraram ao longo dos anos necessitadas de um tratamento mais severo do
legislador pátrio, pois se apresentavam perante a sociedade brasileira merecedoras de
maior severidade do Estado no tocante à resposta que ele deveria lhes dar. A constatação
dessa necessidade deu origem a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que passou a definir
determinadas condutas/fatos típicos, causadoras de maior perplexidade e repercussão
perante a coletividade, como crimes hediondos.
Do ponto de vista criminológico, são hediondos os crimes que se encontram no
topo da pirâmide de desvalorização axiológica criminal, razão única para serem
entendidos como crimes de maior gravidade e causadores de maior repugnância pela
sociedade. São hediondos os crimes que possuem lesividade expressivamente acentuada,
ou seja, extremo potencial ofensivo.
Da simples leitura do texto Constitucional – artigo 5°, inciso XLIII – podemos
observar que o legislador optou por dar tratamento mais severo aos crimes hediondos e
assemelhados ao prever que: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia a prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
No intuito de dar tratamento mais severo aos crimes tidos como hediondos, a Lei
8.072/90 dispõe em seu artigo 2º, § 1º, sobre a impossibilidade de os condenados por
crime dessa natureza, progredirem de regime, devendo, pois, cumprirem a totalidade de
sua pena no regime integralmente fechado.
Considerado inconstitucional por vários operadores do Direito, referido
dispositivo foi veementemente combatido nas várias instâncias de nosso sistema
judiciário. Recentemente, ao analisar o pedido de habeas corpus nº 82.959, o Supremo
Tribunal Federal entendeu inconstitucional o § 1°, do artigo 2°, da Lei dos Crimes
Hediondos, que proibia os condenados pela prática dos crimes nela previstos, de obter
progressão de regime durante a execução da pena, por entender que tal benefício faz parte
da própria recuperação do apenado.
Em vigor há quase 17 anos, a Lei 8.072/90 proibia a concessão de progressão de
regime ou a liberdade provisória para presos condenados por crimes considerados
hediondos ou equiparados, como sequestro e tráfico de drogas.
Sendo assim, os condenados eram obrigados a cumprir a integralidade da pena em
regime fechado, não sendo permitindo a eles a ressocialização com vistas ao momento
em que deveriam retornar à sociedade, requisito, segundo muitos, essencial para sua
recuperação.
Ao proferir seu voto no habeas corpus nº 82.959, o ministro Eros Grau afirmou
que o cumprimento da pena em regime fechado é "cruel e desumano" e que, permitir a
progressão de regime não implica na "abertura de portas dos presídios" já que a decisão
final ainda caberia aos juízes das Varas de Execuções Penais, observados requisitos
individuais de cada condenado.
O Ministro Marco Aurélio Mello, por seu turno, também favorável à permissão,
afirmou que as penas devem ser fixadas "considerando a figura do preso em si, do seu
comportamento na própria prisão". Ele acredita que a progressão "só será dada àqueles
que a merecerem".
Acompanharam os citados ministros, votando também pela inconstitucionalidade
do referido dispositivo os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e
Sepúlveda Pertence.
Os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e
Nelson Jobim votaram a favor da proibição.
Diante de tão importante e inovador posicionamento, bem como, da afirmação do
ministro Eros Grau, necessário se faz analisar a progressão do regime de cumprimento de
pena nos crimes hediondos – requisito essencial à ressocialização dos apenados –, em
face de alguns princípios que regem nosso ordenamento jurídico, mais precisamente, os
denominados “princípio da individualização da pena” e “princípio da dignidade da pessoa
humana”.
PROGRESSÃO DE REGIME
Reza o § 1°, do artigo 2°, da Lei 8.072/90, que a pena por crime previsto neste
artigo será cumprida integralmente em regime fechado. Da simples leitura do referido
dispositivo fácil é concluir pela impossibilidade de progressão de regime para aqueles
que praticarem crimes de natureza hedionda ou equiparados.
A norma descrita no dispositivo acima transcrito é de natureza penal, ou seja, não
pode retroagir para prejudicar o agente. Toda e qualquer regra que cria, extingue, amplia
ou restringe a satisfação do jus puniendi tem caráter material. Dessa maneira, sendo a
norma que trata do modo de execução da pena de direito material, não poderá retroagir,
senão, para beneficiar o agente.
A proibição da progressão de regime amplia a satisfação do direito de punir do
Estado, tornando-o mais intenso, ao mesmo tempo em que diminui o direito de liberdade
do condenado, na mesma proporção. Não se trata de prisão para atender a uma
necessidade cautelar do processo, mas para ampliar o pode repressivo estatal
(HUNGRIA, 1958, p. 111).
Ao diminuir o direito de liberdade inerente a todo e qualquer sentenciado, tal
possibilidade impede que o mesmo perfaça o escalonamento na fase de execução de sua
pena, ainda que preencha os requisitos para a obtenção de tal benefício, relativizando
assim, sua possibilidade de ressocialização.
Sendo assim, toda norma que ampliar, diminuir, criar ou extinguir o direito de
punir, restringindo ou aumentando o direito de liberdade, será, indubitavelmente, de
natureza penal. No presente caso, o dispositivo determina que ‘a pena deve ser totalmente
cumprida em regime integralmente fechado’, ou seja, em regime penitenciário mais
severo. Como norma penal, não pode ser aplicada aos crimes cometidos antes da entrada
em vigor da lei. Sendo assim, somente para os crimes cometidos após a Lei 8.072/90
ficava vedada a progressão de regime1.
Necessário se faz mencionar que esse dispositivo não impede o livramento
condicional – outro benefício do preso –, apenas a progressão de regime. Ou seja, não há
se falar em regime semiaberto ou aberto, mas é possível obter-se o benefício do
livramento condicional.
PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL
Nossa legislação penal adotou o sistema penitenciário progressivo ou irlandês,
criado pelo Capitão Maconochie, na ilha de Norfolk e, posteriormente, por Walter
Crofton, na Irlanda. Referido sistema consubstanciava-se na aplicação do sistema celular
num primeiro momento (etapa), do sistema auburniano em momento posterior, de
trabalho ao ar livre numa terceira fase, fulminando com a liberdade condicional. A
alternância das etapas levava em consideração o comportamento do apenado, que, ao
passar por cada uma delas, ia sendo premiado com um sistema de tíquetes (ZAFFARONI,
2008, p. 682).
Desse modo, o condenado, antes de atingir a liberdade, deveria passar por um
número de etapas previamente definidas que, em conjunto, objetivavam puni-lo, bem
como ressocializá-lo, permitindo assim, seu retorno ao convívio social após o
cumprimento de todas elas.
Sem sombra de dúvidas que o regime em comento se assemelha àquele previsto
em nossa Lei de Execução Penal.
1
Nesse sentido: STJ, 6ª Turma, RHC n. 1.187, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 17.6.1991, p.
8212; 6ª Turma, Resp. n. 61.897-0, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 20.5.1996; 6ª Turma, Resp n.
78.791-0/SP, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 9.9.1996; 5ª Turma, Resp n. 70.822-0/PR, rel. Min. Cid
Flaquer Scartezzini, DJU de 5.8.1996.
Fácil é, portanto, percebermos que o nosso estatuto repressor adotou forma similar
uma vez que prevê que o condenado, antes de se ver livre do cárcere, deverá, também,
passar por várias etapas previamente estipuladas. Nesse sentido, reza o § 1º, do artigo 33
do citado diploma legal:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,
semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto,
salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança
máxima ou média;
b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial
ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou
estabelecimento adequado.
O artigo 75 da mesma lei fixou também o limite máximo da pena privativa de
liberdade que deverá ser de trinta anos, conforme segue: “Art. 75 - O tempo de
cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.
Dessa forma, quando o indivíduo for condenado a penas privativas de liberdade,
cuja soma seja superior a trinta anos, deverão as mesmas serem unificadas no sentido de
atender ao limite máximo previsto. É o que dispõe o § 1º do artigo 75, in verbis:
Art. 75 (...)
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja
soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para
atender ao limite máximo deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.7.1984)
Se, porventura, durante o cumprimento da pena vier nova condenação, esta deverá
somar-se ao tempo a cumprir, desconsiderando-se o período já cumprido, conforme
determinação do § 2º do mesmo dispositivo, abaixo transcrito:
Art. 75 (...)
(...)
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento
da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período
de pena já cumprido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
No regime fechado o sentenciado irá cumprir a pena em penitenciárias de
segurança máxima ou média, diferentemente do regime semiaberto e aberto, onde deverá
cumpri-la em colônias agrícolas ou industriais e casas de albergado, respectivamente.
A progressão de regime prisional é disciplinada pelo artigo 112 da Lei de
Execução Penal ao prescrever que a mesma será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as
normas que vedam a progressão.
Dessa maneira o indivíduo condenado inicialmente a cumprir pena no regime
fechado poderá passar para o regime menos gravoso (semiaberto), e em seguida, ao
aberto. Deverá, no entanto, cumprir alguns requisitos de natureza objetiva e subjetiva,
previstas no próprio dispositivo, como o cumprimento de pelo menos um sexto da pena e
bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento,
respectivamente.
De se frisar, no entanto, que no momento atual, o simples preenchimento dos
requisitos necessários à progressão de regime se mostra insuficiente para tal, em razão da
precária situação em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, pois superlotado
e sem condições suficientes para suportar novos condenados, seja pela prática de
quaisquer crimes.
É comum verificarmos em nosso país costumeiras violações ao princípio da
progressão de regime, vez que, muitas das vezes os requisitos exigidos pela lei são
preenchidos, mas a contrapartida do Estado, qual seja, a transferência a um regime menos
gravoso, não se verifica em razão da citada precariedade.
Observando as reiteradas vezes em que isso aconteceu e continua a acontecer no
sistema penitenciário pátrio, a jurisprudência passou a firmar entendimento no sentido de
que a progressão por salto, nos casos em que não há possibilidade de imediata progressão
ao regime sequencial, é a que melhor se apresenta.
Tal entendimento baseia-se no fato de que o condenado não pode responder pela
ineficiência do Poder Público2.
2
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5. Turma. RHC n. 1.731/SP. Relator Ministro Adhemar Maciel,
j. 08.03.1993. [...] A falta de estabelecimento apropriado é problema do Estado, resultando em
constrangimento ilegal o recolhimento do paciente em regime fechado. II – Recurso parcialmente provido
para que o paciente possa sair durante o dia e recolher-se à cadeia para dormir. Disponível em: Disponível
em
O entendimento esposado pelo ilustre Ministro Adhemar Maciel no HC 1.731/SP
não foi comungado pelos seus pares, vez que o Ministro Pedro Acioli, ao proferir o seu
voto, o fez da seguinte maneira:
Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente relator para dissentir
do seu ponto de vista, para negar provimento. Quer dizer, ficar com o
parecer do Ministério Público que esclarece com muita precisão... (...) O
paciente, incorrigível amigo do alheio com duas condenações por furto e
uma por estelionato, não admite permanecer preso em estabelecimento
fechado, enquanto se aguarda vaga em estabelecimento semiaberto. Há,
porém, de conciliar-se o interesse da sociedade, no mínimo tão respeitável
quando o do paciente, fazendo-se, sem lesão à lei, que o mesmo aguarde
em cadeia pública destinada a presos processuais, o surgimento de vaga
para o cumprimento de sua condenação no regime semiaberto que lhe foi
imposto.
Essa espécie de progressão de regime permite ao condenado que esteja cumprindo
pena no regime fechado passe, diretamente, para o regime aberto, oportunidade em que
não obedecerá às etapas previstas na Lei de Execução Penal.
O principal fundamento para que haja a possibilidade de um condenado progredir
‘por salto’ baseia-se na aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, bem como no argumento de não ser correto, nem adequado, que o condenado
cumpra pena em regime mais rigoroso em razão de uma ingerência do Estado, que não
possui condições apropriadas de recebê-lo no regime menos gravoso.
Para os simpatizantes de tal posicionamento, vedar a progressão por salto, além
de caracterizar constrangimento ilegal, constitui afronta ao princípio da dignidade da
pessoa humana, uma vez que o mesmo estaria se submetendo a tratamento cruel em razão
do regime mais rigoroso e pelo qual já cumpriu. Esse foi o posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça no habeas corpus de nº 118.316/SP3.
<https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199200014380&dt_publicacao=
08-03-1993&cod_tipo_documento=1>. Acesso em: 26.07.2014.
3
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. “[...] 2. O condenado agraciado com a progressão para o regime
semiaberto deve aguardar, em caráter provisório e excepcional, em regime aberto ou prisão domiciliar, o
surgimento de vaga em estabelecimento adequado e compatível com o regime para o qual foi promovido.
3. Segundo pacífica jurisprudência desta Corte, caracteriza constrangimento ilegal a manutenção do
paciente em regime fechado, ainda que provisoriamente e na espera de solução de problema administrativo,
quando comprovado que o mesmo obteve o direito de progredir para o regime semiaberto. 4. Ordem
concedida para, caso não seja possível a imediata transferência do paciente para o regime semiaberto, que
este aguarde, em regime aberto ou prisão domiciliar, o surgimento de vaga em estabelecimento próprio,
salvo se por outro motivo não estiver preso” (BRASIL. STJ. HC 118.316/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 16/4/2009).
Ainda no tocante à progressão por salto razoável é admiti-la nas hipóteses em que
o condenado tenha cumprido tempo a mais do que deveria em regime fechado. Nesse
sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça4.
Dessa forma, se o condenado completou tempo suficiente para progredir para o
regime aberto, ainda que não tenha cumprido 1/6 da pena no regime imediatamente
anterior, mas no regime mais gravoso, deve-se, portanto, admitir sua transferência direta
para o aberto.
Malgrado os exemplos acima transcritos no sentido da permissão de tal espécie de
progressão de regime, fato é que o Superior Tribunal de Justiça, destoando da opinião da
maioria de seus Ministros, editou, em data de 13 de agosto de 2012, a Súmula 491,
impedindo a progressão por salto, nos seguintes termos: é inadmissível a chamada
progressão per saltum de regime prisional.
Oportunamente levou-se em consideração, a título de argumento, para a edição da
referida Súmula, o princípio da legalidade, bem como a interpretação literária do artigo
112 da Lei de Execução Penal que prevê, expressamente, a execução da pena privativa
de liberdade de forma progressiva para o regime menos rigoroso.
Dessa maneira, ao editar referida Súmula, o Superior Tribunal de Justiça fez
ouvidos moucos para as mazelas que o sistema penitenciário nacional vem há muito
experimentando, desconsiderando a superpopulação carcerária, a falta de condições para
o ingresso de novos condenados, a precariedade dos estabelecimentos prisionais, enfim,
fechou os olhos para um dos maiores problemas sociais existentes em nosso país.
Forçoso é concluir que a edição da citada Súmula visando pacificar o
entendimento no tocante à possibilidade de progressão de regime por salto nos ditos
crimes hediondos, ignorou a falta de gerência do Estado no que tange a política criminal
vigente, ferindo, de pronto, um dos maiores, senão o maior direito fundamental do
cidadão, qual seja, o direito à liberdade.
4
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas corpus nº 242.760 - SP (2012/0100929-0). [...] Na
hipótese, é possível visualizar, mesmo em análise superficial, a existência de constrangimento ilegal
suportado pelo paciente, consistente na cassação, pelo Tribunal de origem, da progressão para o regime
aberto deferida pelo Juízo das Execuções Penais. Isso porque, a Quinta Turma desta Corte firmou
entendimento no sentido de que, deferida a progressão em data posterior ao lapso mínimo exigido, nada
obsta que o tempo excedente, ou seja, aquele cumprido indevidamente no regime mais severo, possa ser
utilizado na avaliação da próxima progressão (HC 171.680/SP, de minha relatoria, sessão de julgamento de
17/5/2012; HC nº 164.647/MS, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJe de 15/06/2011).
POSICIONAMENTO ANTERIOR DO STF
Após a entrada em vigor da Lei 8.072/90, o Supremo Tribunal Federal não
vislumbrava qualquer ligação entre o princípio da individualização da pena, com previsão
no artigo 5°, XLVI, da Constituição Federal, e a progressão do regime quando de seu
cumprimento. Tal posicionamento tomava como base o entendimento exarado pelo então
Ministro Carlos Velloso, em especial, no habeas corpus nº 69.3775.
O Ministro Paulo Brossard comungando do mesmo entendimento declinou, na
mesma oportunidade, ser possível a fixação de tais parâmetros apenas por meio de lei
ordinária, pois se no uso de suas prerrogativas, dispôs o legislador que nos crimes
hediondos o cumprimento da pena se daria em regime fechado, o fez por entender que
nos crimes dessa natureza não caberia ao juiz, através de sua discricionariedade, fixar o
regime de cumprimento da reprimenda6.
Divergindo dos demais, o Ministro Marco Aurélio Mello, à época, isolado na sua
maneira de enxergar o assunto, já propalava a inconstitucionalidade da Lei dos Crimes
Hediondos, mais precisamente naquilo que dispunha o seu artigo 2°, § 1°. Figurando
como Relator no habeas corpus de nº 69.657, acusou a inconstitucionalidade do citado
dispositivo, mencionando que:
(…) o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da
individualização da pena previsto no inciso XLVI do art. 5° da Carta, e o
princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo
como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste
último a observância da dignidade da pessoa, que é solapada pelo
afastamento, por completo, de contexto revelador da esperança, ainda que
mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso7.
Para ele a progressividade do regime guarda estreita relação com a pena, estando,
pois, umbilicalmente ligado a ela. Tem como objetivo propiciar ao apenado a
possibilidade de se corrigir, a intentar um comportamento penitenciário tal que lhe
permita reingressar no meio social do qual foi, temporariamente banido. Contudo,
5
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. Turma. HC n. 69.377. Relator Ministro Carlos Velloso, j.
03.11.1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 149, p. 827-830.
6
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.603. Relator Ministro Paulo Brossard,
j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 146, p. 611-616.
7
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71896. Acessado em 02/07/2012.
referida lei passou a distinguir os cidadãos não pelas condições sóciopsicológicas a eles
inerentes, mas pelo episódio criminoso em que se envolveram, contrariando a sistemática
da execução da pena contida no Código Penal e na Lei de Execuções8.
Nesse sentido, o Ministro entendia que a principal razão de ser da progressividade
no cumprimento de pena não estava na minimização desta ou no benefício indevido, mas
sim no interesse de se preservar ao condenado a possibilidade do convívio social, da
sociedade, que, num momento futuro e muitas vezes não muito distante, iria receber
aquela pessoa que não observou determinada regra de conduta e permitiu ao Estado atuar
como órgão repressor que é9.
Sob essa perspectiva, o diploma normativo impede a evolução no cumprimento
da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento
condicional, transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena, pressupondo-se, por
essa razão, não uma coerente política criminal, mas uma legislação, segundo o Ministro,
"editada sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime
estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade"10.
Dessa forma, ficando o condenado em regime fechado durante todo o
cumprimento da pena não interessa a quem quer que seja, muito menos à sociedade que,
a qualquer momento, mediante o benefício do livramento condicional ou mesmo com o
fim dos anos de reclusão, o receberá de volta, momento em que deverá atuar como um
partícipe do contrato social, observados os valores mais elevados que o respaldam11.
Diante desse contexto, acentuou o Ministro Marco Aurélio que:
Assentar-se que a definição do regime e modificações posteriores não
estão compreendidas na individualização da pena, é passo
demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em
detrimento de todo um sistema, e o que é pior, a transgressão a princípios
tão caros em Estado Democrático, como são os da igualdade de todos
8
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-611.
9
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
10
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
11
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado
sempre voltado para o bem comum12.
O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, identificou a ação inconstitucional do
legislador, no tocante à normatização das restrições constitucionais, como abaixo
transcrito:
Há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla
restrições a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em
dispositivos da Lei 8.072/90 e dentre elas não é dado encontrar a relativa
à progressividade do regime de cumprimento de pena. O inciso XLIII do
rol das garantias constitucionais – art. 5º - afasta, tão somente, a fiança, a
graça e a anistia para, em inciso posterior (XLVI), assegurar de forma
abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, a
individualização da pena.
(…)
O mesmo raciocínio tem pertinência no que concerne à extensão, pela lei
em comento, do dispositivo atinente à clemência do indulto, quando a
Carta, em norma de exceção, apenas rechaçou a anistia e a graça (art. 5º,
XLIII)13.
Instado a se manifestar em seu voto vista, o Ministro Francisco Rezek tinha como
única intenção encontrar na doutrina da época algum suporte à tese de
inconstitucionalidade a qual também defendia, o que o faz em Francisco de Assis Toledo,
ao verificar uma contundente crítica emanada de seu saber. Mas nem ele, nem quaisquer
outros autores acenam com no sentido de propor a inconstitucionalidade14.
Com efeito, Rezek, à época, não se mostrava complacente com a ideia de que o
magistrado viesse a ter mais flexibilidade no momento de proferir sua decisão, de modo
a possibilita-lo optar sempre entre a pena de natureza prisional e outro gênero de pena,
bem como entre as várias espécies de regimes, além é claro, de poder desvalorizar a
12
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio.
Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 147, p. 598-610.
13
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
14
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio.
Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 147, p. 598-610.
intensidade da pena. Para ele o legislador não poderia abrir opções ao juiz, pois se assim
o fizesse estaria admitindo uma ofensa ao princípio da individualização da pena15.
Não bastasse toda essa argumentação, em seu voto faz uma crítica referente ao
livramento condicional como forma rude de levar o encarcerado de volta à comunidade,
sem que tenha passado pelas etapas necessárias ao cumprimento da reprimenda, em outras
palavras, ao progressivo cumprimento de sua pena16.
No tocante à previsão trazida pela Lei em comento, o Ministro Rezek afirma não
ser ele uma casa legislativa, mas tão somente, um foro corretivo, o que, por si só, limita
sua atuação à verificação da constitucionalidade ou não da mesma em face da
Constituição, oportunidade em que faz referência à tese defendida pelo Ministro Luis
Gallotti, segundo a qual, "a inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade
há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior"17.
Por derradeiro, Rezek traz a discussão para o ponto principal indagando se houve
afronta ao preceito constitucional da individualização o fato de não permitir a progressão
da pena para os crimes hediondos, ou mesmo foi mantido o princípio maior do tratamento
igual para iguais e, desigual para desiguais, uma vez que o assunto deverá ser objeto de
discussão em sede constitucional18.
No HC nº 69.377-MG, ao discorrer sobre o assunto, o Ministro Carlos Velloso,
entendendo que o dispositivo não estaria a violar preceito constitucional no que tange a
individualização da pena, assim se manifestou:
15
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
16
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio.
Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 147, p. 598-610.
17
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] Não somos uma casa legislativa. Não temos a legitimidade que
tem o legislador para estabelecermos a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo, e só podemos extirpar do
trabalho do legislador ordinário – bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado – aquilo que não pode
coexistir com a Constituição. Permaneço fiel à velha tese do Ministro Francisco Gallotti: a
inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do
texto ordinário ao texto maior.
18
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio.
Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 147, p. 598-610. [...] Mas a questão que se põe em mesa neste momento é saber se, por não permitir a
progressividade no regime de cumprimento de pena, o legislador afrontou o preceito constitucional da
individualização ou o princípio maior do tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. Neste
ponto, experimento, como disse, dificuldade em acompanhar o Ministro Relator.
A denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, prestou desserviço ao
Direito Penitenciário, porque ela retira a esperança dos presos, dos
sentenciados, e um preso sem esperança acaba se revoltando, já que não
terá sentido, para ele, o bom comportamento19.
Dentro desse ambiente salta aos olhos a posição adotada pelo Ministro Sepúlveda
Pertence ao não conhecer a individualização da pena in abstracto. Para ele, até o momento
em que as palavras puderem exprimir as ideias, a individualização da pena será um
trabalho que visará o agente e as circunstâncias do fato ocorrido e não a natureza do delito
em tese. Concluindo seu raciocínio, assim se manifesta:
De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a
execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas,
segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas
absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução20.
Por essa razão, o Ministro afirma que a progressividade do regime em crimes de
natureza hedionda não afronta o art. 5º, XLIII de nossa Constituição, uma vez que referido
inciso diz respeito ao estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação de
liberdade e não às formas alternativas de aprisionamento permitidas pelo regime legal de
progressão das penas, entendimento outrora declinado pelo também Ministro, Marco
Aurélio21.
19
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio.
Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência,
vol. 147, p. 598-610. [...] De outra parte a determinação do integral cumprimento da pena em regime
fechado (art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90) não padece de inconstitucionalidade, pois esta só ocorrerá em
hipóteses de pena de morte, perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Ora, o regime fechado
não há de ser considerado em si mesmo cruel, no sentido que a Constituição atribui ao termo. O regime
fechado é uma forma de cumprimento de pena, sendo, aliás, o regime de cumprimento obrigatório para
penas que ultrapassem o limite de oito anos. Ante o exposto, o parecer é pelo indeferimento do HC.
20
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.
21
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio
Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] Com as vênias do eminente Ministro Celso de Mello, de cujo
talento e cujo conhecimento tanto tenho servido nesta casa, não conheço individualização in abstrato, data
vênia, é contraditório in terminis, Individualização da pena, Senhor Presidente, enquanto as palavras
puderem exprimir ideias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não
a natureza do delito em tese. Estou convencido também de que esvazia e torna ilusório o imperativo
constitucional da individualização da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da
aplicação judicial da pena, e o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela. De nada vale
individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que
penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto
à sua efetiva execução. E não elide essa minha convicção o inciso XLVIII, do artigo 5º, que diz respeito ao
estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação da liberdade e não às formas alternativas do
A SÚMULA 471 DO STJ E A PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL
A Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 5º, os direitos fundamentais
do cidadão, explicitando no inciso XL, a proibição de retroação da lei penal, a não ser nas
hipóteses em que beneficiar o réu. Com base nesse dispositivo, a Ministra Maria Thereza
de Assis Moura fundamentou a decisão quando da propositura do projeto para edição da
Súmula 471 do Superior Tribunal de Justiça, hoje com a seguinte redação: os condenados
por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007
sujeitam-se ao disposto no artigo 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para
a progressão de regime prisional.
Referida Súmula prevê a evolução do regime prisional nos casos de crimes
hediondos, levando-se em consideração a quantidade de pena cumprida como requisito
suficiente para que ela aconteça. A adoção do sistema progressivo na execução da pena
nos casos de crimes hediondos encontrava-se pacificada tanto no Supremo Tribunal
Federal como no próprio Superior Tribunal de Justiça, que vinham permitindo a
progressão do regime fechado para um mais brando aos condenados por ditos crimes.
Dessa forma, a Súmula foi editada para suprir dúvida no tocante à quantidade de
pena a ser cumprida no regime mais gravoso que permitisse a mudança àquele
imediatamente posterior, momento em que definiu os parâmetros a serem observados.
A Lei de Execução Penal em seu artigo 112 utiliza critério a comportar dois
elementos para que a progressão seja possível: o cumprimento de 1/6 da pena no regime
anterior e a ostentação de bom comportamento carcerário. No tocante ao tempo a ser
cumprido no regime anterior, a Lei 11.343/11 (Lei dos Crimes Hediondos), alterada pela
Lei 11.464/07, adotou 2/5 e 3/5 como critérios para permitir a progressão de regime, o
que, por si só, a impede de retroagir para atingir fatos ocorridos antes de sua entrada em
vigor.
Outro elemento a fundamentar a edição da Súmula em comento foi o artigo 2º22
do Código Penal, que prevê que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa
aprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão das penas. Com essas breves considerações,
peço vênia ao eminente Ministro Francisco Rezek e aos que o seguiram, para acompanhar o eminente
relator.
22
BRASIL. Decreto-lei 2.848/40 – art. 2º, diz que: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior
deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.
Posteriormente, a inaplicabilidade da proibição de progressão de regime nos
crimes hediondos foi referenciada no julgamento de vários habeas corpus, dentre os quais
o de nº 100.27723 de relatoria do Ministro Celso Limongi.
Dessa forma, forçoso é admitirmos ter a Lei dos Crimes Hediondos recebido
novos contornos no tocante ao tempo de cumprimento de pena a permitir a progressão de
regime, entendimento este comungado pela Ministra Thereza de Assis Moura no habeas
corpus nº 83.79924.
23
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXECUÇÃO PENAL – CONSTITUCIONAL – HABEAS
CORPUS – CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI 11.464/2007 –
VIGÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM
REFERÊNCIA À INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO –
PROGRESSÃO COM O CUMPRIMENTO DE APENAS 1/6 DA PENA NO REGIME ANTERIOR –
INCONSTITUCIONALIDADE DA RETROATIVIDADE DE NORMA PREJUDICIAL AO APENADO
– NOTÍCIAS DA PRÁTICA DE RECENTE FALTA GRAVE – IMPOSSIBILIDADE DE IMEDIATO
RETORNO AO REGIME INTERMEDIÁRIO – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Após o
entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do regime integralmente
fechado, é permitida a progressão de regime para apenados por crimes hediondos ou equiparados. [...]
Disponível
em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial
=6659256&num_registro=200800327087&data=20091103&tipo=5&formato=PDF>. Acessado em:
22.07.2014.
24
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS PENAL. PROCESSO DE EXECUÇÃO.
CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. LEI N.º 11.464/07. LAPSOS
TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. IRRETROATIVIDADE. ORDEM
CONCEDIDA. 1. Esta Corte já havia firmado entendimento no sentido de considerar inconstitucional a
vedação ao cumprimento progressivo da pena aos condenados pela prática de crimes hediondos, nos termos
do posicionamento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n.º
82.959/SP. 2. A Lei n.º 11.464/07, apesar de banir expressamente aludida vedação, estabeleceu lapsos
temporais mais gravosos para os condenados pela prática de crimes hediondos alcançarem a progressão de
regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira novatio legis in pejus, cuja retroatividade é
vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos
crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março de 2007.3. Ordem concedida
para afastar a incidência dos lapsos temporais previstos na Lei n.º 11.464/07, para que o juízo das execuções
criminais analise os requisitos objetivos e subjetivos do paciente para a obtenção da progressão de regime
de acordo com o regramento do art. 112 da Lei de Execuções Penais. Disponível em <
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3419933&n
um_registro=200701223143&data=20080225&tipo=5&formato=PDF> Acesso em 22 jun 2014.
O Ministro Jorge Mussi25 ao julgar o agravo regimental no habeas corpus nº
138.943, decidiu da mesma forma.
NOVO ENTENDIMENTO ADOTADO PELA CORTE
Como já dito noutrora, logo após o início de vigência da Lei 8.072/90 e durante
longo período, sempre que provocado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal, no
tocante à progressão de regime nos crimes hediondos, posicionava-se de forma quase
unânime no sentido de sua negativa.
Com o passar do tempo e em razão da alteração no corpo de Ministros que compõe
a corte, referido posicionamento começou a mudar.
No dia 23 de fevereiro de 2006, após longa discussão sobre o tema, o Supremo
Tribunal Federal modificou o entendimento até então adotado e, em decisão apertada, por
seis votos a cinco, julgou inconstitucional a regra que proibia a progressão de regime para
condenados por crimes hediondos.
O assunto foi levado a lume no habeas corpus de nº 82.959 impetrado por Oséas
de Campos, condenado a 12 (doze) anos e 03 (três) meses de reclusão por molestar três
crianças entre 06 (seis) e 08 (oito) anos de idade (atentado violento ao pudor). Na
oportunidade, o Ministro Marco Aurélio Mello foi quem atuou como relator.
Ao analisar o pedido, o Ministro Marco Aurélio, de pronto, afirmou que a vedação
à progressão de regime violava os princípios constitucionais da isonomia e da
individualização da pena.
25
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. (...) AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.
PROGRESSÃO DE REGIME. CRIME HEDIONDO. POSSIBILIDADE. LEI N. 11.464/2007.
IRRETROATIVIDADE IN PEJUS. IMPROVIMENTO. 1. A Lei n. 11.464/2007, introduzindo nova
redação ao § 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, estabeleceu lapso mais gravoso à modificação
do modo de cumprimento da pena, não podendo, assim, ser aplicada aos crimes praticados antes da sua
vigência, sob pena de violar o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL, da CF).
2.
Agravo
regimental
improvido.
Disponível
em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=((%27AGRHC%27+ou+%27AgRg%20no%20
HC%27)+adj+138943).suce.+ou+((%27AGRHC%27.clas.+ou+%27AgRg%20no%20HC%27.clap.)+e+
@num=%27138943%27). Acessado em 23.07.2014.
Acompanhando o voto do relator, o ministro Eros Grau26, ressaltou aquilo que já
havia propalado seu colega, isto é, que a proibição da progressão de regime afronta o
princípio da individualização da pena. Na mesma oportunidade foi categórico ao afirmar
que não cabe ao legislador impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso
a caso a pena do condenado. Segundo o ilustre Ministro, “o cumprimento da pena em
regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses preceitos
constitucionais”. O Ministro Sepúlveda Pertence27 votou em comunhão ao colega dizendo
que de nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão
da natureza do crime, reconhecendo que esse movimento de exacerbação de penas como
solução ou como arma bastante ao combate à criminalidade só tem servido a finalidades
retóricas e simbólicas.
Acompanharam ainda o relator os Ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso e Eros Grau, além, é claro, do já citado, Sepúlveda Pertence.
Em sentido contrário à progressão de regime, vieram a Ministra Ellen Gracie
juntamente com os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Nelson
Jobim, este último, Presidente do Supremo Tribunal Federal naquele momento.
Em decorrência de o conjunto decisório ter se dado no controle difuso de
constitucionalidade, a decisão do Supremo não possuiu efeitos erga omnes (para todas as
pessoas), ainda que se tenha caracterizada como um preciosíssimo precedente, vez que
originária do pleno. Dessa forma, para que viesse a possuir o citado efeito, teria que ser
26
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [...] Tenho que, ao menos atualmente, a lei de 1.990 entra em
testilhas com o disposto no artigo 5º, XLVI [individualização da pena], no artigo lº, III [dignidade da pessoa
humana] e no artigo 5º, XLVII, e proibição da imposição de penas cruéis] da Constituição do Brasil. 8. No
que tange à proibição da progressão de regime nos crimes hediondos, afronta o princípio da
individualização da pena [art. 5º, XLVI], direcionado ao legislador, que não pode impor regra fixa que
impeça o julgador de individualizar, segundo sua avaliação, caso a caso, a pena do condenado que tenha
praticado qualquer dos crimes relacionados como hediondos. Considere-se ainda a vedação da imposição
de penas cruéis [art. 5º, XLVII, e] e o respeito à dignidade da pessoa humana [art. 1º, III], sendo também
certo que o cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano, importa violação a esses
preceitos
constitucionais...
Disponível
em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206. Acessado em 12.08.2014.
27
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. (...) o resultado da aplicação por uma década e meia da Lei dos
Crimes Hediondos basta a desvelar a falência, mais uma vez, da pretensão ingênua de combate à
criminalidade pela exacerbação das penas ou endurecimento de sua execução. As estatísticas o revelam.
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206. Acessado
em 12.08.2014.
comunicada ao Senado para que este decidisse sobre a suspensão da eficácia do
dispositivo declarado inconstitucional, conforme artigo 52, X, da Constituição Federal.
O artigo 52 da Constituição Federal é uma ferramenta de caráter democrático, uma
vez que permite a participação popular através de seus representantes no que tange o
julgamento da inconstitucionalidade de determinada lei pelo Supremo Tribunal Federal.
Como bem discorre Nelson Nery Junior, no Brasil, a participação do Senado
possui importância tamanha em razão de não termos Tribunal Constitucional de modelo
europeu, que não seria órgão do Poder Judiciário, mas instituição suprapartidária,
localizada no organograma do Estado ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário,
composto por membros indicados por esses poderes (NERY JUNIOR, 2004, p. 31).
Após proferida a decisão em comento, declinou ainda o Plenário que, a declaração
de inconstitucionalidade não geraria consequências jurídicas em relação às penas já
extintas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei n ° 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) foi, sem
dúvida, um avanço no que se refere ao tratamento que o Estado optou por dar a
determinados crimes considerados de maior potencial ofensivo ou de maior gravidade
social.
Idealizada sob o clamor social de uma série de condutas que, segundo a sociedade
à época, mereciam melhor atenção e resposta mais severa por parte do Estado, ao entrar
em vigor referida lei confrontou de imediato uma série de princípios penais e dispositivos
de natureza constitucional. Não demorou muito para que alguns doutrinadores, juristas e
aplicadores do Direito identificassem tais inconformidades e as levassem até o Poder
Judiciário sob o argumento da inconstitucionalidade.
A despeito de todos os questionamentos feitos em vários graus de jurisdição, foi
o Supremo Tribunal Federal na condição de guardião de nossa Constituição, quem deu a
última palavra no tocante à propalada inconstitucionalidade.
Evidente que outros pontos da Lei n. 8.072/90 ainda precisam ser enfrentados,
como a afronta ao direito fundamental à liberdade provisória sem fiança e a competência
do Presidente da República para a concessão do instituto do indulto.
É fato também que, da simples análise doutrinária e jurisprudencial, é possível
observarmos após os votos proferidos no habeas corpus nº 82.959, uma grande evolução
no sentido dado aos direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal se mostrou mais
preocupado em resguardar os direitos e as garantias fundamentais previstos na
Constituição brasileira, tanto os de ordem material, como aqueles de natureza processual.
Diante disso, os crimes hediondos e aqueles a eles equiparados, são apenas um dos
diversos casos complexos a serem por ele enfrentado.
Sob esse aspecto, fundamental foi e continuará sendo a atuação dos intérpretes,
pois, como todo e qualquer ser vivente, também o Supremo Tribunal Federal, se encontra
inserido no contexto da pós-modernidade, em um momento de atualização e, dessa forma,
a sociedade aberta tem que se pronunciar e emitir sua opinião, seja utilizando dos recursos
da mídia, seja por meio dos estudiosos, seja pela via institucional.
Ressalta-se, por fim, a dignidade trazida por nossa Corte no trato com o ser
humano ao admitir ser a progressão de regime um direito fundamental do cidadão durante
o cumprimento da pena privativa de liberdade.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.
ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de direito penal brasileiro – parte
geral. 7. ed. rev. e atual., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
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