A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Fabrício Silva Nicola Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto; Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Professor Titular de Direito Civil da UNIFEOB; Advogado; E-mail: [email protected] RESUMO O presente trabalho tem o objetivo demonstrar a importância do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Habeas Corpus nº 82.959/SP, referente à progressão de regime nos crimes hediondos, submetida à corte em razão da alegada inconstitucionalidade do § 2º, do art. 1º, da Lei 8.072/90, que vedava a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos, em face dos princípios da individualização da pena e da isonomia, dentre outros. Na oportunidade, entendeu nossa corte que a vedação de progressão de regime prevista na Lei 8.072/90 afronta o direito fundamental à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba por afetar o núcleo essencial desse direito, tornando inócua a garantia constitucional. Palavras-chave: progressão de regime; crimes hediondos; princípios; ressocialização. ABSTRACT This paper aims to demonstrate the importance of the position taken by the Supreme Court when considering the HC nº 82.959/SP, related to the progression of regime in heinous crimes, submitted to the court on grounds of alleged unconstitutionality of § 2º of art. 1º of Law 8.072/90, which prohibited the possibility of progression Feather compliance regime in heinous crimes in the face of the principles of individualization of punishment and equality, among others. On that occasion, our court understood that the sealing progression planned regime of Law 8.072/90 affront the fundamental right to individualization of punishment (CF, art. 5º, LXVI), since, by not allowing taking into consideration the particularities of each person, their social reintegration capacity and effort applied with a view to rehabilitation, ultimately affect the essential core of that right, making innocuous the constitutional warranty. Key words: progression system; heinous crimes; principles; resocialization. INTRODUÇÃO Criado em 1940, o atual estatuto repressor só entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1942. Interpretá-lo em conformidade com nossa Constituição Federal nos leva a constatar a observância de princípios basilares do direito, dentre os quais, o princípio da legalidade, princípio do devido processo legal, princípio da proporcionalidade, princípio da individualização, princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros. Embora relativamente extenso no seu conteúdo, nosso Código Penal não esgotava e continua a não esgotar toda a matéria penal prevista em nosso ordenamento, o que possibilitou a edição de várias leis esparsas a definirem condutas típicas nele não previstas. São exemplos: a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que trata do tráfico ilícito de drogas; a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prevê os crimes contra o meio ambiente; a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que disciplina os crimes de natureza hedionda, Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define os crimes contra a ordem tributária nacional, Lei 9.455, de 07 de abril de 1997, que define os crimes de tortura, dentre várias outras. No tocante às alterações recentes ocorridas em seu texto original, cite-se a Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, que alterou o Título IV da Parte Especial, trazendo modificações substancias aos crimes contra a dignidade sexual. De frisar que o tema foi, em grande parte, modificado, com a extinção de alguns crimes como aquele previsto no artigo 214 que tratava do atentado violento ao pudor, absorvido pelo novo tipo que descreve a conduta de estupro. Ainda que previstas no Código Penal ou em leis especiais, determinadas condutas típicas se mostraram ao longo dos anos necessitadas de um tratamento mais severo do legislador pátrio, pois se apresentavam perante a sociedade brasileira merecedoras de maior severidade do Estado no tocante à resposta que ele deveria lhes dar. A constatação dessa necessidade deu origem a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, que passou a definir determinadas condutas/fatos típicos, causadoras de maior perplexidade e repercussão perante a coletividade, como crimes hediondos. Do ponto de vista criminológico, são hediondos os crimes que se encontram no topo da pirâmide de desvalorização axiológica criminal, razão única para serem entendidos como crimes de maior gravidade e causadores de maior repugnância pela sociedade. São hediondos os crimes que possuem lesividade expressivamente acentuada, ou seja, extremo potencial ofensivo. Da simples leitura do texto Constitucional – artigo 5°, inciso XLIII – podemos observar que o legislador optou por dar tratamento mais severo aos crimes hediondos e assemelhados ao prever que: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. No intuito de dar tratamento mais severo aos crimes tidos como hediondos, a Lei 8.072/90 dispõe em seu artigo 2º, § 1º, sobre a impossibilidade de os condenados por crime dessa natureza, progredirem de regime, devendo, pois, cumprirem a totalidade de sua pena no regime integralmente fechado. Considerado inconstitucional por vários operadores do Direito, referido dispositivo foi veementemente combatido nas várias instâncias de nosso sistema judiciário. Recentemente, ao analisar o pedido de habeas corpus nº 82.959, o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional o § 1°, do artigo 2°, da Lei dos Crimes Hediondos, que proibia os condenados pela prática dos crimes nela previstos, de obter progressão de regime durante a execução da pena, por entender que tal benefício faz parte da própria recuperação do apenado. Em vigor há quase 17 anos, a Lei 8.072/90 proibia a concessão de progressão de regime ou a liberdade provisória para presos condenados por crimes considerados hediondos ou equiparados, como sequestro e tráfico de drogas. Sendo assim, os condenados eram obrigados a cumprir a integralidade da pena em regime fechado, não sendo permitindo a eles a ressocialização com vistas ao momento em que deveriam retornar à sociedade, requisito, segundo muitos, essencial para sua recuperação. Ao proferir seu voto no habeas corpus nº 82.959, o ministro Eros Grau afirmou que o cumprimento da pena em regime fechado é "cruel e desumano" e que, permitir a progressão de regime não implica na "abertura de portas dos presídios" já que a decisão final ainda caberia aos juízes das Varas de Execuções Penais, observados requisitos individuais de cada condenado. O Ministro Marco Aurélio Mello, por seu turno, também favorável à permissão, afirmou que as penas devem ser fixadas "considerando a figura do preso em si, do seu comportamento na própria prisão". Ele acredita que a progressão "só será dada àqueles que a merecerem". Acompanharam os citados ministros, votando também pela inconstitucionalidade do referido dispositivo os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim votaram a favor da proibição. Diante de tão importante e inovador posicionamento, bem como, da afirmação do ministro Eros Grau, necessário se faz analisar a progressão do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos – requisito essencial à ressocialização dos apenados –, em face de alguns princípios que regem nosso ordenamento jurídico, mais precisamente, os denominados “princípio da individualização da pena” e “princípio da dignidade da pessoa humana”. PROGRESSÃO DE REGIME Reza o § 1°, do artigo 2°, da Lei 8.072/90, que a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. Da simples leitura do referido dispositivo fácil é concluir pela impossibilidade de progressão de regime para aqueles que praticarem crimes de natureza hedionda ou equiparados. A norma descrita no dispositivo acima transcrito é de natureza penal, ou seja, não pode retroagir para prejudicar o agente. Toda e qualquer regra que cria, extingue, amplia ou restringe a satisfação do jus puniendi tem caráter material. Dessa maneira, sendo a norma que trata do modo de execução da pena de direito material, não poderá retroagir, senão, para beneficiar o agente. A proibição da progressão de regime amplia a satisfação do direito de punir do Estado, tornando-o mais intenso, ao mesmo tempo em que diminui o direito de liberdade do condenado, na mesma proporção. Não se trata de prisão para atender a uma necessidade cautelar do processo, mas para ampliar o pode repressivo estatal (HUNGRIA, 1958, p. 111). Ao diminuir o direito de liberdade inerente a todo e qualquer sentenciado, tal possibilidade impede que o mesmo perfaça o escalonamento na fase de execução de sua pena, ainda que preencha os requisitos para a obtenção de tal benefício, relativizando assim, sua possibilidade de ressocialização. Sendo assim, toda norma que ampliar, diminuir, criar ou extinguir o direito de punir, restringindo ou aumentando o direito de liberdade, será, indubitavelmente, de natureza penal. No presente caso, o dispositivo determina que ‘a pena deve ser totalmente cumprida em regime integralmente fechado’, ou seja, em regime penitenciário mais severo. Como norma penal, não pode ser aplicada aos crimes cometidos antes da entrada em vigor da lei. Sendo assim, somente para os crimes cometidos após a Lei 8.072/90 ficava vedada a progressão de regime1. Necessário se faz mencionar que esse dispositivo não impede o livramento condicional – outro benefício do preso –, apenas a progressão de regime. Ou seja, não há se falar em regime semiaberto ou aberto, mas é possível obter-se o benefício do livramento condicional. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL Nossa legislação penal adotou o sistema penitenciário progressivo ou irlandês, criado pelo Capitão Maconochie, na ilha de Norfolk e, posteriormente, por Walter Crofton, na Irlanda. Referido sistema consubstanciava-se na aplicação do sistema celular num primeiro momento (etapa), do sistema auburniano em momento posterior, de trabalho ao ar livre numa terceira fase, fulminando com a liberdade condicional. A alternância das etapas levava em consideração o comportamento do apenado, que, ao passar por cada uma delas, ia sendo premiado com um sistema de tíquetes (ZAFFARONI, 2008, p. 682). Desse modo, o condenado, antes de atingir a liberdade, deveria passar por um número de etapas previamente definidas que, em conjunto, objetivavam puni-lo, bem como ressocializá-lo, permitindo assim, seu retorno ao convívio social após o cumprimento de todas elas. Sem sombra de dúvidas que o regime em comento se assemelha àquele previsto em nossa Lei de Execução Penal. 1 Nesse sentido: STJ, 6ª Turma, RHC n. 1.187, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 17.6.1991, p. 8212; 6ª Turma, Resp. n. 61.897-0, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 20.5.1996; 6ª Turma, Resp n. 78.791-0/SP, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 9.9.1996; 5ª Turma, Resp n. 70.822-0/PR, rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJU de 5.8.1996. Fácil é, portanto, percebermos que o nosso estatuto repressor adotou forma similar uma vez que prevê que o condenado, antes de se ver livre do cárcere, deverá, também, passar por várias etapas previamente estipuladas. Nesse sentido, reza o § 1º, do artigo 33 do citado diploma legal: Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. O artigo 75 da mesma lei fixou também o limite máximo da pena privativa de liberdade que deverá ser de trinta anos, conforme segue: “Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”. Dessa forma, quando o indivíduo for condenado a penas privativas de liberdade, cuja soma seja superior a trinta anos, deverão as mesmas serem unificadas no sentido de atender ao limite máximo previsto. É o que dispõe o § 1º do artigo 75, in verbis: Art. 75 (...) § 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Se, porventura, durante o cumprimento da pena vier nova condenação, esta deverá somar-se ao tempo a cumprir, desconsiderando-se o período já cumprido, conforme determinação do § 2º do mesmo dispositivo, abaixo transcrito: Art. 75 (...) (...) § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) No regime fechado o sentenciado irá cumprir a pena em penitenciárias de segurança máxima ou média, diferentemente do regime semiaberto e aberto, onde deverá cumpri-la em colônias agrícolas ou industriais e casas de albergado, respectivamente. A progressão de regime prisional é disciplinada pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal ao prescrever que a mesma será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. Dessa maneira o indivíduo condenado inicialmente a cumprir pena no regime fechado poderá passar para o regime menos gravoso (semiaberto), e em seguida, ao aberto. Deverá, no entanto, cumprir alguns requisitos de natureza objetiva e subjetiva, previstas no próprio dispositivo, como o cumprimento de pelo menos um sexto da pena e bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respectivamente. De se frisar, no entanto, que no momento atual, o simples preenchimento dos requisitos necessários à progressão de regime se mostra insuficiente para tal, em razão da precária situação em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, pois superlotado e sem condições suficientes para suportar novos condenados, seja pela prática de quaisquer crimes. É comum verificarmos em nosso país costumeiras violações ao princípio da progressão de regime, vez que, muitas das vezes os requisitos exigidos pela lei são preenchidos, mas a contrapartida do Estado, qual seja, a transferência a um regime menos gravoso, não se verifica em razão da citada precariedade. Observando as reiteradas vezes em que isso aconteceu e continua a acontecer no sistema penitenciário pátrio, a jurisprudência passou a firmar entendimento no sentido de que a progressão por salto, nos casos em que não há possibilidade de imediata progressão ao regime sequencial, é a que melhor se apresenta. Tal entendimento baseia-se no fato de que o condenado não pode responder pela ineficiência do Poder Público2. 2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5. Turma. RHC n. 1.731/SP. Relator Ministro Adhemar Maciel, j. 08.03.1993. [...] A falta de estabelecimento apropriado é problema do Estado, resultando em constrangimento ilegal o recolhimento do paciente em regime fechado. II – Recurso parcialmente provido para que o paciente possa sair durante o dia e recolher-se à cadeia para dormir. Disponível em: Disponível em O entendimento esposado pelo ilustre Ministro Adhemar Maciel no HC 1.731/SP não foi comungado pelos seus pares, vez que o Ministro Pedro Acioli, ao proferir o seu voto, o fez da seguinte maneira: Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente relator para dissentir do seu ponto de vista, para negar provimento. Quer dizer, ficar com o parecer do Ministério Público que esclarece com muita precisão... (...) O paciente, incorrigível amigo do alheio com duas condenações por furto e uma por estelionato, não admite permanecer preso em estabelecimento fechado, enquanto se aguarda vaga em estabelecimento semiaberto. Há, porém, de conciliar-se o interesse da sociedade, no mínimo tão respeitável quando o do paciente, fazendo-se, sem lesão à lei, que o mesmo aguarde em cadeia pública destinada a presos processuais, o surgimento de vaga para o cumprimento de sua condenação no regime semiaberto que lhe foi imposto. Essa espécie de progressão de regime permite ao condenado que esteja cumprindo pena no regime fechado passe, diretamente, para o regime aberto, oportunidade em que não obedecerá às etapas previstas na Lei de Execução Penal. O principal fundamento para que haja a possibilidade de um condenado progredir ‘por salto’ baseia-se na aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como no argumento de não ser correto, nem adequado, que o condenado cumpra pena em regime mais rigoroso em razão de uma ingerência do Estado, que não possui condições apropriadas de recebê-lo no regime menos gravoso. Para os simpatizantes de tal posicionamento, vedar a progressão por salto, além de caracterizar constrangimento ilegal, constitui afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o mesmo estaria se submetendo a tratamento cruel em razão do regime mais rigoroso e pelo qual já cumpriu. Esse foi o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no habeas corpus de nº 118.316/SP3. <https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199200014380&dt_publicacao= 08-03-1993&cod_tipo_documento=1>. Acesso em: 26.07.2014. 3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. “[...] 2. O condenado agraciado com a progressão para o regime semiaberto deve aguardar, em caráter provisório e excepcional, em regime aberto ou prisão domiciliar, o surgimento de vaga em estabelecimento adequado e compatível com o regime para o qual foi promovido. 3. Segundo pacífica jurisprudência desta Corte, caracteriza constrangimento ilegal a manutenção do paciente em regime fechado, ainda que provisoriamente e na espera de solução de problema administrativo, quando comprovado que o mesmo obteve o direito de progredir para o regime semiaberto. 4. Ordem concedida para, caso não seja possível a imediata transferência do paciente para o regime semiaberto, que este aguarde, em regime aberto ou prisão domiciliar, o surgimento de vaga em estabelecimento próprio, salvo se por outro motivo não estiver preso” (BRASIL. STJ. HC 118.316/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 16/4/2009). Ainda no tocante à progressão por salto razoável é admiti-la nas hipóteses em que o condenado tenha cumprido tempo a mais do que deveria em regime fechado. Nesse sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça4. Dessa forma, se o condenado completou tempo suficiente para progredir para o regime aberto, ainda que não tenha cumprido 1/6 da pena no regime imediatamente anterior, mas no regime mais gravoso, deve-se, portanto, admitir sua transferência direta para o aberto. Malgrado os exemplos acima transcritos no sentido da permissão de tal espécie de progressão de regime, fato é que o Superior Tribunal de Justiça, destoando da opinião da maioria de seus Ministros, editou, em data de 13 de agosto de 2012, a Súmula 491, impedindo a progressão por salto, nos seguintes termos: é inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional. Oportunamente levou-se em consideração, a título de argumento, para a edição da referida Súmula, o princípio da legalidade, bem como a interpretação literária do artigo 112 da Lei de Execução Penal que prevê, expressamente, a execução da pena privativa de liberdade de forma progressiva para o regime menos rigoroso. Dessa maneira, ao editar referida Súmula, o Superior Tribunal de Justiça fez ouvidos moucos para as mazelas que o sistema penitenciário nacional vem há muito experimentando, desconsiderando a superpopulação carcerária, a falta de condições para o ingresso de novos condenados, a precariedade dos estabelecimentos prisionais, enfim, fechou os olhos para um dos maiores problemas sociais existentes em nosso país. Forçoso é concluir que a edição da citada Súmula visando pacificar o entendimento no tocante à possibilidade de progressão de regime por salto nos ditos crimes hediondos, ignorou a falta de gerência do Estado no que tange a política criminal vigente, ferindo, de pronto, um dos maiores, senão o maior direito fundamental do cidadão, qual seja, o direito à liberdade. 4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas corpus nº 242.760 - SP (2012/0100929-0). [...] Na hipótese, é possível visualizar, mesmo em análise superficial, a existência de constrangimento ilegal suportado pelo paciente, consistente na cassação, pelo Tribunal de origem, da progressão para o regime aberto deferida pelo Juízo das Execuções Penais. Isso porque, a Quinta Turma desta Corte firmou entendimento no sentido de que, deferida a progressão em data posterior ao lapso mínimo exigido, nada obsta que o tempo excedente, ou seja, aquele cumprido indevidamente no regime mais severo, possa ser utilizado na avaliação da próxima progressão (HC 171.680/SP, de minha relatoria, sessão de julgamento de 17/5/2012; HC nº 164.647/MS, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJe de 15/06/2011). POSICIONAMENTO ANTERIOR DO STF Após a entrada em vigor da Lei 8.072/90, o Supremo Tribunal Federal não vislumbrava qualquer ligação entre o princípio da individualização da pena, com previsão no artigo 5°, XLVI, da Constituição Federal, e a progressão do regime quando de seu cumprimento. Tal posicionamento tomava como base o entendimento exarado pelo então Ministro Carlos Velloso, em especial, no habeas corpus nº 69.3775. O Ministro Paulo Brossard comungando do mesmo entendimento declinou, na mesma oportunidade, ser possível a fixação de tais parâmetros apenas por meio de lei ordinária, pois se no uso de suas prerrogativas, dispôs o legislador que nos crimes hediondos o cumprimento da pena se daria em regime fechado, o fez por entender que nos crimes dessa natureza não caberia ao juiz, através de sua discricionariedade, fixar o regime de cumprimento da reprimenda6. Divergindo dos demais, o Ministro Marco Aurélio Mello, à época, isolado na sua maneira de enxergar o assunto, já propalava a inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos, mais precisamente naquilo que dispunha o seu artigo 2°, § 1°. Figurando como Relator no habeas corpus de nº 69.657, acusou a inconstitucionalidade do citado dispositivo, mencionando que: (…) o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da individualização da pena previsto no inciso XLVI do art. 5° da Carta, e o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador da esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso7. Para ele a progressividade do regime guarda estreita relação com a pena, estando, pois, umbilicalmente ligado a ela. Tem como objetivo propiciar ao apenado a possibilidade de se corrigir, a intentar um comportamento penitenciário tal que lhe permita reingressar no meio social do qual foi, temporariamente banido. Contudo, 5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. Turma. HC n. 69.377. Relator Ministro Carlos Velloso, j. 03.11.1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 149, p. 827-830. 6 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.603. Relator Ministro Paulo Brossard, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 146, p. 611-616. 7 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71896. Acessado em 02/07/2012. referida lei passou a distinguir os cidadãos não pelas condições sóciopsicológicas a eles inerentes, mas pelo episódio criminoso em que se envolveram, contrariando a sistemática da execução da pena contida no Código Penal e na Lei de Execuções8. Nesse sentido, o Ministro entendia que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento de pena não estava na minimização desta ou no benefício indevido, mas sim no interesse de se preservar ao condenado a possibilidade do convívio social, da sociedade, que, num momento futuro e muitas vezes não muito distante, iria receber aquela pessoa que não observou determinada regra de conduta e permitiu ao Estado atuar como órgão repressor que é9. Sob essa perspectiva, o diploma normativo impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional, transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena, pressupondo-se, por essa razão, não uma coerente política criminal, mas uma legislação, segundo o Ministro, "editada sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade"10. Dessa forma, ficando o condenado em regime fechado durante todo o cumprimento da pena não interessa a quem quer que seja, muito menos à sociedade que, a qualquer momento, mediante o benefício do livramento condicional ou mesmo com o fim dos anos de reclusão, o receberá de volta, momento em que deverá atuar como um partícipe do contrato social, observados os valores mais elevados que o respaldam11. Diante desse contexto, acentuou o Ministro Marco Aurélio que: Assentar-se que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena, é passo demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em Estado Democrático, como são os da igualdade de todos 8 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-611. 9 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 10 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltado para o bem comum12. O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, identificou a ação inconstitucional do legislador, no tocante à normatização das restrições constitucionais, como abaixo transcrito: Há de se considerar que a própria Constituição Federal contempla restrições a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90 e dentre elas não é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento de pena. O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º - afasta, tão somente, a fiança, a graça e a anistia para, em inciso posterior (XLVI), assegurar de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, a individualização da pena. (…) O mesmo raciocínio tem pertinência no que concerne à extensão, pela lei em comento, do dispositivo atinente à clemência do indulto, quando a Carta, em norma de exceção, apenas rechaçou a anistia e a graça (art. 5º, XLIII)13. Instado a se manifestar em seu voto vista, o Ministro Francisco Rezek tinha como única intenção encontrar na doutrina da época algum suporte à tese de inconstitucionalidade a qual também defendia, o que o faz em Francisco de Assis Toledo, ao verificar uma contundente crítica emanada de seu saber. Mas nem ele, nem quaisquer outros autores acenam com no sentido de propor a inconstitucionalidade14. Com efeito, Rezek, à época, não se mostrava complacente com a ideia de que o magistrado viesse a ter mais flexibilidade no momento de proferir sua decisão, de modo a possibilita-lo optar sempre entre a pena de natureza prisional e outro gênero de pena, bem como entre as várias espécies de regimes, além é claro, de poder desvalorizar a 12 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 13 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 14 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. intensidade da pena. Para ele o legislador não poderia abrir opções ao juiz, pois se assim o fizesse estaria admitindo uma ofensa ao princípio da individualização da pena15. Não bastasse toda essa argumentação, em seu voto faz uma crítica referente ao livramento condicional como forma rude de levar o encarcerado de volta à comunidade, sem que tenha passado pelas etapas necessárias ao cumprimento da reprimenda, em outras palavras, ao progressivo cumprimento de sua pena16. No tocante à previsão trazida pela Lei em comento, o Ministro Rezek afirma não ser ele uma casa legislativa, mas tão somente, um foro corretivo, o que, por si só, limita sua atuação à verificação da constitucionalidade ou não da mesma em face da Constituição, oportunidade em que faz referência à tese defendida pelo Ministro Luis Gallotti, segundo a qual, "a inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior"17. Por derradeiro, Rezek traz a discussão para o ponto principal indagando se houve afronta ao preceito constitucional da individualização o fato de não permitir a progressão da pena para os crimes hediondos, ou mesmo foi mantido o princípio maior do tratamento igual para iguais e, desigual para desiguais, uma vez que o assunto deverá ser objeto de discussão em sede constitucional18. No HC nº 69.377-MG, ao discorrer sobre o assunto, o Ministro Carlos Velloso, entendendo que o dispositivo não estaria a violar preceito constitucional no que tange a individualização da pena, assim se manifestou: 15 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 16 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 17 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] Não somos uma casa legislativa. Não temos a legitimidade que tem o legislador para estabelecermos a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo, e só podemos extirpar do trabalho do legislador ordinário – bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado – aquilo que não pode coexistir com a Constituição. Permaneço fiel à velha tese do Ministro Francisco Gallotti: a inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior. 18 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] Mas a questão que se põe em mesa neste momento é saber se, por não permitir a progressividade no regime de cumprimento de pena, o legislador afrontou o preceito constitucional da individualização ou o princípio maior do tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. Neste ponto, experimento, como disse, dificuldade em acompanhar o Ministro Relator. A denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, prestou desserviço ao Direito Penitenciário, porque ela retira a esperança dos presos, dos sentenciados, e um preso sem esperança acaba se revoltando, já que não terá sentido, para ele, o bom comportamento19. Dentro desse ambiente salta aos olhos a posição adotada pelo Ministro Sepúlveda Pertence ao não conhecer a individualização da pena in abstracto. Para ele, até o momento em que as palavras puderem exprimir as ideias, a individualização da pena será um trabalho que visará o agente e as circunstâncias do fato ocorrido e não a natureza do delito em tese. Concluindo seu raciocínio, assim se manifesta: De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução20. Por essa razão, o Ministro afirma que a progressividade do regime em crimes de natureza hedionda não afronta o art. 5º, XLIII de nossa Constituição, uma vez que referido inciso diz respeito ao estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação de liberdade e não às formas alternativas de aprisionamento permitidas pelo regime legal de progressão das penas, entendimento outrora declinado pelo também Ministro, Marco Aurélio21. 19 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] De outra parte a determinação do integral cumprimento da pena em regime fechado (art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90) não padece de inconstitucionalidade, pois esta só ocorrerá em hipóteses de pena de morte, perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Ora, o regime fechado não há de ser considerado em si mesmo cruel, no sentido que a Constituição atribui ao termo. O regime fechado é uma forma de cumprimento de pena, sendo, aliás, o regime de cumprimento obrigatório para penas que ultrapassem o limite de oito anos. Ante o exposto, o parecer é pelo indeferimento do HC. 20 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. 21 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. Habeas Corpus nº 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio Mello. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18/12/1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610. [...] Com as vênias do eminente Ministro Celso de Mello, de cujo talento e cujo conhecimento tanto tenho servido nesta casa, não conheço individualização in abstrato, data vênia, é contraditório in terminis, Individualização da pena, Senhor Presidente, enquanto as palavras puderem exprimir ideias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese. Estou convencido também de que esvazia e torna ilusório o imperativo constitucional da individualização da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação judicial da pena, e o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela. De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução. E não elide essa minha convicção o inciso XLVIII, do artigo 5º, que diz respeito ao estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação da liberdade e não às formas alternativas do A SÚMULA 471 DO STJ E A PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL A Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 5º, os direitos fundamentais do cidadão, explicitando no inciso XL, a proibição de retroação da lei penal, a não ser nas hipóteses em que beneficiar o réu. Com base nesse dispositivo, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura fundamentou a decisão quando da propositura do projeto para edição da Súmula 471 do Superior Tribunal de Justiça, hoje com a seguinte redação: os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no artigo 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional. Referida Súmula prevê a evolução do regime prisional nos casos de crimes hediondos, levando-se em consideração a quantidade de pena cumprida como requisito suficiente para que ela aconteça. A adoção do sistema progressivo na execução da pena nos casos de crimes hediondos encontrava-se pacificada tanto no Supremo Tribunal Federal como no próprio Superior Tribunal de Justiça, que vinham permitindo a progressão do regime fechado para um mais brando aos condenados por ditos crimes. Dessa forma, a Súmula foi editada para suprir dúvida no tocante à quantidade de pena a ser cumprida no regime mais gravoso que permitisse a mudança àquele imediatamente posterior, momento em que definiu os parâmetros a serem observados. A Lei de Execução Penal em seu artigo 112 utiliza critério a comportar dois elementos para que a progressão seja possível: o cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior e a ostentação de bom comportamento carcerário. No tocante ao tempo a ser cumprido no regime anterior, a Lei 11.343/11 (Lei dos Crimes Hediondos), alterada pela Lei 11.464/07, adotou 2/5 e 3/5 como critérios para permitir a progressão de regime, o que, por si só, a impede de retroagir para atingir fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor. Outro elemento a fundamentar a edição da Súmula em comento foi o artigo 2º22 do Código Penal, que prevê que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa aprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão das penas. Com essas breves considerações, peço vênia ao eminente Ministro Francisco Rezek e aos que o seguiram, para acompanhar o eminente relator. 22 BRASIL. Decreto-lei 2.848/40 – art. 2º, diz que: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Posteriormente, a inaplicabilidade da proibição de progressão de regime nos crimes hediondos foi referenciada no julgamento de vários habeas corpus, dentre os quais o de nº 100.27723 de relatoria do Ministro Celso Limongi. Dessa forma, forçoso é admitirmos ter a Lei dos Crimes Hediondos recebido novos contornos no tocante ao tempo de cumprimento de pena a permitir a progressão de regime, entendimento este comungado pela Ministra Thereza de Assis Moura no habeas corpus nº 83.79924. 23 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXECUÇÃO PENAL – CONSTITUCIONAL – HABEAS CORPUS – CRIME HEDIONDO COMETIDO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI 11.464/2007 – VIGÊNCIA DO ENTENDIMENTO ESPOSADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REFERÊNCIA À INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO – PROGRESSÃO COM O CUMPRIMENTO DE APENAS 1/6 DA PENA NO REGIME ANTERIOR – INCONSTITUCIONALIDADE DA RETROATIVIDADE DE NORMA PREJUDICIAL AO APENADO – NOTÍCIAS DA PRÁTICA DE RECENTE FALTA GRAVE – IMPOSSIBILIDADE DE IMEDIATO RETORNO AO REGIME INTERMEDIÁRIO – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Após o entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, é permitida a progressão de regime para apenados por crimes hediondos ou equiparados. [...] Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial =6659256&num_registro=200800327087&data=20091103&tipo=5&formato=PDF>. Acessado em: 22.07.2014. 24 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS PENAL. PROCESSO DE EXECUÇÃO. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. LEI N.º 11.464/07. LAPSOS TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. IRRETROATIVIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Esta Corte já havia firmado entendimento no sentido de considerar inconstitucional a vedação ao cumprimento progressivo da pena aos condenados pela prática de crimes hediondos, nos termos do posicionamento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n.º 82.959/SP. 2. A Lei n.º 11.464/07, apesar de banir expressamente aludida vedação, estabeleceu lapsos temporais mais gravosos para os condenados pela prática de crimes hediondos alcançarem a progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março de 2007.3. Ordem concedida para afastar a incidência dos lapsos temporais previstos na Lei n.º 11.464/07, para que o juízo das execuções criminais analise os requisitos objetivos e subjetivos do paciente para a obtenção da progressão de regime de acordo com o regramento do art. 112 da Lei de Execuções Penais. Disponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3419933&n um_registro=200701223143&data=20080225&tipo=5&formato=PDF> Acesso em 22 jun 2014. O Ministro Jorge Mussi25 ao julgar o agravo regimental no habeas corpus nº 138.943, decidiu da mesma forma. NOVO ENTENDIMENTO ADOTADO PELA CORTE Como já dito noutrora, logo após o início de vigência da Lei 8.072/90 e durante longo período, sempre que provocado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal, no tocante à progressão de regime nos crimes hediondos, posicionava-se de forma quase unânime no sentido de sua negativa. Com o passar do tempo e em razão da alteração no corpo de Ministros que compõe a corte, referido posicionamento começou a mudar. No dia 23 de fevereiro de 2006, após longa discussão sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal modificou o entendimento até então adotado e, em decisão apertada, por seis votos a cinco, julgou inconstitucional a regra que proibia a progressão de regime para condenados por crimes hediondos. O assunto foi levado a lume no habeas corpus de nº 82.959 impetrado por Oséas de Campos, condenado a 12 (doze) anos e 03 (três) meses de reclusão por molestar três crianças entre 06 (seis) e 08 (oito) anos de idade (atentado violento ao pudor). Na oportunidade, o Ministro Marco Aurélio Mello foi quem atuou como relator. Ao analisar o pedido, o Ministro Marco Aurélio, de pronto, afirmou que a vedação à progressão de regime violava os princípios constitucionais da isonomia e da individualização da pena. 25 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. (...) AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. CRIME HEDIONDO. POSSIBILIDADE. LEI N. 11.464/2007. IRRETROATIVIDADE IN PEJUS. IMPROVIMENTO. 1. A Lei n. 11.464/2007, introduzindo nova redação ao § 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, estabeleceu lapso mais gravoso à modificação do modo de cumprimento da pena, não podendo, assim, ser aplicada aos crimes praticados antes da sua vigência, sob pena de violar o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL, da CF). 2. Agravo regimental improvido. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=((%27AGRHC%27+ou+%27AgRg%20no%20 HC%27)+adj+138943).suce.+ou+((%27AGRHC%27.clas.+ou+%27AgRg%20no%20HC%27.clap.)+e+ @num=%27138943%27). Acessado em 23.07.2014. Acompanhando o voto do relator, o ministro Eros Grau26, ressaltou aquilo que já havia propalado seu colega, isto é, que a proibição da progressão de regime afronta o princípio da individualização da pena. Na mesma oportunidade foi categórico ao afirmar que não cabe ao legislador impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso a caso a pena do condenado. Segundo o ilustre Ministro, “o cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses preceitos constitucionais”. O Ministro Sepúlveda Pertence27 votou em comunhão ao colega dizendo que de nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, reconhecendo que esse movimento de exacerbação de penas como solução ou como arma bastante ao combate à criminalidade só tem servido a finalidades retóricas e simbólicas. Acompanharam ainda o relator os Ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Eros Grau, além, é claro, do já citado, Sepúlveda Pertence. Em sentido contrário à progressão de regime, vieram a Ministra Ellen Gracie juntamente com os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Nelson Jobim, este último, Presidente do Supremo Tribunal Federal naquele momento. Em decorrência de o conjunto decisório ter se dado no controle difuso de constitucionalidade, a decisão do Supremo não possuiu efeitos erga omnes (para todas as pessoas), ainda que se tenha caracterizada como um preciosíssimo precedente, vez que originária do pleno. Dessa forma, para que viesse a possuir o citado efeito, teria que ser 26 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [...] Tenho que, ao menos atualmente, a lei de 1.990 entra em testilhas com o disposto no artigo 5º, XLVI [individualização da pena], no artigo lº, III [dignidade da pessoa humana] e no artigo 5º, XLVII, e proibição da imposição de penas cruéis] da Constituição do Brasil. 8. No que tange à proibição da progressão de regime nos crimes hediondos, afronta o princípio da individualização da pena [art. 5º, XLVI], direcionado ao legislador, que não pode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar, segundo sua avaliação, caso a caso, a pena do condenado que tenha praticado qualquer dos crimes relacionados como hediondos. Considere-se ainda a vedação da imposição de penas cruéis [art. 5º, XLVII, e] e o respeito à dignidade da pessoa humana [art. 1º, III], sendo também certo que o cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano, importa violação a esses preceitos constitucionais... Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206. Acessado em 12.08.2014. 27 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. (...) o resultado da aplicação por uma década e meia da Lei dos Crimes Hediondos basta a desvelar a falência, mais uma vez, da pretensão ingênua de combate à criminalidade pela exacerbação das penas ou endurecimento de sua execução. As estatísticas o revelam. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206. Acessado em 12.08.2014. comunicada ao Senado para que este decidisse sobre a suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional, conforme artigo 52, X, da Constituição Federal. O artigo 52 da Constituição Federal é uma ferramenta de caráter democrático, uma vez que permite a participação popular através de seus representantes no que tange o julgamento da inconstitucionalidade de determinada lei pelo Supremo Tribunal Federal. Como bem discorre Nelson Nery Junior, no Brasil, a participação do Senado possui importância tamanha em razão de não termos Tribunal Constitucional de modelo europeu, que não seria órgão do Poder Judiciário, mas instituição suprapartidária, localizada no organograma do Estado ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário, composto por membros indicados por esses poderes (NERY JUNIOR, 2004, p. 31). Após proferida a decisão em comento, declinou ainda o Plenário que, a declaração de inconstitucionalidade não geraria consequências jurídicas em relação às penas já extintas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Lei n ° 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) foi, sem dúvida, um avanço no que se refere ao tratamento que o Estado optou por dar a determinados crimes considerados de maior potencial ofensivo ou de maior gravidade social. Idealizada sob o clamor social de uma série de condutas que, segundo a sociedade à época, mereciam melhor atenção e resposta mais severa por parte do Estado, ao entrar em vigor referida lei confrontou de imediato uma série de princípios penais e dispositivos de natureza constitucional. Não demorou muito para que alguns doutrinadores, juristas e aplicadores do Direito identificassem tais inconformidades e as levassem até o Poder Judiciário sob o argumento da inconstitucionalidade. A despeito de todos os questionamentos feitos em vários graus de jurisdição, foi o Supremo Tribunal Federal na condição de guardião de nossa Constituição, quem deu a última palavra no tocante à propalada inconstitucionalidade. Evidente que outros pontos da Lei n. 8.072/90 ainda precisam ser enfrentados, como a afronta ao direito fundamental à liberdade provisória sem fiança e a competência do Presidente da República para a concessão do instituto do indulto. É fato também que, da simples análise doutrinária e jurisprudencial, é possível observarmos após os votos proferidos no habeas corpus nº 82.959, uma grande evolução no sentido dado aos direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal se mostrou mais preocupado em resguardar os direitos e as garantias fundamentais previstos na Constituição brasileira, tanto os de ordem material, como aqueles de natureza processual. Diante disso, os crimes hediondos e aqueles a eles equiparados, são apenas um dos diversos casos complexos a serem por ele enfrentado. Sob esse aspecto, fundamental foi e continuará sendo a atuação dos intérpretes, pois, como todo e qualquer ser vivente, também o Supremo Tribunal Federal, se encontra inserido no contexto da pós-modernidade, em um momento de atualização e, dessa forma, a sociedade aberta tem que se pronunciar e emitir sua opinião, seja utilizando dos recursos da mídia, seja por meio dos estudiosos, seja pela via institucional. Ressalta-se, por fim, a dignidade trazida por nossa Corte no trato com o ser humano ao admitir ser a progressão de regime um direito fundamental do cidadão durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 7. ed. rev. e atual., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.