O DESENVOLVIMENTO AFECTIVO-SEXUAL NA DEFICIÊNCIA MENTAL O tema da sexualidade das pessoas com deficiência mental começou a ganhar importância quando estas se converteram num grupo com peso social, para o que terá contribuído o prolongamento da sua esperança de vida (Félix, 1995). Como pretender descrever os marcos mais comuns da sexualidade neste grupo tão heterogéneo? Sabemos que uns são sexualmente muito sofisticados e outros extraordinariamente simples; alguns são capazes de utilizar contracepção de forma responsável e outros não têm a menor ideia de como evitar uma gravidez; uns anseiam pelo casamento e pela maternidade/paternidade, enquanto outros a recusam… Tal como acontece com os que não têm deficiência porque, ao fim e ao cabo, “a sexualidade, é a mais normal das características humanas, e é sentida de maneira idêntica por deficientes e não deficientes” (Craft & Craft, 1982 fide Félix, 1995). As pessoas com deficiência mental ligeira são aquelas que, apesar de tudo, levantam mais questões; por um lado porque, em termos de desenvolvimento e comportamento, estão mais próximas dos ditos normais; por outro porque expressam mais as suas necessidades, são mais críticos, vivem mais em sociedade e com maior número de modelos de comparação. Simultaneamente, estes jovens vivem cada vez mais em comunidade e estão expostos aos mesmos perigos, estímulos e pressões que os seus vizinhos ditos normais. Nestes casos, pais e técnicos sentem-se muitas vezes questionados (e isso é incómodo) pelos seus filhos(as), acerca das proibições e ambiguidades que os cercam. “…porque não posso namorar?”, “…quero-me casar e ter filhos”, “…o que é uma discoteca? Nunca fui!”. Estas e outras perguntas são postas pelos jovens sem que, na maioria das vezes, obtenham respostas concretas satisfatórias. Estes são, no nosso entender, os jovens que merecem que se pense desde muito precocemente na sua Educação Sexual (Félix, 1995). Para abreviar e generalizando um pouco, neste grupo de pessoas, colocam-se basicamente os seguintes problemas: o abuso sexual de que as pessoas com deficiência possam ser vítimas; o mal-estar dos técnicos perante a masturbação; e a eventual masturbação em público (Gomes, 1995). Trata-se de uma realidade mais comum do que os relatos e as denúncias sobre ela existentes nos fariam supor. Com efeito, de uma forma geral, as pessoas com deficiência não denunciam os seus agressores, que são, na maioria das vezes, adultos que gozam da confiança do jovem. Investigações desenvolvidas nos Estados Unidos apontam como principais agressores os pais, padrastos, irmãos e professores, em suma, pessoas que estão muito perto do deficiente alvo de abusos. Outro aspecto é o facto de que a pessoa com deficiência não ter frequentemente consciência de que foi abusado ou agredido. Pelo contrário, pode sentir o abuso como uma manifestação do interesse especial de alguém por si. Uma das formas de evitar os abusos sexuais é a prevenção, o que nem sempre é fácil. Ela deve assentar na tomada de consciência por parte da pessoa com deficiência de que tem um corpo que é seu e sobre o qual tem direitos. As crianças e os jovens devem ser alertados para a eventualidade de poderem ser vítimas de abusos e devem por isso estar sensibilizados para situações que possam sentir como desagradáveis e para poderem dizer que não as desejam. Devem também ser ensinados a expressar aos outros os seus medos, de forma a intimidar os possíveis agressores. Compete ainda aos adultos um papel de supervisão e vigilância por forma a aperceberem-se de eventuais alterações no comportamento do jovem, bem como levarem a sério os jovens quando estes lhes falam sobre estas questões ou quando repentinamente começam a questionar sobre temáticas até então não abordadas por si (Félix, 1995). Em relação à masturbação, ela só é um problema se a pessoa com deficiência se magoa quando pretende fazê-la, se ela a faz em público ou se os técnicos que cuidam da pessoa se sentem incomodados por esse facto. Então, o que fazer para tentar evitar esses males? Quanto ao primeiro aspecto, devemos ter a mesma actuação que temos perante outras manifestações comuns (são exemplo de auto-agressões: bater com a cabeça contra a parede, ou outras) que lesam a integridade física da pessoa com deficiência. Ou seja, se este está a roçar a sua área genital por objectos perigosos (ou está a introduzi-los no corpo), tem que se intervir, mas sem gritar, castigar ou humilhar a pessoa. Então, segundo Lipp (1983), ao mesmo tempo que se retira o objecto do seu alcance, deve-se dizer-lhe com voz firme: “Tu não podes fazer isso com …, mas podes fazer com a mão ou deitado na cama”. Não se trata propriamente de guiar a mão da pessoa com deficiência durante a acção, mas sim de colocar a mão dele no lugar do objecto que ele estava a usar. No caso dos pais, e se for em casa, poderão, sem recriminações, conduzir o filho para o quarto e fazê-lo deitar na cama de bruços, visto que o colchão, sendo macio, não provoca agressões físicas. Quanto ao desconforto sentido pelos técnicos perante a masturbação das pessoas com deficiência, ou quando isso acontece em público, pode fazer-se algo semelhante ao já descrito, ou seja, quando pessoa está a masturbar-se (por exemplo, numa sala) em presença de outrem, deve-se dizer-lhe, calma e firmemente: “Tu não podes fazer isso aqui, mas podes fazer isso sozinho” e, juntando o acto à palavra, conduzi-lo a um local reservado (por exemplo, a casa de banho). Ocasionalmente, acontece as pessoas que lidam com as pessoas com deficiência terem ideia que eles se masturbam de forma excessiva. De uma forma geral, pensamos que a masturbação nunca é excessiva, porque o organismo humano se encarrega de auto-regular o impulso sexual. Considera-se que se deve aplicar à masturbação o mesmo raciocínio que se usa a respeito de outros comportamentos (como por exemplo, comer, beber, fumar ou outros) que, por unanimidade, se consideram excessivos (Gomes, 1995). Relativamente às pessoas com deficiência mental do tipo ligeiro e moderado, a questão tornase mais complexa pelo facto de, por um lado, eles serem mais autónomos, podendo viver com pouca ou nenhuma supervisão, por outro, devido à sua deficiência mental, eles não poderem responsabilizar-se inteiramente pela sua vida ou pela sua descendência. A Educação Sexual destas pessoas inclui contrariar, desde muito cedo, a ideia corrente de que um indivíduo tem que ter filhos para provar o seu valor; insistir na necessidade de uma contracepção eficaz; evidenciar que há relacionamento sexo-afectivo sem coito; lembrar que existem alternativas à paternidade/maternidade (Gomes, 1995). As pessoas mais indicadas para dar essas informações são os pais e os educadores que diariamente rodeiam as pessoas com deficiência. Pais e Escola/Instituição devem ser congruentes e conjugar esforços para prosseguir objectivos comuns na educação dos seus educandos (Gomes, 1995). Muitos das pessoas com deficiência mental vêem-se obrigadas a prescindir das relações humanas ou a restringi-las ao âmbito familiar, o que provoca fortes sentimentos de solidão e degenera em laços de dependência muito fortes. Além disso, verificam-se: - Comportamentos superprotectores dos pais e dos educadores. Os progenitores adoptam atitudes e comportamentos superprotectores, em particular nas relações interpessoais e heterossexuais. Existe mais controlo e vigilância. Menos socialização. Mais medo. Colocam-se obstáculos que dificultam um melhor e mais harmonioso desenvolvimento, de forma que, em algumas ocasiões, a aprendizagem não é possível, não pela incapacidade do sujeito, mas pelas condições em que ocorre o processo educativo. - Ambientes mais fechados em si mesmos. Levam, por exemplo, a que nos detenhamos a reparar nos poucos locais que os jovens usufruem – vão da Escola para casa e de casa para a Escola. - Baixo investimento ao nível da auto-estima e da imagem corporal dos/as jovens. As pessoas com deficiência profunda têm um grau de dependência dos outros bastante elevado, sendo a sua autonomia restrita. Nestes jovens põem-se outras questões, mas de um modo geral menos complexas, dado que os seus comportamentos são auto-centrados. A masturbação é, aliás, o comportamento mais frequente deste grupo e o que maior constrangimento causa a quem lida com estes jovens. Trata-se de um comportamento que é considerado hoje em dia como normal durante a puberdade e adolescência. Falta no entanto ao jovem com deficiência mental a capacidade de estabelecer barreiras entre o que é “público” e o que é privado, pelo que, desde muito precocemente, esta deve ser uma questão a treinar, tal como acontece com o controlo dos esfíncteres, a alimentação ou mesmo o local onde dormem. Contracepção e Deficiência Mental As pessoas com deficiência mental também sentem os impulsos da sexualidade, podendo integrá-la num contexto de carinho e amizade, numa procura de prazer e satisfação pessoal, exceptuados alguns casos de atrasos mentais muito acentuados. Porém, no caso feminino, a sua capacidade de controlo dos impulsos sexuais e de aprendizagem das técnicas contraceptivas está limitada, pelo que a jovem com deficiência vê com frequência a sua sexualidade reprimida dado o risco de gravidez não desejada ou mesmo não permitida (Rebelo, 1995). Uma vez que a jovem com deficiência mental não pode assumir as responsabilidades da maternidade consciente, dada a sua incapacidade para se bastar a si própria, angariar sustento para si e o seu filho e, ainda, pela sua instabilidade emocional e afectiva, ela deve ser protegida da ocorrência de uma gravidez pelo acesso a métodos de contracepção seguros e adequados. Neste contexto, é necessário ter em conta o grau da deficiência e do risco sexual, as possibilidades de ajuda de familiares e/ou instituições, devendo privilegiar-se os métodos contraceptivos mais eficazes, mais fáceis de utilizar (requerendo menor participação do utente) e que satisfaçam as necessidades contraceptivas, sem esquecer a sua inocuidade (Rebelo, 1995). Método - Presunção da data de ovulação - Espermicidas - Diafragma - Preservativo Observações Serão de excluir dada a sua laboriosa técnica de utilização e baixa eficácia. Contracepção Oral Estroprogestativos Indicada quando se pretende evitar o risco de gravidez por períodos de tempo relativamente curtos mas obriga a que se deva contar com a colaboração de alguém que seja responsável pela administração da pílula de acordo com o seu protocolo. Poderá ainda ter a vantagem de resolver algumas queixas ginecológicas, bem como as dores e irregularidades menstruais. Poderá ser empregue quando se pretenda uma contracepção temporária, mas de maior duração, e não haja a possibilidade de obter a colaboração que se exige para a tomada da pílula. Dispositivo Intra Uterino ou por Contracepção definitiva ou cirúrgica (laqueação tubar e vasectomia) Escolha mais correcta quando se pretende evitar de modo definitivo a possibilidade de concepção mas, pela mesma razão, é também a opção mais polémica, pois priva a mulher ou o homem duma função importante no plano biológico e para o seu papel na sociedade. O pedido de realização da intervenção deverá ser formulado por escrito pelos pais ou responsáveis pelo deficiente e conter as razões que o justificam, podendo ser apoiado por relatório da instituição que o acompanha. Deverá ainda obter-se um relatório médico em que se refira o grau da deficiência e a necessidade de contracepção definitiva. Quadro 2. Métodos contraceptivos (adaptado de Rebelo, 1995)