Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” Psicologia Integral Disciplina: Antropologia II Sexualidade, Desvio e Norma – Permissões e Limites Mariana Cervi Marques Fernandes RA 922901 Resumo Dos tempos burgueses até os dias de hoje, é inegável que muitas revoluções aconteceram: a mulher se tornou independente financeiramente, e não mais precisa da figura masculina para atuar na sociedade; a sexualidade é discutida em escolas, em conversas informais, na televisão, nas revistas, principalmente em propagandas que fazem uso do apelo sexual/erótico para vender, e as crianças têm acesso a todo esse conteúdo; o movimento homossexual tem cada vez mais destaque, colocando em foco a questão da diversidade; entre tantas outras mudanças. Dito isso, o trabalho, aqui apresentado, tem como objetivo explorar conceitos como gênero, sexualidade, desvio e norma, e questionamentos como o porquê da aceitação de regras perante a própria frustração, a partir das publicações examinadas, e analisando a permissividade e as limitações da sociedade atual, buscando identificar as mudanças de comportamento que ocorreram, bem como a aceitação dessas mudanças, e questionar o quanto elas mudaram de fato, e não apenas foram reformulados. Para tanto, exploraremos também o conceito de cultura, indispensável à análise dos temas propostos. Sexualidade, desvio e norma A cultura é, ao mesmo tempo, fruto e genitora da humanização do homem, e essa dinâmica se dá através de práticas sociais, ou seja, a partir do seu relacionamento com o outro, que podem ser econômicas, políticas, religiosas, intelectuais ou artísticas. Esse conjunto de relações é o precursor da organização social, bem como o de sua transformação e transmissão. É necessário ressaltar que o homem é social, e precisa apropriar-se do que já foi criado, por meio da educação, garantindo certa homogeneidade, para, então, recriar ou, até mesmo, criar. Pelo viés da antropologia, é preciso falar em cultura considerando a sua pluralidade, uma vez que as leis, os valores, as crenças, podem variar dependendo do contexto em que estão inseridos, além do que, uma mesma sociedade, por ser temporal e histórica, também pode sofrer alterações. Aqui, consideraremos apenas a cultura ocidental, para limitar possíveis variáveis relacionadas a diferenças culturais. Há ainda as diferenças que ocorrem no interior de uma mesma sociedade, como uma divisão entre cultura “de elite” (erudita) e “popular” (massificada), divisão esta responsável por denominações preconceituosas como “incultos”, que são do ponto de vista histórico e antropológico, completamente equivocadas, uma vez que todo ser humano é culto, pois são, por definição, seres culturais. Aqui também se encaixam as “tribos urbanas”, com sua cultura própria, mas desenvolvida, necessariamente, a partir da aquisição prévia da cultura comum. Podemos ainda definir a cultura por sua característica de atribuir valores como “bom”, “ruim”, “perigoso”, etc., a: objetos; pessoas e suas relações; e aos acontecimentos, como guerra, morte, etc. São essas definições que delimitam o que é, ou não, socialmente aceitável naquele contexto. 1 Posto isso, podemos pensar no comportamento desviante, que, assim como as tribos, precisam adquirir a cultura comum para, então, “desviá-la”, e uma precisa da outra para existir. Uma lógica binária, como afirma a abordagem significacional, de inspiração saussureana, em que “a existência de cada termo supõe a de outro que lhe é oposto, e em que o sentido de cada elemento é uma resultante da oposição dos seus componentes aos componentes dos sentidos de outros elementos dos quais se distingue” (RODRIGUES. 1983: 14). Ou seja, ao mesmo tempo em que a sociedade rejeita, e tenta, tão fortemente, reprimir todo e qualquer tipo de comportamento considerado por 1 Informações obtidas a partir das anotações de aula do Professor Badaró ela como desviante, ela precisa desses mesmos comportamentos, para que possa opor-se a eles como algo positivo, sem isso, ela é apenas o comum, o usual, o único, e não algo bom, melhor ou “superior”. O que nos leva à máxima: “a lei faz o crime”, justamente por precisar dele para fazer-se lei, uma vez que, não se proíbe nada que não seja desejado, de alguma forma, ou a proibição não teria sentido. A respeito da relação do indivíduo com a autoridade social, existem diferentes posicionamentos. Enquanto Durkheim se debruça sobre como as leis, impostas, passam a ser desejadas pelo indivíduo (conceito de consciência coletiva), como se ele próprio fosse o autor delas, Freud atenta-se ao oposto: como algo que habita o desejo comum se torna proibido (inconsciente individual). Mas, se todo homem é, de certa forma, desviante, e se a sociedade é feita pelo homem e para o homem, porque existem regras que, aproveitando a psicanálise citada, o “castram”? Não são apenas as leis e instituições que impedem que os homens façam o que mais lhes apetecer, mas todas as pessoas que compõem a sociedade atuam, ao mesmo tempo, como réu e júri, compactuando com as leis prescritas. “O homem não pode lidar com o caos. Seu medo maior é o de defrontar-se com aquilo que não pode controlar. (...) O homem reconhece a existência de algo intrinsecamente bom e virtuoso na lei e na ordem” (Idem). É por esse motivo (o medo do caos) que cada indivíduo renuncia aos seus desejos para que os desejos do outro também sejam reprimidos, para que não lhe prejudique. Contudo, tanto o desvio (desejos) quanto a norma alteram-se ao longo do tempo para melhor adequarem-se às necessidades sociais de sua época. Se na sociedade burguesa tínhamos como desvio tudo aquilo que não era “economicamente produtivo e biologicamente reprodutivo” (MILKOLCI. 2002-2003: 110), hoje, apesar de o primeiro permanecer constante, o segundo sofreu alterações: a mulher, agora inserida no mercado de trabalho e no controle de sua fertilidade, opta por ter menos filhos ou, muitas vezes, não tê-los, abrindo mão da maternidade. Entretanto, pode-se observar que ainda permanecem resquícios internalizados dessa “maternidade obrigatória”: a mulher atual, muitas vezes se vê frustrada por não ser bem sucedida, ou não conseguir desempenhar ambos os papéis, o de mãe e o de mulher independente. No passado, tinha-se como ideal de ser humano o homem, branco, economicamente ativo, casado e fértil. A mulher, assim como a criança, o mestiço e o improdutivo eram marginalizados. Embora aquela pessoa tida como “improdutiva” continue, ainda hoje, ou talvez ainda mais hoje, à margem da sociedade, a realidade dos outros marginais é diferente. Atualmente, é inviável pensar-se em uma “raça pura”, a miscigenação foi efetivada, e todos são mestiços, o que não impede que o racismo ainda seja um mal presente em nossa sociedade. É fato que houve mudanças nesse sentido, existem leis contra ele, e o preconceito não é mais explícito como na época da escravidão ou da segregação, mas ele ainda se faz presente, só que de forma velada. A criança, por sua vez, apesar de também ser um “improdutivo”, aparece como alvo do mercado consumidor de hoje, em que muitos produtos são direcionados a ela e ao seu poder de compra (influenciando a compra dos pais). A questão do prazer, bem como a masturbação da criança, e a sexualidade como um todo, também devem ser explorados. Presentemente, o prazer feminino não é mais um tabu, como era antigamente. Pode-se dizer que ele (o prazer feminino), além de ser permitido, hoje em dia é “obrigatório”, e o tabu passa a ser a mulher que, na relação sexual, não tem orgasmos. A sexualidade e o erotismo estão em foco na sociedade atual (revistas, novelas, propagandas), diferentemente do que acontecia antes, quando as orientações sexuais não-convencionais, o “sexo por prazer”, a sensualidade feminina (sinônimo de prostituição), eram fortemente combatidos, vistos, não só como desvio, mas também como doença, eram os “degenerados”. Entretanto, estar em foco, não significa que haja uma abertura completa sobre o tema. Ainda existem limites. A homossexualidade, por exemplo, ganha cada vez mais espaço em nosso cotidiano, a “parada gay”, os filmes, as novelas, enfim, e, apesar da abertura, da maior aceitação, das boates gays, freqüentadas também por heterossexuais que apóiam a causa, a realidade muda bastante quando vista de dentro do contexto familiar. Homossexuais ainda encontram muita dificuldade em assumirem para seus amigos e familiares a sua orientação sexual. E com relação à masturbação infantil, podemos dizer que só uma pequena parcela da população reconhece a normalidade desse comportamento, bem como a importância dele para o desenvolvimento saudável da sexualidade. Conclusões De certa forma, cada indivíduo é livre para seguir ou não as regras, entretanto, aqueles que não a seguem são severamente punidos, seja por exclusão social (afastamse do indivíduo desviante, exilando-o, e muitas vezes menosprezando-o por meio de brincadeiras maldosas), ou mesmo física (como é o caso das penitenciárias, asilos e hospitais psiquiátricos). É verdade que para a nossa sociedade atual alguns tabus parecem insuperáveis, mas outros, como a sexualidade feminina, a mulher no mercado de trabalho e a homossexualidade, em outras épocas, também eram considerados invencíveis, e, se hoje ainda não estão superados, podemos afirmar que, em comparação com o passado, estão, sim, em estado de superação. Para fugir desse determinismo crônico em que, ou se aceita as regras da sociedade ou se é excluído dela, é necessário, além das revoltas desses “desviantes”: tempo. É inocente pensar que uma lei resolva todos os problemas de discriminação, é verdade que elas obrigam as pessoas a reprimirem seus pensamentos e comportamentos discriminatórios, mas não os altera de fato. Infelizmente, demanda-se tempo para que a convivência com essas pessoas se torne “comum”, tempo para que a sociedade acostume-se com eles, internalizando as diferenças e aceitando-as, assim, como simples diferenças, sem hierarquizá-las. Referências Bibliográficas MISKOLCI, R. “Reflexões sobre normalidade e desvio social”, Estudos sobre Sociologia, Araraquara; (pág. 109 a 126), 2002-2003. RODRIGUES, J. C. “A Sociedade como RODRIGUES, J. C. Tabu do Corpo, Rio de Janeiro, 1983. Sistema de Significação.