0.20.2 Interacç˜ao de um dipolo magnético com um campo magnético

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0.20.2
Interacção de um dipolo magnético com um campo
magnético
Torque
De seguida, consideramos a interacção de uma espira semelhante à considerada anteriormente com um campo magnético externo paralelo ao eixo Z - B = Bêz . Supomos agora
que o plano da espira se encontra inclinado em relação ao eixo Z, fazendo com que o respectivo momento dipolar magnético defina um ângulo θ em relação ao campo magnético
B. O diagrama de forças encontra-se esquematizado na figura 14. A partir daí e da lei de
Laplace (eq. 172), podemos concluir o seguinte:
• as forças FAB e FCD têm módulo FAB = FCD = IaB; o torque devido a este par de
forças, calculado por exemplo em relação ao centro da espira, é nulo;
• as forças FBC e FDA têm módulo FBC = FDA = IbB e definem um torque τ não
nulo:
τ = FBC a sin θ = I a b B sin θ ⇒ τ = m × B
(243)
Relação entre momento magnético e momento angular: precessão de Larmor.
A equação (160) informa-nos que a intensidade de corrente na espira está relacionada
com a velocidade v das cargas (em geral electrões) transportadas pela corrente, e com
a densidade linear de carga λ, através de I = λ v. Podemos então calcular facilmente
o momento angular L associado à corrente, que aliás é paralelo ao respectivo momento
magnético (ou anti-paralelo, no caso de a corrente ser gerada por cargas negativas como
os electrões). Assumindo, por simplicidade, que a espira é circular de raio a, o momento
angular resulta simplesmente:
L = amv = aM
I
2M
I
= 2 π a2 M
=
m
λ
Q
Q
(244)
onde π a2 I = m é o momento magnético da espira, M é a massa total das cargas
em circulação e Q a respectiva carga total, pelo que a razão M/Q re reduz à razão entre
a massa e a carga (no caso dos electrões, M/Q = −me /e, sendo e a carga elementar
(positiva). Podemos escrever assim uma relação entre o momento angular associado ao
movimento das cargas de uma espira e o respectivo momento magnético da espira (para
o caso de a corrente ser devida a electrões):
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0.20. O DIPOLO MAGNÉTICO
(a)
Z
FCD
D
I
C
FAD
b
A
a
FBC
B
FAB
(b)
Z
FAD
m
q
dq
a
dq
FBC
Figure 14: (a) Diagrama de forças que actuam sobre uma espira quadrada de corrente
transportando uma corrente I. (b) Projecção, ilustrando o par de forças com um torque
não nulo.
78
m=−
e
L = γL
2 me
(245)
Descobrimos assim que o momento magnético da espira é simplesmente proporcional
ao momento angular das cargas que transportam a corrente que o origina, sendo γ =
−e/2me o factor de proporcionalidade (dito factor giromagnético). As equações (245) e
(243) permitem-nos escrever a lei fundamental da dinâmica da rotação para uma espira
transportando uma corrente:
dm
dL
=τ =m×B ⇔
= γm × B
dt
dt
(246)
Este resultado é muito importante e informa-nos que a variação com o tempo de um
momento magnético sujeito a um campo magnético é perpendicular quer ao momento
magnético, quer ao campo. O movimento resultante é um movimento de precessão do
momento magnético em torno do eixo definido pelo campo magnético, com frequência angular ωL = γ B. Este movimento de precessão costuma designar-se precessão de Larmor
e é semelhante ao de um pião.23 Neste movimento, o momento magnético mantém constante a sua orientação em relação ao campo, o que é consistente com o facto conhecido
de o campo magnético não realizar trabalho.
Assim, embora o torque favoreça o alinhamento do momento magnético com o campo,
tal apenas pode acontecer por interacção com uma força externa. A partir da figura 14,
é possível calcular o trabalho necessário para rodar a espira de um ângulo dθ, mantendo
constante a corrente. Nesta rotação, os segmentos BC e AD deslocam-se a dθ/2 estando
enquanto sujeitos às forças FBC e FAD , respectivamente, sendo π/2 − θ o ângulo entre o
deslocamento e a força. O trabalho realizado por BC é então:
π
π
a
a
dW = FBC cos
− θ dθ + FAD cos
− θ dθ = I b B a sin θ dθ ⇒ W = −m B cos θ + K
2
2
2
2
(247)
onde K é uma constante. Este resultado é suficientemente incómodo: se o campo
magnético não realiza trabalho, como é que é possível que a energia da espira diminua
deste modo? A resposta é: não é possível, por meios puramente magnetostáticos, diminuir
a energia da espira deste modo. Um momento dipolar magnético, numa situação magnetostática, limita-se a precessar em torno do campo magnético, mantendo constante a sua
23
Note-se que, tal como no pião, a existência prévia de um momento angular é essencial para o resultado
precessão. No caso dos dipolos eléctricos, não existe uma ”razão giroeléctrica” que motive um movimento
semelhante: são pois também semelhantes ao pião, mas que cai simplesmente quando cessa o movimento
de rotação em torno do eixo; também os dipolos eléctricos se limitam a alinhar com o campo eléctrico.
79
0.20. O DIPOLO MAGNÉTICO
energia. De facto, a rotação que apresentámos configura já uma situação electrodinâmica,
que requer a intervenção das leis electrodinâmicas - em particular a lei de Faraday - para
ser completamente descrita. Voltaremos pois mais tarde a este assunto.
A expressão (247) não contém pois uma descrição completa da realidade, mas é de
grande utilidade para descrever a diminuição de energia de um dipolo magnético de momento dipolar constante (isto é, mantendo-se constante a corrente que lhe dá origem),
através da rotação, motivada por um agente externo, na presença de um campo magnético.
Esta expressão é reminiscente da equação (106), pelo que é usual definir-se uma energia
potencial do dipolo magnético na presença de um campo magnético, da forma usual:
W = −m B cos θ + K = −∆ U = − (U (0) − U (θ))
(248)
De onde decorre, deixando cair as constantes inúteis (recorde-se que estamos a considerar uma expressão que apenas nos dá como informção útil as variações de energia, e
mesmo assim não todas):
U (θ) = −m B cos θ = −m · B
0.20.3
(249)
A energia magnetostática: um aperitivo
A expressão (249) pode ser fonte de desnecessários equı́vocos. Afinal é possível definir
uma energia potencial para o campo magnetostático? A resposta é: não. Recorde-se
que a energia potencial é definida apenas para campos conservativos, o que não é o
caso do campo magnetostático. Por outro lado, o campo magnetostático é um campo
que não realiza trabalho, pelo que as considerações energéticas parecem à primeira vista
descabidas.
E no entanto...
No entanto, faz todo o sentido perguntar pela energia necessária para gerar um campo
magnético, isto é, pela energia necessária para colocar em movimento as cargas eléctricas
origem das correntes que geram um campo magnético. Para isso, é necessário realizar
trabalho. Mas, novamente, colocar cargas em movimento representa uma situação que,
para ser compreendida cabalmente, necessita dos recursos da electrodinâmica. Não deixamos de indicar desde já o resultado para a energia W armazenada no campo magnético,
que obteremos posteriormente, mas cuja semelhança formal com o resultado obtido na
electrostática não é mera concidência:
W =
τ
1 2
B dτ
2µ0
(250)
80
Existe pois uma energia armazenada num circuito onde circula uma corrente I, que
verificaremos ser proporcional a I 2 .
1
W = L I2
2
(251)
onde L se designa auto-indutância do circuito.
0.21
Magnetismo em meios materiais
Através da equação (245) concluı́mos que o momento magnético de uma espira é simplesmente proporcional ao momento angular das cargas responsáveis pela corrente (de massa
m e carga q), sendo q/2m o factor de proporcionalidade. Esta relação permanece válida
mesmo no ãmbito microscópico, regido pela mecânica quântica, em que os momentos angulares típicos são da ordem de h̄ = h/2π = 1.05 × 10−34 J.s, em que h = 6, 6 × 10−34 J.s é
a constante de Planck. O momento magnético típico associado a um electrão (designado
magnetão de Bohr, µB ) é assim:
µB =
eh̄
= 9.27 × 10−24 J/T
2me
(252)
e o momento magnético típico associado a um protão (designado magnetão nuclear,
µN )é assim:
µN =
eh̄
= 5.05 × 10−27 J/T
2mp
(253)
Os momentos magnéticos associados ao movimento dos electrões são assim cerca
de 1800 vezes superiores aos associados aos núcleos, razâo pela qual as propriedades
magnéticas da matéria são essencialmente devidas à contribuição dos electrões. Assim,
quando se fala em magnetismo, em geral subentende-se magnetismo electrónico.24
A Natureza, no entanto, é cheia de surpresas, e acontece que os electrões, para além
do momento magnético que lhes está associado quando possuem momento angular, possuem também um momento magnético intrı́nseco. Quando se descobriu este momento
magnético intrı́nseco, associado a um momento angular intrı́nseco, supôs-se que estaria
24
No entanto, o magnetismo nuclear é bem mais do que um mero exotismo, conforme atesta a disseminada técnica de ressonância magnética nuclear, vulgarizada sobretudo devido à sua extraordinária utilidade na imagiologia médica. Esta técnica serve-se da possibilidade de orientar os momentos magnéticos
nucleares num campo magnético externo.
0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS
81
associada à estrutura interna dos electrões e ao momento angular das cargas no seu interior: chamou-se-lhe por isso spin (da palavra inglesa para ”rodar”). No entanto, no limite
do conhecimento actual, não se conhece estrutura interna para os electrões, pelo que a
natureza do spin permanece um mistério.25 Tanto o o momento magnético orbital como
o momento magnético de spin contribuem para o momento magnético dos átomos e, logo,
para o magnetismo dos materiais.
Em muitos materiais, os momentos magnéticos totais dos electrões nos átomos acabam
por se cancelar mutuamente, conduzindo a um momento magnético total nulo. Sob acção
de um campo magnético externo, e conforme recordaremos mais adiante quando revirmos
as leis de Faraday e de Lenz, os electrões são induzidos a criar um (pequeno) momento
magnético que contraria a acção do campo externo, de forma análoga à que estudámos nos
materiais dieléctricos, gerando um momento magnético po unidade de volume do material
(designado magnetização). Estes materiais dizem-se diamagnéticos. O diamagnetismo, no
entanto, está presente em todos os materiais, embora só adquira importância nos materiais
que só apresentam este comportamento.
Noutros materiais, os momentos magnéticos totais dos electrões nos átomos não se
cancelam, apresentando os átomos um momento magnético diferente de zero. Temos que
distinguir aqui dois casos:
• o caso mais simples é o dos materiais em que os momentos magnéticos atómicos
podem ser considerados isolados no material: nesse caso, cada momento magnético
é independente dos demais e o comportamento global do material pode ser entendido apenas à luz da orientação de um momento magnético num campo externo.
Em particular, estes materiais apenas apresentam magnetização enquanto estiverem
sujeitos a um campo magnético externo - tais materiais dizem-se paramagnéticos;
• noutros materiais, bastante mais complexos,26 os momentos magnéticos interagem
entre si, tipicamente através de uma interacção de natureza electrostática, e isso
pode conduzir a um ordenamento complexo dos momentos magnéticos dentro do
material, conduzindo aos mais variados tipos de ordem - e desordem - magnética. O
exemplo mais conhecido de um material onde tal acontece é o do ferro, razão pelo
qual este tipo de comportamento é globalmente conhecido por ferromagnetismo e
os materiais em causa designados por materiais ferromagnéticos.27 Nos materiais
ferromagnéticos ”puros” como o ferro, este ordenamento dos momentos magnéticos
atómicos é bastante para sustentar uma magnetização do material mesmo quando
25
Na descricção quântica e relativı́stica, os electrões são descritos pela chamada equação de Dirac, que
inclui ”naturalmente” o spin e também os positrões - anti-matéria. No entanto, esta equação não esclarece
a natureza de um nem de outro.
26
... e interessantes... e com as mais variadas aplicações tecnológicas...
27
Sendo os ordenamentos magnéticos resultantes muito diversos, há lugar depois a classificações mais
precisas como anti-ferromagnetes, ferrimagnetes, vidros de spin...
82
já não existe qualquer campo magnético aplicado. Detalharemos este assunto mais
adiante.
O magnetismo de meios materiais é pois um tema complexo e fascinante, que está
longe de ser completamente compreendido, sendo portanto alvo de investigações actuais
ao nı́vel mais fundamental. Em particular, note-se que o magnetismo se conta entre as
manifestções macroscópicas de um efeito puramente quântico. É possı́vel, com as devidas
cautelas, construir uma abordagem muito simples análoga à que desenvolvemos para os
dieléctricos, e que passamos a apresentar.
0.21.1
A magnetização: descrição macroscópica
Densidade superficial de corrente de magnetizção
Consideremos uma superfı́cie plana de área A e espessura z, uniformemente magnetizada
com magnetização M = Mêz . Podemos pensar esta magnetização como sendo devida a
momentos magnéticos microscópicos dm, de área a e corrente I, sendo:
dm = I a = M a z
(254)
Conforme esquematiza a figura 15, sendo a magnetização uniforme as correntes associadas a cada momento magnético microscópico anulam-se em todos os pontos no interior
do material, mas não na superfı́cie lateral, onde subsiste uma corrente superficial Imag ,
que podemos escrever, a partir da eq. (254) como:
Imag = M z
(255)
A densidade superfial de corrente associada à magnetização, km , resulta assim:
km =
Imag
=M
z
(256)
A orientação do vector km vem dada em função da orientação do vector magnetização
e da perpendicular n̂ à superfı́cie em cada ponto:
km = M × n̂
.
(257)
83
0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS
M
x
a
n
I
z
Figure 15: (a) Diagrama para o cálculo da corrente equivalente de magnetização devida
a uma superfı́cie plana uniformemente magnetizada.
Figure 16: (a) Diagrama para o cálculo da corrente equivalente de magnetização numa
situação de magnetização não uniforme
84
Densidade volúmica de corrente de magnetização
No caso de a magnetização não ser uniforme, as correntes equivalentes devidas a cada
momento dipolar magnético no interior do material não se cancelam necessariamente,
conforme ilustra a figura 16. Consideremos o caso da figura 16(a), onde se representam
dois momentos dipolares magnéticos microscópicos separados da distância dy, de espessura
dz. Da orientação dos dipolos esquematizada na figura, e da equação (255), é possiı́vel
extrair a contribuição para a componente x da corrente de magnetização devida à variação
segundo a direcção y da componente z da magnetização:
Ix = (Mz (y + dy) − Mz (y)) dz =
∂Mz
dy dz
∂y
(258)
.
A correspondente contribuição para a densidade volúmica de corrente resulta assim:
(Jmag )x =
∂Mz
∂y
(259)
.
Da mesma forma, a partir da figura 16(b), é possiı́vel extrair a contribuição para a
componente x da corrente de magnetização devida à variação segundo a direcção z da
componente y da magnetização:
(Jmag )x = −
∂My
∂z
(260)
.
A componente x da corrente de magnetização resulta assim:
(Jmag )x =
∂Mz ∂My
−
∂y
∂z
(261)
.
Este resultado corresponde simplesmente à componente x do rotacional de M.
Repetindo o mesmo procedimento para as componentes (Jmag )y e (Jmag )z concluı́mos
que
Jmag = ∇ × M
(262)
.
Note-se que Jmag obedece à condição magnetostática ∇ · Jmag = 0. Refira-se ainda
que é possı́vel obter os resultados (257) e (262) directamente a partir do potencial vector
do dipolo magnético (equação 240).
85
0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS
0.21.2
O campo auxiliar H
A equação (262) dá-nos uma forma de reescrever a lei de Ampère na presença de materiais magnéticos. Limitamo-nos a considerar a soma das correntes ”livres” Jf (isto é, as
correntes que controlamos livremente e que circulam no material ou fora dele devido a
uma acção externa) com as correntes de magnetização Jmag :
J = Jf + Jmag
(263)
A lei de Ampère resulta assim:
∇ × B = µ0 (Jf + Jmag ) ⇔ ∇ ×
B
−M
µ0
= Jf
(264)
isto é:
∇ × H = Jf
(265)
onde
H=
B
−M
µ0
(266)
aplicando o teorema de Stokes, podemos escrever ainda:
f
H · dl = Iint
(267)
C
f
onde Iint
representa as correntes livres que atravessam a superfı́cie delimitada pelo
circuito fechado C. O campo auxiliar H desempenha nos materiais magnéticos um papel
semelhante ao do campo deslocamento eléctrico D nos materiais dieléctricos. Contudo,
o campo H é de longe mais útil e, logo, de uso mais frequente. A razão para tal reside
no facto de H depender directamente das correntes livres, que em geral correspondem à
grandeza física que é directamente controlável experimentalmente (logo tecnologicamente,
logo industrialmente). Existe assim em geral um controlo directo do campo H, enquanto
que o campo B dependerá também da magnetização presente, que não é facilmente controlável. Por isso, sobretudo em literatura mais antiga, é frequente designar o campo
H por campo magnético e o campo B por campo de indução magnética. Trata-se de
designações equívocas e que vivamente desaconselhamos: o campo B é que é o campo
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magnético próprio, do qual decorre a força magnética de acordo com a expressão da força
de Lorentz. O campo H é um mero auxiliar matemático que podemos designar simplesmente de ”campo H”. Note-se que no caso dos materiais dieléctricos o problema não
se coloca da mesma forma, pois aı́ não temos em geral controlo directo sobre as cargas
livres: a grandeza fı́sica mais útil para o controlo experimental (logo tecnológico, logo
industrial) é a diferença de potencial, que controla directamente o campo eléctrico resultante e não o campo D. Conforme veremos de seguida, esta diferença tem outras pequenas
consequências práticas.
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