A Política Social para Crianças e Adolescentes no Governo Lula

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SBS – XII Congresso Brasileiro de Sociologia
Nome do GT: Sociologia da Infância e Juventude
Título do trabalho: A Política Social para Crianças e Adolescentes no Governo Lula: Mudança
ou Continuidade?
Autor(a): Dra. Vania Maria Manfroi
A Política Social para Crianças e Adolescentes no Governo Lula: Mudança ou
Continuidade?
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo oferecer alguns elementos teóricos e empíricos para a
análise da política social de criança e adolescente no nível federal. Para tanto, utilizará como
parâmetros o Estatuto da Criança e Adolescente e sua concepção de proteção integral. Porém,
faz-se necessário, também analisar as mudanças políticas e econômicas e como elas incidiram na
formulação dos programas da área. Assim, essa análise precisa colocar em jogo dois paradigmas
diferenciados e que contemporaneamente definem enfrentamentos diversos à questão social da
criança e do adolescente. De um lado, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que prevê a
doutrina proteção integral em substituição à doutrina da situação irregular e de outro o
neoliberalismo que prevê o ajuste estrutural e a diminuição do déficit público. A partir dos anos
1990 convivemos com uma lei altamente avançada (Estatuto da Criança e Adolescente) no que
tange à defesa dos direitos das crianças e adolescente, colocando-os como prioridade absoluta,
além de estruturar um sistema de garantias de direitos e de uma política de atendimento
necessariamente articulada e intersetorial, com propostas neoliberais de focalização. O Estatuto
pauta-se nos princípios da Constituição de 1988 da descentralização político-administrativa e
participação popular na gestão.
Para se analisar a política social é necessário ultrapassar a sua imediaticidade. Ultrapassa-se a
imediaticidade da política social à medida em que a esta é vinculada ao contexto sócio-histórico,
ou seja, à relação entre classes sociais, economia e Estado. As políticas sociais surgem no
processo de constituição da sociedade capitalista e expressam, ao mesmo tempo, o processo de
produção e reprodução social do capital e do trabalho. A experiência do Estado de Bem-Estar
Social nos países centrais, baseado na relação salarial Castel (1999), expressou conquistas
sociais, mas uma nova crise do capital reconfigurou o papel do Estado, levando à retomada do
pensamento liberal, expresso em neoliberalismo e na reestruturação do processo produtivo.
Dessa maneira, pode-se analisar as tendências de uma maior focalização das políticas sociais no
contexto da “mundialização do capital” (Chesnais), da acumulação flexível (Harvey) e do
neoliberalismo (Anderson). No Brasil esse processo se particulariza agudizando, ainda mais, o
processo de exclusão econômica e política que caracterizam o nosso processo histórico. Assim, a
análise da política social vincula a perspectiva econômica e política, ultrapassando o
economicismo e o politicismo, como bem assinala Behring (2002, 25) a partir da concepção da
lei do valor que, segundo ela “... explica a produção das coisas no capitalismo, mas sobretudo,
explica a produção dos indivíduos e das relações sociais (...). Há, então o vínculo dialético entre
a operação da lei do valor e os sujeitos políticos_ classes sociais e grupos e indivíduos _, que
baliza, limita, impulsiona e conduz o processo histórico-social. Não há, por conseguinte,
economia destituída de política e vice-versa”.
Assim, torna-se importante demarcar uma concepção de política social que possa dar conta dessa
análise proposta. Partimos de uma concepção de política social pautada na perspectiva marxista,
por entendermos que é a única capaz de dar conta da complexidade que está envolvida na sua
estruturação. Portanto, “a questão da política social é sempre um resultado que envolve
mediações complexas_ socio-econômicas, políticas, culturais, e atores/ forças sociais/classes
sociais que se movimentam e disputam hegemonia nas esferas estatal, pública e privada”
(Behring, 2000, 34).
A partricularidade da política social no contexto brasileiro demarca a não-existência do Estado
de Bem Estar Social, ao contrário, como assinala Francisco de Oliveira, de um Estado de “Mal
Estar Social”. As políticas sociais no Brasil, segundo Yasbeck (1993: 37) “são políticas
casuísticas, inoperantes, fragmentadas, superpostas, sem regras estáveis ou reconhecimento de
direitos” e estão vinculadas à questão econômica. Segundo Evaldo Vieira (1985:10) não se pode
analisar a política social e sua historicidade sem vincular ao processo de desenvolvimento
econômico, pois “no âmbito do capitalismo, tal desenvolvimento representa transformação
quantitativa e qualitativa das relações econômicas, decorrente de acumulação particular de
capital”.
As políticas sociais têm sido tratadas de forma subalterna aos interesses econômicos e políticos,
não são tratadas de forma pública, e como política planejada em termos de dar conta da realidade
através de programas e estratégias. As políticas sociais públicas são linhas de ação coletivas e
concretizam direitos.
As políticas sociais de crianças e adolescentes no Brasil historicamente caracterizaram-se em
torno de uma concepção segregadora, criminalizadora, numa lógica positivista e excludente das
classes subalaternas. Nesse sentido, cabe um rápido destaque ao sistema médico-jurídioco
assistencial e à Doutrina da Situação Irregular.
O Estatuto marca, também, uma ruptura com o sistema médico-jurídico-assistencial que marcou
as políticas sociais desse segmento. Segundo Rizzini (1997,19) foi dentro do sistema médicojurídico-assistencial que foi construída a representação de criança na passagem do século XIX
para o século XX. Segundo suas próprias palavras:“Investir na infância passou a significar
„civilizar o país. Coincidindo com o discurso republicano, que se opunha veementemente à
vadiagem e clamava pela transformação dos vadios em trabalhadores, a proposta salvacionista
conseguiu facilmente reunir os múltiplos e variados atores sociais que à época defendiam a causa
da infância no Brasil”.
Há uma dupla e ambivalente representação da criança nas sociedades modernas, ela pode “estar
em perigo” ou ser “perigosa”: “No Brasil, ao final do século XIX, identifica-se a criança, filha da
pobreza- „material e moralmente abandonada’- como um ‘problema social gravíssimo’, objeto
de uma ‘magna causa‟, a demandar urgente ação” (idem, 29).
Para satisfazer a diferenciação de classe cria-se o conceito de menor “que divide a infância em
duas e passa a simbolizar aquela que é pobre e potencialmente perigosa; abandonada ou ‘em
perigo de o ser’; pervertida ou ‘em perigo de o ser’....”.
O sistema médico-jurídico-assistencial tinha os seguintes objetivos: prevenção, educação e
recuperação. Cada um dessas instâncias responsabiliza-se por uma das funções, cabendo à
filantropia, através da assistência “a missão de prestar assistência aos pobres e desvalidos, em
associação às ações públicas” (Rizzini ,1997, 30).
As ações de política social e o discurso da época vinculavam diretamente “a salvação das
crianças à salvação do Brasil”, escamoteando o verdadeiro objetivo que era adaptar as crianças e
famílias à lógica capitalista e de adestrar a mão-de-obra e adaptá-los às normas sociais de uma
sociedade em formação como nação (Rizzini).
As ações estatais foram se ampliando na busca de se resolver a questão da infância pobre no
Brasil. Com a criação do Juízo de Menores em 1923 havia a clara intenção de regulamentar a
educação das crianças pobres. As funções do juízo de menores: Assistência e proteção aos
menores abandonados e delinqüentes. Esse período foi marcado pela progressiva ampliação do
intervencionismo estatal, concretizada na figura do Juiz de Menores, que abarca as funções
juridiscional e assistencial com relação à infância. A atuação tinha um cunho científico,
vinculado à higiene pública e ao saneamento das cidades e da nação. As funções do Juízo de
Menores eram assistência e proteção aos menores abandonados e delinqüentes e promover
convênios através de subvenções. Assistir à infância era, principalmente no Estado Novo, uma
questão de defesa nacional. Em discurso Getúlio Vargas expressava as grandes preocupações da
elite nacional: utilização de critérios científicos no atendimento; a aliança entre os setores
públicos e privados; a defesa da nacionalidade; a vergonhosa mortalidade infantil; a formação de
uma raça sadia e cidadãos úteis.
São Características da assistência pública à infância no País: vinculação às instituições jurídicopoliciais; marcada pelo controle e pela repressão; dependente das instituições particulares
beneficientes; recolhimento de crianças nas ruas pelo aparato policial; pensar e agir na área
sempre foi privilégio das elites; está inserido no contexto político e econômico de cada período.
A linha mestra sempre foi a internação. Houve a criação de categorias distintas: o menor e a
criança.
Já o período militar que vai de 1964 a 1990, foi marcado pela vigência da Política Nacional de
Bem- Estar do Menor e pela estadualização através das FEBEMs. A metamorfose acalentada no
sistema assistencial de “menores” ocorreu sob a égide do Golpe de 1964. Assim, a Política
Nacional de Bem-Estar do Menor do período inseria-se no processo mais amplo de mudanças
que caracterizaram aquele momento: a questão social passou de caso de polícia à caso de
política; êxodo rural; crescimento urbano e da pobreza; definiu as diretrizes gerais da ação. As
categorias eram: menor assistido, menor de conduta ainti-social, menor carenciado. Os
programas se baseavam em tratamento e prevenção.
Porém, os anos oitenta foram cruciais para a transformação da legislação sobre crianças e
adolescentes. A partir da Constituição de 1988 abriram-se novas possibilidades para essa nova
legislação que é o ECA. Ele foi resultado da articulação da sociedade civil. Segundo COSTA
(1993,19): “O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado para regulamentar as conquistas
em favor da infância e da juventude, obtidas na Carta Constitucional....”.
O Estatuto é a concretização dos direitos inscritos na Constituição Federal de 1988 no artigo 227
que elenca os direitos fundamentais de defesa da infância e da juventude. Segundo o mesmo
autor, “ele inova em termos de concepção geral e de processo de elaboração” (idem, 20).
A principal contribuição do Estatuto e Doutrina da Proteção Integral baseada na Declaração dos
Direitos da Criança: “Esta doutrina afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a
necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor
prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da continuidade do seu povo, da sua
família e da espécie humana e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e
os adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado,
o qual deverá atuar através de políticas específicas para o atendimento, a promoção e a defesa de
seus direitos” (idem, 21).
O Estatuto faz uma revisão na concepção de infância e juventude vigente no País, como descrito
anteriormente, significando, segundo Costa: mudanças de conteúdo; mudanças de método;
mudanças de gestão.
As mudanças de conteúdo dizem respeito aos “direitos individuais (vida, liberdade e dignidade)”
e aos “direitos coletivos (econômicos, sociais e culturais)”. Segundo Costa (1997, 22-3): “Longe
de limitar-se à agregação de novos direitos à situação jurídica anterior da criança e do
adolescente, o Estatuto promoveu uma verdadeira mudança de paradigma, superando a
ultrapassada doutrina latino-americana da Situação irregular em favor da doutrina da Proteção
Integral, consubstanciada na recente Convenção Internacional dos Direitos da Criança e nos
demais documentos afins da Normativa Internacional...”
Se a Constituição de 1988 e o Estatuto significaram um avanço em termos de construção de um
sistema de políticas sociais estruturadas em torno do eixo da cidadania, da gestão partilhada e
participação social, as políticas que se seguiram levaram a um expressivo retrocesso nas políticas
sociais no Brasil. A agenda neoliberal, aqui analisada a partir do Governo FHC, propõe à contrareforma do Estado em oposição aos direitos sociais assegurados na Constituição, a
subsidiariedade em contraposição à universalização das políticas sociais, a focalização contrária
à doutrina da proteção integral (essa doutrina propõe uma política de atendimento baseada na
articulação entre políticas sociais básicas, assistenciais e de proteção especial), a centralização
das decisões no nível federal operando a partir de programas pré-estabelecidos e que apenas
executados pelos municípios. No lugar de um amplo debate com a sociedade, solicita-se o seu
“engajamento solidário” através de ações de caridade social.
Assim, a partir de 1990, ao mesmo tempo, passam a conviver duas formas diferenciadas de
compreensão da política social, uma que prevê um sistema universalista do Estatuto da Criança e
Adolescente e a visão focalista que tem pautado todos os programas voltados ao segmento desde
a era FHC. Essa visão focalista pauta-se no neoliberalismo.
Segundo Anderson, o neoliberalismo surgiu após a II Guerra Mundial na Europa e América do
Norte, aglutinado por Hayek e mais contemporaneamente
propagado por Friedmann. O
neoliberalismo é uma doutrina que ataca de forma apaixonada “qualquer limitação dos
mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade,
não somente econômica, mas também política” (1995:9). Ataca também o igualitarismo que
resulta do Estado de bem-estar, o qual, segundo os defensores do neoliberalismo destruía e
limitava a liberdade dos homens e a concorrência.
Um dos pontos fulcrais de defesa dos neoliberais é a redução do Estado, transformando-o em
Estado mínimo com a redução gradual dos gastos sociais. Contrariamente à tese do Estado
intervencionista defendida pelo keynesianismo, o neoliberalismo no questionamento do Estado
de bem-estar e das propostas de pleno emprego, originando com isso o desemprego estrutural
como forma de regulação social. Yasbeck afirma ainda que “sob a crise do Welfare State se
radica também a crise do pensamento igualitário e democrático” (1995:11).
Criou-se uma regulamentação dos direitos sociais na Constituição de 1988, No entanto, “as
redefinições na relação capital e trabalho, o processo de globalização, as transformações que se
operam no WelfareSstate, e o avanço do neoliberalismo enquanto paradigma político e
econômico, trazem para o campo da Seguridade Social no país, profundos paradoxos. Pois, de
um lado o Estado brasileiro aponta constitucionalmente para o reconhecimento dos direitos, por
outro se insere no contexto de ajustamento a essa nova ordem capitalista internacional, onde se
observa a desmontagem de conquistas no campo social e onde as políticas ortodoxas de
estabilização da economia, com suas restrições aos gastos públicos, reduzem e direcionam os
investimentos sociais do Estado” ( Yasbek, 1995:11).
São características da política social no modelo neoliberal: função meramente compensatória e
focalizada para atendimento apenas da pobreza extrema; a seletividade que tem uma função
regressiva de desmantelamento dos serviços sociais que produzem redução dos gastos sociais. A
pobreza é considerada de forma absoluta e não relativa1 atendida através de políticas
emergenciais, o Estado passa a ter uma ação limitada e pontual.
2. Governo FHC e a Política para Infância e Adolescência
1
PEREIRA, (1995:47) diz que a pobreza relativa “é a pessoa relativamente pobre, que é pobre em
relação aos demais segmentos acima dela. Dentro da pirâmide social daquele país quem está na base
da pirâmide é pobre, mas não significa que o pobre, por estar na base da pirâmide é o miserável”.
Para analisar a política social da criança e adolescente no Governo de Fernando Henrique
Cardoso é central analisar a sua política econômica. Em linhas gerais o Plano Real, instituído no
Governo de Itamar Franco é a base central que se mantém no Governo FHC. Esse plano
recondicionava a economia brasileira para fazer os ajustes necessários à inserção subordinada do
Brasil no sistema globalizado. A meta prioritária do Plano Real foi a estabilização econômica, o
controle da inflação e o ajuste fiscal. Esse ajuste, segundo Singer (1999, 29) se expressou no
Fundo Social de Emergência, que através de uma Emenda Constitucional, que se apropriou de
“uma parcela dos valores que União repassa a estados e municípios. O fundo ficou à disposição
do Governo Federal e na verdade representou uma recentralização da receita fiscal nas mãos do
executivo federal em detrimento dos estados e municípios”.
Um debate central no Governo e, vimos anteriormente, é um dos elementos centrais do discurso
neoliberal é o déficit público. Assim, “nesta ofensiva contra estados e municípios, o governo
FHC tratou de convencer o país que governadores e prefeitos são gastadores irresponsáveis e que
é necessário forçá-los a „sanear‟ suas finanças” (Singer, 1999, 39).
Pereira (1995,111) afirma que em conseqüência do ajuste estrutural 2 para resolver os problemas
econômicos “produziu tensões sociais e o agravamento da pobreza junto às camadas menos
favorecidas pela população”. Desta forma “aumentaram as desigualdades sociais internas. A
população de mais baixa renda tem ficado cada vez mais à margem do processo de distribuição
de bens e serviços, ao mesmo tempo em que vem crescendo o espectro da pobreza extrema, do
desemprego e da exclusão social”.
Sem dúvida dentro do modelo neoliberal o Programa Comunidade Solidária (PCS) atendeu a
estes propósitos, uma vez que, as “medidas governamentais, ao invés de afirmarem a necessária
Política Nacional de Assistência, vêm contribuindo para a sua não constituição” (Yasbeck, 1995,
12).
2
A autora entende ajuste estrutural como “o esforço centrado no estabelecimento de equilíbrios
monetários, fiscais e de balanço de pagamentos, o qual substitui, por julgar inadequada, a política de
mudança estrutural que, nas décadas de 50 e 60, concebia o Estado como um agente ativo na
Para Sposati (1995,133) “é claro que o PCS tem corte neoliberal, pelo seu focalismo, e se propõe
como o Pronasol3 a promover programas e ações seletivas de combate à pobreza no lugar de
políticas econômicas redistributivas e políticas sociais integrais, abrangentes e universais”.
O programa, aprovado através da Medida Provisória 813 de 1/1/95 coloca a assistência social de
forma secundária e marginal nas políticas públicas, fragmenta, superpõe ações, atua de forma
residual e focalizada, criando uma fragilização da assistência enquanto direito e dever do Estado.
Segundo Sposati, (1995) o PCS apela à solidariedade enquanto um valor simbólico trabalhando
no princípio da subsidiariedade, ou seja, de colaboração da sociedade civil com o Estado, o que
também vem ao encontro às propostas neoliberais. O chamado terceiro setor vem substituindo as
ações do Estado, sem, no entanto fortalecer a autonomia da sociedade civil e as práticas
democráticas.
Neste sentido, no que concerne ao poder local, através do Programa Comunidade Solidária são
reforçadas as lideranças de prefeitos e “notáveis”, sem levar em conta a sociedade organizada
localmente, criando um reforço destas lideranças que pode levar ao assistencialismo e ao
clientelismo.
Freitas (2005, 217) analisa o orçamento voltado ao segmento de crianças e adolescentes em nível
nacional, que ele chama de “Orçamento criança”, que é “um conjunto de ações e programas de
interesse da criança e do adolescente, distribuídos em diversos órgãos da administração pública
federal nas áreas de educação, saúde, assistência social, justiça, cultura, trabalho e emprego,
esporte e turismo”.
Para tanto, analisa o PPA (Plano Plurianual) do Governo FHC nos seus dois mandatos. No
primeiro mandato destaca que não estavam previstas as crises externas que o país viveu, assim ao
recorrer ao FMI houve alterações na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) criando “a
obrigatoriedade de obtenção de superávits primários (receitas menos despesas, exceto com
aceleração da industrialização, na modernização da agricultura e na criação de infraestrutura para a
modernização”(PEREIRA, 1995:111).
pagamentos com juros e encargos da dívida) da ordem de 2,7% do Produto Interno BrutoPIB...”.
Assim, a obtenção do superávit primário foi um elemento central na restrição orçamentária das
políticas sociais.
Já no segundo mandato o PPA, foi segundo o governo, planejado já levando em conta essa
política assumida pelo governo e pautada nos seguintes objetivos:

“metas de equilíbrio fiscal_ obtenção de superávit, como parte da política
antiinflacionária e do objetivo da dívida social;

metas de crescimento, como condição necessária à incorporação de vastos segmentos
populacionais excluídos dos mercados de trabalho e do consumo; e

metas externas, que levaram em conta a necessidade de manter o financiamento da
economia em bases sustentáveis e de consolidar a inserção do país na economia
mundial”.
O PPA assumia, como fundamento principal a consolidação da estabilidade do Plano Real e os
eixos de 1996 a 1999 eram: “Estratégias para o desenvolvimento; Competitividade e
modernização produtiva; e Inserção competitiva e modernização produtiva” (Freitas, 221).
Centra suas ações na área social no PCS, já referido anteriormente. Entendia o desenvolvimento
social como: “conjunto de políticas e ações e projetos variados, tais como previdência,
assistência social, saúde, educação, saneamento, habitação, desenvolvimento urbano e trabalho,
cuja previsão era de R$ 300 bilhões (inclusive previdência), a serem financiados com recursos
fiscais e da seguridade, financiamentos externos e internos, rendimentos das aplicações do Fundo
de Amparo ao Trabalhador _FAT, e com recursos dos estados, municípios e do FGTS. À
educação, estavam previstos dispêndios de R$ 11,9 bilhões; e á assistência social, R$ 9,5
bilhões” (Freitas, 2005, 222).
O autor analisa a execução do orçamento no governo, do qual destacaremos alguns elementos
que consideramos relevantes. No ano de 1995, por exemplo ele destaca na área de justiça que
3
Programa desenvolvido no México que se assemelha ao PCS do Brasil.
desenvolve as ações voltadas para a defesa dos direitos houve baixa execução das ações no que
tange às medidas privativas de liberdade de adolescentes que cometem ato infracional, em
promoção de defesa da criança e adolescente foi aplicado 0% do orçamento previsto, na defesa
de direitos e proteção dos direitos e proteção à criança e ao adolescente foram gastos 23,88%, ou
seja R$ 26,8 mil, destinou-se ao Fundo Nacional para a Criança e Adolescente R4 5,5 mil, que
não foi executado (Freitas, 2005).
Nesse mesmo ano processou-se um reordenamento institucional para a política de assistência
social, segundo Freitas (2005, 223) “o novo ordenamento vai interferir de forma negativa no
conjunto da política social”. Assim, por meio de Medida Provisória em janeiro de 1995,
Fernando Henrique Cardoso extingue O Ministério de Bem-Estar Social (MEBS) , a Fundação
LBA e a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA).
Ainda seguindo a referência do autor cabe destacar que a área de infância e adolescência passa a
ser vinculada ao Ministério da Justiça. Desta maneira, “a política nacional do Bem-Estar do
Menor perde seu status de política pública, sendo relegada a dois programas: o de Defesa dos
direitos e o de Reinserção social de adolescentes em conflito com a lei, executados pelo
departamento da Criança e Adolescente/MJ” (235).
No ano de 1996, continua o autor, houve uma retração de 12% em relação ao ano de 1995.
Destacamos as ações ligadas ao Ministério da Justiça, onde houve uma redução circunstancial;
“cortou-se cerca de 40% dos recursos alocados em 1995, ou seja, houve uma queda de R$ 133
milhões para 71,6 milhões” (Freitas, 238). O ano de 1997 não alterou a tendência de corte
orçamentário das ações do Ministério da Justiça: “em 1997, foram alocados apenas 59,1%
milhões, bem abaixo dos R$ 78 milhões de 1996” (idem). Em 1998 percebe-se uma diferença
quanto à execução orçamentária no FNCA (Fundo Nacional de Criança e Adolescente), que
vinha sendo insignificante. Isso se deveu às ações da sociedade civil no CONANDA (Conselho
Nacional de Direitos da Criança e Adolescente). Em 1999 houve aumento das despesas no
Ministério da Justiça através do FNCA.
No período de 2000 a 2003 o PPA se articulava em torno “de uma projeção de cenário que
conciliava crescimento econômico e estabilidade de preços” (idem, 243). Mantinha-se a
expectativa de superávit primário.
Os programas voltados ao segmento de crianças e adolescentes no Governo FHC se caracterizam
por serem altamente segmentados quanto ao público alvo, altamente seletivos, descontínuos e
centralizadores do planejamento em nível nacional. Os programas voltados para a criança e
adolescente no período foram: “Toda Criança na Escola”; “Programa Atenção à Criança”;
“Programa de Erradicação do Trabalho Infantil”; “Programa Brasil Jovem”; “programa de
Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”; “Programa de Reinserção
Social do adolescente em Conflito com a Lei”; “Programa de Defesa dos Direitos da Criança e
Adolescente4”.
De maneira geral, a execução orçamentária não se modifica muito nos anos de 2000 a 2002,
criando um aspecto novo que são os programas finalísticos que se caracterizam em ações, porém
a lógica é a mesma, ou seja, “incidem basicamente sobre as ações rotineiras, típicas da política”
(Freitas, 2005, 256).
Pode-se, então concluir que a política social proposta pelo Governo Fernando Henrique Cardoso
não se pauta na Doutrina da Proteção Integral, pois as ações para esse segmento não são
articuladas intersetorialmente, são sopbrepostas, não possuem uma coordenação forte. (Freitas).
Além do mais, o CONANDA não se configurou, nesse período, como um foco importante de
elaboração das políticas sociais na área, não expressando a conquista constitucional de partilha
do poder. O planejamento centralizado não permitiu que, de fato, ocorresse a descentralização
político-administrativa.
3. A Política de Criança e Adolescente no Governo Lula
4
Para detalhamento dos programas consultar Freitas (2005).
Muito se escreveu e criticou as políticas sociais do governo anterior, a extrema focalização das
políticas sociais. Porém cabe perguntar: essa perspectiva teria sido alterada no Governo Lula?
Houve alterações, até esse momento, das políticas sociais propostas por esse novo governo? Qual
a relação entre as políticas econômicas e sociais no novo governo? Essas são algumas das
questões que pretendemos responder nesse artigo.
Um dos aspectos relevantes a se analisar, além da concepção dos programas é a questão
orçamentária, elemento chave para perceber o lugar da política social e sua subalternidade a
compromissos assumidos com o pagamento da dívida externa.
Um ponto importante para a análise da continuidade ou não, do modelo neoliberal no Governo
Lula é a política econômica, ou seja se houve continuidade do ajuste estrutural iniciado no
Governo FHC, o chamado “desmonte da nação” e a focalização e a subsidiariedade das políticas
sociais. Para analisar o governo, um elemento importante é o orçamento e sua execução. Para
isso, utilizaremos dados secundários, ou seja pesquisas já em andamento sobre o tema que
analisam a LDO, a LOA e o PPA do governo Lula e a relação entre a política econômica e a
política social. Esses instrumentos expressam a proposta do governo. “A LDO 2004 estipula que
o superávit primário que irá vigorar será de 4,25% do PIB, o mesmo determinado para o ano de
2003, e que tem a particularidade de ser superior ao exigido em acordo com o FMI, de 3,75%.
Esta meta de represamento de recursos para dar garantias do pagamento da dívida pública
significa restrição de investimentos na área social, constatando-se a prioridade dada ao combate
do déficit fiscal em detrimento do enorme déficit social”5.
O atual governo não fez rupturas em relação ao governo anterior, ao contrário, rapidamente fez a
reforma da previdência, mantém as políticas de ajuste fiscal. Dessa forma, utiliza-se dos mesmos
mecanismos, a saber: a política de superávit primário, os juros altos, a lógica da “reforma” da
previdência e, agora, da tributária.
5
Silvia Cristina Guimarães Ladeira. Análise das peças orçamentárias do governo Lula no exercício de 2004:
desvendando o lugar da seguridade social (2003/CBAS)
Behring (2004, 9) complementa essa visão na análise que faz do PPA 2000_ 2003 assinalando a
continuidade das propostas neoliberais do governo FHC, pois ele coloca “a condição da
estabilidade econômica como pressuposto de um novo paradigma de desenvolvimento, apesar
dos sacrifícios que exigidos da população brasileira. Neste passo, o momento econômico deveria
ser compreendido como um ‘rito de passagem para assegurar dias melhores’”. Assim, as
mudanças que deveriam ocorrer são uma estratégia gerencial.
É importante destacar a concepção de gestão presente neste PPA, pois há “ênfase nos programas,
compreendidos como unidades de gestão” (idem) O PPA se articula em torno seis eixos:
“consolidar a estabilidade econômica com desenvolvimento sustentado; promover o
desenvolvimento sustentável voltado para a geração de empregos e oportunidades de renda;
combater a pobreza e promover a cidadania e a inclusão social; consolidar a democracia e a
defesa dos direitos humanos; reduzir as desigualdades inter-regionais; e promover os direitos de
minorias vítimas de preconceito e discriminação” (idem, 12).
Dessa maneira, pode-se observar que há uma continuidade, pois, segundo a mesma autora, há a
“predominância da agenda do ajuste fiscal em detrimento das políticas sociais, apesar do
reconhecimento da seguridade social por este último”(idem, 13).
Nessa mesma linha de análise o INESC analisou o PPA 2004/2007 e o processo com foi
construído, concluindo que “ainda estamos muito distantes da democracia participativa que
almejamos” (2004:1). Entende-se que a “estratégia de desenvolvimento é entendida com a
síntese lógica do governo que articula, de forma consistente, o conjunto de políticas públicas_
social, econômica, infra-estrutural, ambiental e regional_ com vistas à transformação na
sociedade em jogo” (INESC, 1994:2). É importante ressaltar que houve um processo de
discussão do PPA que se realizou em 26 estados e no Distrito Federal em 2003. Porém, a
avaliação final desse processo é que não ocorreu a efetiva participação da sociedade civil.
No que se refere à estrutura administrativa, no Governo Lula a política social de crianças e
adolescentes foram incorporados ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Não houve mudanças substanciais nos programas propostos, mantendo-se programas muito
assemelhados ao governo anterior. Estruturam-se, atualmente, os seguintes programas: “Projeto
Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano”; “PETI”; “Programa de Combate ao
Abuso Sexual e á Exploração sexual de Crianças e Adolescentes (Sentinela)”; “Bolsa Família”:
“Programa de Atenção Integral à Família”; “Atenção à Criança de 0 a 6 anos”.
Pode-se concluir que não houve nenhuma alteração significativa nas políticas sociais de crianças
e adolescentes no governo Lula, uma vez que não se alterou a política econômica e as ações se
mantiveram dentro da perspectiva socorrista, de atendimento da piora social. Não houve, até o
momento, avanços na implantação do SIPIA, da estruturação dos conselhos de direitos e dos
conselhos tutelares. A rica proposta gestada na elaboração do Estatuto da Criança e Adolescente
ainda não tem tido espaço para se tornar parâmetro das políticas sociais em nível federal. O
estatuto previu um sistema de garantias funcionando em rede, funcionando de forma articulada,
mas o sucateamento das instituições não tem propiciado que a criança, seja, de fato, sujeito de
direitos. Falha-se na Doutrina de Proteção Integral, á medida em que não são articuladas as
políticas sociais básicas (educação, saúde), com as políticas de assistência social e as políticas de
proteção especial. As ações continuam sendo isoladas, trabalhando com segmentos, os mais
excluídos da população, enfatizando uma violação de direitos (como o trabalho infantil, a
violência sexual, o conflito com a lei) sem aprofundar as causas estruturais e a interdependência
de todos os tipos de violação dos direitos. Esses programas não permitem o protagonismo
infanto-juvenil, outro elemento fundamental do Estatuto.
Dessa maneira, até o presente momento, os programas voltados a esse segmento continuam se
mantendo numa situação de precariedade, pois eles não se tornaram políticas públicas, com
estabilidade e garantidor de direitos, ficando a mercê de critérios governamentais. Houve uma
continuidade em relação à subalternidade das políticas sociais no Governo Lula e os programas
criados podem, ou não continuar, a depender dos critérios formulados pela equipe econômica.
Além disso, a falta de formatação desses programas como políticas públicas leva à
descontinuidade das ações, como ocorreu quando o novo governo assumiu. Isso acarretou uma
série de atrasos no pagamento das bolsas e de salários dos profissionais que executavam os
programas nos municípios. Outro aspecto a ser ressaltado é a forma de contratação dos
profissionais que atuam nesses programas. São contratações precarizadas, sem a possibilidade de
autonomia profissional, continuidade das ações e falta de investimento em capacitação
profissional.
Assim, cabe assinalar que há muito o que se avançar nas políticas sociais para crianças e
adolescentes e que os pressupostos aprovados no Estatuto estão longe de serem colocados em
prática.
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