METACOGNIÇÃO E ENSINO DA QUÍMICA: UMA PROPOSTA PARA ABORDAR O TEMA CONTROVERSO IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS Flávia Cristiane Vieira da Silva* (PG) e José Euzébio Simões Neto (PQ) [email protected] INTRODUÇÃO A articulação do conhecimento científico com o conhecimento do cotidiano do aluno tem sido uma preocupação constante entre os pesquisadores voltados para o Ensino de Ciências. Porém, novas propostas de ensino podem vir a contribuir com as reflexões trazidas por essas pesquisas, sem ter a intenção de esgotar qualquer discussão sobre o assunto. Essa contribuição insere-se na preocupação de possibilitar uma relação mais integral entre os conhecimentos científicos e questões que envolvam diretamente a sociedade. Diante do exposto, compreendemos que essa relação pode ser fortalecida se os professores incorporarem em sua prática de ensino, discussões que envolvam temas que permitam os alunos a desenvolverem capacidades, além das capacidades cognitivas, e competências como argumentar, decidir e que envolvam juízo de valor. A escola, através do ensino da Química, por exemplo, pode auxiliar no desenvolvimento dessas competências necessárias para compreensão destas questões, através da inclusão de temas controversos no cotidiano da sala de aula, semelhantes aos que os alunos se deparam no seu dia-a-dia. De acordo com Zuin e Freitas (2007), os temas controversos vinculam a ciência e a sociedade e são situações sócio-científicas consideradas polêmicas. Ao incluir discussões sobre controvérsias científicas as salas de aula, temos o potencial de estimular o educando a sentir-se parte da sociedade em que vive, a se interessar pelos seus problemas e a participar das discussões decorrentes das interações ciência/tecnologia/sociedade (VIEIRA; BAZZO, 2007). Perez et al (2011) afirmam que abordar a Ciência de modo controverso ou polêmico, nas salas de aula, pode auxiliar na problematização das ideias de neutralidade, objetividade e imutabilidade dos conhecimentos científicos. O que permite inovar a prática educativa do professor, aproximando os alunos das reais condições de construção do conhecimento científico. A abordagem de temas controversos no ensino de Química necessita da participação ativa dos alunos, que, vai além dos conhecimentos conceituais, de forma que o professor deve desenvolver atividades que permita o dialogo e a discussão dos diversos pontos de vista, que leve os alunos a buscarem novas informações e inclusive aprendam a aprender, num exercício de reflexão. Acreditamos que estratégia de ensino que envolva a metacognição, pois, sendo a metacognição uma tomada de consciência sobre o que se sabe e de que maneira esse conhecimento pode auxiliar na resolução de uma tarefa, pode ser útil para o desenvolvimento de atividades em sala de aula que envolva temas polêmicos, como por exemplo, a irradiação de alimentos. Apesar de ser aprovado em mais de quarenta países a irradiação de alimentos ainda apresenta aspectos controversos que inibem a sua aceitação geral e o publico consumidor sempre percebe o assunto radiação com receio (GAVA, 2008). ________________ 1. Flávia Cristiane Vieira da Silva é aluna do Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências, da Universidade Federal Rural de Pernambuco – PPGEC/UFRPE – Recife/PE. [email protected] 2. José Euzébio Simões Neto é professor da Unidade Acadêmica de Serra Talhada, da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UAST/UFRPE – Serra Talhada/PE. [email protected] Portanto, o presente trabalho tem como objetivo propor o desenvolvimento de atividades que envolvam estratégias metacognitivas na construção de argumentação referente à irradiação de alimento através de um projeto de Ensino de Química, oferecendo uma contribuição para que professores de diversos níveis de ensino, possam trabalhar essa temática em sala de aula, realizando as adaptações necessárias. ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS NO ENSINO DE QUÍMICA Primeiramente acreditamos que aulas de Química que possibilitem o aluno a criar estratégias de reflexão pode ser um caminho para que o conhecimento científico passe a ser útil fora do contexto escolar. A essas estratégias de reflexão podemos chamar de estratégias metacognitivas. Segundo Grillo (2003), um ensino que privilegie estratégias metacognitivas está apoiado em uma proposta construtivista, considerando o aluno com sua afetividade e cognição, sendo ele o construtor de sua própria aprendizagem, com a capacidade de monitorá-las, escolhendo estratégias para solucionar seus conflitos cognitivos, desenvolvendo suas competências e conhecimentos. A prática da metacognição leva os alunos a melhorar suas atividades cognitivas e sua motivação, potencializando assim o processo de aprendizagem (RIBEIRO, 2003). A motivação pode ser uma forma de levar os estudantes a refletirem sobre as questões científicas que são trabalhadas em sala de aula, favorecendo assim o uso de estratégias metacognitivas. As discussões em sala de aula são enriquecidas através de estratégias metacognitivas, que dentre outros objetivos, matem o de fazer com o que o aluno tenha pela consciência dos seus processos mentais, os quais são empregados na aquisição e utilização de informações (GRILLO, 2003). O papel que professor exerce em sala de aula, de forma a colocar a metacognição entre os objetivos e meios de se alcançar a aprendizagem é fundamental na medida em que ele, ao orientar suas aulas de química nesta perspectiva, deve proporcionar a socialização do saber científico que histórica e socialmente tem sido construído, e assim deve ser tratado e entendido, como parte da cultura humana (SCHNETZLER, 1992) mudando a forma de ensinar e aprender. Ribeiro (2003) mostra duas formas essenciais para o entendimento da metacognição no domínio escolar. Para o autor, seria inicialmente o conhecimento sobre o conhecimento, que é a tomada de consciência dos processos e competências para a realização de uma determinada tarefa e, o controle ou auto-regulação, que é a capacidade que o aluno teria de avaliar de que maneira esta realizando a tarefa fazendo correções quando necessário, além de controlar sua atividade cognitiva. Quando utilizamos o termo metacognição, tomamos como base a ideia de Flavell (1976), trazida por Campanario e Otero (2000, p. 163, tradução livre): a)Conhecimento sobre o próprio processo e produtos cognitivos; b)Conhecimento sobre propriedades da informação, dados relevantes para a aprendizagem ou qualquer coisa relacionada com os processos e produtos cognitivos. Esses dois pontos destacados pelos autores são de grande relevância quando se trata do ensinar e aprender Química, pois, muitas vezes os alunos não têm conhecimento de que possuem ideias, mesmo que ainda muito vagas, sobre os conteúdos e tomam a matéria como difícil, evitando assim a aprendizagem. A metacognição através das estratégias metacognitivas pode evitar que os alunos pensem que não são capazes de resolver determinado problema e se sintam desmotivados para aprender. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS O receio da população em relação à irradiação de alimentos (ORNELLAS et al, 2006) se deve muitas vezes a falta de informação vinculada a esse assunto, tornando-o um tema controverso necessário a ser explorado e trazido para salas de aula de Química, devido a grande contribuição que esta disciplina traz para compreensão desse tema. É necessário, pois, que informações adequadas sejam disponibilizadas para que os consumidores conheçam as vantagens e os inconvenientes desta forma de processar alimentos (ORDÓÑEZ et al, 2005). Segundo Passos e Souza (2010) a irradiação é “uma técnica eficiente na conservação dos alimentos, pois reduz as perdas naturais causadas por processos fisiológicos (brotamento, maturação e envelhecimento)” (p.157). Ordóñez et al (2005), chama a atenção para o fato de que consumir alimentos irradiados não terá efeito nocivo se o tratamento desses alimentos for realizado dentro de certos limites e condições controladas. Caso isso não ocorra, pode acontecer o fenômeno chamado radioatividade induzida, convertendo determinados componentes dos alimentos em radioativo. Isto porque, o processo de radiação é feito através de fontes de energia radioativa, dentre elas o Cobalto 60 e o Césio 137. Esses são fontes de radiação ionizante. De acordo com o Centro Nacional de Energia Nuclear (NOUAILHETAS, 2011), radiação ionizante é aquela cuja “energia é superior à energia de ligação dos elétrons de um átomo com o seu núcleo; radiações cuja energia é suficiente para arrancar elétrons de seus orbitais” (p. 20). Os principais tipos de radiações ionizantes são as radiações alfa, beta, gama, raios x (PASSOS; SOUZA, 2010). A escolha da radiação é dada pelo poder de penetração e impossibilidade de produzir radioatividade nos alimentos tratados. A quantidade de irradiação que será empregada bem como absorvida é dada por unidade de massa e expressa em gray . A dose máxima recomendada para alimentos é de 15kGy. Os tipos de processos de irradiação podem ser divididos pela intenção do processamento e dose utilizada. Fellows (2006) destaca alguns tipos de aplicação da irradiação para alimentos, dos quais citamos: Esterilização; Redução de Patógenos; Aumento da vida de prateleira; Desinfestação; Inibição de brotamento. Aplicação Faixa de Dose (KGy) Inibição de 0,1 a brotamento 0,2 Desinfestação 0,1 a 2 Aumento da 2 a 5 vida na prateleira Destruição de 2,5 a 10 Exemplo Alimento de Batata, alho, cebola Frutas, farinha Frutas, peixes, carnes a 0-4ºc Condimentos, patógenos carne, frango e camarões congelados Esterilização 7 a 10 Ervas e até 50 condimentos, estocagem de longo prazo de carne em temperatura ambiente Aplicação da irradiação em alimentos, adaptado de Fellows (2006). UMA PROPOSTA DE ENSINO DE QUÍMICA PARA IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS O trabalhar com temas controversos utilizando estratégias metacognitivas, faz com que uma nova forma de conceber o ensino seja desencadeada superando, assim, a aula expositiva. Isto ocorre, pois, a partir do momento e que o aluno é levado a pensar sobre seu conhecimento e as suas limitações, ele também é levado a aprender a aprender, a refletir e se posicionar, num processo de dialogo constante entre suas ideias e as novas informações que surgem. Essas novas informações possibilita a superação dessas limitações inicialmente observadas. As atividades que apresentaremos podem ser desenvolvidas em todos os níveis de ensino, porém, direcionamos a organização das etapas para estudante que estejam cursando a 2ª série do Ensino Médio. Nossa proposta está baseada em atividades que podem ser mais bem compreendidas em etapas: ETAPA 1: MOTIVAÇÃO Objetivo: Estabelecer um primeiro contato dos estudantes com a temática. I - O que o professor deverá fazer: Exibir inicialmente trecho a partir 37:40 até 40:23 do episódio n. 10 – 1ª temporada da Série Numbers, intitulado Bomba Radioativa. A série Numb3rs gira em torno de dois irmãos: Don Eppes (Rob Morrow), agente do FBI e Charlie Eppes (David Krumholtz), matemático e professor de uma universidade americana. Com a ajuda da equipe policial de Don, Dr. Larry Fleinhardt – o colega físico de Charlie, e do pai deles, um engenheiro e projetista urbano, os irmãos Eppes solucionam diversos crimes, com a ajuda sempre eficiente da matemática e de outras ciências (SIMÔES NETO; SIQUEIRA, 2008). O décimo episódio da primeira temporada da série, de título Bomba Radioativa, para desenvolver uma atividade de caráter multidisciplinar, envolvendo química/física e matemática, visando estimular a construção de conhecimentos de maneira mais sólida e eficiente nos estudantes, relativo a funções exponenciais (matemática) e de noções de radioatividade e cinética das reações nucleares (química/física), passando por informações de história da ciência (radioatividade), sintomas e tratamento dos efeitos da radiação e formas de armazenamento e transporta desse tipo de material. Neste episódio da série, ladrões roubam um caminhão carregado de material radioativo (Césio-137, produto de reações de fissão nuclear de núcleos mais pesados, como o plutônio) e exigem um resgate de U$ 20 milhões, ou eles fabricarão uma bomba com carga mortal e irão detoná-la em algum lugar de Los Angeles, nas próximas doze horas. Esse é o cenário perfeito que serve como discussão sobre matemática, física, química, radioatividade, perigos do césio-137 e seu efeito nos seres humanos, acompanhada de muita dedução lógica para desvendar os mistérios envolvendo o roubo e de cálculos fantásticos para estimar os efeitos da explosão de uma possível bomba. No citado trecho, é possível fazer uma discussão sobre os efeitos da exposição demasiada a radioatividade em seres humanos, visando uma futura correspondência em debate com a temática da irradiação de alimentos. Apresentar os símbolos, questionar os alunos quanto à relação dos símbolos com o trecho da série apresentada. II - O que aluno deverá fazer: Anotar os efeitos da radiação no corpo humano, exibidas pelo trecho apresentado. Pesquisar o significado do símbolo “radura” (pode ser feito em casa ou utilizando sala de informática da escola em uma pesquisa mais orientada). ETAPA 2: APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E LEITURA DE TEXTOS PARADIDÁTICOS Objetivo: Levantamento de hipóteses e argumentações iniciais sobre o assunto. I – O que o professor deverá fazer: Lançar a seguinte questão problema: “Se a radioatividade faz mal ao corpo humano, porque irradiar alimentos? Disponibilizar duas reportagens para os alunos (Como sugestão o professor pode utilizar: Reportagem 1: Irradiação de Alimentos está legalizada – link: http://blogs.estadao.com.br/agricola/2011/09/ 06/irradiacao-de-alimentos-esta-legalizada/ Reportagem 2: Irradiação de alimentos é tema antigo, mas ainda controversohttp://www.labjor.unicamp.br/midi aciencia/article.php3?id_article=244). Essas reportagens podem ser adaptadas de acordo com as necessidades. Lançar os seguintes questionamentos: 1 – Você compraria um alimento que tenha passado por um processo de irradiação? 2 – Que conhecimentos químicos são necessários para a compreensão deste tema? 3- A reportagem mostra de forma clara a temática da irradiação de alimentos? Distribuir e iniciar discussão sobre os comentários de internautas em relação as reportagens disponibilizadas para os alunos II – O que os alunos devem fazer: Discutir em pequenos grupos e registrar de forma escrita a conclusão dos membros do grupo sobre os questionamentos. Expor a opinião do grupo para os demais colegas, anotando possíveis comentários que possam vir a acrescentar na construção de sua argumentação sobre a temática. ETAPA 3: SUPORTE TEÓRICO Objetivo: Contribuir para o embasamento teórico-científico dos alunos, a fim de enriquecer a construção da argumentação sobre a temática. Nesta etapa poderá se utilizar de aula expositiva dialogada ou de palestra de um especialista na área. ETAPA 4: CONSTRUÇÃO DE TEXTO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA I – O que o professor deverá fazer: Dispor os alunos em duplas e pedir que respondam as seguintes questões: 1 – O que aprendi sobre irradiação de alimentos e quais estratégias utilizei para avaliar a relevância da temática? 2 – Qual minha opinião atual a respeito da irradiação de alimentos? 2 – Que dificuldades encontrei para compreender o tema e para reescrever o texto da matéria? 3 – O que me ajudou a resolver essas dificuldades? II – O que o aluno deverá fazer: Responder aos questionamentos e apresentar as respostas em forma de registro escrito. O professor também poderá optar por fazer a avaliação como entrevista, o qual seria feito individualmente, com registro em áudio. ETAPA 6: CULMINÂNCIA Objetivo: Auxiliar o aluno a expor de forma clara as informações que foram apresentadas durante a realização das atividades, bem como a pesquisa sobre o símbolo radura. I- O que o professor deverá fazer: Disponibilizar recursos tecnológicos para a construção do texto (ex.: sala de informática com acesso a internet) Orientar para a importância do uso de uma linguagem acessível na construção de textos de divulgação cientifica. II – O que o aluno deverá fazer: Em grupos, utilizar todas as informações disponíveis para construção do texto de divulgação cientifica. Eles podem adaptar e/ou modificar as reportagens que foram disponibilizadas na etapa 2 ou fazer um novo texto sobre o assunto, propondo tema, imagens e revista a qual o texto poderia ser divulgado. ETAPA 5: AVALIAÇÃO Objetivo: Avaliar a execução das atividades a partir daquele que o realizará, o aluno. Objetivo: Apresentar os resultados das atividades para a comunidade escolar. Os resultados poderão, por exemplo, ser apresentados em uma espécie de feira de ciências, tratando a radioatividade e a irradiação de alimentos, discutindo os impactos deste último tema. Neste momento, tais resultados serão levados para a comunidade em geral, fora da escola, juntamente com o texto de divulgação cientifica construído pelos alunos, ampliando a discussão e o impacto social das atividades aqui apresentadas. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ao se propor atividades que favoreçam o uso de estratégias metacognitivas pelos alunos, o professor estará contribuindo para que eles construam uma postura reflexiva, diante de temáticas consideradas controversas, polemicas. Dessa forma, essas atividades podem possibilitar que o aluno: Domine operações de antecipação e planejamento; Desenvolva uma postura crítica diante da temática Identifique conteúdos de química relevantes para compreensão do tema; Desenvolva estratégias para análise para a forma como os temas controversos são tratados pela mídia Consigam a partir de textos escritos por jornalistas elaborar uma nova forma de divulgar a temática, utilizando para isso conhecimentos cientificamente aceitos e novas informações trazidas pelo professor, por um especialista e por seus colegas. Como perspectiva futura, a presente proposta de Ensino de Química será realizada em uma turma do 2º Ano de uma escola da rede particular de ensino, localizada na região metropolitana do recife, o qual se realizará uma analise das possíveis contribuições que as atividades possam vir a fazer. REFERÊNCIAS CAMPANARIO, J.; OTERO, J. C. 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