O projeto de Ser Sartreano Diego Rodstein Rodrigues∗ RESUMO Esse projeto visa uma analise conceitual da obra O ser e o nada, tendo como foco a construção do projeto existencial Sartreano. Entender por qual via a construção dos seres se faz importante, é crucial no contexto da teoria de Jean-Paul Sartre e encontrar a cerne de tais conceitos faz com que se tenha uma melhor compreensão sobre o projeto existencial. Para tal, é necessário conhecer de maneira pelo menos sucinta, o trajeto feito pelo autor em sua principal obra, O Ser e o Nada, que ele diz ser uma Fenomenologia Ontológica. Nessa empreitada, Sartre vai se ater principalmente a conceitos prévios de Husserl, Heidegger e Hegel e também introduzirá ideias para validar a sua tese, tais conceitos como o ser-em-si, o ser-para-si, fazendo a distinção entre “fenômeno” e “coisa em si” herdadas até certo ponto da teoria hegeliana. O projeto pode ser visto como a tentativa principal da consciência em se tornar Deus de sua própria vontade, se livrar das intemperanças da liberdade, evitar o outro e não agir de má-fé, porém tal busca se mostra um tanto quanto platônica ao ver do autor, podendo ser dita até como meta inalcançável para nosso ser, mas ao mesmo tempo em que se dá como inalcançável, também é o motor propulsor para que a consciência possa viver o mundo a sua maneira. PALAVRAS-CHAVE: Ser. Fenomenologia. Existencialismo. Sartre. Para-si. Sartre divide de forma bem categórica os caminhos do ser para cumprir com o seu projeto, mas primeiramente deve ser questionado: o que é o projeto de ser sartreano? É bom começarmos nos perguntando quem busca tal projeto. A consciência, chamada por Sartre de ser-para-si. O para-si é um ser meramente interpretante e existencial, cujo interior sofre constantes mutações de acordo com sua experiência no mundo. Essas constantes mutações de seu interior o tornam um ser ausente de fenômenos, ou seja, o para-si não se mostra e não existem interpretantes do mesmo, nem o próprio para-si possui ciência de si, em outras palavras o para-si não consegue tomar ciência de si próprio como objeto de ∗ Faculdade Federal de Santa Catarina, Estudante de Mestrado em Filosofia, [email protected]. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 142 investigação. O para-si escapa do próprio conhecimento e para ele não há possibilidades de se autoconhecer, pois ao tentar fazer isso, ele cai no Nada. Mediante a noção de nada, Sartre descreve a atividade da consciência, isto é, do homem enquanto homem. O para-si é a superação de nadificação, pois não possui nada a priori, nenhuma caracterização prévia, nenhum sentido dado anteriormente à sua criação, não há espaço nessa consciência para indagações metafísicas, ela nunca vai chegar ao ponto de se conhecer, pois ela é composta do Nada, ela simplesmente existe. Sendo o para-si formado pelo Nada, paradoxalmente pode-se afirmar que a consciência é o que não é, e não é o que é. Nesse sentido: ““[...]” o nada se manifesta no mundo através daquele ser que se pergunta sobre o seu próprio ser, ou que deve ser o seu próprio nada. Esse ser bizarro é o homem.” (BORNHEIM, 1971, p. 43). Porém Sartre afirma que o nada não é um conceito vazio e sem sentido. Então passemos a pergunta: do que “consiste” o Nada? O nada é pura negatividade. Tal negatividade gera o paradoxo da realidade humana, o paradoxo entre o ser e o nada habitando a consciência. Essa negatividade possui a força de enfraquecimento da estrutura de ser do ser e essa estrutura que o ser enfraquece é na verdade a nadificação. Porém esse Nada não se nadifica, pois apenas um ser pode ter algo para nadificar-se e o Nada não é. O homem, primeiramente é o Nada de sua consciência. Essa consciência se direciona ao mundo buscando completar sua essência e ao buscar tal essência para-si se exterioriza, transcendendo-se. Pode-se dizer que o Nada consiste numa força propulsora para a consciência buscar sua essência. A tentativa do projeto de ser se da em função do Nada que abriga o para-si. Essa tentativa é a construção de seu projeto de ser, frisando novamente que o para-si existe previamente à sua própria essência. Quando se fala do nada, pode-se afirmar que é ele que possibilita a constante mutação do ser. O Nada é a ferramenta investigatória do ser, porém é também algo que está dentro do ser e não se exterioriza. O nada que Sartre afirma como algo intrínseco é parasitário da consciência. Esse Nada é o que torna a consciência uma constante mutante da própria essência, pois por ter o Nada como algo constante dentro dela, ela se torna permanentemente Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 143 negação de si própria. Ou seja, ““[...]” a consciência é revelação-revelada dos existentes, e estes comparecem a ela fundamentados pelo ser que lhes é próprio.” (SARTRE 1997, p. 35). Pode-se dizer que a consciência é um ser dado como um experienciador do mundo, perguntando-se por si mesma, buscando seu próprio consciente devido sua capacidade de nadificação e ao se perguntar por si, ela encontra o próprio Nada que a constitui. Tal constituição a torna um ser de abrangência total para receber o mundo em seu ser, porém essa consciência não cria mundo, ela simplesmente apreende os fenômenos. Essa apreensão se dá pela consciência lançada ao mundo como uma interrogação de seu próprio ser. Sartre afirma que tal processo é a resposta dada como negatividade do para-si, pois sua busca é impulsionada pelo processo de nadificação dela mesma. [...] Assim, com a interrogação, certa dose de negatividade é introduzida no mundo: vemos o Nada irisar o mundo, cintilar sobre as coisas. Mas, ao mesmo tempo, a interrogação emana de um interrogador que se motiva em seu ser como aquele que pergunta, desgarrando se do ser. (SARTRE 1984, p. 66) O para-si é um ser que caracteriza sua realidade, na própria falta de conhecimento de si mesmo. Sendo assim, a falta é o que gera a possibilidade ao parasi de tentar se conhecer e conhecer o mundo. Dessa forma todo esforço do para-si para se conhecer é um esforço interrogativo, essas interrogações sobre si mesmo são o esforço do ser para tentar cumprir com seu projeto de ser. O projeto existencial que Sartre busca parte da ideia de que somos seres que existimos préviamente a qualquer tipo de designação a nosso ser. Não somos moldados por nada anterior a nossa existência, somos seres preenchidos de Nada e por ser essse Nada temos a possibilidade de buscar a nossa essência. A essência se dá por via de nossas escolhas, sendo tais escolhas cumpridas de acordo com nossa vontade, porém aí entra uma das grandes questões do Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 144 existencialismo sartreano, somos livres para escolher de acordo com nossa vontade, porém jamais temos um momento de ausência de tal liberdade, pois mesmo quando escolhemos por não escolher algo, isso cumpre como uma escolha. A liberdade em Sartre é dada, de certa forma, de um ponto de vista negativo, pois para o autor nossas escolhas são intencionais e sendo intecionais temos responsabilidade sobre tais escolhas, essas mesmas escolhas são também formas de moldar o mundo de acordo com nosso projeto, logo somos responsáveis pelo mundo inteiro sob nossas costas ao escolher, mas, como já foi dito anteriormente, não podemos nunca nos abster de escolher. Assim, somos, durante toda nossa existência, responsáveis pelo mundo inteiro. Sartre aponta também alguns impedimentos que nosso ser passa para tentar cumprir com tal projeto. A angústia em Sartre, por exemplo, entra como um aspecto definitivo para a montagem de sua fenomenologia ontológica, partindo do ponto que nosso ser, ao se deparar com a própria angustia, depara-se com uma característica intrinsica do seu ser. Em outras palavras, o existencialista é aquele que se apóia na questão da própria existência e vê que seu ser é aquele que busca se tornar algo, pois percebe que é incompleto. Ao buscar isso, ele influencia todo o mundo com suas escolhas e tais responsabilidades geram a angústia em seu ser. “O homem é angustia”. É assim que Sartre afirma que o ser humano, as influências e responsabilidades que geramos ao agir, não possuem uma forma de serem cessadas, pois o homem não consegue optar por não optar. Ao optar por não optar, temos a opção, ou seja, a responsabilidade sobre nossos atos nos é colocada independente de nossa vontade de assumir tal responsabilidade. É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se preferir, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser, é na angustia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma a questão. (SARTRE 1997, p. 72) Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 145 Para Sartre, agir de acordo com a liberdade é agir tendo em mente que as responsabilidades de seu ato são suas e estar em paz com essas responsabilidades é a forma de seguir o plano do para-si de “tornar-se Deus”, mas são exatamente essas ações que geram a angústia de nosso ser, pois não há como evitar a responsabilidade que cai sobre o nosso ser. Alguns poderiam afirmar que seria mais fácil para a consciência não agir, porém não há a possibilidade da inação. O ser humano não tem a possibilidade da inação, a própria inação se tornaria uma ação, tendo em vista o contexto da falta de ação. Quando não agimos sobre um determinado aspecto, essa falta de ação é uma escolha que criou uma conseqüência e uma responsabilidade pela falta de ação. Tomemos como exemplo a inação da limpeza de uma casa. Caso não se arrume, ou seja, não faça nada em relação à limpeza, ela com o tempo ficará suja e a responsabilidade dessa casa suja é do ser. São exemplos desse tipo que Sartre quer colocar, tornando sua tese bem terrena e palpável. De que forma o ser age para se livrar de tal responsabilidade? Sartre responde essa pergunta introduzindo a idéia de má-fé, sendo a má-fé a ação contra o projeto da consciência. A má-fé é para Sartre a mentira íntima, quando o próprio ser tenta se persuadir de que não carrega o fardo da angústia. Mas, ao fazer isso, estamos agindo contra nossa própria vontade e ao se enganar o ser tenta negar sua responsabilidade sobre seus atos e abdica de seu projeto de ser, já que a ação de ma-fé é em seu âmago uma ação que visa livrar-se da angustia que o fado da liberdade causa, e ao tentar se desviar dos atos de liberdade o ser não age de acordo com a vontade do projeto de ser. Iisso para Sartre é não estar em paz com a própria consciência. A má-fé age como uma defesa contra a angústia de nosso ser, mas defenderse disso é um equívoco. A má-fé é um dos agentes que nos faz renunciar a liberdade e consequentemente o nosso projeto de ser. Não deve-se confundir má-fé e mentira. A mentira é na verdade uma ação dada para fora de seu ser, uma ação sobre outro ser, Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 146 já a má-fé é algo contra o próprio ser, como mentir para si próprio, agir contra a própria vontade, contra a própria liberdade. Mais um ponto interessante de se destacar é a questão do outro. Sartre parte de um ponto de vista que podemos colocar como um aspecto neutro, porém neutro de uma forma que possui prós e contras. Até aqui, deu-se ênfase à consciência individual e sua relação consigo mesma, mas consciencia interage com outros que também interpretam o mundo durante seu trajeto para cumprir com seu projeto essencial. Essa interação gera alguns problemas, ao ver de Sartre. Os outros no mundo são permanentemente contingências para nosso ser. Cada escolha acarreta conseqüências para todas os outros. Tais transformações se dão como uma adaptação do mundo ao nosso projeto de ser, porém, como cada pessoa possui um projeto diferente, muitas vezes as influências não agradam a todos. Criando assim um conflito de seres, que influência negativamente nosso ser. A questão é que nossa liberdade se restringe a liberdade do outro, colocando certas limitações para nosso projeto. De forma que o para-si é o ser que é o que não é e não é o que é, sendo um ser que está fora de si mesmo, que por via da transcendência busca se conhecer. Ai entra o outro, um ser que tem as vistas externas a nossa, ele age como um olho externo para nossos seres, tendo assim um outro ponto de vista do mundo que pode cooperar com nosso projeto de ser. Sem essa convivência seríamos limitados e não conseguiríamos ver certas nuances do mundo. Há uma identificação entre o para-si e o outro, mesmo que esses seres não possuam ligação entre eles. Temos uma associação natural de que aquele ser possui características parecidas com as nossas e essa identificação de outros seres nos ajuda na busca de nosso projeto de ser, pois para se reconhecer com o Ser é necessário haver os olhos de outro nos identificando como tal e colocando nosso projeto como algo mais palpável, mesmo que esse palpável dure apenas os instantes do olhar do outro. E pela via da interação com o outro é que se desenvolve a concepção de não Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 147 termos sido criados por nada e de que não existem determinações prévias ao nosso ser. A dualidade frente ao outro gerou, para Sartre a célebre frase o inferno são os outros, porque ao mesmo tempo em que o outro é um agente impossibilitador de nosso projeto, modificando o mundo, muitas vezes de forma a não seguir com o projeto de nosso ser, ele também nos cria uma relação de interdependência para o conhecimento da própria essência, sendo que sem o outro, o projeto de ser seria quase impraticável. Podemos ver a interação do ser com o outro se utilizando do exemplo de Sartre: “Tenho vergonha do que sou. A vergonha, portanto, realiza uma relação intima de mim comigo mesmo: Pela vergonha descobri um aspecto de meu ser.” (SARTRE 1997, p. 275). Essa passagem mostra de que forma pode-se afirmar que o olhar do outro colabora para o projeto de ser, para o autoconhecimento do ser. Quando sentimos vergonha de algo, é porque sabemos que aos olhos do outro nossos atos não foram bons, nosso ser não se mostrou como deve ser. Logo, podemos nos conhecer melhor ao ver que o outro se sente constrangido ou incomodado com o nosso ser da maneira que ele se mostra e dessa forma sentimos vergonha do nosso ser, ajustando assim nossos atos para melhor nos adequarmos ao projeto de ser. Por mais que tal projeto seja o que nos move, nos torna seres possíveis de ver o mundo, interagir com ele e viver, Sartre não deixa claro que um dia possamos alcançar plenamente tal projeto, na verdade ele nos passa a sensação de que é uma mera tentativa que nunca chegará a ser cumprida plenamente, mas por não se cumprir é que ainda podemos experiênciar, questionar e nos adaptar de acordo com as situações nas quais nos colocamos em nosso dia-a-dia. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 VIII Edição (2012) 148 Referências Bibliográficas BORNHEIM, Gérard. Sartre: Metafísica e existencialismo. São Paulo: Perspectiva. 4/5 BURDZINSKI, Júlio César. 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