CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
EMANUELA TATIANA LIMA VITOR
O Programa Bolsa Família e sua função social e política na sociedade
brasileira: assistência social na perspectiva do direito ou assistencialismo na
lógica da administração da pobreza?
FORTALEZA – CE
2012
EMANUELA TATIANA LIMA VITOR
O Programa Bolsa Família e sua função social e política na sociedade
brasileira: assistência social na perspectiva do direito ou assistencialismo na
lógica da administração da pobreza?
Monografia submetida à aprovação pela
Coordenação do Curso de Serviço Social
da Faculdade Cearense – FAC, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Graduação.
Orientadora: Profª Ms. Eliane Nunes de
Carvalho
FORTALEZA - CE
2012
V845p Vitor, Emanuela Tatiana Lima.
O Programa Bolsa Família e sua função social e política na
sociedade brasileira: assistência social na perspectiva do direito
ou assistencialismo na lógica da administração da pobreza? /
Emanuela Tatiana Lima Vitor. – 2012.
132 f.
Orientador: Profª. Ms. Eliane Nunes de Carvalho.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.
1. Direitos sociais. 2. Assistência social. 3. Programa Bolsa
Família. I. Carvalho, Eliana Nunes de. II. Título.
CDU 364-266
CDU 334.722
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
CDU 338.48-2-055.34
CDU 351.756
CDU 347.63
CDU 343.26
CDU 78
EMANUELA TATIANA LIMA VITOR
O Programa Bolsa Família e sua função social e política na sociedade
brasileira: assistência social na perspectiva do direito ou assistencialismo na
lógica da administração da pobreza?
Monografia
como
pré-requisito
para
obtenção do título de Bacharelado em
Serviço Social, outorgado pela Faculdade
Cearense – FAC, tendo sido aprovada
pela banca examinadora composta pelos
professores.
Data: ________/________/_________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Professora Ms. Eliane Nunes de Carvalho
_____________________________________________________
Professora Ms. Socorro Letícia Peixoto
_____________________________________________________
Professora Ms. Renata Custódio de Azevedo
Aos meus pais, pelo dom do amor.
Ao meu filho, minha dádiva.
Aos amigos especiais que a vida me ofereceu.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é reconhecer o apoio das pessoas, é partilhar satisfação,
gratidão e, sobretudo, que não se consegue nada individualmente. Este
trabalho só foi possível graças às pessoas que, de diversas maneiras e em
diferentes momentos, colaboraram para que fosse realizado.
Meus sinceros agradecimentos...
A Deus por iluminar meu caminho e por me dar a tranquilidade
necessária nos momentos mais difíceis.
Ao meu pai César, por me mostrar o quanto vale a pena viver com
honestidade, respeito, dignidade e amor. A minha mãe Luzinete, que com amor
sempre soube me amparar nos momentos mais difíceis de minha vida e pelo
apoio constante sem o qual não teria chegado até aqui.
Ao meu filho Pedro Henrique, por entender a importância deste
trabalho para mim e para o nosso futuro, por abdicar da minha presença em
muitos momentos e por seu sorriso que sempre serviu para renovar as minhas
baterias.
Ao Igor e à Charliane, irmãos queridos e amados, pela confiança,
amor e torcida incondicional.
À profª Ms. Eliane Carvalho, minha orientadora, que esteve sempre
à disposição, orientando-me na realização deste trabalho de forma amiga e
cordial, incentivando-me a buscar mais conhecimento em prol de minha
formação profissional. Por seu conhecimento, sua firmeza, seu discernimento e
pela disponibilidade de sempre, digo que a realização deste trabalho também é
mérito seu.
À
minha
amiga-irmã
Patrícia
Ribeiro, pelo companheirismo,
amizade, disponibilidade, solidificação dos laços de afeto e compartilhamento
da realização deste trabalho.
À minha amiga Raquel Nogueira que entendeu e compreendeu a
minha ausência durante esse período e que, com seu apoio, deu-me forças
para superar as dificuldades.
Ao meu amigo Pe. Marcílio Jerônimo, pela sua integridade e senso
de justiça, por sua amizade, carinho e confiança.
Às amigas Débora Lemos, Caroline Lindolfo, Mirella Freire, Shirley
de Castro, Antonia Lira, que juntas formamos por 4 anos a Equipe Master,
pelos bons e difíceis momentos e companhia neste longo caminho da
graduação que juntas trilhamos em busca do conhecimento.
Aos
Professores
que
compartilharam
o
seu
conhecimento,
experiências e gestos amigos, possibilitando o meu crescimento pessoal e
profissional, durante a trajetória acadêmica.
À Régia Prado, por suas orientações, sua garra, sua coragem, sua
coerência em defender a nossa profissão, a qual foi para mim, muito mais que
a “supervisora de campo”, mas alguém admirável de quem falo com orgulho e
que contribuiu na minha formação acadêmica e profissional.
Aos colegas de turma, pela convivência e pelas discussões
calorosas e inflamadas, as quais me permitiram aprender um pouco mais e
descobrir que pouco sabemos.
E a todas as pessoas que, direta e indiretamente, me ajudaram,
auxiliaram e incentivaram na busca do conhecimento, vibrando com cada
vitória. A todos vocês a minha gratidão e que Deus, na sua infinita bondade,
retribua em dobro todos os gestos de carinho e amizade que dedicaram a mim.
Beijos carinhosos!
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”
Cora Carolina
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o Programa Bolsa Família, no sentido
de confrontar a perspectiva da assistência e do assistencialismo, para uma
melhor compreensão do programa e de sua função social na sociedade em
face da questão social brasileira para o enfrentamento da lógica neoliberal ou
no fortalecimento da perspectiva da assistência social como política social
universalizadora de acesso aos direitos. O trajeto teórico-metodológico explora
a relação dialética entre as ideias neoliberais e a assistência social na
formação dos modernos sistemas de proteção social na sociedade capitalista.
À luz do referencial teórico, a pesquisa bibliográfica examina dados qualitativos
e quantitativos, tendo como foco o programa de transferência de renda como
fenômeno contraditório em suas multicausalidades e multifuncionalidades. O
estudo explora sua caracterização, procurando demonstrar suas propriedades
internas. A análise dos dados revela que este Programa está focalizado na
pobreza absoluta, limitando-se a garantir um mínimo em termos monetários,
insuficiente para atender necessidades básicas e com uma frágil articulação
com as demais ações das políticas sociais setoriais. Estes desdobramentos
permitem concluir que o viés liberal tem demarcado o Programa Bolsa Família,
limitando-o a perspectivas marcadamente assistencialistas/compensatórias,
não se baseando em uma perspectiva da assistência social.
Palavras chave: Questão social; Transferência de renda; Assistência social;
Assistencialismo.
ABSTRACT
This study aims to analyze the Bolsa Família Program, to confront the prospect
of assistance and welfare, for a better understanding of the program and its
social function in society in the face of Brazilian social issue to confront the
neoliberal logic or strengthening the perspective of social welfare policy as
universalizing access rights. The course explores the theoretical and
methodological dialectic relationship between neoliberal ideas and social
assistance in the formation of modern social protection systems in capitalist
society. In light of the theoretical framework, the research examines quantitative
and qualitative data, focusing on the cash transfer program as contradictory
phenomenon in multi-causalities and their multifunctionality. The study explores
characterization, seeking to demonstrate its internal properties. Data analysis
reveals that this program is focused on absolute poverty, limited to ensure a
minimum in monetary terms, insufficient to meet their basic needs and with a
fragile joint actions with other social sector policies. These developments allow
us to conclude that the liberal bias has marked the Bolsa Família Program,
limiting the prospects markedly welfare / allowance, not based on a perspective
of social welfare.
Keywords: Social issue; transfer income; social assistance; welfarism.
LISTA DE SIGLAS
BPC – Benefício de Prestação Continuada
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento
BSM – Brasil Sem Miséria
CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão
CEF – Caixa Econômica Federal
CEME – Central de Medicamentos
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CF – Constituição Federal
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI – Fundo Mundial Internacional
FNAS – Fundo Nacional de Assistência Social
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IAPs – Institutos de Aposentadoria e Pensões
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IGD – Índice de Gestão Descentralizada
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Medica e Previdência Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MEC – Ministério da Educação
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MME – Ministério de Minas e Energia
NOB – Norma Operacional Básica
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização Mundial das Nações Unidas
PASEP – Programa do Patrimônio do Servidor Público
PBF – Programa Bolsa Família
PCS – Programa Comunidade Solidária
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PIB – Produto Interno Bruto
PIS – Programa de Integração Social
PNAA – Programa Nacional de Acesso à Alimentação
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNB – Produto Nacional Bruto
PROMINP – Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás
Natural
PRONAF – Programa Nacional da Agricultura Familiar
PTR – Programa de Transferência de Renda
RMV – Renda Mensal Vitalícia
SENARC – Secretaria Nacional de Renda e Cidadania
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................15
1. QUESTÃO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS.................................................24
1.1Polêmicas e dissonâncias sobre a Questão Social......................................24
1.2 A Questão Social em sua trajetória: novas e velhas expressões ...............31
1.3 A origem das políticas sociais para o enfrentamento das expressões da
questão social. ..................................................................................................36
1.4 Direitos Sociais no Brasil.............................................................................43
1.4.1Proteção Social no Brasil. .........................................................................50
1.4.2 Seguridade Social brasileira. ...................................................................56
2.DEFININDO CONCEITOS: ASSISTÊNCIA E ASSISTENCIALISMO ..........61
2.1 Assistencialismo X Assistência. ..................................................................61
2.2 A trajetória da Assistência no Brasil............................................................64
3.PROGRAMAS
DE
TRANSFERÊNCIA
DE
RENDA:
NOVA
CONFIGURAÇÃO DE PROTEÇÃO SOCIAL? ................................................75
3.1Fundamentos teóricos e concepções dos Programas de Transferência de
Renda não contributivos. ..................................................................................75
3.2 A trajetória dos programas de transferência de renda não contributiva no
Brasil. ................................................................................................................80
3.3 Caracterizando os Programas de Transferência de Renda não contributiva
no Brasil.............................................................................................................83
3.3.1Programa Bolsa Escola. ...........................................................................85
3.3.2 Bolsa Alimentação. ..................................................................................86
3.3.3 Auxílio-Gás. .............................................................................................87
3.3.4 Cartão Alimentação. ................................................................................87
3.3.5 A unificação: o Programa Bolsa Família. .................................................88
4.Analisando o Programa Bolsa Família.......................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS. ..........................................................................119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. .............................................................124
15
INTRODUÇÃO
Escrever é uma ação solitária; entretanto, a produção de
conhecimento somente adquire significado ao metamorfosear-se em uma ação
coletiva. Este trabalho está assentado, nessa perspectiva, como resultado de
um longo caminho, individual e coletivo, que consolida e orienta à produção
que ora se apresenta.
O presente trabalho propõe-se a examinar algumas ambiguidades e
tensionamentos que perpassam a política social brasileira, privilegiando a
análise de um programa emblemático: o Programa Bolsa Família. Visa
identificar os aspectos sociohistóricos e econômicos que explicam a relação
entre a lógica do direito e a concessão do benefício do programa.
A opção por essa área de investigação teve sua origem no conjunto
de observações empíricas e questionamentos teóricos e políticos, a partir da
nossa experiência como estagiária na Assistência Social, do município de
Maracanaú, numa inquietação para compreender a real dimensão tomada e a
função social de um programa que emergiu no país em um contexto de
profundas transformações societárias e de alterações na proteção social,
destinada particularmente aos segmentos populacionais de maior risco e
vulnerabilidade social, para uma maior compreensão do seu significado no
enfrentamento da questão social brasileira.
Uma vez que este trabalho constitui parte de um processo de
aprendizagem, decidimos por estudar o desenvolvimento dessa temática, tendo
como base de orientação metodológica o fato de que os fenômenos sociais são
síntese de múltiplas determinações, o que permite evitar reducionismos e
fragmentações na sua compreensão. Buscamos, ainda, adotar a perspectiva
da totalidade e situar o objeto como parte do movimento da própria sociedade
capitalista, dado que a realidade é uma totalidade em movimento, podendo
apenas ser compreendida a partir do processo histórico, pensado em sua
complexidade e numa relação dialética, de continuidades e rupturas entre o
passado e o presente (KONDER, 1981).
16
Desde os anos 1980, nos países capitalistas desenvolvidos, tem-se
assistido a um amplo debate sobre a necessidade de reformulação das
políticas sociais. A partir da crise dos anos 1970, os sistemas de proteção
social começaram a receber crescentes questionamentos sobre a sua
visibilidade financeira, eficiência e possibilidade de responder às novas
demandas decorrentes da crise do capitalismo, como o aumento do
desemprego.
Essas críticas sustentaram-se devido a uma crescente falta de
adequação entre o histórico WelfareState e o avanço do neoliberalismo. O
WelfareState nas sociedades capitalistas desenvolvidas passou a organizar
sua intervenção de forma contínua, respondendo a algumas demandas da
questão social, buscando a preservação e o controle da força de trabalho. O
Estado passou a regular as relações sociais e econômicas, fundamentadas no
keynesianismo.
A intervenção do Estado foi baseada em um conjunto de medidas de
proteção social, entre elas a garantia de emprego relativamente pleno; a
ampliação dos direitos de cidadania; a oferta de serviços sociais de caráter
universal e a institucionalização de uma rede de segurança que garantiria
padrões mínimos de atenção às necessidades humanas (PEREIRA, 2008).
O ajuste neoliberal ultrapassa a esfera econômica e incorpora
também uma redefinição global do campo político-institucional e das relações
sociais, introduzindo um projeto de „reintegração social‟ bem distinto daquele
que entrou em crise a partir dos anos de 1970. Segundo Soares:
Os direitos sociais perdem identidade e a concepção de cidadania se
restringe; aprofunda-se a separação público-privado e a reprodução é
inteiramente desenvolvida para este último âmbito; a legislação
trabalhista evolui para a maior mercantilização (e, portanto,
desproteção) da força de trabalho; a legitimação (do Estado) se reduz
à ampliação do assistencialismo (SOARES, 2000, p.13).
No Brasil, nesse mesmo período, o padrão de desenvolvimento das
políticas sociais era caracterizado como um processo que, apesar de
incompleto, fragmentado e com heranças históricas e inflexões cíclicas e
17
políticas, induziu a uma expansão, sobretudo nas áreas de saúde e educação,
embora sem a universalização das políticas sociais.
Corrobora-se que, o sistema de proteção social, edificado no pós
Segunda Guerra nos países capitalistas desenvolvidos, não responde mais ao
novo contexto econômico e social. Na perspectiva dos trabalhadores, o
crescente desemprego e sua permanência no tempo levam a uma paulatina
perda dos direitos sociais, dado que os benefícios estavam atrelados à
integração no mercado de trabalho. A partir desse panorama, estudiosos,
sobretudo na literatura francesa, afirmam a existência de uma „nova‟ questão
social. Diante desse quadro, certas correntes começam a repensar a política
social para torná-la compatível com a nova dinâmica estrutural. Nesse
contexto, os programas de transferência de renda passam a ter importância
crescente no debate público e tornam-se “alternativas” de política.
A ideia de promover uma renda mínima à parcela pobre da
população não é nova. Na Inglaterra, 1795, no período imediatamente anterior
à Revolução Industrial, ocorreu o primeiro programa de transferência de renda,
normatizado pela Lei de Speenhamlad, que garantia um abono baseado no
preço do pão, em complemento aos baixos salários ou à sua ausência
(PEREIRA, 2009).
No Brasil, o primeiro programa de transferência de renda instituído
foi a Renda Mensal Vitalícia (RMV), em 1974, que consistia na garantia de
meio salário mínimo aos idosos com mais de 70 anos e às pessoas
consideradas inválidas, que em algum momento de suas vidas tivessem
realizado contribuições para a Previdência Social. Foi extinta em 1995, com a
aprovação do Benefício de Prestação Continuada – BPC pela Lei Orgânica de
Assistência Social – LOAS.
Concretamente, o debate sobre programas de transferência de
renda só se efetiva no Brasil a partir de 1980, momento em que as análises
mais gerais sobre o rumo das políticas apontaram uma mudança no processo
de construção da seguridade social.
18
A seguridade social como direito social foi instituída na Constituição
Federal de 1988, tendo como integrantes as políticas de saúde, da previdência
social e da assistência social. Entretanto, a ampliação da demanda ocorrida por
pressão social no âmbito da redemocratização da sociedade brasileira
começou a ser duramente atingida com o impacto da crise econômica e fiscal
do Estado nos anos 1980, intensificada com a onda neoliberal introduzida no
País nos anos 1990, quando foram impostas limitações para os programas
sociais, acompanhadas do desmonte dos direitos sociais conquistados,
concretizando uma verdadeira contrarreforma.
Assim, os anos 1990 representam um período de profunda
contradição no campo de bem-estar social: o qual se tem um avanço no plano
político-institucional, representado pela instituição da seguridade social e dos
princípios de descentralização e de participação social, dispostos na Carta
Magna de 1988, tem-se também, no plano de intervenção do Estado no social,
um deslocamento guiado por posturas restritivas, com a adoção de programas
sociais focalizados, quando não privatizantes (SILVA et al, 2011).
É nesse contexto que emerge, no Brasil, a temática dos programas
de transferência de renda não contributivos. Esses programas de transferência
de renda consistem em auxílios monetários de caráter não eventual,
condicionados a algum tipo de contrapartida de seus beneficiários, cujo acesso
aos benefícios é definido por critérios focalizados nos grupos sociais mais
vulneráveis, de baixa renda (SILVA et al, 2011).
No ano 2004, depois da unificação de vários programas de
transferência de renda, surge o Programa Bolsa Família – PBF que colocou em
evidência o lugar da pobreza na sociedade brasileira. Ao trazer para o debate
público a problemática da fome, movimentando a mídia, a opinião pública, os
especialistas de diversas áreas, as universidades, as lideranças locais, os
governantes de Estados e municípios e outros cidadãos do país, o PBF coloca
a pobreza e a fome como questões públicas, alvo de opções políticas que
põem em foco as alternativas de futuro para o país e os desafios da cidadania
e da construção democrática nesta sociedade excludente e desigual.
19
São os rumos e a politização desse debate que permitiram a um
Programa como o Bolsa Família se colocar (ou não) na perspectiva de forjar
formas de resistência e defesa da cidadania dos excluídos, ou apenas reiterar
práticas conservadoras e assistencialistas? Portanto, trazer à análise um
Programa como o Bolsa Família, no contexto da re-filantropização da questão
social brasileira e da despolitização da política social, é enfrentar uma temática
complexa, que supõe diversos caminhos analíticos e diferentes ângulos a
serem considerados em sua análise. Nesta oportunidade, o Programa será
abordado a partir da sua proposta e seu significado social e político em face da
questão social brasileira.
Desse modo, desenhada a problematização do tema, começou a ser
delineado como objetivo geral de análise: analisar o Programa Bolsa Família,
no sentido de confrontar a perspectiva da assistência e do assistencialismo,
para uma melhor compreensão do programa e de sua função social na
sociedade em face da questão social brasileira.
Esse objetivo geral se desdobrou em outros objetivos específicos
que agem como orientação no desenvolvimento da pesquisa e das reflexões,
quais sejam:
1. Problematizar
o
sentido
da
categoria
questão
social,
relacionando-a com o desenvolvimento das políticas sociais na
sociedade capitalista;
2. Contextualizar a gênese e a expansão da seguridade social no
Brasil, assim como os limites que esse sistema passa a sofrer em
virtude da crise econômica do Estado;
3. Apontar
as
diferenças
conceituais
entre
assistência
e
assistencialismo;
4. Discutir os fundamentos teóricos e concepções dos programas de
transferência de renda não contributivos no Brasil;
5. Verificar se o Programa Bolsa Família rompe com a lógica
neoliberal ou fortalece a perspectiva da assistência social como
política social universalizadora de acesso de direitos.
20
Compreendemos o processo de conhecimento como a possibilidade
de produzir informações sobre um determinado fenômeno, é necessário
considerar algumas peculiaridades que o envolve. Segundo Minayo (1994), a
primeira delas refere-se ao caráter aproximado do conhecimento, cuja
construção se faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a
apreensão, a crítica e a dúvida.
O conhecimento é uma tentativa de reprodução da realidade, mas
nunca a própria realidade. As ideias sobre ele são sempre parciais,
dependentes de uma série de condições, entre elas o próprio lugar de onde
fala o pesquisador. O conhecimento, por sua vez, não está isento de interesses
e sua autonomia é relativa, porque, para um mesmo fenômeno, pode haver
mais de uma explicação, dependendo da abordagem e do tratamento que lhe
dá o pesquisador.
Na construção do longo caminho que foi percorrido, para assim
alcançar os objetivos preestabelecidos nesse planejamento, foi necessário uma
abordagem com o método dialético, pois com este foi possível penetrar no
mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca, da contradição inerente
e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade. Como método
de procedimento, usamos o histórico e o comparativo, pois partimos do
princípio de que as atuais formas de viver e agir na vida social, as instituições e
os costumes tem origem no passado, vemo-nos na obrigação de pesquisar
suas raízes para compreender sua natureza e função. E, além disso, fez-se
necessário investigar as coisas ou fatos, explicando-os segundo suas
semelhanças e suas diferenças.
É a interpretação da realidade, visão de mundo e práxis1 que
permitem compreender o mundo como processo, sujeito ao desenvolvimento
histórico e à mudança, delineado para explicar o desenvolvimento da
sociedade.
1
O conceito de práxis de Marx pode ser entendido como prática articulada à teoria, prática
desenvolvida com e através de abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais
consistente e consequente da atividade prática, a qual esta tem relação com a transformação social.
21
Segundo Alcyrus Barreto (1998), a metodologia da pesquisa em um
planejamento deve ser entendida como um conjunto detalhado e sequencial de
métodos e técnicas científicas a serem executadas ao longo da pesquisa, de tal
modo que se consiga atingir os objetivos inicialmente propostos.
Assim, no presente trabalho, o trajeto metodológico foi orientado por
esses princípios, que nos levaram a examinar os dados qualitativos, tendo
como foco o Programa Bolsa Família como fenômeno contraditório, em sua
multicausalidade e multifuncionalidade. Buscou-se entender a natureza
contraditória do PBF em função de suas características, pois podem se
constituir como estratégias de políticas sociais embasadas nos princípios
universais de cidadania ou se manter no terreno das políticas sociais
compensatórias. Sua análise buscou articular os aspectos conjunturais e
estruturais, situando os de natureza política, econômica e social.
Para que as ideias ora apresentadas fossem desenvolvidas neste
trabalho,
foi
necessário
definir
os
procedimentos
metodológicos
que
viabilizaram a análise do objeto em questão.
Primeiramente, foi realizada uma pesquisa documental que incluiu
documentos oficiais da área, tais como: Leis, Decretos presidenciais, Medidas
Provisórias, Resoluções e documentos técnicos oficiais.
O recorte metodológico remete-se à intenção de centralizar a análise
no período de 2004 a 2012. Esse período se refere ao ano de unificação dos
programas de transferência de renda no Programa Bolsa Família até os dias de
hoje para a melhor compreensão do objetivo do referido programa.
Concomitantemente,
foi
efetuada
pesquisa
bibliográfica
mais
detalhada sobre o tema, que abrange uma boa parte de toda a bibliografia já
tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas,
boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas. Sua finalidade é nos colocar em
contato direto com tudo o que foi escrito sobre o assunto a ser estudado.
Tais pesquisas foram realizadas com o intuito de caracterizar o
cenário socioeconômico e político que contribuiu para os debates, elaboração
22
de propostas e implementação do Programa Bolsa Família, especificando seu
contexto.
De acordo com Minayo (1994), na análise final dos dados
pesquisados serão estabelecidos as articulações entre os dados (quantitativa)
e as referências teóricas da pesquisa (qualitativa), respondendo às questões
da pesquisa com base em seus objetivos. Promovendo assim, relações entre o
concreto e o abstrato, o geral e o particular, a teoria e a prática.
Orientada pelos objetivos para o desenvolvimento do tema já
exposto, o referencial teórico está consubstanciado nos seguintes aspectos:
No primeiro capítulo, perpassa o estudo crítico sobre as polêmicas e
dissonâncias da questão social, contextualizando historicamente a organização
da assistência social na configuração do capitalismo, considerando que a base
histórica e teórica dessa discussão está relacionada à visibilidade da questão
social a partir do século XIX, enquanto fenômeno da sociedade capitalista. O
século XX, contudo, registra o desenvolvimento de um novo tipo de regulação –
WelfareState – com forte intervenção estatal na regulação das relações
econômicas e sociais que, após a década de 1970, passa a sofrer os efeitos da
reestruturação produtiva, bem como o surgimento do neoliberalismo. Em
seguida, procura-se situar historicamente a questão social no Brasil, seus
sentidos, bem como as respostas atribuídas pelo Estado, contextualizando a
questão dos direitos sociais, procurando evidenciar os processos sóciohistóricos na sociedade brasileira, dando destaque à gênese da seguridade
social no Brasil.
No segundo capítulo, fazemos a discussão sobre os conceitos de
assistência e assistencialismo, além da trajetória da Assistência Social
brasileira.
No terceiro capítulo, é apresentado o debate internacional sobre os
fundamentos teóricos e as concepções dos programas de transferência de
renda, avançando na análise para identificar suas características até a
unificação dos programas de transferência de renda no Programa Bolsa
Família.
23
No quarto capítulo, é realizada uma análise de vários aspectos que
perpassam o PBF, para a tentativa de responder o questionamento central
desse trabalho.
São apresentadas, então as considerações finais, que resultam
do conjunto de observações e estudos, bem como da compreensão da
pesquisadora, buscando tecer a ideia, mesmo que preliminar, sobre a
configuração do Programa Bolsa Família para uma melhor compreensão do
programa e de sua função social na sociedade em face da questão social
brasileira, no sentido de confrontar a perspectiva da assistência e do
assistencialismo.
No transcorrer deste trabalho de pesquisa, foi intenso o empenho
para atingir a completeza e a precisão, tanto dos dados coletados quanto dos
resultados das análises, porém, não existe a pretensão de encerrar o assunto.
Como em qualquer trabalho de pesquisa científica, o seu resultado deve ser
visto de maneira provisória e aproximativa, tendo em vista que as afirmações
aqui apresentadas podem ter superado conclusões anteriores, mas também
poderão ser superadas por outras futuras afirmações.
Espera-se que o presente trabalho represente mais do que uma
etapa transposta: seja o diferencial no processo de aprendizagem a partir da
construção de um conhecimento científico que realmente possibilite uma
compreensão crítica do objeto, por meio de aproximações sucessivas em
direção à essência do fenômeno. Eis o desafio!
24
1. QUESTÃO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS
1.1 Polêmicas e Dissonâncias sobre a Questão Social
A partir da década de 1970, o crescente domínio do mercado nos
processos econômicos e sociais marcou um ponto de inflexão no mundo
capitalista, caracterizado pelo desemprego estrutural 2, agravamento da
pobreza e da exclusão social, precarização do trabalho e desmonte dos direitos
sociais, suscitando novas formas de expressão da questão social. Esse
contexto, não completamente novo, mas com dimensões notoriamente
diferentes, passa a ser escopo de muitas discussões e estudos, tanto no
contexto internacional, como nacional.
Todavia, é corrente encontrarmos estudiosos que afirmam a
existência de uma „nova questão social‟, caracterizada por uma sucessão de
novos problemas ou antigos problemas superdimensionados, que denotariam
uma ruptura com a questão social que teve sua emergência em meados do
século XIX, conforme os autores franceses Pierre Rosanvallon (1998) e Robert
Castel (2010)3.
De acordo com Pastorini (2010, p.56), a discussão sobre a
existência de uma “nova questão social” irrompe na Europa e nos Estados
Unidos no final da década de 1970, a partir do momento em que os problemas
inerentes à acumulação capitalista passam a ser percebidos como estados
permanentes, não mais residuais e conjunturais como se acreditava durante os
“Trinta Anos Gloriosos”4.
Segundo Rosanvallon (1998), a nova questão social é identificada
com a expressão, criada no final do século XIX, referente às disfunções da
sociedade industrial emergente. Trata-se, pois, do crescimento do desemprego
2
O desemprego estrutural ocorre quando o número de desempregados é superior ao número de
trabalhadores que o mercado quer contratar e esse excesso de oferta de trabalhadores não é
temporário.O desemprego causado pelas novas tecnologias, como a robótica e a informática, recebe o
nome de desemprego estrutural. Ele não é resultado de uma crise econômica, e sim das novas formas
de organização do trabalho e da produção (OLIVEIRA, s/d, mimeo).
3
“A Nova Questão Social” (1998) e “As Metamofoses da Questão Social:uma crônica do salário”(1998),
respectivamente. Ambos os autores adotam a sociedade francesa como referência para a análise.
4
Refere-se aos anos que se segue à segunda Guerra Mundial, até o início dos anos 1970.
25
e do surgimento de novas formas de pobreza, seguidos de novas maneiras de
insegurança social a partir de 1970. Essa nova questão social tem como
padrão o desenvolvimento e a crise do paradigma keynesiano do modelo de
acumulação e métodos de gestão social, assim como do Estado-providência5,
dos programas reguladores e da proteção social e trabalhista.
Assim,segundo o autor, estaríamos atualmente diante da presença
de uma crise de ordem filosófica6, que levanta a questão sobre a base de
sustentação do sistema de proteção social que ele denomina de Estadoprovidência passivo: desagregação dos princípios de organização da
solidariedade e o fracasso da concepção tradicional dos direitos sociais com o
surgimento de novas formas de solidariedade social.
Rosanvallon (1998) afirma que é impossível enfrentar o problema da
exclusão social usando a concepção tradicional dos direitos sociais; a questão
social deixou de ser analisada dentro de um sistema global (em termos de
exploração e distribuição) e passou a uma abordagem que focaliza o segmento
mais vulnerável da população. O autor defende a manutenção de certas
prestações universais combinadas com a seletividade e a focalização para se
manter o elo social da cidadania, financiadas de forma generalizada.
O autor acentua que o Estado, no período mencionado, funcionava
encoberto por um “véu de ignorância”, pois se baseava no princípio securitário,
que prevê a igualdade dos indivíduos diante dos variados riscos sociais que
poderiam afetá-los. Rosanvallon(1998) propõe o tratamento diferenciado dos
indivíduos, que implica a renúncia aos conceitos universalizantes de direito, por
meio de novos mecanismos de solidariedades, de novas utilidades sociais para
se “refazer a nação”, reorganizando-se o espaço cívico e um laço social,
5
O termo Estado-providência é utilizado para designar o Estado Social na França.
Rosanvallon(1998) apresenta três etapas da crise do Estado-providência: 1)a de ordem financeira:
crescimentos com as despesas sociais(principalmente com saúde), a partir dos anos 1970; 2)a
ideológica: presente nos anos de 1980 revela que o Estado-empresário não administra eficazmente os
problemas sociais; e 3)a filosófica: apresenta como problemas principais a desagregação dos princípios
de organização da solidariedade e o fracasso da concepção tradicional dos direitos sociais, marco para
considerar a situação dos excluídos.
6
26
apostando também no “terceiro setor”7 como forma de desenvolvimento da
sociedade de inserção.
Com base na análise realizada por Pastorini,
a alternativa pensada por Rosanvallon, centrada no Estadoprovidência ativo, poderia chegar a constituir uma justificação e
sistematização do processo de individualização, entendido que o
Estado-providência estaria cada vez menos vinculado às classes
sociais, às populações homogêneas, aos grupos sociais e, ao
contrário, cada vez mais relacionado aos indivíduos particulares. Ele
pensa que a equidade deve ser garantida pelo Estado-providência
ativo e que isso só será possível se essa instituição tiver um
tratamento diferenciado para com os distintos setores da sociedade
(PASTORINI, 2010, p.62).
Compreendemos que Rosanvallon tem sua análise na solução para
a crise do Estado-providência passivo e da exclusão social sem discutir a
lógica da sociedade capitalista, haja vista, que a substituição do “Estadoprovidência ativo”, produtor do sentimento cívico da solidariedade, ligado ao
desenvolvimento da cidadania, seria para o autor a solução.
Concordamos com Pastorini (2010), que duvida de que o Estadoprovidência ativo seja capaz de exercer justiça mediante o conhecimento das
diferenças entre os homens, dando a eles um tratamento diferenciado. Para a
autora, o problema das desigualdades capitalistas não está enraizado nessa
questão, mas na desigual distribuição da riqueza acumulada pelo sistema
produtivo, cuja origem é a exploração dos trabalhadores e a concentração dos
meios de produção nas mãos da classe capitalista.
Por sua vez, Castel (2010), em sua análise demonstrará a
necessidade de acompanhar o caminho da sociedade salarial 8 como forma de
entender as principais transformações sofridas pela questão social na
contemporaneidade. Para ele,
7
O "terceiro setor" apresenta-se como um agente capaz de deslanchar uma "mudança social", devido à
sua capacidade de articulação, por ser um espaço democrático de mobilização comunitária e por ser
também, apenas no nível do discurso, apolítico e aclassista, um "virtuoso".O "terceiro setor" (que juntou
num mesmo pacote conceitual ONGs, movimentos religiosos, associações de moradores e filantropia
empresarial, só para citar alguns) passa a executar ações sociais, fortalecendo uma postura clientelista
nos atendimentos (MENEZES, 2010).
8
Para Castel(2010), essa sociedade, que buscou combinar trabalho e proteção, concedeu ao
assalariamento um status que jamais possuíra no passado, o que significa dizer que nela ser assalariado
passou a representar não somente receber um salário, uma retribuição monetária, mas certo número
de garantias e de direitos, essencialmente direito ao trabalho e à proteção social.
27
a “questão social” é uma aporia fundamental sobre a qual uma
sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o
risco de sua fratura. Ela é um desafio que interroga, põe em questão
a capacidade de uma sociedade (o que em termos políticos se chama
de nação) de existir como um conjunto ligado de relações de
interdependência (CASTEL, 2010, p.30).
Robert Castel (2010), tomando o caso francês como exemplo típico,
traça os delineamentos gerais da questão social sob dois ângulos: o que
representou seu enfrentamento na proposição das classes dominantes face à
ameaça à coesão social e o que representou o ponto de vista do operariado em
sua luta por melhores condições de vida e de trabalho. Segundo este autor, a
expressão “Questão Social” aparece pela primeira vez no jornal legitimista
francês La Quotidienne em 1831, que acusava o governo, chamando a atenção
dos parlamentares, no sentido de que era preciso entender que, além dos
limites do poder, isto é, fora do campo político, existia uma questão social
carente de resposta, quando esses efeitos do processo de industrialização
representavam um perigo à paz e à ordem econômico-social e moral
estabelecida. No interior do pensamento dos reformadores sociais, defensores
do sistema, a questão social passa a ser tratada como [...] “questão da
reabilitação
das
classes
trabalhadoras
„gangrenadas‟
pela
chaga
do
pauperismo” (CASTEL, 2010, p. 317).
Castel (2010) caracteriza a questão social por “uma inquietação
quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de
ruptura é apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do conjunto”
(CASTEL, 2010, p. 41). Explicitando a composição de tais grupos, o autor
esclarece que as populações que dependessem de intervenções sociais seriam
basicamente pelo fato de serem ou não capazes de trabalhar, sendo tratados
de forma distinta em função deste critério. A análise parte da identificação no
longo prazo de uma correlação profunda entre o lugar ocupado pelo indivíduo
na divisão social do trabalho e a participação nas redes de sociabilidade e nos
sistemas de proteção.
O autor compreende que a questão social passa por reformulação
por meio das crises, porém, não defende que o surgimento do capitalismo
consistiu em uma ruptura dos problemas sociais que sempre existiram e que
estão em constante transformação. As metamorfoses pelas quais a questão
28
social passa são frutos das transformações históricas. Entretanto, apesar das
transformações, Castel, chama atenção para o fato de que os membros da
zona de vulnerabilidade9 ocupam posições homólogas na estrutura social ao
longo do tempo. Os processos que produzem essas situações são
comparáveis, ou seja homólogos, na dinâmica diferindo nas manifestações,
sendo que a história não é linear.
O processo de manifestação social, segundo Castel, é marcado por
suas “metamorfoses”, compreendidas como:
dialética do mesmo e do diferente [...] os conteúdos concretos de
noções como estabilidade, instabilidade ou expulsão do emprego,
inserção relacional, fragilidades dos suportes protetores ou
isolamento social são agora completamente distintos do que eram
nas sociedades pré-industriais ou no século XIX [...] Entretanto, ainda
que fundamentais, as grandes mudanças não representam inovações
absolutas quanto se inscrevem no quadro de uma problematização
(CASTEL, 2010, p. 27-28).
Partindo da ideia de que a “questão social” foi se redefinindo e
metamorfoseando com o passar do tempo, o autor se interessa em analisar o
que há de diferente e de comum nas heterogêneas situações de
vulnerabilidade social, pois Castel (2010) afirma que se trata de uma nova
problemática, mas não de outra problematização.
Tendo como base aquela realidade, Castel (2010) afirma que o
Estado é insubstituível no que diz respeito a direção das operações, porém,
será preciso criar mudanças em sua intervenção. “O poder público é a única
instância capaz de construir pontes entre os dois pólos do individualismo e
impor um mínimo de coesão à sociedade” (CASTEL, 2010, p.610). Com isso, o
autor entende que para enfrentar a crise da sociedade salarial, seria necessário
encontrar um “Estado interventor” que tenha propostas novas para ocupar o
mundo, onde o trabalho não seria o grande integrador. Na compreensão do
autor, a solução dos problemas sociais seria a efetivação das políticas de
integração10 e não das políticas de inserção11.
9
O autor define como “zona intermediária, instável, que conjuga a precariedade do trabalho e a
fragilidade dos suportes de proximidade” (CASTEL, 2010, p. 24).
10
Direcionada a todos os cidadãos, buscando restabelecer o equilíbrio social, homogeneizar a sociedade
e reduzir as desigualdades sociais.
29
A partir do que foi exposto, identificamos que tanto Castel (2010)
quanto Rosanvallon (1998) defendem a “nova questão social”. Enquanto o
primeiro autor busca em sua análise demonstrar que não há uma separação
dicotômica entre a antiga/nova questão social, o segundo persiste nessa
separação, preocupando-se em evidenciar as singularidades.
Resumindo, para Rosanvallon a “nova” questão social consiste no
desemprego e no surgimento de novas formas de pobreza, acompanhados de
novos tipos de insegurança social, produzidos por mudanças estruturais e
políticas desencadeadas a partir do final dos anos 1970. Esses fatos,
favoreceram o surgimento do conceito de exclusão social, que Castel (2010)
denomina de desfiliação12, embora indiferenciado, é o único capaz de recobrir
“uma infinidade de situações infelizes sem tornar inteligível seu pertencimento
a um gênero comum [...] encobrir todas as pessoas e grupos que não tem nem
o mesmo passado, nem o futuro, nem as mesmas vivências e valores”
(CASTEL, 2010, p.32). Para Pastorini (2010), a compreensão que os autores
franceses tem dos invalidados pela conjuntura – os “inúteis para o mundo” para
Castel e os “novos pobres” e “excluídos” para Rosanvallon – não remete à
“antiga” categoria de exploração.
Castel e Rosanvallon compreendem que a explicação da “questão
social” fundamentada na ideia do confronto de interesses de classes não
apreende a realidade contemporânea, onde a integração pelo trabalho não é
mais o ponto principal para pensar o pertencimento dos indivíduos à sociedade,
passando a ocupar o lugar prioritário a inserção a partir das redes de
sociabilidade (PASTORINI, 2010).
Porém, Marilda Iamamoto, compreende que a
gênese da questão social na sociedade burguesa deriva do caráter
coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria
atividade humana – o trabalho - , das condições necessárias à sua
realização, assim como de seus frutos (IAMAMOTO, 2010, p,156).
11
Sujeitas a uma “discriminação positiva” decorrente do déficit da integração, focalizando os programas
sociais para as populações mais pobres e que não conseguem entrar ou se manter no universo
produtivo.
12
Castel (2010) em vez de adotar o termo exclusão, prefere trabalhar com o conceito de desfiliação, por
designar uma trajetória e o processo que esta engendra.
30
Assim, segundo a autora, no capitalismo com a apropriação dos
meios de produção, o trabalhador se coloca como trabalhador livre, possuidor
apenas da sua força de trabalho, assumindo assim a função de trabalhador
assalariado como único meio para a satisfação de suas necessidades vitais.
A questão social é uma expressão desconhecida no universo teórico
de Marx, porém os processos sociais que ela revela estão no cerne da análise
do autor, especialmente no exame que o autor faz sobre a dinâmica do regime
capitalista de produção, isto é, quando identifica as condições materiais e
relações sociais que produzem e reproduzem a desigualdade entre as classes,
condicionada pelo acúmulo de capital (IAMAMOTO, 2010).
Nesse sentido, a questão social é produzida e reproduzida na
sociedade capitalista, em consequência das relações de produção que se
constituem com base na estrutura da sociedade e que, em determinados
momentos históricos, com a criação de um excedente, possibilitaram a
apropriação privada dos meios de produção, culminando com o aparecimento
de classes sociais desiguais e contraditórias – “os possuidores de propriedade
e os trabalhadores sem propriedade” (MARX, 2004, p.110) – portadoras de
características específicas.
O trabalhador livre13 é “excluído de toda a riqueza objetiva, dotado
de mera capacidade de trabalho e alijado das condições necessárias à sua
realização objetiva na criação de seus meios de sobrevivência” (IAMAMOTO,
2010, p.159). A autora revela que a pobreza não é apenas resultado da má
distribuição da renda, mas também está ligada à produção e, mais
especificamente, à distribuição dos meios de produção.
Desse modo, ao tratar da questão social em suas diversas
expressões, é fundamental considerar a dimensão coletiva e estrutural da
questão
social,
produzida
e
reproduzida
historicamente,
com
suas
configurações alteradas em consonância com as condições econômicas e
sociais conjunturais. Para Iamamoto (2010), a questão social tem sua
13
“A separação do individuo das condições de seu trabalho, monopolizadas sob a forma capitalista de
propriedade” (IAMAMOTO, 2010, p.159)
31
emergência vinculada ao surgimento da classe proletária e à sua atuação no
cenário político, por meio de suas lutas e reivindicações pelo reconhecimento
de seus direitos por parte do bloco dominante, principalmente pelo Estado,
pois:
foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações
entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera
pública. [...] passam a exigir a interferência do Estado no
reconhecimento e na legalização de direitos e deveres dos sujeitos
sociais envolvidos, consubstanciados nas políticas e serviços sociais
(IAMAMOTO, 2010, p.160).
É importante observar que as novas expressões da questão social
não são notadamente novidades, tampouco um conjunto de problemáticas que
sempre
existiram
e/ou
que
sempre
existirão
e
que
vão
sendo
metamorfoseadas. Indubitavelmente, há novos elementos, novas expressões
da questão social na contemporaneidade (aumento da pobreza, precarização
do trabalho, desemprego estrutural), mas de fato ela continua a manter os
traços essenciais e constitutivos da sua origem, ou seja, a questão social nas
sociedades capitalistas mantém a característica de ser uma expressão
concreta das contradições e antagonismos presentes nas relações entre classe
sociais e entre estas e o Estado.
1.2 A Questão Social em sua trajetória: novas e velhas expressões
O modo de produção feudal tinha por base a economia agrária, de
escassa circulação monetária e autossuficiente. Nesse modo de produção, o
servo era vinculado ao senhor por relações de submissão e proteção, que
também era proprietário dos meios de produção. Essa relação foi rompida no
modo de produção capitalista.
Ao tratar da acumulação primitiva, Marx demonstrou que a ruptura
entre o camponês e a terra havia permitido que os donos do capital tivessem
atendidos as suas demandas de força de trabalho. A posse privada dos meios
de produção por uma classe e a exploração da força de trabalho daqueles que
não os detêm configurou-se como o elemento definidor do capitalismo. Essa
dissociação entre meios de produção e trabalhador e sua subordinação aos
32
donos do capital conduziram a formação do processo de acumulação
capitalista primitiva (MARX, 2008).
A decomposição da estrutura econômica da sociedade feudal serviu
de elemento para a formação da estrutura econômica da sociedade capitalista.
No interior da primeira, engendrou-se a classe revolucionária, que iria fazê-la
desaparecer, e a afirmação do novo modo de produção capitalista, cuja
acumulação primitiva pôde ser realizada, no momento de gênese e no início de
seu desenvolvimento, sem que colocasse em dúvida o valor das antigas
relações sociais e produtivas feudais, apesar dos inumeráveis conflitos de
interesses (MARX, 2008).
De acordo com Marx (2008), a separação entre camponeses e a
terra, entre produtos e os meios de produção foi acompanhada de uma
consequência: a divisão social do trabalho. Assim, o desenvolvimento do
capitalismo, em sua fase mercantil, foi seguido pelo surgimento de uma força
de trabalho assalariada e privada de meios de produção. A nova organização
social baseava-se no duplo conceito de liberdade: liberdade do trabalho –
assalariamento – e livre uso da propriedade dos meios de produção – capital.
O
antagonismo
entre
as
classes
se
aprofundava,
e
o
desenvolvimento do capitalismo, em sua fase mercantil, começou a introduzir
significativas alterações na estrutura, nas relações e nos processos sociais.
Os pobres começaram a surgir na Inglaterra na primeira metade do
século XVI, tornando-se visíveis como indivíduos desprendidos da propriedade
rural. Segundo Marx (2008), nessa época, porém, o pauperismo se dava num
contexto de escassez e de precário desenvolvimento das forças produtivas.
A pobreza já começava a expressar uma ameaça à ordem
econômica e social, começando, assim, a exigir regulação por parte do Estado,
“que viam no pobre não um titular de direitos, mas um perigo à ordem pública”
(PEREIRA, 2009, p.61). Com o agravamento da pobreza, surgem “escassas
atenções públicas às necessidades sociais, geridas por um Estado ainda
socialmente restrito” (PEREIRA, 2009, p.61).
33
As leis existentes determinavam um “código coercitivo do trabalho”
(CASTEL, 2010, p.176) e seu caráter “era mais punitiva que protetora”
(PEREIRA, 2009, p.62). Exemplo disso foi a instituição da Poor Law (1601), lei
do reinado da rainha Elizabeth, primeiro marco no desenvolvimento dos
serviços sociais públicos, que criou formas de gerir a caridade em âmbito local
ou paroquial. Segundo Pereira (2009), essa lei estabelecia uma tipificação dos
indivíduos sociais, diferenciando os pobres dos mendigos fortes, assim como a
forma de serem atendidos, com forte esquema antivagabundagem. O objetivo
real era criar estratégias de combate às precárias situações de inserção no
trabalho, para impedir a decomposição do laço social (CASTEL,2010). A Poor
Law é considerada um marco histórico em medida social, e tal concepção é
inerente a lógica capitalista de acumulação, dado que a ideologia dominante
faz do trabalho um critério da vida “normal” e de mobilidade social, continuando
a estigmatizar os não-trabalhadores corporalmente capazes.
Segundo Castel (2010), as primeiras medidas de proteção social
revelaram que, na estruturação do sistema socioassistencial, a relação entre
trabalho e pauperismo já constituía o núcleo de uma lógica de assistência, na
qual
“as
pessoas
que
dependem
de
intervenções
sociais
diferem,
fundamentalmente, pelo fato de serem ou não capazes de trabalhar, e são
tratadas de maneira completamente distinta em função de tal critério”
(CASTEL, 2010, p.41).
O século XVII foi marcado pelo surgimento de algumas fábricas de
produção e por importantes invenções14 e foi berço da Revolução Inglesa 15
(1640-1960), cenário que deu início a uma nova política econômica e social, o
liberalismo, que isentou a indústria das concessões de monopólios e criou
condições necessárias para a livre expansão do capitalismo.
O Estado, pela “pressão das Paróquias e dos proprietários fundiários
que queriam manter nos seus domínios os trabalhadores de que necessitavam”
(PEREIRA, 2009, p.65), decretou em 1662, a Lei do Domicílio (SettlementAct),
14
Como a máquina a vapor e o tear mecânico.
A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema da época
moderna, identificado com o absolutismo.
15
34
que restringia a mobilidade dos trabalhadores, impedindo-os de se mudar para
Paróquias mais ricas e com uma melhor remuneração pelo trabalho
(PEREIRA,2009).
A proteção social que existia até então, não tinha como base a
noção de cidadania, haja vista, que o pobre não tinha sequer o direito de ir e
vir.
No último quarto do século XVIII, junto com o aumento da
população, teve início na Inglaterra a Revolução Industrial, imprimindo uma
transformação radical nas relações capital-trabalho e profundas transformações
na estrutura social, na organização econômica e no modo de produção.
Segundo Pereira, a intensificação da industrialização ocasionou mudanças na
economia, desmoronando o sistema de proteção social vigente. Assim,
a escassez de alimentos, produzida pelas baixas colheitas e por
conflitos bélicos, passou a requerer novas modalidades de políticas
sociais. Agora, não só os impotentes e desempregados, mas também
os empregados, tinham de ser sustentados, em vista da presença
ameaçadora da fome e do aumento dos preços dos produtos de
primeira necessidade (PEREIRA, 2009, p.67),
evidenciando um forte domínio do capital sobre o trabalho.
Com a Revolução Industrial a caminho, e sob a pressão das
necessidades da indústria, foi restaurada a mobilidade do trabalhador, e no
desenrolar dessa trajetória foi instaurada em 1795, a Speenhamland Law (Lei
de Speenhamland) (PEREIRA, 2009). Para Pereira, essa lei impediu a
instituição de um mercado de trabalho na Inglaterra, ou pelo menos diminuiu o
seu ritmo, protegendo os trabalhadores contra o próprio mecanismo de
mercado. Seu resultado, porém, foi a pauperização das massas: como todos
recebiam subsídio estatal, os donos do capital não remuneravam devidamente
seus trabalhadores.
Essa lei introduziu uma inovação social e econômica que nada mais
era que o direito de viver e, até ser abolida, em 1834, impediu efetivamente o
estabelecimento de um mercado de trabalho competitivo, visto que houve,
uma genuína preocupação com todos aqueles que, trabalhando ou
não, viviam em estado de pobreza crítica, rompendo assim a estreita
35
relação entre assistência e trabalho assalariado. E isso se deu não
por motivos humanitários ou benevolentes, mas pelo forte receio de
que as massas empobrecidas se rebelassem (PEREIRA, 2009, 69).
Pelas características citadas, ficam manifestadas as ambiguidades
que marcam a relação entre o trabalho e a assistência, sobretudo para os
pobres em condições de trabalhar.
Para desenvolver sua nova dinâmica, o capitalismo industrial exigiu
a liberação dos pobres das antigas formas de regulação social, para que
pudessem se inserir no mercado de trabalho. Em 1834 houve a revogação da
Speenhamland Law e a criação da Poor Law AmendmentAct (Nova Lei dos
Pobres), “que representou um verdadeiro ato abolicionista para a emergente
economia de mercado, pois a libertava das rédeas do protecionismo estatal.”
(PEREIRA, 2009, p.70). Além de tornar a condição do indivíduo que precisava
de assistência menos atrativa do que a do trabalhador mais inferiormente
remunerado, a Nova Lei dos Pobres visava assegurar que a assistência não
interferisse no sistema de salários, e que os trabalhadores independentes não
fossem tentados a aceitar auxílio como uma alternativa desejável, no que
obteve êxito, pois como o esquema de obrigação ao trabalho se tornou mais
rígido e mais humilhante com a internação nos asilos e workhouses(casas de
trabalho), os pobres preferiam vender a sua força de trabalho em troca de
baixos salários, longas jornadas, ausência de proteção social e falta de
condições salubres de trabalho e de vida (PEREIRA, 2009). Para Castel
(2010), as workhouses reuniam a reclusão com o trabalho forçado e a oração
para a regeneração dos mendigos.
Tal situação, portanto, era marcada pela efemeridade, mas não
podia ser aceita passivamente, pois, “os remédios adotados pela Lei de 1834
para mudar o caráter dos pobres, e fazê-los laboriosos e felizes, mostraram-se
falaciosos” (PEREIRA, 2009, p.79).
Foi no terceiro quartel do século XIX, que houve a grande expansão
do poder do capital e trouxe o refluxo do movimento operário em termos de
manifestações coletivas. Os trabalhadores lutavam contra as condições
desumanas de vida e de trabalho às quais estavam submetidos no capitalismo,
com jornadas de 22 horas de trabalho diárias, em que adultos e crianças eram
36
explorados desmedidamente, em minas de carvão de pedra embaixo da terra,
sem ventilação, em ambientes perigosos e insalubres, sem dispositivos de
segurança, mínimos que fossem, para impedir os altos índices de mutilações e
mortes ocorridas durante o trabalho (MARX, 2008).
Como já foi explicitado, a pobreza e a desigualdade entre as várias
camadas sociais existiram em tempos anteriores ao da industrialização, porém
eram resultantes da escassez de recursos. No sistema capitalista, contudo, o
pauperismo tornou-se resultante da acumulação de riquezas; o mesmo sistema
gerador de riqueza era também o gerador de pobreza – o pauperismo das
massas – que passou a ser denominado pelos reformadores da questão social
(PEREIRA,2009).
Evidencia-se que o aparecimento das questões acima mencionadas,
vinculadas às novas condições de trabalho advindas do processo de
industrialização, e a pressão dos trabalhadores por melhores condições de vida
e de trabalho fez o Estado perceber que “o fortalecimento da economia tinha
estreita relação com o bem-estar dos trabalhadores e da população em geral”
(PEREIRA, 2009, p.86), provocando a progressiva intervenção do Estado na
formação das políticas sociais, como será explicitado a seguir.
1.3 A origem das políticas sociais para o enfrentamento das expressões
da questão social.
Segundo Pereira (2009), em meio a Revolução Industrial, um
processo irresistível no progresso e na desigualdade de acumulação de riqueza
pelas classes em ascensão, a burguesia mergulhava na fartura, enquanto o
proletariado conhecia a alienação do trabalho e o pauperismo. Nesse mesmo
período, a burguesia se firma como classe dominante e o proletariado tomou
consciência de sua própria classe, surgindo a questão social, perante a qual o
Estado teve que fazer mediação legal e política. Resgatando Robert Castel
(2010), foi em 1830 que o “social” passou a ocupar um lugar mais preciso entre
a organização política e os sistemas econômicos, com a finalidade de regular
as forças livres do mercado e as novas tensões sociais. Isso não quer dizer
que, para Castel, o “social” não tivesse existido nas sociedades pré-industriais,
37
mas foi no século XIX “em que pareceu ser quase total o divórcio entre uma
ordem jurídico-política, fundada no reconhecimento dos direitos do cidadão,
uma ordem econômica que acarreta uma miséria e uma desmoralização de
massa” (2010, p.30) que este social se fez notório.
O desenvolvimento das políticas sociais como sinônimo de proteção
aos pobres é um fenômeno antigo, que existiu desde as sociedades précapitalistas, precedendo o surgimento de dois movimentos contrários que são o
fundamento da questão social surgida no século XIX: o da economia de
mercado que, ao transformar tudo em mercadoria, realizou uma profunda
mudança na estrutura da sociedade, submetendo-a ao domínio das leis do
mercado auto-regulável e o da reação da classe trabalhadora frente aos efeitos
perversos dessa economia de mercado (PEREIRA,2009).
É no cerne desse duplo movimento, tenso e contraditório entre os
interesses do capital e do trabalho, que advém a política social moderna,
posteriormente denominada WelfareState16.
Observamos que a intervenção do Estado é inerente à própria
construção da sociedade fundada no trabalho assalariado e explorado, e que
foi a ação organizada da classe trabalhadora, no período do capitalismo
concorrencial para a fase monopolista, que impôs progressivamente a
publicização do privado, gerando a intervenção do Estado nos contratos de
compra e venda de trabalho, nas condições de trabalho, na saúde e na
segurança dos trabalhadores.
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento
– em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões
multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se
encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho
(BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.51)
16
Ao falar sobre o WelfareState, estamos tratando dos sistemas de bem-estar dos Estados capitalistas
desenvolvidos, que receberam esse nome na Inglaterra; de Estado-providência, na França; e de Estado
Social, na Alemanha. Presente em muitos outros países, todos com características e peculiaridades
próprias. A distinção entre eles, embora seja relevante em determinados contextos, aqui não será
discutida.
38
Isso demonstra que os trabalhadores conseguiram transformar
condições de vida e de trabalho em uma questão social, ao darem visibilidade
política e pública às suas necessidades coletivas.
Foi na segunda metade do século XIX, por volta de 1880, ainda no
contexto de uma sociedade liberal, que foi possível observar uma série de
medidas de proteção ao trabalho que marcaram o início da ação estatal na
regulamentação do mercado de trabalho:
 a Legislação Fabril, na Inglaterra, era considerada por Marx(2008)
como a primeira reação consciente e planejada da sociedade contra
a forma espontaneamente desenvolvida de seu processo de
produção capitalista. Essa legislação marcou o início de época em
que a sociedade começa a reagir à exploração excessiva dos
trabalhadores, com mobilização contra as condições desumanas de
vida e de trabalho a que estavam submetidos no capitalismo;
 introdução do seguro social na Alemanha, conhecida como
política social de Bismarck, concretizado em 1883 (seguro saúde) e
em 1889 (seguro de velhice e invalidez), levou a cabo uma sucessão
de intervenções, visando pôr em ação um sistema de previdência
social compulsória, fundamentado nos princípios de seguro,
cotização e solidariedade profissional. Trata-se do reconhecimento
de que a incapacidade das pessoas para ganhar a vida não era
considerada fruto da vagabundagem e sim consequência das
contingências sociais, como desemprego, enfermidade e idade
avançada, sendo o Estado considerado como instância legítima para
organizar e gerir a provisão coletiva contra a perda de renda
causada por essas contingências. É um sistema de proteção social
baseado na inserção no trabalho e na cotização que dá direito ao
benefício (PEREIRA, 2009).
 extensão da cidadania e desfocalização do WelfareState da
pobreza, que significou a mudança da relação do Estado com o
cidadão. O interesse do Estado foi além da tradicional ajuda à
39
destituição e da manutenção da ordem; os seguros sociais passam a
ser vistos como parte do conjunto de direitos e deveres; e receber
proteção pública deixou de ser obstáculo para a participação política,
configurando um benefício para plena cidadania (PEREIRA, 2009).
 crescimento do gasto social: comprometimento de um gasto social
de pelo menos 3% do PNB (Produto Nacional Bruto) como um
indicador nacional da origem do WelfareState (PEREIRA, 2009).
De acordo com Castel (2010), o estabelecimento do WelfareState
está diretamente associado ao reconhecimento político da ineficácia de outras
formas de regulação da questão social. Esse processo ocorreu principalmente
nos países em que o crescimento da produção de riquezas não veio
acompanhado pelo processo de redução da pobreza operária. Assim,
frustradas as alternativas para a resolução da questão social – como as que
defendiam soluções via mercado, via ações de solidariedade ou mesmo via
moralização do povo –, as medidas de proteção via Estado tornaram-se a
alternativa mais viável.
A partir de então, a assistência, ainda que incipiente e marginal,
passou a ser assumida como função do Estado, conferindo-lhe o estatuto de
Política Social que iria se transformar posteriormente em um importante
componente do chamado WelfareState.
Fraser (apud PEREIRA, 2009) define o WelfareState como um
sistema de organização social com três direções principais as livres forças do
mercado: a) garantindo direitos e segurança social a grupos específicos da
sociedade como crianças, idosos e trabalhadores; b) distribuindo, de forma
universal, serviços sociais como saúde e educação e c) transferindo recursos
monetários para garantir a renda dos mais pobres em certas contingências,
como maternidade, ou em situações de interrupção de ganhos devido a fatores
como doença e desemprego.
Todavia, a ingerência do Estado nessas direções só ocorreu a partir
de determinada conjuntura política e econômica, compreendida por vários
acontecimentos que demandaram uma intervenção organizada dos poderes
40
públicos, a saber: a Segunda Guerra Mundial; o progresso econômico do pósguerra e o fortalecimento da classe trabalhadora (BEHRING & BOSCHETTI,
2009).
Em vista disso, alguns autores destacam o caráter contraditório do
WelfareState, pois ele serve tanto para atender às necessidades básicas da
classe trabalhadora quanto para defender e manter a integridade capitalista
(PEREIRA, 2009). Além dessa característica, o WelfareState não é constituído
de um único modelo. Embora muitos autores estabeleçam tipologias e
classificações na análise de políticas sociais, contudo, cabe uma breve menção
à análise de Esping-Andersen (apud BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.99).
Ele emprega três modalidades análogas de WelfareState: o liberal; o
conservador e o social-democrata:
1. no modelo liberal, predomina a assistência aos comprovadamente
pobres, o status mercantil do trabalho assalariado é maximizado, e o
Estado apenas intervém quando o mercado impõe penas a
determinados segmentos sociais onde as vias naturais – o esforço
individual, a família, o mercado, as redes comunitárias – de
satisfação das necessidades revelam-se insuficientes (BEHRING &
BOSCHETTI,2009);
2. o modelo conservador é claramente corporativista e nele prevalece a
subordinação dos direitos à classe e ao status. É identificado com a
política bismarckiana, na qual o Estado intervencionista fomenta a
subordinação individual e a lealdade a suas ações e interfere apenas
quando a
capacidade
da
família
se exaure
(BEHRING
&
BOSCHETTI, 2009);
3. no modelo social-democrata, o Estado é o principal promotor da
igualdade; são preponderantes os princípios de universalismo e
desmercadorização dos direitos sociais, além das correções
redistributivas das injustiças induzidas pelo mercado; esse modelo
está comprometido com a institucionalização do pleno emprego
sustentado (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
41
É importante destacar que os sistemas de proteção social
predominantes nos países desenvolvidos entre 1940 e 1970 se desenvolveram
dentro de um modelo econômico cujas principais características eram: a)
elevadas taxas de crescimento; b) demanda de trabalho que acompanhava
esse dinamismo econômico; c) salários que cresciam paralelamente às
elevações da produtividade e d) economias relativamente fechadas, que
permitiam os estados nacionais possuírem certa autonomia na regulação das
políticas econômicas e sociais (BEHRING, 1998).
A ação social estatal teve origem no último quartel do século XIX.
Seu apogeu, no entanto, só ocorreu entre 1945 e 1975, tidos como os 30 anos
gloriosos. Isso porque, nesse período, as relações sociais passam a ser
reguladas pelo Estado, que se constitui em principal fonte de provisão e de
financiamento do bem-estar social, em substituição à lógica de regulação pelo
mercado prevalecente até então.
Embora nem o padrão nem o desenvolvimento do WelfareState
tenham sido idênticos em todos os países industrializados, Pereira (2009)
identifica que este foi orientado por três doutrinas que, pactuadas, formaram o
“Paradigma Dominante do Estado de Bem-Estar”.
Segundo a referida autora, esse paradigma está ancorado: 1. No
receituário keynesiano de regulação econômica e social, em que o Estado tinha
legitimidade para intervir por meio de um conjunto de medidas econômicas e
sociais, com o objetivo de gerar demanda efetiva; 2. nas postulações
beveridgeanas, recomendações sobre o sistema de seguridade social,
baseados no direito de feição universal e 3. na Teoria de Cidadania de T.H.
Marshall, composta por três tipos de direitos: civis, que tratam das liberdades
individuais; políticos, de votar e ser votado e sociais, caracterizados pelo
acesso a um mínimo de bem-estar e de segurança, privilegiando o
WelfareState como a instituição responsável pelos serviços sociais.
Vale ressaltar que foi a partir do período depressivo – a crise de
1929-1932, com seus deletérios efeitos inflacionários e depressivos, revertendo
num aumento aterrador do desemprego – que os donos do capital começam a
42
reconhecer os limites do mercado. O modo fluente que a contestação burguesa
do laissez-faire17 adquiriu está estabelecido na chamada revolução keynesiana,
que sistematizou uma ruptura substantiva com a ortodoxia liberal – defensora
da auto-regulação do mercado e, portanto, da ideia de que havia uma “mãoinvisível” assegurando o equilíbrio entre oferta e procura –, justificando a
intervenção estatal por meio de um conjunto de medidas econômicas e sociais,
para conter a queda de demanda efetiva –, ou seja, disponibilizar meios de
pagamento e dar garantias ao investimento, inclusive contraindo déficit público
para controlar as flutuações da economia (BEHRING, 1998). A doutrina
keynesiana fomentou a criação de medidas macroeconômicas, entre elas: a
regulação do mercado; a formação e o controle dos preços; a emissão de
moedas; a distribuição de renda; o investimento público; o combate à pobreza.
Essas providências objetivavam não exatamente a socialização da produção,
rumo à instituição de uma sociedade socialmente igualitária, mas a
socialização do consumo (PEREIRA, 2009).
A configuração do WelfareState como instituição e estrutura da
sociedade capitalista só foi possível em virtude da existência de uma sociedade
salarial, em que o trabalho e o salário formaram as variáveis essenciais de
coesão social (CASTEL, 2010). Como a maioria da população era e ainda
continua sendo assalariada, bem como em função da reprodução do mercado,
o Estado pôde recolher os fundos para garantir o bem-estar dos que estavam
incluídos na ordem do trabalho, além de minimizar os riscos da parcela
excluída dessa mesma ordem. Desse modo, entre 1945 e 1975, houve uma
expansão horizontal da oferta de proteção social guiada pelos governos
centrais, que auxiliavam um número cada vez maior de categorias assalariadas
ou não, denotando uma tendência à universalização dos serviços sociais, os
quais adquiriram o status de direito social.
Na prática, contudo, a regulação social sob a égide do direito
ocorreu num campo em que sempre estiveram presentes conflitos de
interesses e lutas de classes, nos quais predominaram, nos anos seguintes, os
17
Princípio do mercado livre (PEREIRA, 2009).
43
direitos civis/individuais sobre os direitos coletivos/sociais no seio do
WelfareState.
Entretanto, atualmente, a presença do Estado não se dá da mesma
maneira. A institucionalização considerada garantidora da continuidade do
sistema hoje entra com um outro tom na discussão da crise do Estado de BemEstar Social e da questão social que tem no desemprego, na pobreza e na
exclusão social, os resultados que denunciam a face mais perversa do sistema
capitalista.
1.4 Direitos Sociais no Brasil
Tratar da emergência e do desenvolvimento dos direitos sociais no
Brasil requer a inserção nas raízes de sua formação social. Os traços que
compõem uma sociedade dependente, com economia baseada no trabalho
escravo e com relações sociais delimitadas pelo campo privado, darão à
trajetória dos direitos, marcas que serão constantes nessa sociedade (COUTO,
2010).
Assim, ainda que a história brasileira apresente acontecimentos que
indiquem uma trajetória com muitos percalços para a realização de
mecanismos garantidores de direitos – civil, político e social –, é necessário
analisá-la para entender por que a desigualdade social é persistente na
formação dessa sociedade.
Ao analisar a construção dos direitos no Brasil como uma trajetória
inversa de caminho, ou seja, compreendendo que os direitos sociais são os
primeiros a serem efetivados, para depois se consolidarem os direitos civis e
políticos, as características dessa inversão aparecem no Brasil a partir de
1930. Desse modo, para entender esse caminho é necessário observar a
realidade brasileira a partir dessa data, as constituições que regeram a vida
social, política e econômica e os governos que consolidaram mecanismos que
ou foram consagradores desses direitos, ou apenas os declararam, ou ainda
referendaram fórmulas de os anularem (COUTO, 2010).
44
Couto (2010) realiza um balanço histórico do processo de garantia
de direitos no Brasil, especificamente do Período Colonial à Independência
brasileira, verifica que o conjunto de direitos civis, sociais e políticos, que
poderia fomentar um Estado de cidadãos, praticamente não existia. Segundo a
autora, a própria Independência (1822), palco de um avanço no que tange aos
direitos políticos, ao ser realizada com a manutenção da escravidão, trouxe em
si limitações aos direitos civis, não sendo, portanto, capaz de introduzir
mudanças radicais no conjunto dos direitos.
A ordem escravista, o latifúndio monocultor, o estatuto de colônia,
enfim, desguarneciam de tutela jurídica os brasileiros. A assistência social era
desenvolvida, em grande parte, “pelos religiosos, sem interferência do Estado,
criando-se, a partir dessa época, as condições para a caracterização dessa
área como campo da filantropia ou da iniciativa de cunho privado” (COUTO,
2010, p.88).
Ainda de acordo com a análise realizada por Couto, a proclamação
da República, em 1889, trouxe pouca mudança. Desde a Independência, até
1930, a única alteração importante no avanço da cidadania foi exatamente a
abolição da escravidão, em 1888. Para a autora, o que impediu a conquista dos
direitos sociais no período pós-libertação dos escravos foi a limitação dos
direitos civis, que perduraria até 1930. Ainda que o direito civil à liberdade e a
não-escravidão estivesse garantido desde 1888, os escassos direitos civis e
políticos, presumidamente garantidos, eram precários, o que teria protelado,
efetivamente, a conquista de direitos sociais.
A República também evitou regulamentar os direitos trabalhistas. Na
primeira década da República houve um surto industrial nas regiões Sul e
Sudeste do País, que trouxe à cena da política nacional, pela primeira vez, a
figura do trabalhador.
Nas primeiras lutas pelos direitos sociais, o poder público acabou
por se colocar ao lado dos detentores do capital e garantiu proteção policial às
fábricas,
perseguiu
e
prendeu
lideranças,
fechou
gráficas
e
jornais
considerados subversivos, extraditando estrangeiros que fossem suspeitos de
45
colocar
em perigo
a
tranquilidade
pública
e
a
segurança
nacional
etc.(BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Com efeito, de maneira geral, pode-se admitir que os direitos sociais
brasileiros tiveram origem na fase final da Primeira República (1890 e 1930),
quando a questão social começa a adquirir evidência frente à emergência do
processo de industrialização em substituição à crise da oligarquia agrária.
Ademais, estava presente toda uma expectativa de que essa conjuntura,
marcada pelo amadurecimento do processo republicano, com seus princípios
liberais de liberdade e igualdade, garantisse a condição de cidadania à
população brasileira.
O fato de a questão social, típica desse período, ter sido
predominantemente considerada pela classe dominante como “caso de
polícia”, não coibiu que o movimento operário investisse nas suas organizações
políticas, exigindo melhores condições de vida e de trabalho.
Nesse período, foi aprovada a lei Eloy Chaves, que institui a
obrigatoriedade de criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs),
estabelecendo as bases para a formação da Previdência Social no Brasil
(BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Segundo
Behring&Boschetti
(2009),
no
que
concerne
à
concretização de uma relação de direito social, não havia condições objetivas
para tal, visto que não existia ainda, naquela conjuntura, a constituição plena
do
Estado
intervencionista.
Nessa
época,
o
Estado
funcionava,
fundamentalmente, a partir de uma perspectiva liberal. Desse modo, os direitos
sociais só vão adquirir densidade nos anos de 1930, gerando, como resultado
de sua efetiva existência, as condições objetivas para o estabelecimento de
uma reação de cidadania entre povo e nação.
De 1930 a 1937 o Brasil foi governado por Getúlio Vargas, que
assumiu o poder após o movimento denominado Revolução de 1930. Nesse
período, o governo brasileiro implementou encargos em seu processo de
rompimento com o regime oligáquico-agrário, como a construção de estradas e
de indústrias, e promoveu o desenvolvimento de instituições de política social
46
com o intuito de ministrar a questão do trabalho representada pela
desqualificação profissional, pela pobreza e pelo desemprego. Em sua gestão
trabalhista desenvolvida no período de 1930 a 1945, e na esfera do seu
nacionalismo vivenciado de 1951 a 1954, a política social de Vargas vai ser
marcada pelo controle, pela fragmentação e pela seletividade frente às
demandas dos trabalhadores urbanos, institucionalizando os seguros sociais
para as categorias de trabalhadores mais organizadas politicamente e
promovendo mais estratégias ao desenvolvimento do capitalismo monopolista
(COUTO, 2010).
Nesse cenário, as políticas sociais eram concebidas como privilégio
e não como direito. Pois,
passaram a ser critérios de inclusão ou exclusão nos benefícios
sociais a posição ocupacional e o rendimento auferido. Estes critérios
colocaram somente os trabalhadores urbanos em posição de
privilégio, pois sua vinculação ao mercado formal de trabalho era a
garantia de inserção nas políticas sociais da época (COUTO, 2010,
p.96).
Nessa linha de raciocínio, os direitos do cidadão eram restritos ao
lugar – reconhecido por lei – que este ocupa no processo produtivo, onde a
carteira profissional era posta como comprovante essencial do contrato entre o
Estado e a cidadania. É compreensível, portanto, que a cidadania, em tal
hipótese, não passasse de instrumento político-jurídico de que se valia o
Estado para implementar e manter o controle social e, consequentemente, as
bases de sustentação do poder político (BEHRING & BOSCHETTI, 2009.).
A criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) foi
seguido, pelo caráter centralizador do Estado, onde a política social brasileira
foi cunhada pela fragmentação e centralização federal, com a completa
ausência dos usuários no seu processo decisório, destinada a compensar
carências e oferecer legitimidade a grupos no poder (COUTO, 2010).
É nesse contexto que emerge uma quantidade significativa de leis e
de
instituições sociais marcadas por
práticas assistencialistas,
todas
relacionadas, direta ou indiretamente, com a questão do trabalho urbano. Esse
modelo de política social e de cidadania vai subsistir para além da fase
47
trabalhista de Vargas (1930-1945), prolongando-se durante todo o período
populista pós-1946, e configurando-se no nacionalismo de Vargas (1951-1954),
no desenvolvimentismo de Kubitschek, no moralismo de Quadros e no
reformismo de Goulart (COUTO, 2010; BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Pode-se reconhecer que os direitos sociais assegurados no período
de 1930 a 1960 foram caracterizados por representar uma conformação
corporativista marcada por um direito regulado, diferentemente do padrão
universalista predominante nos países de capitalismo avançado.
A partir do golpe de 1964, os militares assumiram o poder no Brasil,
dando início o período da ditadura militar, que apresentou como proposta
“transformar o país em uma grande potência internacional, tendo como perfil as
suas ações o cunho burocrático e tecnicista” (COUTO, 2010, p.119). Refere-se,
portanto, a uma estratégia política instauradora de uma dominação
substancialmente da classe dominante, impulsionada por meio de um projeto
cuja natureza era a implantação de uma modernização conservadora,
“reiterando uma dinâmica singular de expansão dos direitos sociais em meio à
restrição dos direitos civis e políticos, modernizando o aparato varguista”
(BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.135).
Enfim, o desenho das políticas sociais desse período revela a
compreensão de como os direitos eram enfrentados, pois se as
medidas eram tomadas visando a uma política de controle para
manter a população sob a guarda dos instrumentos técnicos e
burocráticos do governo, a compreensão dos direitos era de
concessão a quem os governos entendiam ser merecedores
(COUTO, 2010, p.132)
No último governo do regime ditatorial, conduzido por João
Figueiredo e sua política de abertura, iniciada no governo anterior, presenciase o fortalecimento das liberdades democráticas, a restauração do habeas
corpus, a lei de anistia, a reorganização partidária e as eleições diretas para o
Congresso e os governos estaduais em 1982. Nesse mesmo ano, o Brasil
vivenciou um forte movimento de massas, que concentrou uma multidão nas
principais cidades, em defesa de eleições para presidente, denominadas
“Diretas Já!”. Tais fatos culminaram com a reconstitucionalização do País,
introduzindo-se, em 1985, a Nova República, sob o governo de José Sarney,
48
também conhecida como “Transição Democrática” (COUTO, 2010; PEREIRA,
2008).
A partir de 1985, o Brasil era marcado por uma nova fase no que
tange ao processo de reorganização política, guiado sob a égide da
democracia, mas em contrapartida também apresentou o aumento de sua
herança para com a face da desigualdade social. A pobreza expandiu-se, efeito
dos períodos anteriores, sobretudo dos governos militares, que, com suas
orientações econômicas de desenvolvimento, produziram um país com uma
funesta distribuição de renda e elevaram o número de demandatários das
políticas sociais (COUTO, 2010).
Analisando a noção de cidadania que emerge no Brasil nessa
década, relacionada às experiências dos movimentos sociais, Dagnino (1994)
distingue-a da visão liberal, destacando pontos que marcam o seu caráter
inovador e estratégico, apresenta a noção de direitos que ela considera, que
tem como premissa a concepção de “um direito a ter direitos” (p. 107), ou seja,
amplia a noção das conquistas legais, implicando também na “invenção criativa
de novos direitos” (p.108). É também uma noção de cidadania, que surge „de
baixo para cima‟, como estratégia do não-cidadão, possibilita a difusão de uma
“cultura de direitos”, em que a cidadania se constitui como “uma proposta de
sociabilidade”. Este tipo de cidadania estabelece a relação entre o Estado e a
sociedade civil, sendo “o direito a participar efetivamente da própria definição
do sistema político” (p.112), por meio de fóruns e conselhos de gestão
participativa. Um último elemento, destacado por esta autora, é que
esta nova noção de cidadania pode constituir um quadro de
referência complexo e aberto para dar conta da diversidade de
questões emergentes nas sociedades latino-americanas à medida
que, incorpora tanto a noção de igualdade, como a de diferença
(DAGNINO, 1994, p.112).
O resultado do processo de democratização foi materializado com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, também denominada
“Constituição Cidadã”. Nesta Constituição a reformulação do sistema de
proteção social introduziu, segundo Pereira (2008), valores e critérios que
representam uma inovação semântica, conceitual e política, tais como “direitos
sociais”,
seguridade
social,
“equidade”,
“controle
democrático”,
49
“universalização” etc., que passaram a compor, efetivamente, categorias
norteadoras do estabelecimento de um novo padrão de política social a ser
adotado no país.
Na Carta Magna, os direitos sociais foram dispostos no Título II,
Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”:
Art. 6. São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
18
desta Constituição .
Essas novas diretrizes contidas na Constituição, segundo inspiração
de Pereira (2008), previam na área social:
Maior responsabilidade do Estado na regulação, financiamento e
provisão de políticas sociais; universalização do acesso a benefícios
e serviços; ampliação do caráter do distributivo da seguridade social,
como um contraponto ao seguro social, de caráter contributivo;
controle democrático exercido pela sociedade sobre os atos e
decisões estatais; redefinição dos patamares mínimos dos valores
dos benefícios sociais; e adoração de uma concepção de “mínimos
sociais” como direito de todos (PEREIRA, 2008, p.153).
Com essas novas diretrizes, houve um debate que se voltava para a
colocação da questão social em um plano nivelado ao plano mais geral do
desenvolvimento, especialmente pelos princípios gerais de direitos sociais, da
cidadania e da universalização. Ocorre que houve uma outra conformação
política trazida pela Nova República, caracterizada como reação conservadora,
que mina a regulamentação da legislação complementar necessária à
implantação
das
reformas
trazidas
pela
constituição,
desfigurando
e
descumprindo o texto constitucional, em que os programas tipicamente
assistencialistas e emergenciais ganharam maior expressão nesse período
(COUTO, 2010; PEREIRA, 2008).
Nesse período, mantém-se o caráter compensatório, seletivo,
fragmentado e setorizado da política social brasileira, subsumida à
crise econômica, apesar do agravamento das expressões da questão
social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 144)
18
Alterada pela E. C. 26, de 14/2/2000 (Texto original) “Art 6º São direitos sociais, a educação, a saúde,
o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
50
As inovações trazidas pela constituição, de acordo com a análise de
Pereira (2008), foram motivo de preocupação para os adeptos brasileiros da
ortodoxia liberal, já em franca ascensão nos países capitalistas centrais; ou
seja, a aprovação da Constituição coincidiu com o período da “ofensiva
neoliberal”, que impôs uma série de limites e desafios à efetivação de um
padrão de cidadania “social-democrata”. Segundo essa autora:
A Constituição Federal de 1988 foi rotulada pelas correntes
conservadoras nacionais ora de inviável, por “remar contra a
corrente” neoliberal, ora de inconseqüente, por conter, nas palavras
“de efeito” de Roberto Campos (1991), “propostas suecas com
recursos moçambicanos” (PEREIRA, 2008, p.153)
O que se presenciou nesse período, foi que o conjunto de direitos
arduamente conquistados, ao ser submetido aos princípios neo-liberais,
apresentou um descompasso entre direito e realidade, ou seja, é o resultado de
uma luta permanente, é produto da correlação de forças entre as classes e
frações de classes, como estratégia e referência essenciais para a construção
de uma outra sociabilidade, não capitalista, em busca de uma proteção.
1.4.1 Proteção Social no Brasil
A ideia da instituição de um sistema de proteção social público
nasceu no século XIX com a industrialização e a constatação de que
a vulnerabilidade e a insegurança social vinham se ampliando à
medida que se expandiam as relações de trabalho assalariadas
(JACCOUD, 2010, p.58).
Segundo Jaccoud (2010), a industrialização e a modernização
ampliaram os riscos de as famílias caírem em estado de miséria em
decorrência da impossibilidade de conseguir um salário.
O Estado, face a questão social e os riscos sociais, teve a tarefa de
atuar na oferta da proteção social, que pode ser definida como “um conjunto de
iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e
benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações
sociais” (JACCOUD, 2010, p.58).
Porém, é preciso chamar a atenção para o caráter histórico e político
dos sistemas de proteção social. Como afirma Silva, Yasbek & Giovanni,
51
os modernos sistemas de proteção social não são apenas respostas
automáticas e mecânicas às necessidades e carências apresentadas
e vivenciadas pelas diferentes sociedades. Muito mais do que isso,
eles representam formas históricas de consenso político, de
sucessivas e intermináveis pactuações que, considerando as
diferenças existentes no interior das sociedades, buscam,
incessantemente, responder pelo menos a três questões: quem será
protegido? Como será protegido? Quanto de proteção? (SILVA;
YASBEK; GIOVANNI, 2011, p.18-19).
No Brasil, a discussão sobre essa temática tem indicado, em
conformidade com a experiência internacional, que o Estado social brasileiro
teve sua origem no surgimento das classes trabalhadoras urbanas e no intuito
de responder aos conflitos entre as classes sociais que marcaram a relação
entre o capital e o trabalho num panorama de crescente industrialização, como
já foi discutido em item anterior.
Além do tratamento repressivo exercido no interior dos aparelhos do
Estado, a questão social expressa nas más condições de habitação, de saúde,
de trabalho, de higiene e de educação vivenciadas pelos trabalhadores foram
objetos da atuação da Igreja Católica que, baseada nos princípios cristãos de
humildade, solidariedade e amor ao próximo, teve nesses problemas amplo
campo para o exercício da caridade e da filantropia. A filantropia também foi
exercida pela classe dominante e estava associada ao prestígio social; seu
posicionamento alternava entre a hostilidade e o apoio explícito à repressão
policial e ações caridosas e assistencialistas (IAMAMOTO, 2008).
Entre 1930 e 1943, foi delineado o sistema de proteção social no
Brasil, em uma conjuntura de grandes transformações sociais, políticas e
econômicas marcadas pela transição do modelo de desenvolvimento agroexportador para o modelo urbano-industrial, quando também ocorreu o
processo de construção do Estado Nacional intervencionista e centralizador.
Esse, a partir de então, passou a assumir a provisão direta na esfera da
educação, saúde, saneamento, habitação, entre outros (NEPP, apud SILVA,
2011). Datam dessa época a criação dos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs), em substituição às CAPs; do Ministério do Trabalho; da
52
Carteira do Trabalho19, da Legião Brasileira de Assistência (LBA); do Ministério
da Educação e Saúde e do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp).
Segundo Silva (2011), é nesse período, de forma lenta, gradual,
parcial e limitada, que elementos próprios do modelo beveridgiano 20 começam
a ser incorporados pelos IAPs e pelo Ministério do Trabalho, em seus discursos
e textos.
Behring (2009) sinaliza que a implementação da previdência social
no Brasil foi o resultado do processo de assalariamento provocado pela
industrialização e pela política que consentiu ao governo ter um capital fixo
para impulsionar a indústria. Ressalte-se que o assalariamento, no sentido
dado por Castel (2010), a partir dos anos de 1930, foi estabelecido somente
para uma parte e não para a totalidade dos trabalhadores ativos. Dessa forma,
a previdência baseada na lógica do seguro social, o processo de
assalariamento e a industrialização desempenharam um papel fundamental no
surgimento da proteção social brasileira. Mas, de acordo com a análise de
Behring (2009), foram incapazes de consolidar uma “condição salarial” que
resultasse em uma “sociedade salarial” com seus pressupostos: “acumulação
de bens e riquezas, criação de novas posições e de oportunidades inéditas,
ampliação dos direitos e das garantias, multiplicação das seguridades e das
proteções” (CASTEL, 2010, p.417).
No período entre 1945 e 1964, o Brasil viveu a fase de democracia
populista. Isso representou uma mudança formal no sistema representativo,
contudo, no que se refere à construção do Sistema de Proteção Social
Brasileiro, não foram observadas mudanças significativas. Embora o Brasil
tenha adotado um regime democrático após 1945, muitas das estruturas
corporativas instituídas nos anos precedentes permaneceram intactas,
19
A carteira de trabalho representava não só ter um emprego quase estável, mas garantia o acesso aos
direitos previdenciários e trabalhistas (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
20
O modelo beveridgiano, caracterizando-se pela cobertura universal, como a concessão de prestações
básicas sem a exigência de contribuição individual, dando-se o seu financiamento mediante tributos
gerais. Nesse modelo, a aferição do direito de proteção social se dá pelas mesmas características
definidoras da cidadania, ou seja, o simples fato de uma pessoa ter nascido ou possuir a cidadania
daquele país já lhe dá o direito da proteção social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
53
especialmente no campo das relações de trabalho, como o caso do sistema de
previdência social (PEREIRA, 2008; COUTO, 2010).
Até o golpe de 1964, pouca coisa havia mudado, apesar da
democratização vivida pelo País desde 1946. O fato significativo foi a
instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960, que
consistiu na unificação dos benefícios e serviços. A LOPS garantia o mesmo
regime de benefícios e serviços a todos os trabalhadores regulados pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), independentemente da sua
categoria
profissional.
Contudo,
os
trabalhadores
rurais,
as(os)
empregadas(os) domésticas(os) e os profissionais autônomos continuaram a
não ter acesso à previdência social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009;
PEREIRA, 2008; COUTO, 2010).
Em 1964 com o inicio dos governos militares inaugura-se a fase de
consolidação do sistema de proteção social, acompanhados por profundas
mudanças na estrutura institucional e financeira das políticas. No período entre
meados da década 1960 e 1970, foram implementadas políticas de cobertura
relativamente ampla, marcada pela consolidação do sistema de proteção
social, por meio de organização de sistemas nacionais públicos ou
estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos, apresentando
tendências universalizantes e políticas de massa e cobertura relativamente
ampla distinguindo-se e ultrapassando a forma fragmentada e seletiva do
período anterior (PEREIRA, 2008).
Nesse período foram efetuadas, no âmbito da política social
previdenciária,
ações de integralidade
tecno-política
de áreas a
ela
relacionadas: em 1966, criou-se o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), em que foram unificados os institutos de previdência, dentro da política
centralizadora do governo federal; outra inovação foi o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), Programa de Integração Social (PIS) e Programa
do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Durante a década de 1970, a
cobertura previdenciária foi estendida, ainda às categorias que até então não
estavam incluídas nos planos anteriores, como: as empregadas domésticas
(1972), trabalhadores autônomos (1973) e os trabalhadores rurais (1976). Em
54
1977 foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
(Sinpas), que reuniu o INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica e
Previdência Social (Inamps), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(Funabem), a LBA e a Central de Medicamentos (Ceme), tendo como objetivo
incorporar, em uma única estrutura, as instituições que anteriormente tinham
uma relação direta na oferta dos benefícios à população (COUTO, 2010).
Na década de 1980, o sistema de proteção social, entendido por
englobar as áreas de previdência social, assistência social e saúde, foi
caracterizado como centralizador, fragmentado, sem a participação do controle
social e com poucos investimentos e os acessos às principais políticas de
proteção social ainda se realizava mediante a participação do trabalhador no
seguro social previdenciário (JACCOUD, 2010).
Nosso sistema de proteção social também foi analisado por Sposati
(1999), sob o conceito de “Estado de Bem Estar Ocupacional”, em que “as
relações de
direitos universais constitucionalmente
assegurados”,
são
substituídas pelas de direito contratual: “é o contrato de trabalho que define,
imediatamente, as condições de reprodução do trabalhador no mundo da
previdência ou no da assistência”, cabendo a última, “como mecanismo
econômico e político, cuidar daqueles que aparentemente „não existem para o
capital‟” (SPOSATI, 1999, p.15).
A década de 1980 apresentou um país com grandes dificuldades
produzidas pela concentração de renda e por uma política econômica restritiva
no que concerne à participação da população na riqueza nacional, que já não
indicava o crescimento do bolo como estratégia de riqueza apresentada pelos
governos ditatoriais, muito menos propunha a sua distribuição, denotando ser
uma sociedade extremamente desigual (COUTO, 2010).
É importante destacar que tal configuração foi o produto de um
condicionamento de origem histórica, provocado pelo abandono da população
por
parte
do
Estado
no
provimento
de
suas
necessidades,
pela
descaracterização do povo como agente de sua própria história e pelo
55
interesse da classe dominante em manter essa forma de exercer a sua
hegemonia.
O Estado brasileiro tendeu a adquirir, nas suas relações com os
grupos de interesses e com o sistema político, uma conotação corporativista,
típica dos sistemas de base meritocrático-particularista21; porém foi o caráter
clientelista o que mais marcou a sua dinâmica. Trata-se de um modelo que se
diferencia dos modelos de política residual (caracterizado exclusivamente por
políticas seletivas) e institucional-redistributivo (caracterizado por políticas
universais e igualitárias) (DRAIBE, apud JACCOUD, 2010).
Com o avanço da democratização da sociedade brasileira, ampliouse o processo de universalizar os direitos sociais, porém, foi fortemente
combatido e interrompido na década de 1990, quando o Estado passou a
adotar o chamado projeto de desenvolvimento neoliberal. O sistema de
proteção social brasileiro foi marcado por superposições de objetivos,
competências, clientela-alvo, agências e mecanismos operadores; instabilidade
e descontinuidade dos programas sociais; insuficiência e ineficiência, com
desperdício de recursos; distanciamento entre formuladores e beneficiários;
ausência de mecanismos de controle e acompanhamento de programas, além
dos avanços da privatização das políticas sociais, principalmente nas áreas de
educação, saúde e habitação (SILVA, YAZBEK, GIOVANNI, 2011).
Em última análise, nos anos 1990, verificou-se um verdadeiro
desmonte do sistema de proteção social brasileiro que parecia crescer, em
direção a universalização dos direitos, que veio evidenciar um retrocesso na
oferta dos serviços, cedendo lugar ao que passa a ser considerado como um
movimento de focalização.
Iniciado o século XXI, temos o país com indicadores econômicos e
sociais cada vez mais distantes do ideal. Segundo Silva, Yasbek e Giovanni,
21
Parte da premissa que cada indivíduo deve estar em condições de satisfazer as suas necessidades,
mas reconhece que existem distorções que podem, inclusive, ser geradas pelo próprio mercado ou por
desigualdades de oportunidades. A solução das necessidades dos indivíduos dependerão tão somente
dos seus méritos e seu trabalho (DRAIBE, apud JACCOUD, 2010).
56
nosso Sistema de Proteção Social tem se mostrado incapaz de enfrentar o
empobrecimento crescente e a desproteção social de amplo contingente da
população brasileira, sem lugar no mercado de trabalho ou sujeita a ocupar
postos de trabalhos precários, instáveis, sem proteção social e com
remuneração cada vez mais baixa (SILVA, YASBEK & GIOVANNI, 2011,
p.32).
Para compreender a consolidação do sistema de proteção social
assentado na seguridade social e na garantia de atendimento das demandas
da população na ótica dos direitos, faz-se necessário visualizar o processo que
se deu a seguridade social.
1.4.2 Seguridade Social brasileira
No sistema capitalista, a gênese e a expansão da seguridade social
no Brasil e no mundo estão intrinsecamente ligadas ao processo de
acumulação capitalista e a seu modo de organizar o trabalho, à capacidade de
reivindicação e resistência da classe trabalhadora e à natureza do Estado.
O termo Seguridade Social é um “conceito estruturante das políticas
sociais cuja principal característica é de expressar o esforço de garantia
universal da proteção de benefícios e serviços de proteção social pelo Estado”
(JACCOUD et al, 2009, p.21) Nesse sentido, sua base de financiamento é
maior que a do seguro social, base que se deu a política previdenciária
brasileira desde os anos 1920, que era organizada sob inspiração do modelo
bismarckano.
No Brasil, o processo da estruturação começou a ser desenhado a
partir de mobilizações populares e do debate parlamentar, que culminou com a
promulgação da nova Constituição Federal de 1988, e com esta inicia-se um
período no qual o modelo da seguridade social passa a estruturar a
organização e o formato da proteção social brasileira, em busca da
universalização da cidadania (BOSCHETTI, 2009).
O artigo 194 da Constituição Federal de 1988, estabelece que “a
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988). Com
base nesse dispositivo, as três políticas passam a ser concebidas como um
57
sistema integrado de proteção social, onde se inter-relacionam e se
complementam:
a. a saúde passa a ser reconhecida como direito do cidadão e dever
do Estado. Seu acesso é de natureza universal e não
contributiva. A política de saúde é operacionalizada por meio de
um sistema único e descentralizado junto aos Estados e
Municípios da Federação, denominado Sistema Único de Saúde
(SUS).
b. a previdência social, de caráter contributivo, tem por fim assegurar
aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por
motivo
de
incapacidade,
idade
avançada,
desemprego
involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles
de quem dependiam economicamente;
c. a assistência social, que adquire status de política social de
caráter não contributivo, direito do cidadão que dela necessitar.
Fica, então, prevista a universalidade de cobertura, o que supõe
segundo Sposati, que os cidadãos tenham acesso a um conjunto de certezas e
seguranças que cubram e reduzam ou previnam os riscos e as vulnerabilidades
sociais. Nesses termos, a definição de seguridade social, no Brasil, é utilizada
de uma forma mais restrita do que aquele de WelfareState, que incorpora
outros programas sociais. Todavia, a adoção daquele conceito representou um
grande avanço, pois além de instituir um direito, incutiu-lhe um estatuto de
política pública, apontando para a viabilidade de mecanismos mais equitativos
de financiamento, de modelos mais ágeis e flexíveis de gestão democrática e
popular, e forneceu alguns instrumentos que dariam conta da implementação
desse novo desenho, que correspondia às exigências sociais e políticas da
época (COUTO, 2010; BOSCHETTI, 2009).
Em conformidade com o parágrafo único do artigo 194 da CF 88, é
de competência do Poder Público a organização da seguridade social, com
base nos princípios:
58
I.
universalidade da cobertura e do atendimento;
II.
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais;
III.
seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços;
IV. irredutibilidade do valor dos benefícios;
V.
equidade na forma de participação no custeio;
VI. diversidade da base de financiamento;
VII. caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos
trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do
Governo nos órgãos colegiados (CF 88, Título VIII, Capítulo II,
Seção I, art. 194, parágrafo único).
Esse modelo de seguridade social provocou mudanças na natureza
do sistema de proteção social na medida em que passou a ser implementado
pelo Estado, desvinculando-se parcialmente do formato contratual-contributivo
que caracteriza a previdência ao adotar uma concepção mais abrangente,
incluindo a saúde e a assistência (PEREIRA, 2008).
Behring e Boschetti (2009) ao fazer uma leitura de cada um dos
princípios anteriormente citados, aponta que o princípio da „universalidade da
cobertura e do atendimento‟ não significa que toda população iria a gozar dos
direitos igualmente, isto é, os seus princípios não se aplicam da mesma forma
a todas as políticas, sendo o principio orientador da saúde a universalidade da
cobertura e do atendimento – é direito de todos; como eixo diretivo da
assistência social destaca-se a seletividade e distributividade – é devida a
quem dela necessitar e como fundamento da reforma da previdência social
tem-se a uniformidade e a equivalência dos benefícios – é um direito oriundo
de uma contribuição direta anterior, permanecendo a lógica do seguro, mas
sem vinculação a um emprego.
A „uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços‟ asseveram
a unificação dos regimes urbanos e rurais, pois por meio de contribuição os
trabalhadores rurais passam a ter direito aos mesmos benefícios e serviços dos
trabalhadores urbanos (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
59
O princípio da „seletividade e distributividade na prestação dos
benefícios e serviços‟, segundo Behring e Boschetti (2009), indicam a
possibilidade
de
estabelecer
benefícios
e
serviços
norteados
pela
“discriminação positiva” e não trata apenas dos direitos assistenciais, mas
também abre essa opção de tornar seletivos os benefícios tanto das políticas
de saúde quanto da política de previdência.
Quanto à „irredutibilidade do valor dos benefícios‟, aponta que
nenhum benefício deve ser inferior ao salário mínimo e que este deve ser
reajustado de forma a não ter seu valor rebaixado pela inflação.
A „diversidade da base de financiamento‟ reafirma o sistema de
repartição simples para a seguridade social, sendo esta financiada pela folha
de salários, pela contribuição sobre o lucro líquido e o faturamento da empresa,
competindo ao Estado complementação em caso de déficit no caixa da
seguridade social, com recursos fiscais.
Por fim, Behring e Boschetti (2009), ao examinar “o caráter
democrático
e
descentralizado
da
administração,
mediante
gestão
quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (art. 194, inciso VII), afirma
que este garante que aqueles que financiam e gozam dos direitos (os
cidadãos) devem participar das tomadas de decisão, “isto não significa, por
outro lado, que os trabalhadores e empregadores devem administrar as
instituições responsáveis pela seguridade social. Tal responsabilidade continua
sob a égide do Estado” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.158).
Os princípios apresentados deveriam possibilitar a mudança na
trajetória de ações fragmentadas, desarticuladas e pulverizadas para as
políticas de saúde, previdência e assistência social, “no sentido de articulá-las
e formar um sistema de seguridade social amplo, coerente e consistente, com
predomínio da lógica social e não da lógica contratual do seguro”
(BOSCHETTI, 2009, p. 330). Porém, segundo Boschetti, a onda neoliberal que
assolou o país, não deixou isso acontecer, em função de uma série de
60
elementos conjunturais e estruturais, determinando uma política voltada para o
crescimento econômico em detrimento do avanço social.
61
2. DEFININDO CONCEITOS: ASSISTENCIALISMO E ASSISTÊNCIA
2.1 Assistencialismo x Assistência
O debate entre os conceitos de assistência e assistencialismo
perpassam no senso comum uma grande confusão e equívocos.
Historicamente, a assistência social tem sido vista como uma ação
tradicionalmente paternalista e clientelista do poder público, associada às
Primeiras Damas, com um caráter de "benesse", transformando o usuário na
condição de "assistido", "favorecido" e nunca como cidadão, usuário de um
serviço a que tem direito. É preciso diferenciar os conceitos de assistência e
assistencialismo.
A assistência “sugere atenção e apoio qualificado a alguém por parte
de quem detém as credenciais e as condições (materiais e profissionais) para
tanto” (PEREIRA, 1996, p.11) e tem como objetivo “a promoção do homem e
integração
das
diferentes
faixas
da
população
no
processo
de
desenvolvimento, por meio de ações técnicas, racionalmente planejadas”
(SPOSATI et al, 2010, p.57).
O significado do termo assistencialismo, segundo o dicionário:
1 Soc. O conceito e a prática de organizar e prestar assistência a
membros ou camadas mais carentes de uma sociedade, ao invés de
atuar para a eliminação das causas de sua carência.
2 Pej. Pol. Sistema ou prática populista, que circunstancialmente
proporciona certos benefícios aos pobres com vistas ao seu
aliciamento eleitoral.
(fonte http://www.dicionarioinformal.com.br/assistencialismo/)
Sposati (1995) afirma que assistencialismo é um contraponto do
direito, é o acesso a um bem através de uma benesse, de doação, isto é,
62
supõe sempre um doador e um receptor, que se transforma em dependente e
devedor.
Segundo Sposati (1995), a assistência é uma possibilidade de
proteção social através de subsídios, apoio, orientação e referência, que pode
se dar tanto nas relações sociais informais, quanto através de legislações
sociais que garantam direitos exigindo que o Estado financie um conjunto de
serviços e benefícios.
No campo das relações sociais a assistência deriva da solidariedade
social que é distinta da filantropia, já no campo governamental é política pública
de proteção que emana do padrão ético e civilizatório que uma sociedade
deseja garantir a todos (SPOSATI, 1995).
“A assistência é vista até como necessária por alguns, mas vazia de
„consequência transformadora‟” (SPOSATI et al, 2010, p.67), pois sua
operacionalidade vem com sentido de provisoriedade, guardando um traço
conservador, ao tratar a população de modo paternalista e burocrático,
reproduzindo a dominação e repassando os serviços como benefícios que o
Estado concede.
A assistência como papel do governo supõe a transferência ou o
acesso a um bem, produzido e/ou financiado pelo Estado, face a algumas précondições (SPOSATI, 1995). O Estado pelo princípio da subsidiariedade só
atua quando a família não puder fazer. Neste caso,
a assistência é vinculada à demonstração da pobreza, da miséria ou
da impossibilidade de comprar mercadorias ou produtos e serviços no
mercado, adquirindo o caráter compensatório e correndo o risco de se
transformar em ajudas eventuais sem garantir direitos (SPOSATI,
1995, p. 2).
Norberto Alayón (1995), ao fazer a sua análise, considera como
assistencialismo as atividades sociais que ao longo da história as classes
dominantes implementaram para reduzir a miséria que geravam e para
perpetuar o sistema de exploração do trabalhador. Nesta perspectiva, o
assistencialismo incide em uma atividade que recebeu diferentes influências
históricas na lógica do capitalismo, em que “o assistencial torna-se a única
63
face possível do capitalismo a justificar as desigualdades sociais” (SPOSATI
et al, 2010, p. 69).
De acordo com Sposati (2010), a assistência à população através de
benefícios, não deixa de ser uma forma de o Estado mascarar a dívida social
que possui com a população. “As ações das políticas sociais são, ao mesmo
tempo, reforço da exclusão e esperança enquanto possibilidade de usufruto de
bens e serviços” (SPOSATI et al, 2010, p. 72). Na perspectiva desse
movimento duplo, acaba se convertendo em possibilidade de mobilização
popular pela conquista e apropriação de bens e serviços.
Para a população há um sentido ilusório de que os bens e serviços
representam uma solução para sua necessidade, porém
o assistencialismo se torna presente no movimento inclusão-exclusão
enquanto descola o incluído dos seus pares, do seu universal, da sua
situação de classe, tratando-o como um particular. Torna-se presente,
ainda, quando se atribui como mediador da inclusão o poder
burocrático instituído, que concede ou não o serviço (SPOSATI et al,
2010, p. 75).
Superar essa visão implica não apenas em uma mera questão
técnica, mas é fundamental que se faça mudanças na leitura e na execução
das políticas sociais. “A assistência configura, portanto, uma resposta à
questão social” (SPOSATI et al, 2010, p. 77). Pois, de acordo com Sposati
(2010), universalizar os serviços não é somente inserir toda a população na
condição de sujeitada, porque a questão não é assistência para todos, mas ter
claros “os direitos que são escamoteados pela face aparente da assistência”
(SPOSATI et al, 2010, p. 76).
Sposati afirma que, o assistencialismo está presente nas políticas
governamentais, nas ações das entidades sociais, e, tem sido “cúmplice da
ação de muitos políticos que trocam o voto pelo apadrinhamento até mesmo,
de um prato de comida” (1995, p. 3).
Contudo,
a
assistência
segundo
Sposati
(1995),
não
é
necessariamente uma política para o „pobre não morrer de fome‟, ela pode e
deve ser uma área de ação que garanta direitos a todos os cidadãos, afinal, “a
64
gente não quer só comida”22. “Temos que ter formas de acesso à riqueza
socialmente produzida em nosso país” (SPOSATI, 1995, p.2).
2.2 Conceito de Assistência Social e sua trajetória no Brasil
Concordamos com Pereira (1996), ao afirmar que “falar sobre
Assistência Social não é fácil”, ao contrário é uma tarefa complexa e polêmica,
pois, inúmeros são os fatores que contribuem para essa complexidade, porém
a assistência é marcada por uma conceituação inovadora, mas também por
heranças históricas que constituem a cultura política brasileira (COUTO, 2010).
É preciso analisar essa temática despindo-se dos discursos
intrínsecos, assim, faz-se necessário discuti-la ultrapassando as visões
reducionistas.
Pereira (1996) considera que é possível definir duas modalidades de
Assistência Social no modo de produção capitalista - uma stricto sensu e outra,
lato sensu. Esta última modalidade, sendo aquela
que, por estar respaldada tanto no movimento da sociedade quanto
em garantias legais, integra efetivamente o projeto político das
demais políticas de proteção social. Além disso, constitui a feição
verdadeiramente social das políticas de bem-estar capitalistas
(PEREIRA, 1996, p.40).
Ela segue em direção ao modelo institucional redistributivo por
caracterizar-se, por sua vocação, para as necessidades sociais, como um meio
e não um fim em si mesmo, por ser redistributiva, e por depender da
participação da sociedade no seu desenvolvimento.
Em contraposição, a Assistência Social stricto sensu, segue os
princípios do modelo meritocrático-particularista por estar focalizada para o
problema individual do pobre; ter um fim em si mesma; fazer de tudo um pouco
junto aos excluídos da atenção especializada das demais políticas que são
tidas como
universais;
ser
contingencial,
distributiva
e
funcional
ao
fortalecimento do capitalismo à medida que “não se constitui em arena de
conflito entre os interesses contrários, e nem impõe limites ao princípio da
22
Trecho da música “Comida” dos Titãs.
65
rentabilidade econômica”(PEREIRA, 1996, p.42), o que a impede de
transformar-se em direito.
Pereira (1996) alerta sobre equívocos metodológicos pelos quais o
tema vem sendo analisado, a Assistência Social precisa ser discutida de forma
dialética, não tratada como fenômeno linear, de forma isolada, isenta de
contradições.
Dentro dessa perspectiva, a Assistência Social precisa ser discutida
sob
três
aspectos,
os
quais
a
diferenciam das
práticas
prestadas
anteriormente, sendo analisada como direito social, como política pública e
como componente da Seguridade Social.
O fato de ser garantida legalmente pressupõe a inter-relação com as
demais políticas públicas, que por sua vez exigem a intervenção ativa do
Estado. Esta intervenção lhe proporciona o status de direito, ultrapassando as
ações de caráter moral ou práticas de direitos individuais ou pessoais.
Essa intervenção não se limita à distribuição de bens materiais, pois
abrange outros bens, os quais Pereira (1996) classifica como intangíveis
voltados para
as necessidades cognitivas e emocionais básicas do ser humano, tais
como: a informação, a convivência familiar e comunitária saudáveis, a
capacitação profissional e intelectual, a participação e controle do
poder político, a prestação de serviços sociais e instituições de
projetos e programas de investimentos sociais como forma
complementar de combate à pobreza (PEREIRA, 1996, p. 71).
Ao considerá-la como Política Pública equivale a transformá-la em
um programa ou estratégia de ação, tornando-a
um conjunto de mecanismo e procedimentos mediante os quais se
elabora a agenda do que virá a ser pauta de prioridades políticas a
ser posta em prática de forma planejada e escalonada no tempo. Isso
requer: formulação de política; tomada de decisão; determinação de
objetivos e critérios; identificação e comparação de alternativas que,
por sua vez, vão exigir pesquisas e diagnósticos para subsidiar
escolhas e decisões; avaliação, para aferir impactos associados às
decisões, e definições precisa de recursos (PEREIRA, 1996, p. 71).
66
Essa particularidade faz com que a Assistência Social não seja
guiada por impulsos meritocráticos e sim operacionalizada de acordo com
princípios e diretrizes prescritos na LOAS.
Ao compor o tripé da Seguridade Social com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a Assistência Social adquiriu um lugar próprio no
conjunto de políticas sociais juntamente com a Previdência e Saúde. Assim ela
passou a ser definida como:
Um tipo particular de política social que se caracteriza por:
a)genérica na atenção e específica nos destinatários;
b)particularista, porque voltada prioritariamente para o atendimento
das necessidades sociais básicas;
c)desmercadorizável;
d)universalizante, porque, ao incluir segmentos sociais excluídos no
circuito de políticas, serviços e direitos, reforça o conteúdo universal
de várias políticas sócio-econômicas setoriais (PEREIRA, 1996, p.29).
A Assistência Social, pelo menos em tese, deixou de ter um caráter
imediatista, ou de ser resultado da “boa vontade” dos governantes, o que se
expressou nos artigos 203 e 204 da CF 88:
Artigo 203 – A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem
por objetivos:
1.a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice;
2.o amparo às crianças e adolescentes carentes;
3.a promoção da integração ao mercado de trabalho;
4.a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e
promoção de sua integração à vida comunitária;
5.a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou tê-la provido por sua
família, conforme dispuser a lei.
Artigo 204 – As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no artigo 195, além de outras fontes, e organizadas com
base nas seguintes diretrizes:
67
1.descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e
a execução dois respectivos programas às esferas estadual e
municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência
social;
2.participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis (BRASIL, 1988).
Tal formulação, apesar de ter fácil compreensão no plano formal,
torna-se de difícil assimilação e processamento no plano político, seja nas
arenas de decisão ou no âmbito da aplicação prática do direito. A Assistência
Social, semelhante a qualquer política, constitui uma representação de
interesses. É evidente que na sua formulação e no seu desenvolvimento estão
denotadas demandas e necessidades distintas, de delicada conciliação
(PEREIRA, 1996).
Outro desafio consiste em regulamentar os dispositivos previstos e
materializá-los por meio de legislação própria, pois não basta assegurá-los
somente no plano jurídico formal, afinal, essa relevante conquista enfrenta uma
grande ameaça: “virar letra morta”, o que só veio acontecer cinco anos mais
tarde, em Dezembro de 1993 com a Lei Orgânica de Assistência Social.
A regulamentação da Assistência Social se caracterizou como um
processo marcado por um período de idas e vindas de batalhas processuais e
vetos presidenciais. As palavras de Pereira expressam muito bem este período,
em especial sobre o veto integral do presidente Collor, em 1991, quando o
processo de debate e renegociações teve que ser reiniciado.
Tudo indica que a assistência social como direito de cidadania no
Brasil já nasceu fadada ao insucesso ou, pelo menos destinada a
conviver com insólitas incoerências institucionais. (...) A proposta de
Lei da Assistência Social foi totalmente vetada por ser considerada
inconstitucional e ferir o interesse público em seu intento de transferir
um benefício de prestação continuada em dinheiro aos idosos e
pessoas portadoras de deficiência carentes (PEREIRA, 1996, p.93).
Finalmente, em 1993, a LOAS foi sancionada e os artigos 203 e 204
da Constituição de 1988 foram regulamentados, embora com alguns cortes,
pelo então presidente Itamar Franco.
Art. 2º - Parágrafo Único. A assistência social realiza-se de forma
integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza,
à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para
68
atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais
(BRASIL, 1993).
Assim, as funções da LOAS consistem em assegurar o que foi
declarado na Constituição, ou seja, transformar as disposições declaradas de
direitos em disposições asseguradas de direito; definir, detalhar e explicitar a
natureza, o significado e o campo próprio da assistência social, a fim de
compatibilizá-la com o estatuto da cidadania.
Segundo Pereira (1996), a composição da LOAS foi sistematizada
tendo como referencial os pressupostos de que a Assistência Social deveria
seguir as necessidades sociais e não as demandas do mercado e da lógica do
lucro e da acumulação privada, devendo, sim, garantir o acesso e usufruto dos
mais pobres aos bens, serviços e direitos que constituem o patrimônio da
sociedade, que é constituído por todos, sendo-lhe conferida o caráter de
política pública.
Pode se dizer que a aprovação da LOAS foi um momento de
avanços democráticos, quando foi retomada a construção do modelo
constitucional, fundado na existência de um sistema descentralizado composto
de conselhos gestores, com participação comunitária e na existência de fundos
de assistência em cada esfera governamental, além dos conselhos de defesa
dos direitos. Segundo Pereira (1996), a LOAS é um documento juspolítico –
jurídico e político, que expressa no seu conteúdo, aparentemente neutro, uma
série de contradições que caracterizam a história da assistência social desde a
Poor Law, entre os séculos XV e XIX, até os dias atuais, passando pelas
políticas sociais do WelfareState, do pós Segunda Guerra Mundial. Nela está
inserida a reprodução de antigos embates em torno da questão social e de
velhas resistências em transformar a proteção ao pobre em direito de
cidadania.
Historicamente essa política caracterizou-se por ações centralizadas
no governo federal, pulverizadas, descontínuas, fragmentadas e com poucos
recursos e pela inexistência da transparência e de prestações de contas do que
era feito. Para Sposati et al (2010), a assistência social foi orientada pelo
assistencialismo, ou seja, um relacionamento doador-receptor, em que o
69
doador tem controle da distribuição caso a caso, conhece o receptor e pode
cortar ou rejeitar a ajuda, não sendo, portanto, uma relação formal ao direito
por parte de todos.
O reconhecimento legal da assistência social como direito social,
mostrou a possibilidade de ruptura com o caráter assistemático e descontínuo
que marcava seu passado. Ademais, não existia nenhuma forma de controle, o
que levava os políticos a utilizá-la como forma de autopromoção ou cabresto
político, gerando, assim, práticas cada vez mais clientelistas e populistas.
Nesse
sentido,
a
LOAS,
ao
regulamentar
as
disposições
constitucionais, assegurou à assistência social o caráter de política social, e
aos seus usuários tornarem-se detentores de direitos por meio da prestação de
serviços e benefícios sistemáticos e continuados, e de programas e projetos,
que devem contar com recursos materiais e financeiros regulares e
obrigatórios. Esses direitos são passíveis de serem reclamados por qualquer
cidadão, pois a condição do usuário passa de cliente de uma assistência
espontânea para sujeito de direito à proteção devida pelo Estado (PEREIRA,
1996). Sendo assim, foi atribuída uma nova compreensão para a Assistência
Social.
Os avanços desde então foram graduais e significativos. Dentre eles
destacam-se:
a)
A criação do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) –
Decreto 1.605, de 25/08/1995, que implantou as regras
para
financiamento dessa política, definindo, entre outros, as fontes, os
mecanismos e os critérios objetivos de transferência dos recursos entre
as esferas governamentais. Desde então, todo recurso destinado à área
de assistência social deve, necessariamente, passar pelos Fundos
Nacional, Estaduais e Municipais, e sua aplicação deve responder às
necessidades sociais identificadas e expressas nos Planos Municipais e
Estaduais de Assistência Social (art. 30 da LOAS);
b)
Efetiva implantação e funcionamento dos respectivos Conselhos de
Assistência Social, que se constituem em instâncias importantes de
70
participação e de criação de novas relações políticas entre Estado e
sociedade civil;
c)
Aprovação dos Planos de Assistência Social, instrumento técnico
que viabiliza o controle das ações governamentais em todas as esferas,
as quais estão previstas nas despesas do Fundo, podendo ser
acompanhado pela população, representada pelos conselheiros da
sociedade civil.
O reordenamento político institucional prevê uma forma de gestão
compartilhada e descentralizada, de modo que as ações devem responder às
necessidades identificadas da população local. As conferências, conselhos e
fundos, bem como os planos, constituem os mecanismos que compõem o
sistema descentralizado e participativo e, ao fortalecer a esfera pública,
objetivam a construção da autonomia e da transparência na elaboração da
política e na implementação e avaliação de seus serviços, benefícios,
programas e projetos (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Em 2004, já no governo Lula, foi construída em consonância com a
LOAS, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Efetivamente, a PNAS
é resultado de intenso e amplo debate nacional, é um instrumento decisivo, que
vai consolidar a condução do trabalho a ser realizado. Apresenta como
diretrizes: a) descentralização políticoadministrativa; b) participação da
população, na formulação das políticas e no controle das ações; c) primazia da
responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social e d)
centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios,
programas e projetos (BRASIL, 2004).
A PNAS expressa exatamente a materialidade do conteúdo da
Assistência Social como um “pilar do Sistema de Proteção Social Brasileiro no
âmbito da Seguridade Social” (BRASIL, 2004, p. 11), que vem com a
perspectiva de implantar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Como consequência da formulação da PNAS/2004 e da decisão da
IV Conferência Nacional de Assistência Social, depois de amplo debate, foi
reafirmada a construção e normatização do SUAS, aprovadas em julho de
71
2005 pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) por meio da Norma
Operacional Básica (NOB) nº 130, de 15 de julho de 2005. O SUAS está
voltado à articulação, em todo o território nacional, das responsabilidades, dos
vínculos e da hierarquia do sistema de serviços, benefícios e ações de
assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos
por pessoas jurídicas de direito público, sob o critério da universalidade e da
ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil
(BRASIL, 2004; BRASIL, 2005).
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o SUAS, em
especial em seu modo de gestão, tem como desafio dar materialidade à
política, conforme os princípios da LOAS. O SUAS refere-se à retomada da
centralidade do Estado na garantia da existência de serviços estatais como
articuladores do serviço socioassistenciais necessários.
É preciso apontar os objetivos da PNAS que reforçam a nova
construção da política de assistência social, que deve ser articulada e integrada
às demais políticas sociais setoriais, visando enfrentar as desigualdades e
garantir os mínimos sociais, na perspectiva da universalização dos direitos
sociais (BRASIL, 2004). Para isso, objetiva:
1.prover serviços,programas, projetos e benefícios de proteção social
básica e/ou especial para as famílias, indivíduos e grupos que deles
necessitarem;
2.contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos
específicos ampliando o acesso aos bens e serviços
socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; e
3.assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham
centralidade na família e garantam a convivência familiar e
comunitária (BRASIL, 2004, p. 33).
É possível afirmar que a PNAS e o SUAS alteram as referências
conceituais, a estrutura organizativa e a lógica de gestão e controle das ações
na área e prever a existência de:
1.
Serviços: atividades continuadas, definidas no art. 23 da LOAS, que
visam à melhoria da vida da população e cujas ações estejam voltadas
para as necessidades básicas da população, observando os objetivos,
princípios e diretrizes estabelecidas nessa lei;
72
2.
Programas: compreendem ações integradas e complementares,
tratadas no art. 24 da LOAS, com objetivos, tempo e área de
abrangência, definidos para qualificar, incentivar, potencializar e melhora
os benefícios e os serviços assistenciais, não se caracterizando por
ações continuadas;
3.
Projetos: definidos nos arts. 25 e 26 da LOAS, caracterizam-se como
investimentos econômicosociais nos grupos populacionais em situação
de pobreza buscando subsidiar técnica e financeiramente iniciativas que
lhes garantam meios e capacidade produtiva e de gestão para a
melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão de
qualidade de vida, preservação do meio ambiente e organização social,
articuladamente com as demais políticas públicas.
4.
Benefícios: benefício de prestação continuada (BPC) – previsto na
Loas e no Estatuto do Idoso, consiste no repasse de um salário mínimo
ao idoso (a partir de 65 anos) e à pessoa com deficiência que
comprovem não ter meios para suprir sua subsistência ou tê-la suprida
por sua família; benefícios eventuais – são previstos no art. 22 da LOAS
e visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte, ou para
atender às necessidades advindas de situações de vulnerabilidade
temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa
com deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública;
transferência de renda – programas que visam ao repasse direto de
recursos dos fundos de assistência social aos beneficiários, como forma
de acesso à renda, visando aos combate à fome, à pobreza e a outras
formas de privação de direitos que levem à situação de vulnerabilidade
social, criando possibilidades para a emancipação, o exercício da
autonomia das famílias e dos indivíduos atendidos e o desenvolvimento
local (BRASIL, 2004).
O SUAS parte do pressuposto de que o acesso à política de
assistência social se dará na condição de sujeito de direitos, os quais se
constroem e garantem-se na coletividade, mas tem como centralidade a
família, tentando romper com a lógica individualista de prestação de serviços
assistenciais.
73
A organização dos serviços dentro do SUAS aponta para a
necessidade de garantir a qualidade de acesso na condição de direito e de
enfrentar o grande desafio de romper com uma cultura instalada e enraizada na
sociedade brasileira, especialmente no que se refere ao tratamento da pobreza
baseado em um viés conservador que não permite a instalação de uma cultura
de direitos sociais (COUTO, 2010).
Para romper com a lógica voluntarista e de senso comum que tem
alocado os recursos humanos nos serviços assistenciais, faz-se necessário a
utilização de ferramentas gerenciais e de profissionalização, exigindo um novo
perfil de profissional, sendo sua qualificação permanente – vital instrumento: a
NOB/RH.
Em 2011, sob a lei 12.435, é instituído oficialmente o Sistema Único
de Assistência Social – SUAS, como sistema brasileiro para a área. Na mesma
lei, a Assistência Social altera seus objetivos incluindo a Vigilância
Socioassistencial23, a Defesa dos Direitos24, além de prever a intersetorialidade
no enfrentamento da pobreza, para a garantia de mínimos sociais, o
atendimento em contingências e a promoção da universalidade dos direitos.
Mesmo após o seu reconhecimento legal, a Assistência Social
continua a ser acometida por muitas resistências na sua implementação. Além
do mais, trata-se de uma política em constante conflito com as formas de
organização do trabalho. É imprescindível compreender que muitas de suas
características são o resultado de uma conjuntura política, social e econômica
mundial, permeada pela ideologia neoliberal, que se tem colocado como
modelo hegemônico vigente.
Para Mota (1995), as mudanças das reformas no sistema de
Seguridade Social brasileiro se desenvolvem sob o comando da classe
burguesa, que além da força e coerção, dotam de novos conteúdos as
concepções políticas e históricas dos trabalhadores brasileiros, como a
23
A vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e
nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos.
24
A defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões
socioassistenciais.
74
instituição da figura do cidadão consumidor, em detrimento do cidadão
trabalhador; salienta, ainda, que nesse processo, com todas as suas
contradições, emerge um modo de enfrentamento das desigualdades sociais
baseado na “cultura da solidariedade social”, que se representa em “políticas
de combate à pobreza”, “comunidades solidárias” ou expansão dos “programas
de assistência social”. É na estreita fronteira entre direitos e carências – fio da
navalha, figura adotada por Telles (1998), que os programas de transferência
de renda transitam.
75
3.
PROGRAMAS
DE
TRANSFERÊNCIA
DE
RENDA:
NOVA
CONFIGURAÇÃO DE PROTEÇÃO SOCIAL?
3.1.
Fundamentos
Teóricos
e
Concepções
dos
Programas
de
Transferência de Renda não Contributivos – Um debate internacional
O conceito de Programa de Transferência de Renda será entendido
como
uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias, mas que
também associam a essa transferência monetária, componente
compensatório, outras medidas situadas principalmente no campo
das políticas de educação, saúde e trabalho (SILVA et al, 2011, p.22)
O debate internacional sobre o Programa de Transferência de
Renda (PTR) vem se intensificando nas duas últimas décadas, em
consequência das grandes transformações na economia, com repercussões
diretas no mundo do trabalho, tendo apresentado um grande número de
desemprego e dos chamados trabalhos precarizados.
As transformações econômicas e do mundo do trabalho refletiram
diretamente no processo de mudanças sociais, especialmente na sociabilidade
da sociedade salarial, identificando a necessidade de um redimensionamento
do WelfareState (Castel, 2010), assunto já discutido no primeiro capítulo.
Segundo Silva (1997), o WelfareState – sustentado pelo pleno
emprego e o crescimento econômico – vem sendo questionado por não
conseguir dar respostas satisfatórias no âmbito da economia globalizada.
É nesse contexto que o debate internacional sobre o PTR ganha
expressão. Em vários países ampliou-se a discussão sobre esse programa,
como estratégia das políticas sociais em face às novas demandas postas ao
WelfareState no contexto de crise da sociedade salarial, ou seja:
buscam-se alternativas para fazer face a incapacidade e
inadequabilidade do WelfareState em responder os desafios de uma
economia e uma sociedade dual, cuja separação básica não é mais
só entre capitalistas e trabalhadores, mas também entre os que
detém ou não o trabalho (SILVA, 1997, p.28).
76
A crescente propagação dos PTR expressa uma mudança no
desenho dos programas e benefícios sociais (SILVA, 1997). É importante
ressaltar que a ideia de instituírem benefícios monetários que atendam às
principais necessidades da população mais pobre das sociedades capitalistas
não é propriamente uma novidade.
Essa ideia vem sendo instalada ao longo da história, com iniciativas
vinculadas aos fenômenos do pauperismo e da pobreza na sociedade industrial
inglesa, com lei instituindo o que hoje chamamos de renda mínima 25,
mostrando que as desigualdades sociais tem uma longa trajetória e possível de
ser encontrada em diferentes sociedades no decorrer da história do capitalismo
(PEREIRA, 2009; BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Suplicy (2002) afirma que os fundamentos básicos de sustentação
do direito a uma renda básica independente do trabalho tem raízes no campo
religioso: no Alcorão, no Budismo e no Velho Testamento da Bíblia Sagrada;
em filósofos clássicos, como Confúcio e Aristóteles; em pensadores
revolucionários como Marx – “A cada um de acordo com sua capacidade, a
cada um de acordo com suas necessidades” (apud SUPLICY, 2002, p.33).
Identifica Thomas More, em sua obra “Utopia” (1516), a importância desses
programas por assegurar a todos o mínimo de sobrevivência digna.
Economistas clássicos, Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo e Karl
Polanyi também são defensores de programas de transferência de renda,
porém, com concepções diferentes.
O debate internacional sobre renda mínima foi retomado em
diversos países europeus, principalmente na década de 1980, como
consequência do aumento do desemprego e da crise do WelfareState,
originando concepções e propostas distintas.
No que tange às diferentes modalidades dos programas de
transferência de renda, encontram-se questões relacionadas com o conteúdo
social desses programas previstos no seu conceito original: “constituir uma
25
Renda mínima é entendida como transferência monetária a indivíduos ou a famílias, prestada
condicional ou incondicionalmente; complementando ou substituindo outros programas sociais,
objetivando garantir um patamar mínimo de satisfação de necessidades básicas (SILVA, 1997, p.16).
77
política distributiva que concretiza, perante o cidadão, um direito à posse
incondicional de
um montante
de recursos monetários para a
sua
sobrevivência, independentemente de seu vínculo com o trabalho” (PEREIRA,
2008, p.114).
Lavinas e Varsano (1998) apresentam três posições que estruturam
a polêmica. A primeira defende a incondicionalidade de uma renda de
subsistência, também denominada de benefício universal ou renda de
cidadania, e sustenta o estabelecimento de um valor mínimo de renda ao
alcance de todos os indivíduos, sem que lhe seja exigida nenhuma
contrapartida. Essa posição possui duas vertentes: 1.baseado na garantia de
um imposto de renda negativo (IRN)26 a todos aqueles que não dispõem do
mínimo para sua sobrevivência e 2.denominado Renda Mínima Universal
(RMU), que tem como objetivo a transferência incondicional de uma renda
básica de mesmo valor a todos os indivíduos.
Uma segunda posição refuta essa visão que admite a vigência de
uma sociedade que não teria o direito ao trabalho para todos, ou seja, uma
sociedade de desiguais. O argumento principal dessa linha de raciocínio reside
na ameaça de que a renda transferida, por ser incondicional, venha a se tornar
um fator de degradação do trabalho, que pode provocar redução dos salários e
dos direitos que lhe são constitutivos, o que aumentaria, portanto, o
assistencialismo. Segundo Castel (2010), tal opção pode conduzir a um
paradoxo, pois o trabalhador desempregado que não for também beneficiário
de renda mínima tende a ser preterido no mercado de trabalho por outro que
reúna essas características e aceite, assim, um nível de remuneração menor.
Outra consequência indireta seria a supressão de um salário mínimo
estabelecido por lei e, hoje, referencial na definição das condições mínimas de
vida de um trabalhador. Porém, a crítica mais contundente é feita por
Rosanvallon (1998), para quem a renda incondicional termina por referendar a
exclusão. O autor afirma que “a inserção pelo trabalho deve continuar a ser
pedra angular da luta contra a exclusão”, pois o trabalho tem a função de
reprodução material e também social e, por esse motivo, é necessário se
26
“Consiste em atribuir às famílias, abaixo da linha da pobreza, uma renda variável complementar,
conforme a renda proveniente do trabalho” (SILVA, 1997, p.45)
78
empenhar muito mais na “reinvenção da ideia do direito do trabalho do que na
formação de um direito a uma certa renda” (ROSANVALLON, 1998, p.104).
Uma terceira abordagem insiste nas limitações da transferência de
renda como política de combate à pobreza e das desigualdades. Defende a
ampliação da proteção social indispensável em bases mais solidárias e
universais, não subordinadas ao exercício de uma atividade formal que
implique, automaticamente, adesão a um sistema de contribuição. O
argumento
é
que a
universalização
do
direito à
saúde,
habitação,
aposentadoria e outros direitos sociais devem prevalecer, o que propiciaria
uma reforma substantiva de previdência, de modo a implantar um sistema não
excludente.
Silva (1997), baseando-se nas classificações gerais realizadas pelos
autores Milano (1998), Goujon (1994) e Euzéby (1991), que apresentam
tendências e orientações das diversas modalidades dos PTR, identifica três
correntes de fundamentação teórica.
A primeira corrente vem de uma perspectiva
liberal/neoliberal que considera os Programas de Transferência de
Renda como mecanismo compensatório e residual, eficiente no
combate à pobreza e ao desemprego e enquanto uma política
substitutiva dos programas e serviços sociais e como mecanismo
simplificador dos Sistemas de Proteção Social (SILVA et al, 2011,
p.42).
Assim, a esquerda sustenta a necessidade de introduzir a
compensação monetária como uma política que complementa as históricas
conquistas do mundo do trabalho, que aumentaria os direitos de cidadania.
Defende que certos programas poderão ser substituídos, mas a estrutura do
WelfareState, e o marco legal-institucional de proteção ao trabalho devem ser
mantidos e complementados por algum tipo de programa de transferência de
renda (SILVA, 1997).
A segunda corrente é de uma perspectiva
de natureza progressista/distributiva que considera os Programas de
Transferência de Renda enquanto mecanismos de redistribuição da
riqueza socialmente produzida e como uma política de
79
complementação aos serviços sociais básicos já existentes e voltada
para a inclusão social (SILVA et al, 2011, p.42).
Para Silva (1997), a corrente distributivista propõe a renda mínima
como um mecanismo que possibilita a racionalização na forma de distribuição
de renda, e visa combater a pobreza relativa, com vistas à constituição de uma
sociedade livre, na qual também a distribuição do trabalho seja igual para
todos.
A terceira corrente tem uma perspectiva que “percebe os Programas
de Transferência de Renda como mecanismo provisório para permitir a
inserção social e profissional dos cidadãos, numa conjuntura de pobreza e de
desemprego” (SILVA et al, 2011, 42). Os PTR que conjugam a renda mínima à
ideia de inserção ou reinserção profissional e social referem-se a uma tentativa
de instituir uma nova relação entre emprego e WelfareState, de forma que todo
o cidadão que enfrente dificuldades no mercado de trabalho tem direito a uma
alocação monetária, permitindo-lhe manter sua dignidade e independência, no
propósito de superar a passividade que tem marcado os sistemas de proteção
social (ROSANVALLON, 1998).
É importante notar que os PTR podem ter conformações que
perpassam as características das diversas formas “puras” de se alocar renda
mínima. Verifica-se que as modalidades de PTR adotadas nos países
capitalistas desenvolvidos são as mais variadas de um país para o
outro,especialmente sob a perspectiva das
restrições à população alvo, mediante as condições de acesso (idade,
tempo de residência, contrapartidas) ou referente ao montante do
benefício e sua fórmula de cálculo; do tipo de cobertura (individual ou
familiar); do prazo de recebimento do benefício (ilimitado na maioria
dos casos, ainda que não poderia ultrapassar seis meses); da forma
de financiamento (integralmente coberto pelo Estado ou
parcial/gradualmente financiados pelos municípios ou outras esferas
subnacionais); ou ainda, de seu perfil exclusivo ou complementar a
outras prestações de serviços sociais (LAVINAS & VARSANO, 1998,
p.8).
Desse modo, independente das várias formações que os PTR
possam apresentar, sua implementação não deve vir desvinculada de medidas
de caráter estrutural, pois, se assim o for, expressam uma justiça residual e
periférica, que se guia por uma visão harmoniosa da sociedade, encobrindo as
80
lutas sociais contra as desigualdades sociais e adiando as possibilidades de
mudanças intrínsecas e efetivas.
3.2. A trajetória dos Programas de Transferência de Renda não
Contributivos no Brasil
O debate sobre os PTR no Brasil se estabelece no contexto de
hegemonia do projeto neoliberal, com o reordenamento do frágil Sistema de
Proteção Social, quando a Constituição Federal de 1988 parecia estabelecer a
universalização dos direitos sociais. Esse período foi demarcado pela restrição
aos
programas
sociais
em
âmbito
nacional,
pelo
debate
sobre
a
descentralização dos programas sociais, observando-se a demanda crescente
de políticas de enfrentamento da pobreza, intensificada com a crise econômica
da década de 1980 e com as medidas e ajuste da economia nacional às
exigências do capital internacional, nos anos 1990.
É diante de uma conjuntura “de crescimento do desemprego, da
insegurança nas grandes cidades, do reconhecimento da baixa qualificação da
nossa mão de obra para atender as demandas do modelo de produção e num
quadro de índice de pobreza em que as crianças e os jovens são os mais
atingidos” (SILVA et al., 2011, p.44-45), que vem se sustentando o debate e a
prática dos PTR no Brasil.
Segundo Suplicy (2002), foi o professor Antônio Maria da Silveira o
autor da primeira proposta de garantia de renda mínima no Brasil, em seu
artigo “Redistribuição de Renda”, em 1975. Suplicy apresenta, ainda, a
proposição de Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger, de 1978,
que segue a mesma linha do autor anterior, afirmando:
que a reforma agrária e uma renda mínima por meio de um imposto
de renda negativo deveriam ser instituídos como instrumentos
fundamentais de democratização da sociedade brasileira. Só poderia
haver democracia política se houvesse um limite aos extremos de
desigualdade e erradicação da miséria (SUPLICY, 2002, p. 120).
Apesar das propostas dos autores acima citados, a temática
referente aos PTR ficou esquecida no âmbito do debate brasileiro sobre a
questão social. Somente a partir de 1991 passou a fazer parte da agenda
81
pública, tornando-se um elemento importante do debate nacional, com a
aprovação, no Senado Federal, do Projeto de Lei 80/1991, de autoria do
senador Eduardo Suplicy, que instituía um Programa de Garantia de Renda
Mínima Brasileiro de abrangência nacional.
Mesmo contando com a aprovação no Senado em 1991, apenas em
2004, ou seja, treze anos depois, o Projeto de Lei 80/1991 foi convertido na Lei
10.835, de 8 de janeiro de 2004, de caráter universal:
Art. 1º É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que
se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e
estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não
importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente,
um benefício monetário.
De acordo com Lavinas (2005), tal determinação é “lei e deve ser
cumprida. Deveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro de 2005”, mas
continua “dormindo em berço esplêndido”, ou seja, é lei sem efeito.
A partir de 1992, movida por um novo cenário político, surge a
Campanha da Cidadania de Ação Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, com
caráter de sensibilização pública para a emergência do enfrentamento da
questão social e para a exigência de formulação de políticas de assistência
social, orientadas pela noção de cidadania e em conformidade com o
paradigma de proteção social pela Loas (SILVA et al, 2011).
Em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso apresentou ser
prioridade em seu mandato a estabilização econômica, querendo inserir o país
na economia globalizada. Com essa intenção, adotou uma política neoliberal
que marcou novos rumos para o trato da questão social, especificamente a
pobreza. O Plano de Combate à Miséria foi substituído pelo Programa
Comunidade Solidária (PCS), cuja característica principal era a focalização
conservadora, norteada pela concentração do enfrentamento da pobreza
somente nos municípios com os maiores índices de miséria, que coincide com
a implantação de algumas iniciativas locais de PTR, destacando-se as do
82
governo do Distrito Federal e das prefeituras municipais de Campinas 27 e
Ribeirão Preto28 (POTYARA, 2008; SILVA et al, 2011).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi
assinalado pela proliferação de programas de transferência de renda, de
iniciativa do governo federal com implementação descentralizada nos
municípios. Destaca-se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti),
criado em 1996.
A crescente visibilidade das iniciativas localizadas nos programas de
transferência de renda compeliu a apresentação de diversos projetos de lei,
com o objetivo de estender essas experiências a todo território nacional. Em
2001, com essas iniciativas criou-se o Programa Nacional de Renda Mínima
vinculada à educação, denominado de Bolsa Escola, além dos Programas de
Auxílio-Gás e Bolsa-Alimentação, que segundo Lavinas (2004b), esses
programas, com exceção do BPC e da RMV, de caráter permanente,
consistiam em grande parte, auxílios monetários, na forma de “bolsas” (safety
nets) dirigidas a clientelas específicas, com peso de renda compensatória
tendo como objetivo assegurar uma rede de proteção vital mínima, no plano da
subsistência, e sendo garantidas por meio de comprovação de insuficiência de
renda aguda.
No discurso federal, esses PTR “passam a ser considerados eixo
central de uma „grande rede nacional de proteção social‟ implantada no país,
sendo estes implementados de modo descentralizado em quase todos os 5.561
municípios brasileiros” (SILVA et al, 2001, p.100-101)
A partir de 2003, iniciou-se o governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, marcado por inovações institucionais e promessas de mudanças,
objetivando o fortalecimento da área assistencial, com a criação do Ministério
da Assistência Social29 e do Gabinete de Segurança Alimentar da Presidência
da República. Mesmo antes de empossado, Lula já tinha definido o combate à
27
Primeira cidade que implantou um programa de renda mínima, denominado Programa de Garantia de
Renda Mínima – PGRFM, implementado em março de 1995. (SILVA, 2011)
28
Município brasileiro onde também houve implementação do PGRFM, em 1995.
29
Ministério da Assistência Social (MAS) foi criado em janeiro de 2003, pela Medida Provisória 103, de
1º de janeiro de 2003, homologado pela Lei 10.683, de 28 de maio de 2003.
83
fome como carro chefe de sua política social, lançando na mídia o Programa
Fome Zero30. Pode-se considerar a iniciativa mais importante da área social do
governo federal a integração da política de combate à fome com políticas de
transferência de renda e de assistência social (SILVA et al, 2011).
O primeiro procedimento adotado pelo presidente Lula, foi a criação
do Programa Bolsa Família (PBF). O segundo procedimento adotado foi a
criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS,
mediante a Lei 10.868, de 13 de maio de 2004, assumindo um conjunto amplo
e estratégico de políticas e programas, o que representou um avanço
significativo, tendo em vista a organização de um sistema estruturado e
coerente de proteção social para as populações em situação de risco ou de
vulnerabilidade social (SILVA et al, 2011).
Percebe-se aqui alguns avanços e limites que os PTR no Brasil vão
ganhando dentro do Sistema de Proteção Social brasileiro, sobretudo na
Política de Assistência Social. As reflexões desenvolvidas, a seguir, colocam
pontos caracterizadores e problematizadores fundamentais para uma análise.
3.3. Caracterizando os Programas de Transferência de Renda não
Contributivos no Brasil
No campo social, o Governo Federal vem propondo, mais
precisamente desde 2001, o desenvolvimento do que se chamou de “Rede de
Proteção
Social”31.
Consistia
num esforço
articulador
de
programas,
notadamente compensatórios, tendo como centro principal os programas de
transferência de renda, entre eles a RMV, o BPC, o Peti, o Bolsa Escola, o
Bolsa-Alimentação, o Auxílio-Gás, acrescidos, no governo Lula, do programa
do Cartão Alimentação (SILVA, 2011).
Concebido para formulação, acompanhamento e avaliação dos
programas sociais direcionados à população em situação de extrema pobreza,
30
Esse programa pressupunha, entre outros aspectos, a transferência de renda para famílias em
situação de extrema pobreza, a qual poderia ser utilizada somente na compra de produtos alimentícios
estabelecidos pelo governo.
31
A Rede de Proteção Social é entendida por Silva et al (2011) como o conjunto de programas sociais do
Governo Federal, com prevalência dos Programas de Transferência de Renda.
84
foi criado, pelo Decreto 3.877, de 24 de julho de 2001, o Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal. Começou a ser implantado em
setembro de 2001 e foi o instrumento utilizado para cadastrar e identificar os
prováveis beneficiários de todos os programas da Rede de Proteção Social, ou
seja, as “famílias em situação de extrema pobreza de todos os municípios
brasileiros, objetivando a focalização das políticas públicas nessa população”
(SILVA et al, 2011, p. 105).
Segundo o MDS, no Cadastro Único para Programas Sociais
(CadÚnico), devem ser cadastradas na base de dados, as famílias com renda
mensal de até meio salário mínimo por pessoa. Famílias com renda superior
poderão ser incluídas no Cadastro, desde que sua inclusão esteja vinculada à
seleção ou ao acompanhamento de programas sociais implementados pela
União, estados ou municípios. A base de informações do CadÚnico pode ser
usada pelos governos municipais, estaduais e federal para obter o diagnóstico
socioeconômico das famílias cadastradas. Dessa forma, o CadÚnico possibilita
a análise das principais necessidades das famílias cadastradas e auxilia o
poder público na formulação e gestão de políticas voltadas a esse segmento da
população (BRASIL, 2010).
Uma análise sobre os PTR implementados pelo governo federal
remete ao reflexo das experiências exitosas municipais de renda mínima (Bolsa
Escola), implantados a partir de 1995 e, consequentemente, ao contexto de
ampliação do debate nacional, observando-se que as primeiras iniciativas
federais concretas de uma política de implantação desses programas tiveram
seu início em 1996.
O governo Lula avaliou que, apesar desses programas terem
significado um avanço nas políticas sociais brasileiras, eles ignoraram a
existência de programas semelhantes conduzidos por estados e/ou municípios,
não conseguindo superar problemas tradicionais, como a pulverização de
recursos, o elevado custo administrativo, a sobreposição de público-alvo, a
ausência de coordenação e de perspectiva intersetorial (COHN e FONSECA,
2004).
85
É importante registrar que o entendimento acerca dos PTR é que
estes são destinados a efetuar uma transferência de renda monetária direta do
governo a indivíduos ou famílias que carecem de um mínimo vital pra satisfazer
suas necessidades básicas (LAVINAS, 1998). Ou, ainda:
são aqueles destinados a efetuar uma transferência monetária,
independente de prévia contribuição, a famílias pobres, assim
consideradas a partir de um determinado corte de renda per capita
familiar, predominantemente no caso dos programas federais, de
meio salário mínimo (SILVA et al, 2011, p.135).
A partir da articulação interministerial, coordenada pela Casa Civil
da Presidência da República, formulou-se novo programa, denominado Bolsa
Família. Criado pela Lei 10.836/2004, o Programa Bolsa Família - PBF teve por
finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução de quatro
programas federais: Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à
Educação – Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda
Mínima vinculada à Saúde
– Bolsa Alimentação (Medida Provisória
2.206/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto 4.102/2002) e Programa Nacional
de Acesso à Alimentação – PNAA (Lei 10.689/2003). Além disso, o Programa
configura-se como gestor do Cadastro Único para os programas do governo
federal, com o intuito de cadastrar, com formulário próprio e único, as famílias
em situação de pobreza e extrema pobreza em todos os municípios brasileiros.
Trata-se do suporte administrativo para a realização da unificação das políticas
de transferência de renda (SILVA et al, 2004). Nesse sentido, o PBF passou a
centralizar os recursos destinados aos demais programas, trabalhando contra a
fragmentação da ação social e da ampliação de sua dotação orçamentária.
Foi realizado uma análise de leis, decretos, medidas provisórias,
portarias ministeriais, manuais e relatórios, para uma melhor compreensão dos
elementos que caracterizam os programas de transferência de renda de âmbito
federal, com o propósito de compreender a situação anterior e posterior à
unificação.
3.3.1 Programa Bolsa Escola
O Programa Bolsa Escola, instituído pela Lei 10.219, de 11 de abril
de 2001, e regulamentado pelos Decretos 3.823, de 28 de maio do mesmo
86
ano, e 4.313, de 24 de julho de 2002, substituiu o Programa de Garantia de
Renda Mínima da Lei 9.533/1997.
O Ministério da Educação (MEC) era responsável pela gestão do
Bolsa Escola, que tinha como fonte de financiamento o Fundo de Combate à
Pobreza. O Programa beneficiava as famílias residentes no município, com
renda per capita inferior ao valor fixado nacionalmente, definido em meio
salário mínimo, e que tivesse sob sua responsabilidade criança de 5 a 15 anos
de idade (antes era de 7 a 14 anos), matriculadas em estabelecimento de
ensino fundamental regular, com frequência escolar igual ou superior a 85%.
Cada família elegível tinha o direito de receber R$15,00 por criança, até o
máximo de três filhos, totalizando R$45,00 (art. 2º, II, da Lei 10.219/2001).
O Bolsa Escola foi um dos programas com maior número de famílias
atendidas, bem como de municípios abrangidos. Poderia até ser considerado
universal.
3.3.2 Bolsa Alimentação
Em
2001,
tem-se
também
a
criação
do
Programa
Bolsa
Alimentação, regulamentado pelo Decreto 3.934, de 20 de setembro de 2001,
destinado à promoção das condições de saúde e nutrição de gestantes,
nutrizes e crianças de 6 meses a 6 anos e 11 meses de idade, mediante a
complementação da renda familiar para melhoria da alimentação. Podiam ser
beneficiários do programa, crianças, filhos de mães soropositivas para o
HIV/AIDS, desde o seu nascimento e crianças na faixa etária de 6 meses a 6
anos, desde que pertencentes a famílias com renda per capita mensal inferior a
meio salário mínimo. Constituía de uma bolsa no valor de R$15,00 mensais por
beneficiário, até o limite de três beneficiários por família, ou seja, até R$45,00
por família (arts. 1º e 2º do Decreto 3.934/2001).
A permanência do beneficiário no Programa Bolsa Alimentação era
de seis meses, que podia ser renovada, desde que a família cumprisse a
agenda de compromissos, que compreendia a participação da família
beneficiada em ações básicas de saúde, com enfoques preventivos, tais como
pré-natal, vacinação, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento,
87
incentivo ao aleitamento materno e atividades educativas de saúde (art. 2º do
Decreto 3.934/2001).
Competia ao Ministério da Saúde (MS) a coordenação, o
acompanhamento, a avaliação e o controle das atividades necessárias à
execução do programa, assim como a fixação do montante de bolsas
disponíveis para cada município com base em dados provenientes de estudos
socioeconômicos, epidemiológicos e nutricionais (arts. 3º e 4º do Decreto
3.934/2001).
3.3.3 Auxílio-Gás
O último programa de transferência criado no governo Fernando
Henrique Cardoso, foi o Auxílio-Gás, instituído em 13 de maio de 2002, por
meio da Lei 10.453, e regulamentado pelo Decreto 4.102, de 24 de janeiro de
2002. De responsabilidade do Ministério de Minas e Energia (MME), o
Programa era destinado a subsidiar o preço do gás liquefeito de petróleo às
famílias de baixa renda, isto é, famílias cuja renda per capita era inferior a meio
salário mínimo mensal – mas não existia nenhuma restrição quanto à
composição da família, de forma que o número das famílias potencialmente
beneficiárias desse programa era bem superior ao número das famílias do
Bolsa Escola e do Bolsa Alimentação – inscritas no Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal.
Uma das críticas a esse Programa é que o valor não seria utilizado
pelas famílias no objetivo proposto, ou seja, na compra do botijão de gás, seja
por conta do valor reduzido, se comparado ao preço do botijão, seja por
buscarem alternativas como cozinhar com lenha, para utilizarem o dinheiro com
necessidades mais imprescindíveis, como a alimentação (IPEA, 2002).
3.3.4 Cartão Alimentação
No governo de Lula, foi instituído o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação (PNAA) ou Cartão Alimentação, mediante a publicação da Medida
Provisória 108, de 27 de fevereiro de 2003, posteriormente, convertida na Lei
10.689, de 13 de junho de 2003, estabelecidas no campo das Políticas
88
Especificas que integram o Programa Fome Zero, o qual, na sua formação,
abrangia varias ações de combate à fome e de promoção a segurança
alimentar, classificadas em: específicas que garantiam acesso direto à
alimentação, como Programas de Transferência de Renda, Programa Nacional
de Banco de Alimentos; Programas de Restaurantes Populares etc.; estruturais
voltadas a combater as causas da fome, como Reforma Agrária, Programa de
Geração de Emprego e Renda, Fortalecimento da Agricultura Familiar,
Previdência Universal, Qualidade da Educação etc. e locais que visam garantir
o abastecimento alimentar nos estados e nos municípios, através da
construção participativa de uma Política de Segurança Alimentar Nutricional,
cuja expressão máxima é o Conselho Nacional de Segurança Alimentar
–
Nutricional
Consea;
restaurantes
populares,
bancos
de
alimentos,
modernização dos equipamentos de abastecimento, parceria com varejistas,
apoio à agricultura familiar e à produção para o autoconsumo (YASBEK, 2004).
A proposta era articular duas frentes de atuação, uma de caráter emergencial,
para superar a fome e a outra para proporcionar meios para as famílias, pelo
trabalho, superarem a condição de pobreza.
De acordo com a legislação, o PNAA visava garantir recursos
financeiros ou o acesso a alimentos em espécie a pessoas em situação de
insegurança alimentar, que se traduz como “a falta de acesso à alimentação
digna, em quantidade, qualidade e regularidade suficientes para a nutrição e a
manutenção da saúde da pessoa humana” (1º do art. 1º da Lei 10.689/2003).
Destaca-se que, nesse Programa, incluíam-se, no cálculo para a sua
concessão, os rendimentos oriundos de outros PTR governamentais, o que não
ocorria
nos
programas
anteriormente
descritos.
A
realização
de
tal
procedimento tornava-o com maior focalização na renda per capita familiar.
3.3.5
A unificação: o Programa Bolsa Família
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado sob a justificativa de
combater a miséria e a exclusão social, além de promover a emancipação das
famílias mais pobres. Foi lançado como um programa de combate à fome e à
pobreza em 20 de outubro de 2003, mediante publicação da Medida Provisória
89
132, convertida em Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentada pelo
Decreto 5.209, de 17 de setembro de 2004. Trata-se da unificação de quatro
PTR – Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxilio-Gás e o Cartão Alimentação –
de grande porte e abrangência nacional, em um único Programa de
Transferência de Renda com Condicionalidades.
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência
direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema
pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria
(BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda
familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de
renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos.
O PBF integra a Política de Renda Mínima do Governo Federal,
sendo, aqui definido no âmbito da política de assistência social, especialmente
pelo seu caráter não contributivo e por se destinar ao público-alvo dessa
política. Segundo corrobora a Norma Operacional Básica (NOB/2005), que
disciplina a gestão da PNAS e normatiza o SUAS, a transferência de renda, no
Brasil, passa a integrar a rede socioassistencial a partir do desenvolvimento de
programas que objetivam o repasse de pecúlio aos beneficiários. Conforme
disposto na NOB, a proposição dos programas de transferência de renda é
garantir acesso à renda objetivando
o combate à fome, à pobreza e outras formas de privações de
direitos, que levem à situação de vulnerabilidade social, criando
possibilidades para a emancipação, o exercício da autonomia das
famílias e indivíduos atendidos e o desenvolvimento local
(MDS/SNAS/NOB/SUAS, 2005, p.21).
A gestão do PBF ocorre de maneira compartilhada, implicando
princípios da execução intersetorial e descentralizada, mediante a coordenação
de esforços dos três níveis de governo, com atribuições articuladas e
complementares estabelecidas na documentação de orientação do Programa,
observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social
(art. 8º da Lei 10.836/2003).
Os recursos são repassados diretamente aos beneficiários por meio
de cartão magnético bancário, fornecido pela Caixa Econômica Federal. Esta
90
tem a função de agente operador do Programa, mediante remuneração e
condições a serem pactuadas com o governo federal, obedecidas as
formalidades legais.
Conforme exposto no site do MDS, o PBF é considerado pelos seus
idealizadores uma inovação e uma evolução em relação aos PTR existentes no
Brasil, por se propor a:
1. Proteger o grupo familiar ao invés do individuo;
2. Aumentar o valor monetário do benefício em relação aos programas
remanescentes;
3. Aumentar significativamente o montante destinado a programas
dessa natureza, não sendo possível a redução do valor transferido
em relação ao benefício dos outros programas;
4. Exigir maior compromisso das famílias atendidas e
5. Permitir uma gestão que reduz substancialmente os sistemas
administrativos e de controle dos atuais programas, possibilitando
uma fiscalização mais eficiente, contribuindo para o combate a
eventuais fraudes.
O principal objetivo é contribuir para a superação da pobreza e
especialmente da extrema pobreza, baseando-se na articulação de três eixos:
1. Diminuição imediata da pobreza, por meio da transferência direta de renda;
2. Promoção do acesso das famílias aos serviços básicos nas áreas de saúde,
educação e assistência social, por meio das condicionalidades, contribuindo
para as famílias romperem o ciclo da pobreza entre gerações; 3. Inserção das
famílias beneficiadas em ações e programas complementares dos governos,
nas suas três esferas, e da sociedade para a superação da situação de
vulnerabilidade (Cartilha do Bolsa Família, 2011).
O primeiro eixo se propõe aliviar a pobreza e leva em consideração
a renda per capita familiar, a quantidade e a idade dos filhos. Segundo Silva et
al (2011), houve uma rigorosa redução do valor da renda per capita adotado
como parâmetro para a definição de uma linha de pobreza como critério de
acesso das famílias ao Programa Bolsa Família. Tal fato “pode significar
91
desvalorização crescente adotado para classificação da indigência e da
pobreza” (SILVA et al, 2011, p.144). A redução do valor da renda per capita
teve como objetivo aumentar o número das famílias beneficiadas e atender ao
“universo” das famílias miseráveis.
De qualquer forma, o que se observa comumente em todos os
programas de transferência de renda é o estabelecimento de uma linha de
pobreza baseada no princípio de menos elegibilidade, reduzindo a pobreza à
miséria ou à indigência, ou seja, à pobreza absoluta (PEREIRA, 1996).
É importante destacar que o Bolsa Família imputa o cumprimento de
condicionalidades ou contrapartidas que devem ser realizadas pelo grupo
familiar beneficiado. O seu descumprimento ocasiona efeitos gradativos que
vão desde a advertência da família, passando pelo bloqueio do benefício,
podendo chegar ao cancelamento se o descumprimento foi repetido em cinco
períodos consecutivos (MDS, 2011).
Segundo a Cartilha do Bolsa Família, esses são os compromissos
do beneficiário:
Crianças de até sete anos devem manter o calendário vacinal em dia;
Mulheres grávidas devem realizar consultas de pré-natal; Crianças e
adolescentes de seis anos a 15 anos devem ser matriculados na
escola e ter frequência mínima de 85% das aulas; Jovens de 16 e 17
anos devem ser matriculados na escola e ter frequência mínima de
75% das aulas (Cartilha do Bolsa Família, 2011, p.8 e 9)
Em relação a esses compromissos, perguntamos como efetivar os
direitos sociais básicos às famílias, quando o que se observa é uma atuação
estatal mínima, que gradativamente abre espaço para a iniciativa privada, e
para a implantação de políticas essenciais, como o caso da saúde e da
educação, às quais tem acesso um número restrito de pessoas com condições
de pagar pelo serviço (SILVA et al, 2011).
Os argumentos apresentados na Cartilha do Bolsa Família (2011)
para a exigência dessas condicionalidades destacam que funcionam como um
direito, no sentido de tornar possível o acesso às demais políticas sociais,
contribuindo para o aumento da autonomia das famílias e na possibilidade da
inclusão social destas, além de apresentar a ideia de romper com o caráter
92
assistencialista e clientelista que tem marcado a política de assistência social
no Brasil.
Ao analisar as legislações e manuais sobre o PBF, observamos que
não estão claras em seus conteúdos as orientações para que se concretize a
articulação desses programas com outras políticas sociais, especificamente
educação, saúde e trabalho.
De maneira geral, presenciamos a lógica perversa de cobrança da
família por um direito social e a prática de velhos critérios viciosos: menos
elegibilidade, uso de questionário, ou seja, comprovações rigorosas de
pobreza, bem como de obrigações por parte do beneficiário, o que vai
conformando a assistência social e, consequentemente, os programas de
transferência de renda em “armadilhas da pobreza” (PEREIRA, 2008). A
utilização desses critérios converte esses programas em ações seletivas e
restritas aos absolutamente pobres, deixando desamparadas consideráveis
parcelas de cidadãos vulneráveis à exclusão social.
Os Programas Complementares ao Programa Bolsa Família são
definidos como ações direcionadas às famílias beneficiárias do Programa, que
tem como objetivo o desenvolvimento de capacidades e a oferta de
oportunidades para auxiliar na superação da situação de vulnerabilidade social
(MDS/SENARC, 2009, p.4).
O
objetivo
é
potencializar
os efeitos proporcionados pelas
transferências de renda na redução das desigualdades, promovendo um salto
qualitativo que conduza as famílias de uma situação de redução da pobreza,
para a superação sustentada de qualquer forma de vulnerabilidade
(MDS/SENARC, 2009, p.4), porém, para que essa intencionalidade seja
materializada, faz-se necessário potencializar ações entre as políticas setoriais,
com ênfase na geração de emprego e de distribuição de renda.
As ações levam em consideração o perfil das famílias, suas
vulnerabilidades e potencialidades, buscando atender suas necessidades em
áreas como acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho e renda e melhoria
das condições habitacionais. Entre os programas articulados em nível federal,
93
podemos citar o Programa Brasil Alfabetizado (Alfabetização), o Próximo Passo
(qualificação profissional nas áreas da construção civil e turismo), o Programa
Nacional da Agricultura Familiar (desenvolvimento rural e fortalecimento da
agricultura familiar), o Programa Nacional de Microcrédito/Programa Crescer
(concessão de crédito orientado e acompanhado), Crediamigo e Agroamigo
(concessão de crédito orientado e acompanhado para população rural) e o
Programa Nacional de Acesso Técnico e Emprego – Pronatec (cursos do SESI
e SENAC de formação inicial e continuada para a inserção no mercado de
trabalho) (MDS/SENARC, 2009).
Estes programas as assentam numa vertente distinta representada
pela LOAS, e ganharam importância por serem vistas como
alternativa, e não como complementares, a uma política associada
aos objetivos de garantir os mínimos sociais (CARDOSO Jr. E
JACCOUD, 2005, p.228).
Em que pesem os avanços e os impactos positivos para os quais
tem sido reconhecida a importância dos PTR, devido à sua participação na
mudança de percentuais da população que vive em situação de pobreza
absoluta, a centralidade impressa às ações focalizadas de transferência de
renda para o combate à pobreza extrema provoca uma tensão específica no
campo da assistência social.
94
4. ANALISANDO O PROGRAMA BOLSA FAMILIA.
Com base no estudo realizado, é possível analisar a direção do
Programa Bolsa Família – PBF; ou seja: corrobora com as conquistas sociais
presentes na Constituição Federal de 1988 e a LOAS, fortalecendo a Política
de Assistência Social, ou é mais um instrumento das atuais orientações do
projeto neoliberal para ações assistencialistas (compensatórias) do Estado?
O Programa Bolsa Família, criado através da medida provisória nº
132/2003, transformado na Lei 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto
5.209/2004, é o principal Programa de Transferência de Renda do governo
federal. Tem por objetivos: combater a fome, a pobreza e as desigualdades por
meio da transferência de um benefício financeiro associado à garantia do
acesso aos direitos sociais básicos de saúde, educação, assistência social e
segurança alimentar; promover a inclusão social, contribuindo para a
emancipação das famílias beneficiárias, construindo meios e condições para
que elas possam sair da situação de vulnerabilidade em que se encontram
(BRASIL, 2006).
Entendemos aqui que o formato de uma dada política ou
programa social é “resultante de um complexo processo de intermediação de
interesses, representados sob as mais variadas formas organizacionais e com
diferentes graus de poder de influência na agenda governamental” (SENNA et
al, 2007, p.87). Expressa, desse modo, uma opção política construída sob
certas condições materiais, a partir dos embates e alianças forjadas por atores
sociais diversos com capacidades também distintas de interferência no
processo decisório de formulação de políticas públicas.
No Brasil, o tema da pobreza e destituição social vem assumindo
lugar de destaque na agenda pública nas últimas décadas, não só em face do
número alarmante de pobres como também pela centralidade adquirida pela
discussão em torno da capacidade estatal em promover maiores níveis de
equidade e justiça social.
A natureza e a direção desse tipo de programa social só podem ser
desvendadas, em sua plenitude, quando devidamente articuladas ao modelo
95
econômico vigente, em particular, à sua política econômica e aos seus
impactos sociais. Isto significa dizer que, para além de seus efeitos (reais)
amenizadores da extrema pobreza e da pobreza, considerar essa política
apenas em si mesma, fora dessa articulação, implica, necessariamente, em
reificá-la – tendo como resultado a despolitização do debate.
A avaliação do referido programa perpassa, essencialmente, pela
análise de seus fundamentos. Elencam-se duas possibilidades fundantes para
o Programa Bolsa Família: os direitos constitucionais ou as premissas liberais.
Nos direitos constitucionais regulamentados conforme a CF 88, a Assistência
Social é um direito constitutivo, junto à saúde e à previdência, da Seguridade
Social, cujos princípios de universalidade, qualidade, descentralização e a
responsabilidade do Estado em financiar e gerir as políticas sociais estão
assegurados. As premissas neoliberais apresentam-se como estratégia de
desmonte das políticas sociais enquanto direito social (cujos princípios
contrapõem-se aos conquistados na Constituição de 88 e na LOAS). Nessa
perspectiva, o direito passa a ser entendido como benefício e assim serve de
aporte para políticas clientelistas, focalizadas e precárias. O que antes era
dever do estado passa por um processo de privatização, re-mercantilização e
re-filantropização e a descentralização, projeto de autonomia dos municípios na
elaboração e gestão de políticas sociais de acordo com as particularidades de
cada um, ganha outra roupagem e a Lei de Responsabilidade Fiscal torna-se
carro chefe da municipalização (YASBEK, 1998).
Para
realizar
essa
análise
foram
elencados
os
seguintes
indicadores: Investimento em políticas sociais; Focalização x Universalidade;
Condicionalidades; Clientelismo: política pública e uso eleitoral; Há respostas
às condições de pobreza?; O olhar na família e na mulher; Descentralização e
a Intersetorialidade; Ações complementares. Tais elementos foram elencados a
partir de nossas leituras.
A- Investimento em políticas sociais
A alocação de recursos para as políticas sociais, mais específico
para a seguridade social, tende a ser segundo Soares (2000 apud BEHRING
96
&BOSCHETTI, 2009, p.164) “pró-cíclico e regressivo”, ao invés de se constituir
como anticíclico, que conforme Behring et al (2009) “permite apenas a
existência de mecanismos compensatórios que não alteram profundamente a
estrutura das desigualdades sociais” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.164).
Com poucos investimentos, há a tendência de cair a qualidade das políticas
sociais, impossibilitando a implementação de políticas universais.
O PBF unificou pequenos programas de repasse de renda, com isso
ampliou as fontes de recursos, podendo ter participação do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação – Ministério da Educação, do Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, dotações do Ministério da Saúde,
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE e dotações do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS (BRASIL,
2006). No seu documento oficial, o referido Programa apresenta como objetivo
a promoção de segurança alimentar; de saúde; a erradicação do trabalho
infantil e da evasão escolar, justificando esses recursos de várias áreas.
As intervenções pontuais que alteram direta e indiretamente os
índices estatísticos, como o caso da educação e da saúde, podem ser
traduzidas em resultados positivos. Quando isso acontece, elementos centrais,
a serem contemplados nas políticas sociais perdem a sua importância. No caso
do programa em pauta, os problemas vinculados à educação e ao trabalho
infantil aparentemente estão resolvidos com a freqüência escolar; a promoção
da saúde é controlada pelo cartão de vacinação das crianças e a segurança
alimentar é provida por ações educativas oferecidas pelos governos federal,
estaduais e municipais (CARTILHA DO BOLSA FAMILIA, 2011).
Contudo, essas ações mascaram os verdadeiros quadros sociais, na
medida em que negligenciam questões referentes aos debates sobre a
qualidade do ensino (o número de escolas por habitante, a quantidade e a
qualidade dos professores, etc.), as condições dos sistemas públicos de
oferecer eficaz tratamento de doenças e promoção da saúde (redes de
saneamento básico, número de postos de saúde e a qualidade do atendimento
oferecido na rede pública de saúde), e a implementação da segurança
alimentar (que é pensada através de medidas paliativas, como aproveitamento
97
de resto de alimentos, e que transforma em dispensável a discussão sobre a
concentração de renda, por exemplo) (SILVA, 2007).
Essas
características
respostas
das
políticas
focalizadas
neoliberais;
e
pontuais
atendem
são
umas
superficialmente
das
às
demandas sociais, mas alteram os índices estatísticos. Os investimentos em
políticas sociais são cada vez menores e cada vez menos universais, contudo,
a alteração positiva dos índices sociais indica êxito, o que reforça a ideia de
“melhoria por baixo custo”, legitimando, assim, a inversa proporcionalidade de
investimentos na economia e no social, ou seja, a liberação de recursos para o
capital privado, algo que leva à redução de investimento público em políticas
sociais.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA32, os
investimentos em políticas sociais do governo estão diretamente relacionados
ao aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e são alavancas para o crescimento
com distribuição de renda, foi o que revelou o estudo publicado em fevereiro de
2011. Em seu Comunicado nº 75, o IPEA destacou a importância que os
gastos sociais adquiriram no Brasil para o crescimento da economia e a
redução das desigualdades. Segundo o estudo – que usou como base dados o
ano de 2006 – cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o
PIB, e o mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70. Foram considerados os
gastos públicos assumidos pela União, pelos estados e municípios.
Ao comparar tipos diferentes de gasto social, a publicação concluiu
que aquele destinado à educação é o que mais contribui para o crescimento do
PIB, levando em conta a quantidade de atores envolvidos nesse setor e os
efeitos da educação sobre setores-chave da economia.
Mesmo diante de estudos como esse, o Orçamento Federal para
2013 tem um percentual de acréscimo maior para a Assistência Social do que
para a Educação.
32
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é uma fundação pública federal vinculada à
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Suas atividades de pesquisa fornecem
suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas
públicas e programas de desenvolvimento brasileiros (www.ipea.gov.br)
98
O orçamento para a Saúde subiu 10,7%, de R$ 71,7 bilhões para R$
79,3 bilhões. O orçamento da Educação entre custeio e investimentos será
14,4% maior do que foi neste ano. Subirá de R$ 33,3 bilhões para R$ 38,1
bilhões. Já o plano Brasil Sem Miséria, uma bandeira de campanha da
presidenta Dilma Rousseff para acabar com a miséria absoluta no País terá um
orçamento de R$ 29,9 bilhões, sendo R$ 23,18 bilhões destinado para atender
13,8 milhões de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (BRASIL,
2012).
A sustentação financeira com ampliação e universalização dos
direitos, assim, como a consolidação da seguridade social, e da política social
brasileira dependem
da reestruturação do modelo econômico, com investimentos no
crescimento da economia, geração de empregos estáveis com
carteira de trabalho, fortalecimento das relações formais de trabalho,
redução do desemprego, forte combate à precarização,
transformação das relações de trabalho flexibilizadas em relações de
trabalho estáveis, o que, consequentemente, produzirá ampliação de
contribuições e das receitas da seguridade social e, sobretudo,
acesso aos direitos sociais (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p.172173).
B – Focalização x Universalidade
Segundo Pontes (2004), o Programa Bolsa Família "é a tensão entre
as polaridades estrutural-emergencial; universalização-focalização" (PONTES,
2004, p.44) que se apresentam nas bases das ações da maioria dos
programas sociais. Segundo este autor, o discurso dessa tensão baseia-se no
argumento da escassez dos recursos, o que justificaria a elegibilidade dos mais
pobres (PONTES, 2004, p. 44). Esse discurso é perverso e enganoso, pois
desvia a análise das políticas sociais das questões estruturais de uma
sociedade excludente, legitimando a exclusão:
É neste momento que o discurso monetarista e suas conhecidas
práticas saneadoras fazem um enorme dano as políticas sociais,
porque são entendidas como „complementares‟ a política econômica,
drenando-se valiosos montantes de recursos para o pagamento da
dívida externa. [...] Assim que o focalismo do PBF pode lembrar o
nítido focalismo „emergencial‟ utilizado pelo “Comunidade Solidária”
do governo FHC (PONTES, 2004, p.44).
99
Lideram o grupo dos defensores das políticas focalizadas, as
organizações internacionais: Cepal (Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe), Banco Mundial, Banco Intermericano de Desenvolvimento
(BID), Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e
o Fundo Mundial Internacional (FMI). Estas defendem concepções de pobreza
limitadas ao corte de renda, através das chamadas linhas de pobreza.
A concepção de focalização que fundamenta a reflexão aqui
desenvolvida
compreende,
em
sentido
geral,
focalização
como
o
"direcionamento de recursos e programas para determinados grupos
populacionais, considerados vulneráveis no conjunto da sociedade"(SILVA,
2010, p.63). Há que se considerar que a concepção de focalização no contexto
das reformas dos programas sociais na América Latina tem sido orientada pelo
ideário neoliberal, significando medidas meramente compensatórias aos efeitos
do ajuste estrutural sobre as populações vulneráveis, marcando assim, a
interrupção de uma luta em prol da construção da universalização de direitos
sociais com ações universais (SILVA, 2011).
A universalização de políticas sociais é entendida “como um
processo de extensão de bens e serviços considerados essenciais”. No sentido
da ótica neoliberal, a universalização se contrapõe à focalização que direciona
bens e serviços a determinados segmentos da sociedade, previamente
definidos, com maior ênfase a população pobre e extremamente pobre, o que
significa, “a desestruturação de grandes políticas universais” (SILVA, 2010, p.
64).
Estudos sobre o Programa Bolsa Família evidenciam elevado poder
de focalização desse Programa (SOARES et al, 2007; PNAD, 2006). Refletindo
a focalização que orienta o PBF, consideramos “como mais problemático os
critérios de elegibilidade” (SILVA, 2007, p. 9) utilizados para a inclusão das
famílias, além da centralidade na renda para classificar famílias pobres e
extremamente pobres no conjunto de indicadores da Cepal e da Organização
Mundial da Saúde - OMS, o limite de renda indicado para inclusão dessas
famílias é muito baixo, e tende a impossibilitar a inclusão de famílias que,
apesar de situadas em uma faixa de renda um pouco acima do valor definido
100
também estão em situação de pobreza. Entendemos que “o critério único da
renda para dimensionar a pobreza é insuficiente para perceber a pobreza
enquanto fenômeno complexo e multidimensional” (SILVA, 2007, p. 14)
A linha de pobreza é estabelecida a partir da renda familiar, cujo
valor é de, no máximo, R$ 140,00 per capita. O Programa tem como população
alvo dois grupos. O primeiro, pertencem as famílias com renda per capita
abaixo de R$ 70,00 – consideradas extremamente pobre –para as quais é
concedido o benefício mensal fixo de R$ 70,00, mais o benefício variável de R$
32,00, podendo receber até cinco benefícios. O segundo grupo, estão as
famílias com renda per capita entre R$ 70,01 até R$ 140,00, que tem direito ao
benefício variável de R$ 32,00, podendo receber até cinco benefícios.
A ênfase em políticas de transferência de renda focalizadas na
pobreza absoluta33 pode interferir no avanço empreendido para transformar a
assistência social em elemento integrante das políticas sociais de caráter
universal, e da seguridade social, isto porque a LOAS prevê a Assistência
Social como direito do cidadão e dever do Estado, que deve prover os mínimos
sociais a quem dela necessitar.
Propor mínimos sociais é estabelecer o patamar de cobertura de
riscos e de garantias que uma sociedade quer garantir a todos seus
cidadãos. Trata-se de definir o padrão societário de civilidade. Neste
sentido ele é universal e incompatível com a seletividade ou
focalismo. (SPOSATI,1997, p. 10).
Pereira (2008) ao se referir ao primeiro artigo da LOAS, situa uma
controvérsia quanto à provisão de mínimos e às necessidades básicas a serem
satisfeitas. Segundo a autora, embora os termos mínimos e básicos pareçam
ser equivalentes, no plano político-decisório constitui uma temeridade; sendo
necessário, portanto, esclarecer os termos prescritos na Lei. A autora ainda
sugere a utilização do termo básico ao invés de mínimos, pois segundo a sua
defesa mínimos e básicos são conceitos diferentes, sendo o primeiro
33
Segundo a Declaração das Nações Unidas emitido na Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento
Social, em 1995, a pobreza absoluta é "uma condição caracterizada por uma grave privação de
necessidades humanas básicas, como alimentos, água potável, instalações sanitárias, saúde, residência,
educação e informação. Isto depende não só do rendimento, mas também do acesso aos serviços"
(www.onu.org)
101
identificado com menos, menor, “(...) identificados com patamares de
satisfação de necessidades que beiram a desproteção social (...)”. Já o
segundo conceito, preconiza algo fundamental, primordial “(...) básico que na
LOAS qualifica as necessidades a serem satisfeitas (necessidades básicas)
constitui o pré-requisito ou as condições prévias suficientes para o exercício da
cidadania(...)” (PEREIRA, 2008, p.26).
Embora a LOAS prescreva os mínimos sociais como sendo
abrangentes, como direito de todos os cidadãos, não se referindo apenas as
condições de sobrevivência dos indivíduos, na realidade isso não ocorre. O que
temos são mínimos sociais de acordo com sua própria nomenclatura, que já se
faz mínimo e menor, garantidos por uma proteção social fragmentada, seletiva,
focalista.
C – Condicionalidades
O Programa Bolsa Família exige uma contrapartida de seus
beneficiários. Segundo a Lei nº 10.836, a continuidade do acesso à
transferência de renda “dependerá do cumprimento, no que couber, de
condicionalidades
relativas
ao
exame
pré-natal,
ao
acompanhamento
nutricional, ao acompanhamento de saúde, à freqüência escolar de 85%
(oitenta e cinco por cento) para crianças e 75% para adolescentes em
estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em
regulamento.” (artigo 3º). O Decreto nº 5.209, que regulamenta a Lei que cria o
Programa Bolsa Família, considera “a participação efetiva das famílias no
processo educacional e nos programas de saúde que promovam a melhoria
das condições de vida na perspectiva da inclusão social.” (artigo 27). Ao passo
que “cabe aos diversos níveis de governo a garantia do direito de acesso pleno
aos serviços educacionais e de saúde, que viabilizem o cumprimento das
condicionalidades por parte das famílias beneficiárias do Programa” (artigo
27,parágrafo único). O mesmo decreto especifica que são responsáveis pelo
acompanhamento e fiscalização do cumprimento das condicionalidades:
I. O Ministério da Saúde, no que diz respeito ao acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento infantil, da assistência ao pré-natal e
ao puerpério, da vacinação, bem como da vigilância alimentar e
nutricional de crianças menores de sete anos;
102
II. O Ministério da Educação, no que diz respeito à freqüência
mínima de oitenta e cinco por cento da carga horária escolar mensal,
em estabelecimento de ensino regular, de crianças e adolescentes de
seis a quinze anos.
§1º Compete ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome o apoio, a articulação intersetorial e a supervisão das ações
governamentais para o cumprimento das condicionalidades do
Programa Bolsa Família, bem assim a disponibilização da base
atualizada do Cadastramento Único do Governo Federal aos
Ministérios da Educação e da Saúde. (artigo 28)
As
diretrizes
e
normas
para
o
acompanhamento
das
condicionalidades devem ser disciplinadas em atos administrativos dos três
ministérios envolvidos. Os Estados, Distrito Federal e Municípios, seguindo as
orientações dos Ministérios, também deverão acompanhar e fiscalizar as
condicionalidades.
O conteúdo e praticidade das condicionalidades merecem destaque;
vale, sobretudo, levantar alguns questionamentos:
• A população, ou o público-alvo têm acesso aos centros de saúde e
às escolas? Esse acesso é fácil? Eficiente?
• A educação alimentar e o acompanhamento do estado nutricional
são, de fato, eficazes na manutenção da saúde? A renda destinada
às famílias é suficiente para a composição de um cardápio suficiente
para satisfazer as necessidades básicas? Todos os municípios
brasileiros gozam de saneamento básico?
• Existem profissionais capacitados e orientados em todos os
municípios para debaterem temas como a educação alimentar? Os
profissionais
de
saúde
estão
disponíveis
para
fazer
o
acompanhamento periódico dos participantes do programa?
• E quem não recebe ainda o benefício, ou nunca vai receber porque
não se enquadra no perfil, vai ficar de fora? Não será atendido?
As
condicionalidades
existentes
vinculam-se
basicamente
à
matrícula escolar mantendo a frequência em dias e à vacinação infantil. Essas
condicionalidades, na verdade, são obrigatoriedades que repercutem nos
103
resultados e índices mundiais. Os cálculos do IDH 34 referentes à escolaridade
consideram apenas a relação numérica de matrículas realizadas, sem levar em
conta as condições e permanências das crianças na escola. Essas medidas
vêm elevando os índices sociais, o Brasil ocupa a posição 84ª do ranking do
IDH dentro de um grupo de 187 países, segundo uma pesquisa publicada pela
Organização Mundial das Nações Unidas – a ONU em 2011 (fonte:
www.onu.org.br).
Os problemas sociais e a inoperância do Estado em resolvê-los são
marcados pelos programas sociais, o que pode interferir nos índices
estatísticos. O IDH é uma fonte importante, enquanto indicador social, cujos
valores numéricos são privilegiados. Contudo, políticas como o Programa Bolsa
Família podem influir estatisticamente na realidade, porque, além de alterar a
renda, também mascaram a qualidade do acesso à escolaridade; esse é um
dos fatores que mais sofre alteração, visto que para participar e permanecer no
programa os dependentes menores de 18 anos tem que estar matriculados e
frequentando regularmente o ensino regular. Assim, há alteração em índices
como alfabetização, evasão escolar e índice de escolaridade do país. Vale
ressaltar que os problemas sociais resolvidos assim podem indicar somente as
mudanças nos índices, podendo ser usado para justificar a redução de
investimento sem políticas sociais e a ampliação de investimento em políticas
econômicas neoliberais.
Segundo
Silva
(2011),
as condicionalidades definidas pelos
Programas de Transferência de Renda, instituídas por municípios, estados e
pelo governo federal e reafirmadas pelo PBF pretendem garantir acesso a
direitos sociais básicos no sentido de potencializar impactos positivos sobre a
autonomização das famílias atendidas. Mesmo assim, apresentam problemas e
desafios a serem considerados. Primeiro, ferem o princípio da não
condicionalidade peculiar ao direito de todo cidadão a ter acesso ao trabalho e
34
IDH é medido a partir de indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade
(esperança de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). O índice varia de 0 (nenhum desenvolvimento
humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Regiões com IDH até 0, 499 têm desenvolvimento
humano considerado baixo; aquelas com índices entre 0, 500 e 0, 799 são consideradas de médio
desenvolvimento humano; regiões com IDH maior que 0,800 têm desenvolvimento humano
considerado alto.
104
a programas sociais que lhe garantam uma vida com dignidade; segundo, os
serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos municípios
brasileiros, mesmo no campo da educação, da saúde e do trabalho são
insuficientes, quantitativa e qualitativamente, para atender às necessidades das
famílias beneficiárias dos Programas de Transferência de Renda. Nesse
sentido, as condicionalidades deveriam ser impostas ao Estado, nos seus três
níveis e não às famílias, visto que implicam e demandam a expansão e a
democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade, que uma vez
disponíveis seriam utilizados por todos, sem necessidade de imposição e
obrigatoriedade. Silva (2006) afirma, que o que poderiam ser desenvolvidos
seriam ações educativas, de orientação, encaminhamento e acompanhamento
das famílias para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim,
segundo a autora, as condicionalidades, ao contrário de restrições, imposições
ou obrigatoriedades, significariam ampliação de direitos sociais (SILVA, 1997).
Soares (2004) chama a atenção para a gravidade da ideia de
condicionalidades, que cria critérios generalizados de seleção, comprovação da
pobreza e condições para o acesso aos programas sociais:
os pobres passam a ser objeto focalizado de programas sociais que
adotam como estratégia de „inclusão‟ as linhas de pobreza ou de
indigência, cujos valores monetários separam os „pobres‟ dos
supostamente „não pobres‟. Esses programas terminam por excluir
vastos setores, igualmente precarizados em suas condições de
trabalho e de vida, por estarem „acima da linha‟.
Além da
comprovação da pobreza, os candidatos aos programas têm que se
comprometer com uma série de „condicionalidades‟ que deixam de
constituir-se em direitos universais (como o acesso à escola e aos
serviços de saúde), mas em “obrigações” (SOARES, 2004, p.5-6).
Segundo Pontes (2004), é muito comum nos programas sociais a
existência de "critérios e contrapartidas, nítidas violações da liberdade
individual em nome da educação social" (PONTES, 2004, p. 45).
Caso as condicionalidades não sejam cumpridas, a família recebe
uma carta de advertência. O poder público local envia um assistente social até
a família para detectar as causas do descumprimento e, se for necessário,
algum encaminhamento para a rede socioassistencial. Caso o descumprimento
persista, segue-se uma série decrescente de bloqueios dos benefícios, duas
interrupções dos benefícios (a cada 60 dias sem pagamento suplementar) e,
105
finalmente, se procede, a exclusão do Programa Bolsa Família. Este
procedimento demora cerca de um ano.
Entretanto, é importante destacar que essas condicionalidades
precisam ser mais bem discutidas para que elas não sejam conflitantes com a
perspectiva dos direitos. Nesse sentido, os resultados das condicionalidades
podem ser considerados controversos. Para alguns,
o direito de acesso a condições necessárias à sobrevivência deve ser
um direito incondicional. Por outro lado, o acesso à educação e a
medidas de atendimento básico à saúde são também direitos
fundamentais que devem ser garantidos a todo cidadão (SILVA,
2010, p. 129)
Essa questão é discutida por Silva et al (2011), quando ela afirma
que as condicionalidades nos programas de transferência de renda são dever
do Estado, nos três âmbitos, em que devem expandir e democratizar os
serviços básicos e de boa qualidade, disponibilizando-os para toda a
população.
Contudo, a crítica às condicionalidades, mais do que discutir se
estão corretas ou não, se são aplicáveis ou não, deve apresentar-se em um
tema fundamental que é a qualidade dos serviços públicos prestados à
população que possuem direta vinculação com o cumprimento daquelas, ou
seja, a educação e a saúde.
D – Clientelismo: política pública e uso eleitoral
De acordo com Druck e Filgueiras (2007) o distanciamento das
políticas sociais da concepção de direito conquistado e garantido por lei e a sua
vinculação com a prática da ajuda, possibilita seu uso eleitoral ou clientelista
por governos, principalmente das prefeituras, além de governos estaduais e
federal, mediante a “concessão” dos “benefícios”, com a contraproposta
arrecadação de votos. Além da sujeição ao patrimonialismo; assegurando o
caráter assistencialista.
Dois pontos, no mínimo, podem e merecem ser abordados e
problematizados:
106
1- A política social governamental assume um caráter de política
pessoal, quem promove o Programa Bolsa Família não é o Estado, e sim o
Governo
Federal
personificado:
Lula/Dilma.
E
assim,
as
propostas
governamentais implantadas como ações pessoais são uma das estratégias
que desvinculam a política social como direito e pode levar à promoção
nominal de um governante ou representante do governo. Para o projeto
neoliberal este fato se torna apropriado, pois as análises da população
circundam sobre os políticos e não sobre a política.
Do ponto de vista político, de acordo com Marques e Mendes (2006),
a implementação do Programa Bolsa Família permitiu que o governo Lula
estabelecesse fortes vínculos com a população por ele beneficiada, direta ou
indiretamente, o que explica sua alta popularidade em várias regiões do país.
Se, por um lado, não há como negar que a população mais pobre está
atualmente em melhores condições do que antes, por outro cabe destacar a
provisoriedade do Programa, na medida em que as prestações pecuniárias não
constituem um direito e ele pode ser alterado conforme as mudanças políticas.
Em outras palavras, trata-se de um programa de governo.
Marques e Mendes (2006), ainda, afirmam que a relação política
estabelecida é direta – presidente/eleitor –, sem mediação de partidos ou
outras instituições da democracia formal, uma das características de todos os
tipos de populismo. Não por acaso, as maiores votações em Lula foram nos
estados em que há, absoluta ou proporcionalmente, um maior contingente de
beneficiados do Programa Bolsa Família.
Não acredito que tenha alguém que ame o povo brasileiro mais do
que eu (Frase do ex-presidente Lula, em comício em Salvador – Ba,
para a campanha eleitoral de 2012; Jornal Diário do Nordeste, 25 de
outubro de 2012).
2- A ampliação da cobertura, em 2006, de 2, 3 milhões de famílias
no Programa Bolsa Família, perto do período eleitoral, é uma forma de
promoção do governo que foi usada na campanha de reeleição do presidente
Lula.
Em outras reportagens os títulos são: Eleição fez governo antecipar
gastos com Bolsa Família (Jornal “O Globo”, 30 de junho de 2006, Coluna O
107
País, página 4) e Correios vão entregar Cartões do Bolsa Família, faltando
quatro meses para a eleição, o governo Lula gastará o equivalente a 31
milhões de reais. (Jornal “O Globo”, 11 de junho de 2006, Coluna O País,
página 11).
Algo similar aconteceu em maio do ano corrente, quando a
presidenta Dilma Rousseff, no segundo domingo de maio – dia das mães,
lançou o Brasil Carinhoso35.
E – Há respostas às condições de pobreza?
Orientada por estudos de Silva (2001, 2003, 2005), compreendemos
que o desenvolvimento da Política Social brasileira tem um conjunto amplo e
variado, porém, descontínuo e insuficiente, de programas sociais direcionados
para a população mais empobrecida, que vem se modificando a partir dos anos
2000.
No processo de construção de políticas públicas para enfrentamento
da pobreza no Brasil, desde 2004 temos o Programa Bolsa Família e muitos
estudos tem procurado dimensionar o impacto do PBF, evidenciando uma
significativa e contínua diminuição da pobreza e da desigualdade desde então.
Segundo informações acessadas no site do MDS 36, a ministra
Tereza Campello avaliou que houve uma queda da desigualdade e o maior
crescimento da renda entre os mais pobres, foram os principais resultados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2011.
Essa pesquisa aponta que a renda dos 10% mais pobres da
população aumentou 29,2%. De modo geral, houve redução no crescimento do
rendimento conforme o valor da renda aumentava. Com isso, o Índice de Gini
para os rendimentos de trabalho recuou de 0,518 em 2009 para 0,501
em 2011 (quanto mais próximo de zero, menor é a concentração de renda). “A
35
O novo programa do Governo Federal chamado de Brasil Carinhoso, que tem o objetivo central de
beneficiar em torno de 2 milhões de famílias que tenham crianças de até 15 anos em sua formação.
O programa Brasil Carinhoso integra o Bolsa Família, e visa atender famílias que se encontram em
extrema pobreza, que chegam a somar 50% do total de pessoas que se encontram nessa situação de
extrema pobreza, cuja renda mensal geralmente é inferior a R$ 70,00 reais(www.mds.gov.br)
36
Acesso no mês de novembro de 2012; www.mds.gov.br.
108
desigualdade de renda entre ricos e pobres tem diminuído de forma sistemática
na última década e, com ela, as desigualdades regionais”, apontou a ministra.
A ministra ressaltou que os resultados da PNAD são do ano
passado. “Hoje, podemos afirmar com certeza que os dados de 2012 já são
melhores.” Somente com o Brasil Carinhoso foi possível reduzir em 40% a
extrema pobreza no país. Entre as crianças de até 6 anos, o impacto foi
ainda maior: 62% saíram da miséria. “O Brasil mostra ao mundo que é possível
crescer e incluir ao mesmo tempo e que a inclusão dos mais pobres contribui
para o crescimento do país.”
De acordo com a ministra, um dos principais feitos do Bolsa Família
foi garantir "que as famílias tivessem comida três vezes por dia". Mas o impacto
do programa foi, além disso, ao contribuir para redução da desigualdade social
no período de 2001 a 2011, conforme estudo feito pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – IPEA, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD.
O Brasil ainda é um dos 12 países mais desiguais do mundo, mas
chegou a 2011 ao menor nível de desigualdade de renda medido pelo índice de
Gini desde os registros nacionais iniciados em 1960. O trabalho do IPEA,
detalhado por seu presidente, Marcelo Cortês Neri (2012), coloca o Bolsa
Família como um dos principais responsáveis pela redução da desigualdade. O
fator mais importante foi o trabalho, que contribuiu com 58% da redução da
desigualdade. Depois vem a Previdência, com 19%; o Programa Bolsa Família,
com 13%; os benefícios de prestação continuada, com 4% e outras rendas,
como aluguéis e juros, com 6%. Segundo o estudo, sem as políticas
redistributivas patrocinadas pelo Estado, a desigualdade teria caído 36%
menos na década.
A pesquisa realizada pelo IPEA (IPEA, 2010)37 sobre pobreza,
desigualdade de renda e políticas públicas no mundo e no Brasil nos anos
37
A pesquisa tem como principais fontes de dados, para as informações internacionais: Nações Unidas
(Banco Mundial e World IncomeInequalityDatabas - WILD) e nacionais, a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios do IBGE e dados dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão (Sigplan) e da
Fazenda (Siafi) (www.ipea.gov.br).
109
recentes aponta como causas da diminuição consistente da pobreza e da
desigualdade uma combinação de fatores: continuidade da estabilidade
monetária, a maior expansão econômica e o reforço das políticas públicas, com
destaque à elevação real do salário mínimo, a ampliação do crédito
popular,reformulação e alargamento dos programas de transferência de renda
aos extratos de menor rendimento.
O estudo considera que o Brasil se destaca no cenário mundial,
apesar de não ser um país que tenha registrado o mais rápido decréscimo das
taxas de pobreza e de desigualdade de renda até 2005, por vir conseguindo
diminuir, ao mesmo tempo, ambas as taxas, observando-se maior redução da
pobreza do que da desigualdade. Assim, mantida a tendência, o Brasil pode
superar a pobreza absoluta; reduzir para 4% a taxa nacional de pobreza e o
Índice de Gini poderá ficar em 0,488 até 2016, colocando o Brasil no patamar
dos países desenvolvidos (IPEA, 2010).
Apesar de todas essas pesquisas, tendo a renda como indicador de
maior relevância para medir a pobreza, é necessário olhá-la “como um
fenômeno de natureza complexa, [...] o acesso a políticas públicas como
educação, saúde, habitação, saneamento, moradia são exemplos de
indicadores que influenciam os diferentes níveis de pobreza” (PEIXOTO, 2011,
p. 3)
Para o enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais, o
Brasil é orientado pelo Banco Mundial para que os gastos sociais sejam
focalizados nos mais pobres. No entanto,
dada a primazia do desenvolvimento econômico via mercado, sendo
o desenvolvimento social uma consequência do primeiro, a
focalização das políticas sociais mais pobres, através da
transferência direta de renda, não visa as necessidades dos sujeitos,
mas o fortalecimento do consumo, portanto, do mercado (PEIXOTO,
2011, p. 13).
Segundo Mota (2010), o programa de transferência de renda tem
elevado o acesso de bens e serviços, como: geladeira, fogão, televisão.
Entretanto, o acesso a infra-estrutura (abastecimento de água; coleta de lixo;
iluminação pública, saneamento básico) mesmo tendo aumentado, ainda não é
110
suficiente, pois como mostra a PNAD 2011, ainda temos 47,8% de brasileiros
sem saneamento básico.
Segundo Peixoto (2011), para que se garanta uma rede de serviços
apropriada, levando em consideração as necessidades heterogêneas do
público-alvo e dos territórios brasileiros, se faz necessário tomar providências
que interajam políticas focalizadas de transferência de renda com políticas
públicas estruturais e universais, sustentadas na dimensão do direito.
Entendemos a partir dos dados relacionados acima, que é real a
diminuição da pobreza, considerando a renda per capita do PBF. Contudo, o
maior desafio seja o aumento de investimentos em políticas sociais de caráter
estrutural (educação, saúde, habitação, saneamento básico) para que de fato
sejam efetivadas todas as propostas que o Programa Bolsa Família traz para a
diminuição da pobreza e da extrema pobreza.
F – O olhar na família e na mulher
Dentro da esfera da proteção social, a família garantiu a centralidade
nas políticas sociais, em que a
identificação das mulheres com a família, dada a naturalização dos
papéis de gênero, permitiu que Estado, mercado e sociedade
construíssem alianças que, muitas vezes, reforçam o lugar das
mulheres como responsáveis diretas pelo bem estar familiar
(PEIXOTO, 2010, p,143).
A unificação proposta com a instituição do Programa Bolsa Família,
conforme seus idealizadores, deve estar voltada para melhor focalização nas
famílias vulneráveis. O foco deve ser a família pobre, que constitui a unidade
de atenção e não mais o indivíduo visto isoladamente. Considerada como
unidade básica de atendimento - pela lei que criou o Bolsa Família – a família é
entendida, para fins de destinação do Programa como:
a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que
com ela possuam laços de parentesco ou afinidade, que formem um
grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela
contribuição dos seus membros. (BRASIL, 2004, p. 1).
A proposta do Programa é, portanto
111
dar proteção integral a todo o grupo familiar, e não apenas a alguns
de seus membros. Adianta muito pouco dar apoio a um membro da
família sem levar em consideração os demais. Assim, o Bolsa Família
considera todo o grupo familiar e, junto com os recursos financeiros
para a complementação da renda, vai estimular as famílias
beneficiadas a frequentar e utilizar os serviços da rede pública de
saúde, de educação e da assistência social, oferecendo apoio e
oportunidades a todos os seus membros. (BRASIL, 2004, p. 4).
Entendo que a concepção de família a ser considerada nos
programas sociais deve ser aquela que a compreenda como uma instituição
histórica e, portanto, dinâmica, situada no contexto socioeconômico de sua
época, assumida como instituição que pode ostentar diversas formas de
organização no decorrer do processo histórico. Portanto, qualquer programa
social direcionado para a família deve levar em conta essa diversidade de
composições dos grupos familiares, se pretende alcançar as famílias
brasileiras, como parece apontar a concepção de família definida no desenho
do Programa Bolsa Família.
Num esforço para compreender as razões pelas quais ocorre a
retomada da família como prioridade de intervenção nas duas últimas décadas,
Carvalho (1997) argumenta que a abordagem sobre o tema família adquire
novas especificidades em razão do reconhecimento de uma inequívoca
situação de desemprego estrutural que afeta a já frágil capacidade das famílias
enfrentarem os desafios de reprodução social de seus membros. Nesse
sentido, são grandes as expectativas de se alcançar melhores resultados a
partir da implementação de programas e políticas que considerem a família
como sujeito importante no processo de proteção social. Dissemina-se, então,
a ideia de que os programas sociais tem maior possibilidade de otimizar
recursos quando passam a focar a família em vez do indivíduo. Como defende
Draibe (1997), a decisão de se tomar a família como unidade de intervenção
está respaldada no argumento de que as políticas de proteção à família teriam
maior potencial de impactar as condições de vida da população pobre.
A inclusão das famílias no Programa Bolsa Família ocorre mediante
a análise de suas rendas declaradas ao Cadastro Único para programas
sociais do Governo Federal e ao serem beneficiadas, as famílias passam a
receber o valor estabelecido através de um cartão magnético. O benefício é
112
sacado em estabelecimentos bancários ou casas lotéricas e, em geral, a titular
do cartão é a mulher, de acordo com o § 14 da Lei 10.836/0438. A definição,
pelo Governo, da mulher ser a representante prioritária da família remete
necessariamente ao campo das relações de gênero, posto que tal
consideração possa ocorrer em virtude da experiência feminina em lidar
historicamente com o cotidiano doméstico – embora na contemporaneidade
assista-se não raro, a alterações de papéis entre homem e mulher no contexto
da família - e por isso pressupõe possuir ela maior desenvoltura para „resolver‟
questões relativas ao lar (AZEREDO, 2010). Além da condição de mulher,
sempre associada ao papel de mãe, cuja responsabilidade no cuidado com os
filhos parece uma imposição da ordem da natureza, limita as oportunidades de
construção de outros marcadores identitários necessários à ordem civilizatória
(AZEREDO, 2010).
Porém, é importante salientar que
a valorização social da maternidade tem sido um dos fenômenos que,
historicamente, tem garantido a naturalização dos papéis
desempenhados pelas mulheres, na sociedade. As mudanças na
condição feminina, no interior das famílias, não foram suficientes para
deslocar o lugar das mulheres como as principais responsáveis pela
educação dos filhos (PEIXOTO, 2010, p.66)
As questões que se colocam são: o fato de a mulher ter acesso ao
benefício ser porta-voz da família junto ao Programa, altera as relações de
gênero circunscritas no âmbito familiar? E ainda, o lugar ocupado pela mulher
no Programa tem significado uma forma de contribuição em direção ao
empoderamento feminino?
O Programa Bolsa Família,
carrega em seu próprio nome a marca desse lugar de destaque que a
família ocupa, seja como esfera de provisão do bem-estar de seus
membros, seja como um dos pilares de sustentação do Programa,
uma vez que as condicionalidades e os recursos serão administrados
no interior da família (PEIXOTO, 2010, p. 148-149).
38
§ 14. O pagamento dos benefícios previstos nesta Lei será feito preferencialmente à mulher, na forma
do regulamento.
113
Porém, segundo a mesma autora, na esfera desse Programa e das
políticas sociais, não há qualquer concepção universalista e idealizadora
acerca da família.
G – Descentralização e a Intersetorialidade
Desde 1980 foi introduzida na agenda pública a descentralização
enquanto “condição fundamental para a democratização e controle social
desses programas” (SILVA et al, 2011, p. 212). Esse princípio é mencionado na
Constituição de 1988 e tornou-se hegemônico ao ser incorporado pelo ideário
neoliberal na década de 1990 (SILVA et al, 2011).
Para os neoliberais, descentralização significa muito mais
uma possibilidade de transferência de responsabilidade da esfera do
Governo Federal para os municípios, nem sempre acompanhada dos
recursos necessários, ou transferência de responsabilidades para a
sociedade, sob justificativa de parcerias (SILVA et al, 2011, p. 213).
Sobre o Programa Bolsa Família, no entendimento de seus
idealizadores, sua unificação representa uma evolução dos Programas de
Transferência de Renda por incluir a perspectiva da responsabilidade
partilhada entre a União, estados e municípios num único programa,
representando um passo adiante e importante no campo das Políticas Sociais.
Art. 8º A execução e a gestão do Programa Bolsa Família são
públicas e governamentais e dar-se-ão de forma descentralizada, por
meio da conjugação de esforços entre os entes federados, observada
a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social
(BRASIL, 2004).
Fonseca (2003 apud SILVA et al, 2004, p. 136) ressalta que,
conforme Portaria nº 246, de 20 de maio de 2005, a implementação do
Programa Bolsa Família se dá de forma descentralizada nos municípios que
aderem ao Programa, através da assinatura do Termo de Adesão, o qual indica
o gestor municipal e o comitê ou conselho municipal de controle social. Em
âmbito nacional, o Programa é coordenado pela Secretaria de Renda de
Cidadania do MDS.
No entanto, pensar em descentralização em um país como o Brasil,
faz-se necessário considerar seus limites. Podemos destacar a grande
114
diversidade dos 5.565 municípios brasileiros, a maioria tem população inferior a
10 mil habitantes, que sobrevivem praticamente subsidiados por recursos do
fundo de participação, que são transferidos pelo Governo Federal, que assim
gera limites em termos materiais e de recursos humanos, para uma boa
gerência (SILVA et al, 2011). A isso, soma-se
o cotidiano de uma prática administrativa marcada pelo
patrimonialismo e uma prática política clientelista, além da fragilidade
da organização popular, limitando o poder de real participação e
controle social sobre as ações municipais (SILVA et al, 2011, p. 214215).
Porém, a descentralização é “promissora quando coloca a
possibilidade de participação ativa da população local nos programas sociais”
(SILVA et al, 2011, p. 213), para fiscalização das políticas sociais.
O Governo Federal tem um índice de qualidade da gestão
descentralizada
do
Programa
Bolsa
Família.
O
Índice
de
Gestão
Descentralizada (IGD) varia de 0 a 1 e é composto pelas variáveis relativas às
informações sobre frequência escolar, acompanhamento dos beneficiários nos
postos de saúde, cadastramento correto e atualização cadastral. Cada uma
das quatro variáveis representa 25% do IGD. Este índice pretende estabelecer
um ranking das experiências de implementação do PBF no âmbito local,
premiando aquelas bem-sucedidas e incentivando a gestão da qualidade
através do repasse de recursos financeiros extras para as prefeituras que
alcançarem desempenho acima de 0,4 do índice.
Segundo Silva et al (2011) o curso do processo de descentralização
na área social apresenta ritmos diferenciados tanto no que se refere à
transferência de responsabilidades para os estados e municípios quanto às
diversas políticas sociais setoriais. Uma das consequências deste processo é
que as áreas que mais avançaram em direção à descentralização se deparam
hoje com limites estruturais da sociedade brasileira que, apesar das conquistas
realizadas, necessitam de enfrentamento intersetorial, através da conformação
de uma rede de proteção social.
O objetivo explícito do Programa Bolsa Família em associar
transferência de renda à garantia do acesso aos direitos sociais básicos remete
115
à consideração da natureza intersetorial da assistência social que abre a
possibilidade de estabelecer interfaces com as demais políticas públicas, tendo
em vista atender às necessidades do seu público-alvo em seu conjunto. Dito de
outro modo, o escopo da assistência social é o social “e não um aspecto desse
social, o que equivale a afirmar que nesse escopo cabem todos os recortes ou
„setores‟ das outras políticas”. (PEREIRA, 2004, p. 58). Portanto, atua em todas
as necessidades de reprodução social dos cidadãos excluídos, enquanto as
demais políticas sociais têm um corte setorial.
Pereira (2004)
destaca
o caráter
genuinamente
complexo,
abrangente, interdisciplinar e intersetorial expresso no adjetivo social que
qualifica a assistência,
é justamente por ser interdisciplinar e intersetorial que, na prática, é a
política pública mais afeita a estabelecer interfaces e vínculos
orgânicos com as demais políticas congêneres (sociais, econômicas),
tendo em vista a universalização do atendimento das necessidades
sociais no seu conjunto. (PEREIRA, 2004, p. 59).
No geral, os usuários dos programas sociais têm necessidades em
diferentes áreas da vida social e em diferentes faixas etárias, portanto essa
política visa atingir toda a família e não apenas um de seus membros. Assim, o
fato de o Programa Bolsa Família propor-se a possibilitar o acesso das famílias
aos serviços sociais básicos aponta para a necessidade dos seus
implementadores
buscarem
a
articulação
intersetorial
mediante
o
estabelecimento de interfaces com os demais programas existentes e políticas
sociais de modo a atender a família integralmente e não de forma fragmentada.
H – Ações complementares
Além das condicionalidades sociais, o Programa Bolsa Família prevê
a participação das famílias em ações complementares ao Programa,
denominadas
de
programas
complementares
que
objetivam
“o
desenvolvimento de capacidades e a oferta de oportunidades para auxiliar na
superação da situação de vulnerabilidade social”. (BRASIL, 2009). A intenção
do Governo é desenvolver ações regulares voltadas para a efetivação de
capacidades das famílias cadastradas no Cadúnico, principalmente as
beneficiárias do Programa Bolsa Família, com o objetivo de contribuir para a
116
superação da pobreza e da vulnerabilidade social em que se encontram
através
de
programas.
Os
programas
complementares
federais
são
coordenados pelos ministérios setoriais, entre os quais, pode-se citar o
Programa Brasil Alfabetizado, o Plano Setorial de Qualificação e Inserção
Profissional (PlanSeQ) − que em fevereiro de 2010, começou a se chamar
Próximo Passo, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e
Gás Natural (PROMINP), o Programa Nacional da Agricultura Familiar
(PRONAF B), programas de micro-crédito e o Programa Nacional de Acesso
Técnico e Emprego – Pronatec (cursos do SESI e SENAC de formação inicial e
continuada para a inserção no mercado de trabalho).
Desde a criação do PBF em 2003, vários dispositivos legais
explicitam a necessidade da implementação dos programas complementares e
do adensamento de políticas públicas voltadas às famílias beneficiárias,
dispondo também sobre a alocação de recursos do IGD e sobre as atribuições
dos entes federados enquanto articuladores com órgãos e instituições,
governamentais ou não-governamentais, para o fomento à implementação de
programas complementares ao PBF. No entanto, apesar da existência de todas
as normatizações, não há qualquer sanção prevista nos instrumentos legais
aos entes federados caso não haja a oferta destes programas da mesma forma
que ocorre quando o município não alcança a meta estabelecida de
acompanhamento das condicionalidades (deixa de receber o IGD). Senna et al
(2007) ressalta que não há definição de estratégias de implementação dos
programas complementares, pois ocorre uma ausência de indução de
programas de geração de emprego e renda.
Em relação a contribuição concreta para o desenvolvimento da
autonomização das famílias, a natureza das ações
não permite a possibilidade do que poderia considerar-se uma
capacitação capaz de alavancar a autonomização das famílias,
constituindo-se este aspecto possivelmente em um dos mais
problemáticos no desenvolvimento do Bolsa Família, mesmo que a
articulação com programas estruturantes se constitua em elemento
central na própria proposta do Programa (SILVA, 2010).
Compreendemos, contudo que, para as famílias alcançarem sua
emancipação, a ênfase deve estar direcionada ao trabalho, que sejam criadas
117
formas e condições para que os indivíduos libertem-se de situações de
privação, pobreza e carência através do seu trabalho - que deve ser central
numa perspectiva emancipatória.
A partir das diversas ações implementadas pelo Programa
direcionadas às famílias como: transferência de renda, ações complementares,
incentivo ao acesso a políticas públicas de saúde e educação, questiona-se, o
Programa Bolsa Família colabora para a concretização da PNAS ou continua
como prática assistencialista?
A questão que se coloca refere-se à capacidade do Programa Bolsa
Família atuar como mecanismo de superação da pobreza e não meramente de
sua manutenção num determinado nível, dada a existência de fatores, segundo
Silva et al (2008), limitantes quando a proposição é mais que administrar ou
controlar a pobreza, mas a sua superação.
Há que se considerar os desafios a serem enfrentados para melhoria
do desempenho do Programa no combate à pobreza como a não inclusão de
todas as famílias elegíveis, isto é, que atendem aos critérios de elegibilidade
definidos, o corte de renda muito baixo para inclusão das famílias e o valor
monetário transferido às famílias, ainda insuficiente para atender a suas
necessidades básicas (SILVA, 2005). Entretanto, mesmo com os limites postos
para efetivo enfrentamento da pobreza das famílias, contidos no desenho do
Programa Bolsa Família, não é impropriedade afirmar que o Programa adquiriu,
ao longo de sua dinâmica de implementação, grande dimensão quantitativa no
Brasil, atendendo, como visto, a um público quantitativamente significativo,
alcançando uma cobertura jamais vista na história da política social brasileira.
É importante ter presente que o Programa Bolsa Família é um
programa estratégico no enfrentamento da pobreza no Brasil, e como um
programa de transferência de renda é apenas uma das ações implementadas
pelo Estado de forma descentralizada nos estados e municípios brasileiros,
devendo estar articulado a outras políticas públicas, visando minimizar a
situação de vulnerabilidade social - intensificada pela forte concentração de
renda no país - expressa no cotidiano das famílias (SILVA et al, 2011).
118
Para além da transferência de renda, posto que a transferência por
si só não garante que a família pobre saia da situação de pobreza, como visto,
a centralidade na família destacada no Programa Bolsa Família aponta para o
entendimento de que o Estado deve dispensar às famílias, via políticas
públicas, as atenções necessárias para que tenham condições de processar
proteção a seus membros, visto que a proposta do Programa não se limita a
propiciar o alívio imediato da pobreza, mediante transferência de renda,
propondo-se, inclusive, a garantir o acesso das famílias aos direitos sociais
básicos: saúde, educação, assistência social e segurança alimentar. Contudo,
a fragilidade do sistema de proteção social brasileiro, marcado fortemente pelo
seu caráter residual e emergencial, impõe limites ao atendimento das
necessidades das famílias pobres, aliados aos limites de se enfrentar uma
questão de natureza estrutural como a pobreza, que pressupõe investimento
em políticas de geração de emprego e renda, segurança alimentar, reforma
agrária, dentre outras.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Internacionalmente, o debate sobre programas de transferência de
renda situou-se no contexto de mudança da sociedade salarial, denotando-se
crescente ruptura entre trabalho, tempo e renda, com consequentes
rebatimentos sobre o funcionamento do WelfareState. Entretanto, a base
histórica desse debate está relacionada com a visibilidade da questão social a
partir da primeira metade do século XIX, como fenômeno das sociedades
capitalistas.
Nesse contexto, dois mecanismos de integração dos trabalhadores
na sociedade salarial ampliada nos países desenvolvidos foram determinantes
na estruturação das políticas sociais: o pleno emprego, preconizado pela
política keynesiana e a cobertura dos riscos sociais (doença, invalidez,
desemprego), mediante instituição do WelfareState, idealizados por Beveridge.
Após os “anos gloriosos do pós-guerra”, esses riscos são incluídos na agenda
de reformas instituídas após a década de 1970. Na perspectiva dessas
reformas, a política de transferência de renda é apresentada como uma das
alternativas
para
o
enfrentamento
da
pobreza
crescente,
decorrente
principalmente das práticas neoliberais privatizantes e liberalizantes.
Ressaltamos que o resultado da orientação produtiva flexível no
âmbito das economias capitalistas, sob o ideário neoliberal, tem constituído um
paradoxo entre o crescimento das economias e o aumento do desemprego
estrutural e a precarização do trabalho que, em última instância, têm
engendrado novas bases para a questão social – denotando
uma renovação da velha questão social, inscrita na própria natureza
das relações sociais capitalistas sob outras roupagens e novas
condições sócio-históricas de sua produção/reprodução na sociedade
contemporânea, aprofundando suas contradições (IAMAMOTO, 2001,
p. 18).
No Brasil, esse debate também se insere numa conjuntura de
hegemonia do projeto neoliberal, com o reordenamento do frágil modelo de
seguridade social, quando a Constituição Federal de 1988 parecia abrir espaço
para a universalização dos direitos sociais. Presenciou-se, então, o
crescimento do desemprego, de insegurança nas grandes cidades, do
120
reconhecimento
da
baixa
qualificação
dos seus trabalhadores e
do
recrudescimento da pobreza.
Sob a determinação da nova ordem do capital na perspectiva da
globalização e da reforma do Estado brasileiro, as ações estatais no campo da
assistência social vem sendo redesenhadas no sentido de sua focalização nos
segmentos em situação de pobreza absoluta e, em ações centradas,
predominantemente, nos programas de transferência de renda, conforme
demonstrado na análise realizada sobre os recursos investidos nestes
programas.
Ressaltamos que, apesar do crescimento do volume do gasto social,
especialmente com esses programas, os níveis
alcançados resultam
insuficientes para satisfazer as necessidades de amplos setores da população.
A focalização do gasto social na extrema pobreza e na pobreza deixa de fora
uma grande parcela de pobres, pois a focalização a partir de linhas de pobreza,
exclusivamente baseadas na renda familiar, apresenta o problema de não
considerar inúmeras famílias que porventura estejam acima da linha
demarcada, mas que permanecem em situações de vulnerabilidades. Esses
programas, focalizados desse modo, permitem a “inclusão” do beneficiado não
por direito, mas sim por ser mais pobre que o “vizinho”, não sendo garantido,
portanto, a base de igualdade necessária a uma política social.
A focalização e a seletividade parecem contraditórios com a ideia de
direito e o valor do benefício é considerado insuficiente para o atendimento das
necessidades básicas que ultrapassem ao da reprodução biológica das
famílias. Além disso, esses programas requerem o cumprimento de
contrapartidas de seus benefícios. Questão controversa, pois, para alguns, tal
vinculação constitui em um mecanismo de proteção aos direitos à educação e
à saúde, estimulando o exercício do direito dos mais pobres aos serviços
públicos universais, para outros – é o que defende esse trabalho – é que tais
exigências ocultam a dimensão constitucional do direito à sobrevivência digna,
independentemente de qualquer “merecimento” para obtê-la.
121
Observa-se que os programas implementados pelo governo federal
seguem uma perspectiva político-ideológica orientada por pressupostos
liberais, mantenedores dos interesses do mercado, apresentando um caráter
compensatório, tendo como regra a focalização na extrema pobreza,
obscurecendo “as origens econômicas e políticas da pobreza, considerando os
padrões de redistribuição de riqueza, rendas e poder dentro da sociedade”
(STEIN, 2005, p.378).
Esse movimento parece afastar-se, gradativamente, do paradigma
da seguridade social definido na Constituição Federal de 1988, da concepção
de direito para reforçar medidas focais de proteção social aos segmentos mais
vulneráveis da população.
Não há dúvida que a implantação do Programa Bolsa Família em
todos os municípios brasileiros provocou uma melhora nas condições de vida
de milhões de brasileiros que a eles tem acesso. É fato o impacto que esses
programas causam nas famílias beneficiadas, o efeito de alívio, ao conceder a
obtenção ou ampliação de uma renda, até então inexistente ou insignificante
quando proveniente do trabalho, sendo, em muitos casos, esses programas a
única possibilidade de obter renda, mesmo que baixa.
Todavia, reconhecendo o mérito e os efeitos distributivos dos
programas de transferência de renda, na análise do IPEA, através de seu
presidente Marcelo Neri (2012), fica notória a pouca representatividade do PBF
no contexto geral da distribuição da riqueza, visto que a melhoria dos níveis
desta distribuição está fortemente embasada nos benefícios concedidos pela
Previdência39, e que, quando comparados a esses benefícios, o PBF apresenta
um volume financeiro pequeno, não sendo, em consequência, o fator
determinante para a referida melhoria.
Os programas de transferência de renda com condicionalidades
mostram-se conservadores, e desprovidos da noção de direito. Neste sentido
39
Benefícios concedidos pela Previdência:Aposentadoria Especial; Aposentadoria por tempo de
contribuição; Aposentadoria por invalidez; Aposentadoria por idade; Auxílios doença, acidente e
reclusão; Pensões por morte; Salário família; Salário maternidade e o Benefício de Prestação Continuada
– BPC – LOAS.
122
não efetuam uma ruptura com a lógica neoliberal. São programas que,
transitam “no fio da navalha, essa estreita fronteira entre direitos e carências”,
(TELLES, 1998, p. 22). E é neste ponto que se encontra o maior desafio desse
programa, que:
diz respeito às mediações políticas entre o mundo social e o universo
público dos direitos e da cidadania. Essas mediações, a serem
construídas e reinventadas, circunscrevem um campo de conflito que
é também de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e
democracia. Disputa que diz respeito também ao sentido político e
desdobramentos possíveis de programas de enfrentamento à
pobreza [...] Pois, no fio da navalha em que transitam, suas
promessas de cidadania dependem grandemente da fundação da
política como espaços de criação e generalização de direito (TELLES,
1998, p. 22).
Há que compreender que esses programas se constituem
necessariamente um paliativo que, em si, não atacam as causas da pobreza,
apenas tornam menos adversas as condições de vida dos mais pobres,
reduzindo, em alguma medida, os altos níveis brasileiros de miséria e pobreza,
mas não se constituem uma resposta à questão social, pois não são capazes
de agir nas causas desse fenômeno. Não garantem emprego, não asseguram
direitos e não tem efeito sobre a socialização da riqueza socialmente
produzida. Na sociedade em que o capitalismo radicalizou seu fundamento
básico – progredir economizando trabalho – uma política de transferência de
renda, quando desvinculada de medidas de caráter estrutural, não representa
senão uma justiça residual e periférica, que se orienta por uma visão
harmoniosa da sociedade, obscurecendo as lutas contra as desigualdades
sociais e postergando as possibilidades de mudanças radicais.
Na verdade, o atendimento de outras carências não vinculadas
diretamente à renda, tais como acesso ao saneamento básico, atendimento de
saúde, educação, transporte, informação, direitos de cidadania, são tão
urgentes e, em muitos casos, mais urgentes que o aumento da renda e do
consumo privado das famílias.
Nesse sentido, é necessário que a assistência social transponha as
fronteiras de uma ação isolada e/ou limitada e aumente sua integração às
demais políticas setoriais, pois é justamente sua característica “interdisciplinar
e intersetorial que a faz estabelecer interfaces e vínculos orgânicos com as
123
demais políticas sociais no seu conjunto” (PEREIRA, 2004, p. 59). Ademais, é
requerido conhecer o espaço dos programas de transferência de renda
implementados
pelo
governo
federal
brasileiro;
assegurar
visibilidade
orçamentária; reorientar o gasto social com eles; garantir competência técnica
e institucional; fazer com que sejam reconhecidos como direitos do cidadão,
além de virem acompanhados por uma ampliação do acesso das famílias
atendidas aos serviços e bens públicos, permitindo que estas saiam da sua
condição de vulnerabilidade.
Ao final dessa trajetória, é possível verificar que a questão social que
aflige
o
Brasil
requer
mais
que
a
implementação
de
políticas
assistencialistas/compensatórias de transferência de renda que complementem
políticas universais, mas que sejam articuladas a uma política macroeconômica
e que o Estado, além de promover a geração de emprego e renda, cumpra o
papel de redistribuição de renda e garanta expansão e democratização dos
serviços sociais das redes públicas, tornando possível o acesso dos pobres,
dos desempregados e dos precarizados, por meio do direito à políticas sociais.
Desse modo, o viés liberal que tem demarcado os programas de
transferência de renda no Brasil, limitando-os a perspectivas marcadamente
assistencialista/compensatória, poderia ser superado por uma perspectiva
distributivista, ou seja, quando os programas de transferência de renda, que
são indispensáveis em países com as características de incidência de pobreza
e desigualdade de renda do Brasil, forem entendidos apenas como um dentre
os muitos componentes de uma política de assistência social e amplo
desenvolvimento econômico de distribuição de renda.
124
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______ MEDIDA PROVISÓRIA 2.206-1, de 6 de setembro de 2001 – Cria o
Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde: “Bolsa Alimentação” e
dá outras providências.
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Programa Nacional de Acesso à Alimentação –“Cartão Alimentação”.
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Programa Bolsa Família e dá outras providências.
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Normas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI.
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