UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL E SAÚDE PÚBLICA MAYSA PAULA DA COSTA REIS Toxicidade de fisetina e seu mecanismo de ação sobre leveduras do complexo Cryptococcus neoformans e dermatófitos Goiânia 2016 i TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data. 1. Identificação do material bibliográfico: 2. Identificação da Tese ou Dissertação Autor (a): Maysa Paula da Costa Reis E-mail: [email protected] Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ ] Dissertação [ X ]Sim [ x ] Tese [ ] Não Vínculo empregatício do autor Agência de fomento: Não Coordenação de Aperfeiçoamento Sigla: CAPES de Pessoal de Nível Superior País: Brasil UF: DF CNPJ: 00.889.834/0001-08 Título: Toxicidade de fisetina e seu mecanismo de ação sobre leveduras do complexo Cryptococcus neoformans e dermatófitos Palavras-chave: Toxicidade, mecanismo de ação, fisetina Título em outra língua: Fisetin toxicity and its mechanism of action about complex yeast Cryptococcus neoformans and dermatophytes Palavras-chave em outra língua: toxicity, mechanism of action, fisetin Área de concentração: Microbiologia Data defesa: (dd/mm/aaaa) 29/02/2016 Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação de Medicina Tropical e Saúde Pública Orientador (a): Dra. Maria do Rosário Rodrigues Silva E-mail: rosá[email protected] Co-orientador (a):* E-mail: *Necessita do CPF quando não constar no SisPG 3. Informações de acesso ao documento: Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM [ ] NÃO1 Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertação. O sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertações, antes de sua disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do Acrobat. _____________________________________ 31/05/2016 Assinatura do (a) autor (a) Data: 1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo. ii MAYSA PAULA DA COSTA REIS Toxicidade de fisetina e seu mecanismo de ação sobre leveduras do complexo Cryptococcus neoformans e dermatófitos Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás para obtenção do Título de Doutor em Medicina Tropical e Saúde Pública. Orientadora: Dra. Rodrigues Silva Maria do Rosário Goiânia 2016 iii iv Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás BANCA EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO Aluno (a): Maysa Paula da Costa Reis Orientador (a): Maria do Rosário Rodrigues Silva Co-orientador (a): Membros: 1. Maria do Rosário Rodrigues Silva 2. Marcílio Sérgio Soares da Cunha Filho 3. Gisele Augusto Rodrigues de Oliveira 4. Joelma Abadia Marciano de Paula 5. Carolina Rodrigues Costa Carvalho Data: 29/02/2016 v “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”. Cora Coralina vi Aos meus familiares. Por todo amor e carinho a mim dedicados e por me mostrarem todos os dias o quanto é bom e importante se ter uma família. vii AGRADECIMENTOS À Deus, por estar sempre orientando e guiando meus passos, encorajando-me a enfrentar todos os desafios e por colocar pessoas maravilhosas no meu caminho. Aos meus pais, Sebastião (in memorian) e Mariana, pelos ensinamentos, o incentivo e amor. A minha mais profunda gratidão pela lição de vida que, sabiamente, me prestaram e continuam a prestar, auxiliando na construção do meu alicerce, com muita integridade. Este título também é de vocês. Pai, o senhor não pôde estar presente neste momento tão importante e especial para nós dois. Mas sei que está feliz comigo e sou eternamente grata por todo esforço que fez e pelo apoio que me deu para que eu pudesse realizar esse nosso sonho. Estendo este agradecimento às minhas irmãs Mônica, Márcia e Mágda, aos meus sobrinhos Rafael, Ádrian, Júlia e Ana Clara e aos meus cunhados André e Ronaldo pelo apoio, os momentos de alegria e diversão, pelo amor e carinho a mim dedicados. Um agradecimento especial ao meu amado esposo Guilherme, por seu amor, carinho, paciência e dedicação por mim. Por estar sempre ao meu lado me apoiando, auxiliando e participando dos meus sonhos, tornando-os seus também, e por ser esta pessoa admirável, da qual me orgulho de ter escolhido para amar por toda a minha vida. À Profa. Dra. Maria do Rosário Rodrigues Silva meu eterno agradecimento pela convivência, amizade, dedicação, empenho, carinho, apoio, incentivo, conhecimento científico a mim transmitido e pela ajuda, que foram fundamentais para a realização deste trabalho, contribuindo para o meu crescimento pessoal e profissional. Às Professoras, Dra. Carolina Rodrigues Costa Carvalho e Dra. Orionalda de Fátima Lisboa Fernandes, pela amizade, carinho, apoio e pelos inúmeros momentos de grande aprendizado. À Profa. Dra. Marize Campos Valadares pela receptividade, esclarecimentos e incentivo durante o desenvolvimento deste trabalho. À Profa. Dra. Josiane Faganello pela receptividade e pelo auxílio na execução e interpretação dos dados de microscopia eletrônica de varredura. À Profa. MSc. Adriana de Moraes Costa Crespo pela amizade, pela ajuda nas etapas de conclusão da tese, pela paciência nos momentos em que estive ausente do laboratório e por ter me recebido tão bem na equipe da imunologia e da unidade de ensino do IPTSP. viii À Biomédica Hildene Meneses e Silva meu agradecimento especial pelos momentos de alegria, pela amizade, apoio e auxílio nos ensaios micológicos e por me orientar na vida com um verdadeiro carinho de mãe. Ao Laboratório de Toxicologia e Farmacologia Celular pela disponibilização dos equipamentos e materiais necessários para o desenvolvimento do trabalho. Aos amigos do Laboratório de Micologia: Thaísa, Fabyola, Viviany, Fernanda, Andressa, Nathany, Rayssa e Cícero pelo convívio e amizade. Aos amigos do Laboratório de Imunopatologia das doenças infecciosas e Bacteriologia Molecular: Bruna, Adeliane, Monalisa, Viviane, Fábio, Lázaro, Rogério e André pela amizade e auxílio nas análises dos ensaios de citometria de fluxo. Aos amigos do Laboratório de Toxicologia e Farmacologia Celular, representados por Renato, Wanessa e Larissa pela ajuda durante a realização e análise dos ensaios toxicólogicos. Aos servidores do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública que sempre se mostram solícitos e por proporcionarem diversos momentos de descontração e alegria Ao Programa de Pós Graduação em Medicina Tropical e Saúde Pública do IPTSP/UFG, pela oportunidade, por acreditar no projeto e permitir sua realização. Aos servidores do PPGMT-IPTSP/UFG José Clementino de Oliveira Neto e Kariny Vieira Soares pela atenção e disposição em auxiliar sempre que precisamos. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e á Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de Goiás pelo apoio financeiro. A todos que de uma forma direta ou indireta colaboraram na realização e conclusão desse trabalho, minha eterna gratidão e reconhecimento. ix SUMÁRIO FIGURAS E ESQUEMAS ............................................................................................. xii ABREVIATURAS ......................................................................................................... xv RESUMO ...................................................................................................................... xvi ABSTRACT ................................................................................................................. xvii 1 INTRODUÇÃO / REVISÃO DA LITERATURA ....................................................... 1 1.1. Complexo Cryptococcus neoformans ................................................................ 1 1.1.1. Características gerais .................................................................................. 1 1.1.2. Patogenia e fatores de virulência ................................................................ 3 1.1.3. Tratamento da criptococose ........................................................................ 7 1.2. Dermatófitos ...................................................................................................... 8 1.2.1. Caracteristicas gerais .................................................................................. 8 1.2.2. Manifestações clínicas ................................................................................ 8 1.2.3. Tratamento das dermatofitoses ................................................................. 13 1.3. Flavonóides ...................................................................................................... 13 1.4. Fisetina ............................................................................................................. 15 1.5. Ensaios de segurança para a avaliação de um fármaco.................................... 17 2. JUSTIFICATIVA ................................................................................................... 18 3. OBJETIVOS ........................................................................................................... 20 3.1. Geral ................................................................................................................. 20 3.2. Específicos ....................................................................................................... 20 4. MÉTODO(S) .......................................................................................................... 21 4.1. Isolados ............................................................................................................ 21 4.2. Mecanismos de Ação de fisetina sobre os fungos ........................................... 21 4.2.1. Doseamento de Ergosterol ........................................................................ 21 4.2.2. Determinação da viabilidade e do metabolismo celular por citometria de fluxo ........................................................................................................................22 4.2.3. Características morfológicas por microscopia eletrônica de varredura .... 24 4.3. Ensaios de toxicidade de fisetina ..................................................................... 25 4.3.1. Animais..................................................................................................... 25 4.3.2. Hepatotoxicidade ...................................................................................... 28 5. RESULTADOS ...................................................................................................... 33 5.1. Mecanismos de Ação de fisetina sobre os fungos ........................................... 33 5.1.1. Doseamento de Ergosterol ........................................................................ 33 5.1.2. Citometria de Fluxo .................................................................................. 34 5.1.3. Características morfológicas por microscopia eletrônica de varredura .... 36 5.2. Ensaios de segurança de fisetina ...................................................................... 37 5.2.1. Potencial hemolítico ................................................................................. 37 5.2.2. Mielotoxicidade ........................................................................................ 39 5.2.3. Toxicidade Oral Aguda ............................................................................ 40 5.2.4. Hepatotoxicidade in vitro ......................................................................... 41 6. ARTIGO ................................................................................................................. 45 7. DISCUSSÃO .......................................................................................................... 46 8. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 54 9. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 56 ANEXOS ........................................................................................................................ 81 x Anexo 1 – Parecer do Comitê de Ética – Hospital das Clínicas - UFG ..................... 81 Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética – Hospital de Doenças Tropicais de Goiás .. 82 Anexo 3 – Parecer da Comissão de ética no uso de animais – Universidade Federal de Goiás ...........................................................................................................................83 xi FIGURAS E ESQUEMAS Figura 1: Cryptococcus neoformans: Aspecto microscópico: células arredondadas com cápsula, coradas com tinta nanquim (400x) ..................................................................... 1 Figura 2: Vesículas contendo GXM formadas no citoplasma atravessando a parede celular para a cápsula.................................................................................................................... 4 Figura 3: Síntese de melanina utilizando L-3,4-dihidroxifenilalanina como substrato. . 6 Figura 4: T. rubrum. A - colônias algodonosas brancas de reverso com pigmento avermelhado. B - hifas septadas hialinas e microconídios dispostos em acladio (400x).11 Figura 5: T. mentagrophytes var. mentagrophytes. A - colônia pulvurulenta brancoamarelada. B - hifas em espiral e microconídios agrupados (400x). .............................. 11 Figura 6: T. tonsurans. A: colônias pregueadas, algodonosas de coloração branca a amarelada. B - hifas septadas hialinas e microconídios piriformes (400x). ................... 12 Figura 7: M. cannis. A - colônia algodonosas. B- Aspecto microscópico: hifas septadas hialinas e macroconídios septados, parede rugosa e extremidades afiladas (400x). ...... 12 Figura 8: E. floccosum. A colônias rugosas no centro e lisas na periferia, pulvurulentas, verde-acastanhada. B - hifas septadas hialinas e macroconídios em forma de raquete dispostos em cachos (400x). ........................................................................................... 12 Figura 9: Estrutura de flavonoíde, contendo anéis benzenos (A e B) ligados ao anel pirano (C). .................................................................................................................................. 14 Figura 10: Estrutura da fisetina. .................................................................................... 16 Figura 11: Curva espectrofotométrica obtida em diferentes comprimentos de onda de células não tratadas de C. gattii. ..................................................................................... 33 Figura 12: Curva de espectrofotometria de células de C. gattii (controle) e em contato com ½ CIM e CIM de itraconazol e de fisetina. .................................................................... 34 Figura 13: Histogramas mostrando o controle da célula fúngica sem adição de fisetina. Acontrole de viabilidade de FUN-1. B- controle de viabilidade de PI. ............................ 34 Figura 14: Fluorescência com o marcador FUN-1 sobre células de C. gattii ATCC 24065 tratadas com fisetina (em vermelho), e sem tratamento (em preto) A=tratadas com 2x CIM de fisetina (redução de 76,3%), B= tratadas com 1xCIM de fisetina (redução de 72,4%) e C= tratadas com ½ CIM de fisetina (redução de 51%). ................................................. 35 xii Figura 15: Fluorescência com o marcador PI sobre células de C. gattii ATCC 24065 tratadas com fisetina (em vermelho), e sem tratamento (em preto). A=2x CIM de fisetina (23,9%), B=1x CIM de fisetina (23,8%), C=½ CIM de fisetina (22,7%). ..................... 35 Figura 16: Células do complexo C. neoformans em microscopia de varredura. Sem tratamento mostrando-se íntegras, (A e C) e tratadas com fisetina, evidenciando-se leveduras murchas com cápsulas rugosas (B e D). ......................................................... 36 Figura 17: Microscopia de varredura de T. mentagrophytes e de T. rubrum. Filamentos e conídios de dermatófitos não tratados com fisetina (A e C). Tratados com fisetina (B e D). ........................................................................................................................................ 37 Figura 18: Placa de microtitulação mostrando a avaliação do potencial hemolítico de fisetina em diferentes concentrações sobre os eritrócitos. .............................................. 38 Figura 19: Percentual de hemólise em eritrócitos de camundongos Swiss após tratamento com fisetina. ................................................................................................................... 38 Figura 20: Efeito da fisetina sobre a formação de colônias de UFC-GM da medula óssea de camundongos. Quantificação de colônias em percentual de crescimento em relação ao grupo controle (100% de crescimento). .......................................................................... 39 Figura 21: Colônias UFC-GM de medula óssea de camundongo. A – difusa/espalhada (controle). B – Compacta (controle). C – Difusa espalhada [Tratada com o veículo de diluição da fisetina (DMSO+RPMI)]. D – Compacta e reduzida (tratada com itraconazol. E – Colônia difusa /espalhada semelhante ao controle (tratada com fisetina a 6,25µg/mL). F – Colônia compacta semelhante ao controle (tratada com fisetina 200µg/mL). Fotomicrografia em lupa 3,2x. Barra:100 pixel. ............................................................ 40 Figura 22: Rins e fígado de camundongo submetido à administração oral de fisetina sem alterações macroscopicamente visíveis (Análise de toxicidade aguda). ........................ 40 Figura 23: Curva da viabilidade mitocondrial de carcinoma hepatocelular humano HepG2 após exposição à diferentes concentrações de fisetina e itraconazol.............................. 41 Figura 24: Células de carcinoma hepático humano HepG2. A - Sem tratamento. BTratadas com itraconazol a 229 µM. C- Tratadas com fisetina a 44 µM (12 µg/mL). Fotomicrografia em microscópio invertido 100x. .......................................................... 42 Figura 25: Microscopia de fluorescência de células HepG2 coradas por Hoechst 33342. Acontrole B- tratadas com itraconazol (229 µM) e C-fisetina (12 µg/mL). Células com compactação do núcleo células com fragmentação da cromatina. Microscopia de fluorescência 40x. ........................................................................................................... 42 Figura 26: Análise por citometria de fluxo da externalização de fosfatidilserina em células HepG2 tratadas com fisetina e itraconazol. Representação do dot plot do ensaio. (A - não tratadas; (B)- Tratadas com 229 µM de itraconazol; (C) tratadas com 44,6 µM de fisetina. (barra representa a média ± DP de duas experiências independentes. ........................... 43 Figura 27: Comparação do percentual (média ± DP de duas experiências independentes) de células HepG2 viáveis, em apoptose e em necrose tratadas com fisetina e com itraconazol. ..................................................................................................................... 44 xiii Esquema 1: Processamento das amostras fúngicas para análise de alterações morfológicas por microscopia eletrônica de varredura...................................................24 Esquema 2: Processo da análise da atividade hemolítica de fisetina sobre eritrócitos......................................................................................................................26 Esquema 3: Procedimento para classificação da toxicidade oral aguda segundo as doses iniciais preconizada por Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) guidelines 423, 2001................................................................28 Esquema 4: Representação esquemática dos orifícios da placa de microtitulação após formação de monocamada de células HepG2 e adição de concentrações crescentes de fisetina para o ensaio de redução de MTT.............................................30 xiv ABREVIATURAS ASD Ágar Sabouraud dextrose ATCC American Type Culture Colletion CGB Canavanina-Glicina-azul de Bromotimol CIM Concentração Inibitória Mínima CNA Contagem de Neutrófilos Absoluto DMEM Dulbecco`s Modified Eagle`s Medium DMSO Dimetilsulfóxido E Eritróides FITC Fluorescein Isothiocyanate FUN-1 (2-cloro-4-(2,3-diidro-3-methil-(benzo-1,3-thiazol-2-il)-methili-dene) GM Granulócitos-Macrófagos GXM Glucuronoxilomanana GXMGal Galacto Glucuronoxilomana IC Indice de Citotoxicidade L-DOPA Dihidroxifenilalanina MAO Monoamina Oxidase MDE Método de Doseamento de Esterol MK Megacariócitos MP Manoproteína MTT (3-(4,5-Dimethylthiazol-2-yl)-2,5-Diphenyltetrazolium Bromide) OECD Organisation for Economic Co-operation and Development PBS Phosphate Buffer Saline PI Iodeto de Propidio RPMI Meio Roswell Park Memorial Institute SE Solução de Eritrócitos SFB Soro Fetal Bovino SNC Sistema Nervoso Central UFC Unidades Formadoras de Colônias xv RESUMO O aumento na resistência aos antibióticos e os efeitos colaterais dos antifúngicos disponíveis têm aumentado a necessidade de desenvolver novos e mais eficazes agentes antifúngicos. Entre os compostos extraídos de plantas, os flavonóides são considerados como possíveis fontes de novos agentes terapêuticos para infecções fúngicas, bacterianas e virais. O mecanismo de ação antifúngica e a toxicidade de fisetina, flavonóide com atividade antifúngica previamente estabelecida para o complexo de espécies Cryptococcus neoformans e dermatófitos, foram determinados. A ação deste flavonóide foi avaliada pelo doseamento de ergosterol, pela viabilidade celular por citometria de fluxo e por alterações na morfologia fúngica visualizadas por microscopia eletrônica de varredura. A toxicidade de fisetina foi determinada in vitro através da avaliação do potencial hemolítico e mielotóxico e in vivo pela toxicidade oral aguda. A hepatotoxicidade deste flavonóide, em células da linhagem de carcinoma hepatocelular HepG2, foi realizada pela determinação da viabilidade mitocondrial usando o método de redução de MTT, avaliação da morfologia celular e nuclear por coloração com May-Grunwald-Giemsa e Hoechst 33342 e análise da viabilidade e morte celular pelo método de externalização da fosfatidilserina. Os resultados obtidos permitiram verificar que as leveduras submetidas à ação de fisetina apresentaram redução do conteúdo de ergosterol, alteração no metabolismo celular visualizadas na citometria de fluxo. As células fúngicas tratadas com fisetina e observadas por microscopia eletrônica de varredura apresentaram, na análise de leveduras do complexo C. neoformans, retração no citoplasma celular e nos dermatófitos verificaram-se modificações nas hifas e redução acentuada de conídios. Na análise toxicológica de fisetina, observou-se baixo potencial hemolítico e ausência de danos nas células progenitoras de granulócitos e macrófagos. Animais tratados com fisetina não apresentaram alterações de comportamento, com fígado e rins macroscopicamente normais. A avaliação de citotoxicidade verificada sobre células HepG2 em diferentes concentrações do composto mostrou viabilidade celular com uma variação de 65,9% a 18,5% em concentrações de 3,12 a 400 μg/mL de fisetina, sugerindo que a ação deste flavonóide sobre a linhagem celular HepG2 é concentração-dependente. Raras alterações morfológicas celulares e nucleares, com poucas células em apoptose foram observadas em HepG2 na presença de fisetina. Concluindo, embora vários outros testes de citotoxicidade e mecanismo de ação devam ser realizados para a introdução de fisetina como um novo fármaco, os resultados apresentados mostram um perfil favorável para conduzir ao estudo e desenvolvimento desta substância no tratamento de criptococose e dermatofitose. xvi ABSTRACT Increases in antimicrobial resistance and the side effects of available antifungal drugs have increased the need to develop new and more effective antifungal agents. Among the compounds extracted from plants, flavonoids have been considered to be possible sources of new therapeutics for fungal, bacterial and viral infections. The antifungal mechanism of action and toxicity of fisetin, flavonoid with antifungal activity previously established for the Cryptococcus neoformans species complex and dermatophytes were determined. The action of this flavonoid was evaluated by quantitation of ergosterol, cell viability by flow cytometry and by changes in fungal morphology visualized by scanning electron microscopy. The fisetin toxicity was determined in vitro through the evaluation of hemolytic and myelotoxic potential and in vivo by acute oral toxicity. Hepatotoxicity of this flavonoid in hepatocellular carcinoma cell line (Hepg2) was performed by determination of mitochondrial viability using the MTT reduction method, evaluation of cellular and nuclear morphology by staining with May-Grunwald-Giemsa and Hoechst 33342 and analysis of viability and death cell by method of phosphatidylserine externalization. The obtained results have allowed to verify that the yeast subjected to the action of the fisetin showed a content ergosterol reduction, changes in cellular metabolism viewed in flow cytometry. Fungal cells treated with fisetin and observed by scanning electron microscopy showed in the analysis of yeast C. neoformans complex, retraction in the cell cytoplasm and in the dermatophytes there have been changes in hyphae and sharp reduction of conidia. The toxicological analysis of fisetin, observed a low potential hemolytic and an absence of damage on the granulocyte-macrophage progenitors cells. Animals treated with fisetin did not show behavioral changes, with liver and kidneys macroscopically normal. The cytotoxicity assessment observed on HepG2 cells in different concentrations of the compound showed cell viability with a range of 65.9% to 18.5% at concentrations from 3.12 to 400 μg/mL fisetin, suggesting that the action this flavonoid on the HepG2 cell line is concentration-dependent. Rare cellular and nuclear morphological changes, with few cells in apoptosis were observed in HepG2 cells in the presence of fisetin. In conclusion, although many cytotoxicity assays and mechanism of action must be made to introduce fisetin as a new drug, the present results show a favorable profile to conduct the study and development of this substance in the treatment of cryptococcosis and dermatophytosis. xvii 1 INTRODUÇÃO / REVISÃO DA LITERATURA 1.1. 1.1.1. Complexo Cryptococcus neoformans Características gerais Leveduras do complexo de espécies Cryptococcus neoformans, pertencentes ao subfilo Basidiomycota (DE GARCIA et al., 2012; SRIKANTA et al., 2014), foram descritas pela primeira vez no ano de 1894 pelo patologista alemão Otto Busse. Este médico isolou nesta época, o fungo de lesão localizada na tíbia de uma paciente do sexo feminino (COELHO et al., 2014). Estes fungos são encapsulados (Figura 1), ubíquos na natureza, relacionados com processos infecciosos que acometem humanos e outros animais como cães e gatos (BARTLETT et al., 2008; HOLE et al., 2012; SINGER et al., 2014). Figura 1: Cryptococcus neoformans: Aspecto microscópico: células arredondadas com cápsula, coradas com tinta nanquim (400x) Fonte: Acervo do autor, 2012 Atualmente, este complexo é dividido em duas espécies distintas: Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii que podem ser diferenciadas por métodos fenotípicos como crescimento em meio contendo canavanina-glicina-azul de bromotimol - CGB (LIN, 2009). Diferenças antigênicas na estrutura polissacarídica capsular, permitem a identificação de cinco sorotipos: A, B, C, D e AD (NISHIKAWA et al., 2003; LIN, 2009; O'MEARA; ALSPAUGH, 2012; WU et al., 2015). A espécie C. neoformans, compreende os sorotipos A (var. grubii), D (var. neoformans) e o híbrido AD que 1 apresenta características de ambos os sorotipos A e D. A espécie C. gattii abrange os sorotipos B e C. O sorotipo A é predominante entre amostras clínicas responsável por aproximadamente 95% dos casos de criptococose em todo o mundo (JAIN et al., 2005; LIN, 2009; FIRACATIVE et al., 2012; WU et al., 2015). Genotipicamente, o complexo C. neoformans foi caracterizado com base em diferentes métodos moleculares como PCR fingerprinting, RAPD (DNA Polimórfico Amplificado Aleatoriamente), RFLP (Polimofismo de Tamanho de Fragmentos de Restrição) e AFLP (Polimorfismo do Tamanho de Fragmentos Amplificados) em 9 tipos moleculares distintos. VNI, VNII e VNB (sorotipo A, var. grubii), VNIII (sorotipo AD), VNIV (sorotipo D, var. neoformans), VGI, VGII e VGIII, VGIV sorotipos B e C respectivamente, ambos pertencentes à espécie C. gattii (LIN; HEITMAN, 2006; FIRACATIVE et al., 2012; GULLO et al., 2013). C. neoformans pode ser encontrado no solo, árvores, madeira em decomposição e de fezes de aves, principalmente excrementos de pombos (LUGARIN et al., 2008; LIN, 2009). O isolamento do fungo em excretas de outras aves, como psitacídeo em zoológicos, em pet shops ou em residências onde vivem estes tipos de aves, sugere os excrementos destes como reservatórios ambientais importantes deste patógeno (ABEGG et al., 2006). As excretas de aves são consideradas como um ambiente favorável ao crescimento dessas leveduras, pela grande quantidade de purinas, ácido úrico e creatinina, os quais são assimilados pelo fungo como fonte de nitrogênio (CASADEVALL; PERFECT, 1998). Há vários relatos de criptococose humana decorrentes provavelmente do contato com excretas de aves (NOSANCHUK et al., 2000; SHRESTHA et al., 2004; LAGROU et al., 2005). C. gattii ocorre em regiões tropicais e subtropicais e tem seu habitat natural frequentemente associado à madeira em decomposição e a ocos de árvores como aquelas pertencentes a espécies de Eucalyptus spp, Senna spp, Ficus microcarpa, Cedrus deodara, Acacia visca e Cassia grandis (HALLIDAY; CARTER, 2003; KOBAYASHI et al., 2005; REFOJO et al., 2009). Embora mais encontrado em árvores, Kidd et al. (2007) sugerem que o solo pode ser o reservatório comum para C. gattii. Esta espécie é considerada endêmica no nordeste do Brasil, Paraguai, México, Austrália, em alguns países da África, Índia, sudeste da Ásia, Canadá e no estado da Califórnia nos Estados Unidos. Casos autóctones na Alemanha, Espanha, França e Itália foram relatados (NISHIKAWA et al., 2003; TINTELNOT et al., 2004; COLOM et al., 2005; MACDOUGALL et al., 2007). 2 1.1.2. Patogenia e fatores de virulência As leveduras ou os basidiósporos de Cryptococcus entram no hospedeiro por via inalatória, atingindo os pulmões, a partir daí podem se disseminar por via hematogênica, causando infecções sistêmicas envolvendo órgãos como a pele, olhos, ossos, pulmões, sistema nervoso central (SNC), próstata ou trato urinário (PRATES et al. 2009; LIN, 2009). C. neoformans tem tropismo pelo SNC causando meningite criptocócica e meningoencefalite. Este tropismo é justificado pela presença de tiamina, carboidratos, minerais e nutrientes assimiláveis pelo fungo, assim como pela presença de precursores da melanina, como dopamina e lacase (IKEDA et al., 2002). A associação com imunocomprometimento tem sido descrita, sendo que a reativação da doença tem sido observada em pacientes imunodeprimidos, previamente expostos ao fungo, especialmente aqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) (COELHO et al., 2014). A presença da cápsula, capacidade de crescer a 37ºC e produção de melanina são fatores de virulência considerados essenciais para o estabelecimento da infecção e sobrevivência do fungo no hospedeiro (Bose et al. 2003; Idnurm et al. 2005; Bien et al. 2009; Lester et al. 2011). A capacidade de crescer e sobreviver à temperatura de 37ºC, em uma atmosfera de aproximadamente 5% de CO2, e pH entre 7,3 a 7,4 é decisivo para C. neoformans invadir o tecido e causar infecção (LIN; HEITMAN, 2006). O gene (CNA1) que codifica a subunidade catalítica A da proteína calcineurina, uma fosfatase serina/treonina específica que é ativada pela calmodulina cálcica (Ca2+), e está envolvido na resposta a diversos estímulos ambientais para adaptação do fungo a diferentes tipos de estresses, está relacionado diretamente com a capacidade de sobrevivência desse microrganismo a 37ºC (CRUZ et al., 2001). Isolados de C. neoformans, cujo gene CNA1 está ausente apresentam dificuldade de crescimento a 37ºC e mostram-se incapazes de causar a morte em animais experimentais. A calcineurina é, portanto determinante para o fungo sobreviver à temperatura do hospedeiro, sendo, portanto, essencial para sua patogenicidade (CRUZ et al., 2001; FOX et al., 2001; STEINBACH et al., 2007). A cápsula é uma estrutura de processo dinâmico que sofre alterações em tamanho e reorganização durante seu processo de formação (MCFADDEN et al., 2006). Polissacarídeos como glucuronoxilomanana (GXM), que representam aproximadamente 3 85% da massa capsular, galacto glucuronoxilomana (GXMGal) e algumas manoproteínas são os constituintes desta estrutura fúngica (KWON-CHUNG; RHODES, 1986; CASADEVALL; PERFECT, 1998; BOSE et al., 2003; GATES et al., 2004; ZARAGOZA et al., 2009, RAMOS et al., 2012). Liberação de GXM que se acumula no tecido lesionado tem sido observada durante o processo infeccioso (MCFADDEN et al., 2006; ZARAGOZA et al., 2008). Este composto apresenta ligações lineares de (1,3) manana, residuos de (1,2) ácido glucurônico, ligados a uma tríade de manose com ligações laterais de 6-O-acetil e um grupo de xilose (1,2) ou (1,4) laterais, que varia de acordo com o sorotipo das espécies do complexo Cryptococcus (MCFADDEN et al., 2006). A síntese do GXM da cápsula ocorre dentro do citoplasma sendo exportado por vesículas. A secreção extracelular pode ser mediada pela parede, que permite o transporte destas vesículas. Assim, a síntese da cápsula parece estar associada com o acúmulo de vesículas na parede celular (VAN-DUIN et al., 2004; SILVA RODRIGUES et al., 2008; DOERING, 2009). A Figura 2 esquematiza a transposição da vesícula e liberação de GXM para a cápsula. Figura 2: Vesículas contendo GXM formadas no citoplasma atravessando a parede celular para a cápsula. Fonte: DOERING, 2009 GXMGal representa juntamente com algumas manoproteinas 5 a 12% da cápsula (VAISHNAV et al., 1998; ZARAGOZA et al., 2008). Este composto é um polímero de α−1,6−galactose (Gal), α−1,3 manose, α−1,4 manose, β−1,3−galactose, β−1,2 xilose, β−1,3 xilose e β−1,3 glucose (HEISS et al., 2009). 4 As manoproteínas (MPs) compostas principalmente de manano e quantidades significativas de galactose e xilose (CHERNIAK; SUNDSTROM, 1994) são heterogêneas em C. neoformans, e compartilham efeitos imunomoduladores. Duas MPs (MP1 e MP2) extraídas de C.neoformans são capazes de induzir o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e a produção de IL-12 por monócitos humanos (PIETRELLA et al., 2005). Os polissacarídeos capsulares de C. neoformans atuam no hospedeiro inibindo a fagocitose por células do sistema imunológico; impedem a migração dos leucócitos e neutrófilos, para o local da inflamação, interferem na apresentação de antígenos às células T, favorecendo a redução de citocinas como fator de necrose tumoral α (TNFα), interleucina 1 e 6 (IL-1 e 6) pelos monócitos e macrófagos e depletam a cascata do complemento (CASADEVALL; PERFECT, 1998; ELLERBROEK et al., 2004; PIETRELLA et al., 2005). Por isso, a maior parte da atenção a essa estrutura celular, observados através de estudos imunológicos, têm consistentemente demonstrado seus inúmeros efeitos deletérios sobre a função imunológica do hospedeiro (MCFADDEN et al., 2006). No meio ambiente, a cápsula protege a levedura da desidratação, reduz a sua ingestão por amebas existentes no solo, contribuindo para a sua sobrevivência em condições hostis (ZARAGOZA et al., 2008). Vários genes estão envolvidos na formação da cápsula, tais como CAP10, CAP59, CAP60, CAP64, MAN1, CAS1, CAS6 essenciais pra biossíntese de seus componentes, estando, portanto, associados à virulência (CASADEVALL; PERFECT, 1998; CHANG; KWON-CHUNG, 1998; OKABAYASHI et al., 2007). Melaninas são macromoléculas sintetizadas por polimerização oxidativa de compostos fenólicos e classificadas em três grandes grupos: eumelanina de cor marrom ou negra insolúvel, sintetizadas a partir de um processo complexo de polimerização envolvendo quinonas e radicais livres (fenilalanina para dihidroxifenilalanina e dopaquinona) conforme a Figura 3; feomelanina de cor amarela ou vermelha, solúvel em álcool, que tem além da dihidroxifenilalanina (L-DOPA), a cisteína e tirosina incorporada durante a sua biossíntese, e alomelanina pigmento derivado de precursores livres de nitrogênio, geralmente de coloração negra ou marrom (HAMILTON; GOMEZ, 2002; WAKAMATSU; ITO, 2002; PLONKA; GRABACKA, 2006; URÁN; CANO, 2008). A síntese de melanina pelo C. neoformans ocorre apenas na presença de compostos fenólicos, tais como L-3, 4-dihidroxifenilalanina (L-DOPA), metil-dopa, 5 epinefrina e norepinefrina, catalisada por uma fenoloxidase, a lacase. O fungo capta precursores dopaminicos do ambiente extracelular que pode ocorrer tanto no meio ambiente como durante a infecção (NOSANCHUK; CASADEVALL, 2003). Figura 3: Síntese de melanina utilizando L-3,4-dihidroxifenilalanina como substrato. L-3,4-dihidroxifenilalanina HO HO DOPAQUINONA O (L-DOPA) COO COOH NH2 FENOL OXIDASE (LACASE) NH3 O DOPACROMO O COO N H O POLIMERIZAÇÃO HO HO COOH HO N H HO N H MELANINA Fonte: WAKAMATSU; ITO, 2002 com modificações. Assim como a cápsula de polissacarídeos, a presença de melanina é essencial para a virulência de leveduras do complexo C. neoformans (MANDAL et al., 2007). Durante o processo infeccioso, a melanina interfere na formação da resposta efetiva mediada por células. Inoculação de melanina de C. neoformans em animais como camundongos pode estimular a produção de granulomas no processo de infecção (VAN-DUIN et al., 2002; IKEDA et al., 2003; MEDNICK et al., 2005; NOSANCHUK; CASADEVALL, 2006; MANDAL et al., 2007; SCHIAVE et al., 2009). No meio ambiente a melanização é importante para a sobrevivência do fungo, uma vez que protege este microrganismo de condições ambientais adversas, como temperaturas extremas, predação por microrganismos, radiação ultravioleta e ação de metais pesados. A melanina, portanto, tem um papel protetor para C. neoformans, no hospedeiro e no ambiente (URÁN; CANO, 2008). Dois genes codificam a lacase no genoma de C. neoformans, LAC1 e LAC2. Linhagens mutantes para LAC1 (lac1) foram analisadas em modelos de infecção experimental, e mostraram-se menos virulentas quando comparadas a linhagens selvagens (SALAS et al., 1996). Além disto, não ocorre expressão significativa do gene 6 LAC2 em relação ao LAC1 e a geração de mutantes nulos para o gene LAC2 não resulta na redução da virulência em camundongos (ZHU; WILLIAMSON, 2004). 1.1.3. Tratamento da criptococose De acordo com as nomas da Sociedade de Doenças Infecciosas da América (IDSA), a prescrição para o tratamento da criptococose varia, de acordo com o local da infecção, gravidade da doença e imunidade do hospedeiro (SAAG et al., 2000; PERFECT et al., 2010). A classe de medicamentos utilizados para tratar a criptococose é composta por antifúngicos polieno, anfotericina B e nistatina (SANGLARD et al., 2009). Anfotericina B é usado como o padrão ouro para o tratamento de várias micoses sistêmicas, incluindo a criptococose. Seu mecanismo de ação está relacionado com a presença de anel macrolídeos, o que torna esse fármaco hidrofóbico e capaz de liga-se a esteróis, principal ergosterol da membrana da célula fúngica, alterando a sua permeabilidade, permitindo a saída de nutrientes essenciais que leva à morte celular. Anfotericina B também pode ser utilizada em associação com 5-fluorcitosina no tratamento de infecções criptocócicas disseminadas (SANGLARD et al., 2009). Antifúngicos da classe dos azólicos, também são utilizados no tratamento de criptococose e atuam na inibição da biossíntese do ergosterol, principal constituinte da membrana citoplasmática, através do bloqueio da enzima 14-α-demetilase, presente no citocromo P-450 da célula fúngica (SANGLARD, 2002). Fluconazol e itraconazol são administrados normalmente quando as lesões são cutâneas. Este tratamento é indicado, tanto em indivíduos imunocompetentes, como imunocomprometidos (BIVANCO et al., 2006; PERFECT et al., 2010). 7 1.2. 1.2.1. Dermatófitos Caracteristicas gerais Os dermatófitos são importantes agentes zoonóticos e constituem um grupo de fungos que, em vida parasitária, têm a capacidade de invadir tecidos queratinizados tais como cabelos, unhas e células epiteliais de humanos e outros animais, causando infecções denominadas dermatofitoses. Os agentes etiológicos destas infecções são constituídos pelos gêneros Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton pertencentes ao filo Ascomycota. Macroscopicamente as colônias de dermatófitos se apresentam como algodonosas e pulvurulentas, de cores variadas e a microscopia da colônia apresenta hifas finas septadas, hialinas e presença de macroconídios e/ou microconídios como elementos de frutificação de acordo com a espécie (WHITE et al., 2008; LEITE JR et al., 2014; NENOFF et al., 2014; BADALI et al., 2015). As espécies de dermatófitos são classificadas de acordo com o habitat natural em antropofílico (parasitas exclusivos da espécie humana), zoofílicos (próprios de animais domésticos ou silvestres) e geofílicos (têm o solo como reservatório). Há algumas diferenças quanto à clínica causada por estes fungos, sendo que as espécies zoofílicas e geofílicas apresentam infecção inflamatória mais grave, resistindo a terapia de rotina e com grande tendência à recidiva. As espécies antropofílicas, embora normalmente de terapia eficaz, são responsáveis pela maior quantidade das dermatofitoses humanas notificadas, totalizando cerca de 70% (WHITE et al., 2008). 1.2.2. Manifestações clínicas A infecção por dermatófitos ocorre pela produção de enzimas proteolíticas secretoras que promovem uma resposta inflamatória no hospedeiro e resulta em uma série de sintomas clínicos, característicos das dermatofitoses (LIU et al., 2001). Enzimas dermatofíticas têm sido caracterizadas bioquimicamente e molecularmente a partir de várias espécies de dermatófitos capazes de infectar o hospedeiro (KAUFMAN et al., 2007; MONOD, 2008). Após a contaminação do tecido, os dermatófitos obtêm nutrientes para seu desenvolvimento e sobrevivência, utilizando as macromoléculas presentes no tecido hospedeiro (fonte de carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre), as quais são absorvidas, após a sua degradação em compostos menores. A quebra dessas moléculas é promovida 8 por enzimas hidrolíticas secretadas, que apresentam especificidade por diferentes substratos (PERES et al., 2010). A secreção de diversas enzimas como proteases, lipases, elastases, colagenases, fosfatases e esterases, é um fator importante durante o processo infeccioso (BROUTA et al., 2002; VERMOUT et al., 2008; LENG et al., 2009) sendo as enzimas consideradas fatores de virulência dos dermatofitos, possibilitando a invasão desses patógenos (PERES et al., 2010). O mecanismo de ação de algumas enzimas é bem conhecido. As queratinases e proteases produzidas pelos dermatófitos digerem a queratina possibilitando a invasão da pele além de liberarem antígenos fúngicos que podem induzir hipersensibilidade. As elastases e as lipases estão relacionadas com enfermidades agudas e crônicas, respectivamente (MONOD, 2008; GIUDICE et al., 2012). As dermatofitoses recebem a denominação genérica de tinhas ou tinea em latim, acrescido da região do corpo acometida (WEITZMAN; SUMMERBELL, 1995; SANTOS et al., 2002). Tinea capitis é caracterizada pela invasão do couro cabeludo, usualmente causada por espécies dos gêneros Microsporum e Trichophyton (DE KOMAID; KESTELMAN, 2002). As lesões produzidas por estes dois gêneros podem variar desde a formação de eritema, com poucas áreas descamativas, à formação de reações inflamatórias e, ainda, produção de lesões extensas de descamação e alopécia, acompanhadas por febre e linfadenopatia (GHANNOUM et al., 2003). Nas lesões descamativas, onde o folículo piloso é tonsurado, os gêneros de dermatófitos mostram quadros clínicos diferentes. Nas tineas produzidas por Microsporum, as lesões são únicas, enquanto naquelas causadas por Trichophyton, observa-se a formação de múltiplas áreas de alopécia (AQUINO; LIMA, 2002). Nas lesões denominadas “Kerion Celsi”, há um processo inflamatório intenso, com pústulas, secreção purulenta, alopecia e formação de cicatrizes (FULLER et al., 2014). Esta foliculite supurativa tem como agentes os fungos zoofílicos, como T. mentagrophytes (Figura 5) e T. verrucosum e, ainda fungos geofílicos, como M. gypseum e M. fulvum. Uma forma clínica grave, denominada tinea favosa, pode ocorrer quando algumas espécies de dermatófitos, como T. schoenleinii e M. gypseum, invadem o couro cabeludo, levando à formação de uma crosta em forma de favo de mel, decorrente de uma massa densa de micélio e restos de tecido epitelial, com atrofia da pele e alopécia cicatricial (WEITZMAN; SUMMERBELL, 1995; AQUINO; LIMA 2002). 9 A tinea corporis tem localização em pele glabra, preferencialmente nos braços, face e tronco (GOLDSTEIN et al., 2000). Causam lesões eritematodescamativas, circinadas, isoladas ou confluentes, de crescimento centrífugo, onde se observa vesículas ou pústulas em suas bordas (WEINSTEIN; BERMAN, 2002). T. rubrum (Figura 4) e T. mentagrophytes têm sido descritos como os principais agentes de tinea corporis (AMEEN, 2010). Características semelhantes ao quadro de tinea corporis são encontradas quando os dermatófitos atingem a região crural (coxas, períneo, nádegas e região pubiana), sendo nestes casos denominadas de tinea cruris. Estes locais são mais propícios à infecção por fungos, devido a constante maceração da pele, pela sudorese intensa ou por banhos prolongados, que favorecem à implantação destes microrganismos (HAINER, 2003). E. floccosum (Figura 8), espécie antropofílica é o agente mais comumente identificado nos casos de tinea cruris (WEITZMAN; SUMMERBELL, 1995; SANTOS et al., 2002). Tinea pedis ou pé-de-atleta, a forma clínica mais frequentemente observada em todo mundo caracteriza-se por lesões inflamatórias com numerosas vesículas plantares e interdigitais. Nos espaços interdigitais formam-se fissuras e a pele macerada predispõe às infecções secundárias, acentuando o caráter inflamatório das lesões. T. mentagrophytes tem sido isolado frequentemente nestas lesões (GOLDSTEIN et al., 2000; KORTING et al., 2001; OGASAWARA et al., 2003; ZAIAS; REBELL, 2003). A forma crônica da doença, com lesões na planta e nas bordas dos pés, sob a forma eritematodescamativa tem como causa predominante T. rubrum (HAINER, 2003). A sudação, umidade, calçados não higienizados adequadamente e o descuido na higiene da pele, constituem fatores que auxiliam a implantação e o crescimento dos fungos nesta região (GOLDSTEIN et al., 2000). A invasão das unhas por dermatófitos, denominada tinea unguium, se caracteriza por ser uma infecção normalmente crônica. A manifestação clínica das lesões ungueais pode ocorrer pela formação de manchas na placa das unhas, ou pode produzir lesões nas margens lateral e distal, caracterizando-se por uma unha opaca, esbranquiçada e espessa, com acúmulo de queratina subungueal. As unhas das mãos são comumente parasitadas por T. rubrum, enquanto nas unhas dos pés, T. rubrum, T. mentagrophytes e E. floccosum são frequentemente observados (HUANG et al., 2004). 10 Os dermatófitos mais frequentemente isolados como causadores de infecção, como T.rubrum, T. mentagrophytes, T. tonsurans (Figura 6), M. cannis (Figura 7) e E. floccosum são mostrados nas Figuras 4, 5, 6, 7 e 8. Figura 4: Trichophyton rubrum. A - colônias algodonosas brancas de reverso com pigmento avermelhado. B - hifas septadas hialinas e microconídios dispostos em acladio (400x). Fonte: Acervo do autor, 2012 Figura 5: Trichophyton mentagrophytes var. mentagrophytes. A - colônia pulvurulenta branco-amarelada. B - hifas em espiral e microconídios agrupados (400x). Fonte: Acervo do autor, 2012 11 Figura 6: Trichophyton tonsurans. A: colônias pregueadas, algodonosas de coloração branca a amarelada. B - hifas septadas hialinas e microconídios piriformes (400x). A B Fonte: Acervo do autor, 2012 Figura 7: Microsporum cannis. A - colônia algodonosas. B- Aspecto microscópico: hifas septadas hialinas e macroconídios septados, parede rugosa e extremidades afiladas (400x). A B Fonte: Acervo do autor, 2012 Figura 8: Epidermophyton floccosum. A colônias rugosas no centro e lisas na periferia, pulvurulentas, verde-acastanhada. B - hifas septadas hialinas e macroconídios em forma de raquete dispostos em cachos (400x). A B Fonte: Acervo do autor, 2012 12 1.2.3. Tratamento das dermatofitoses As dermatofitoses são infecções fúngicas superficiais de difícil tratamento e, mesmo nos casos em que a medicação é adequada ao agente etiológico identificado, nem sempre a sua eficácia é comprovada, sendo frequentes as recidivas (JOISH; ARMSTRONG, 2002; COLELLA et al., 2006; BITENCOURT et al., 2014). Terapias tópicas e orais são utilizadas para dermatofitoses (GUPTA; TU, 2006; GARMENDIA et al., 2008; KAUR et al., 2008). Dentre os principais medicamentos tópicos podemos citar o ciclopirox e a amorolfina (GUPTA et al., 2004; FINCH; WARSHAW, 2007; SHIRWAIKAR et al., 2008), enquanto para os antifúngicos de uso oral,os compostos do grupo das alilaminas, como a terbinafina, e dos triazois, como itraconazol e fluconazol. Estes fármacos orais resultaram em uma medida de grande importância, pois se utiliza um menor período de duração do tratamento, levando a um aumento do índice de cura e redução das recorrências (FINCH; WARSHAW, 2007; SEEBACHER et al., 2007; KAUR et al., 2008; NEGRONI. 2008). A dificuldade de cura, necessidade de um tempo prolongado de tratamento, constantes recidivas, associadas ao alto custo dos medicamentos são fatores que propiciam o aumento das infecções fúngicas e consequentemente a busca por novas terapias. 1.3. Flavonóides Os flavonóides, compostos orgânicos heterocíclicos presentes em frutas, vegetais e produtos relacionados, como própolis, mel, chá e vinho constituem um dos maiores grupos de fitonutrientes que proporcionam efeitos benéficos à saúde. O termo é derivado da palavra latina "flavus", que significa amarelo (FLORA et al.. 1998; KHAN et al.. 2013). Cerca de 8000 estruturas de flavonóides (PIETTA, 2000), sendo 4000 de origem natural são conhecidas (MCPHAIL et al., 2003). A característica estrutural básica de compostos flavonóides é o 2-fenil-benzo[α]pirano ou núcleo flavona, que consiste em dois anéis de benzeno ligados através de um anel heterocíclico pirano conforme mostrado na Figura 9 (CUSHNIE; LAMB, 2005; GHASEMZADEH; GHASEMZADEH, 2011). Uma grande diversidade estrutural de flavonóides ocorre 13 pelas modificações destes compostos como: hidroxilação, metilação, acilação ou glicosilação (KOES et al., 1994). Figura 9: Estrutura de flavonoíde, contendo anéis benzenos (A e B) ligados ao anel pirano (C). Fonte: CUSHNIE; LAMB, 2005. Ampla gama de atividades biológicas, incluindo antialérgica, antibacteriana, antidiabética, anti-inflamatória, antiviral, antiproliferativa, antimutagênica, antitrombótica, anticarcinogênica, hepatoprotetora estrogênica, inseticida e antioxidante têm sido demonstrada por diferentes pesquisadores (ORHAN et al., 2010; CUSHNIE; LAMB, 2011; PROCHAZKOVA et al., 2011; SERRA et al., 2012). É bem conhecido que a dieta rica em flavonóides está correlacionada com o aumento da longevidade e redução da incidência de doenças cardiovasculares (BURR, 1995). Em infecções microbianas causando lesões em plantas, há fortes indicações de que os compostos fenólicos, presentes nestas plantas, sejam capazes de auxiliar como agente terapêutico. (FULLERTON et al., 2011) A atividade destes compostos pode estar relacionada à sua capacidade de associar à proteínas extracelulares e solúveis formando complexos com paredes de células do microorganismo (FULLERTON et al., 2011). Alguns flavonóides rompem a membrana microbiana, sendo que a sua ação pode estar relacionada à inibição da síntese de ácido nucleico, alteração da função da membrana citoplasmática ou ainda podem agir sobre o metabolismo energético (CUSHNIE; LAMB, 2005; FULLERTON et al., 2011). Experimentos in vitro constatam a eficácia antimicrobiana de flavonóides contra uma ampla variedade de microrganismos (ORHAN et al., 2010; HENDRA et al., 2011). Hendra et al. (2011) mostraram que os flavonóides kaempferol, miricetina, naringina e 14 rutina extraídos da Phaleria macrocarpa apresentaram ação antimicrobiana contra bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e fungos filamentosos. Os flavonóides têm ainda recebido considerável atenção como possíveis fontes de novos agentes terapêuticos para infecções virais. Quercetina, fisetina, morina, rutina, dihidroquercetina, dihidrofisetina (fustin), leucocianidina, cloreto de pelargonidina, catequina, apigenina, naringenina, genisteina, silimarina e silibinina, apresentam atividade inibitória para uma variedade de vírus, incluindo o vírus da herpes simples (HSV), vírus sincicial respiratório (VSR), poliovírus, vírus Sindbis, HSV-1, para influenza-3 e DENV-2 (CUSHNIE; LAMB, 2005; OZCELIK et al., 2011; ZANDI et al., 2011; LIN et al., 2012; KHAN et al., 2013). Estes flavonóides pertencem à família dos compostos polifenólicos de ocorrência natural com atividades anticancerígenas, antimicrobianas e anti-inflamatórias cardiovasculares, merecendo destaque a fisetina que tem sido largamente encontrada em diferentes alimentos possuindo um espectro significativo de ações bioquímicas e farmacológicas (MANTHEY et al., 2001; BENAVENTE-GARCÍA; CASTILHO, 2008; ORHAN et al., 2010; ZHEN et al., 2012). 1.4. Fisetina Fisetina 3,3’,4’,7-tetrahidroxiflavona, (Figura 10) flavonóide natural encontrado em frutas e legumes, como morango, maçã, caqui, uva, kiwi, jatobá, cebola, pepino em concentrações que variam de 2-160 µg/g, pertence ao subgrupo flavonol (ARAI et al., 2000; SYED et al., 2011; ADHAMI et al., 2012). Em experimentos realizados in vivo, a administração sistêmica em camundongos mostrou que a fisetina possui atividade antitumoral em vários tipos de câncer, incluindo o de próstata, teratocarcinoma e carcinoma pulmonar (KHAN et al., 2008; TOUIL et al., 2011a; TRIPATHI et al., 2011). Fisetina apresenta capacidade de promover a diferenciação de células nervosas e pode prevenir, retardar ou reduzir os déficits relacionados ao envelhecimento na função cerebral (SAGARA et al., 2004; MAHER, 2009). Esta atividade neuroprotetora ocorre provavelmente pela inibição da atividade isoforma da monoamina oxidase (MAO) em células gliais C6. A disfunção da MAO está relacionada a vários distúrbios psiquiátricos e relacionados com a idade, como a depressão e a doença de Parkinson (NISHIOKA et al., 2011; ZHEN et al., 2012). Há indicações de que o efeito antidepressivo da fisetina 15 envolve a regulação dos níveis de serotonina e noradrenalina centrais (ZHEN et al., 2012). A capacidade deste flavonóide para eliminar os radicais livres contribui para a sua atividade antioxidante e os seus efeitos biológicos e anti-inflamatórios (PARK et al., 2007; TOUIL et al., 2011a; KHAN et al., 2013). Inibe a produçao de proteína quinase C (PKC), que está envolvida numa grande variedade de atividades celulares, que incluem mitogênese, processos secretórios, e funcionamento de células inflamatórias e de linfócitos T (MIDDLETON et al., 2000). Figura 10: Estrutura da fisetina. Fonte: KHAN et al., 2008 Fisetina não apresenta toxicidade em ratos, o que constitui uma vantagem notável sobre os medicamentos seletivos que são utilizados para o tratamento de câncer (SYED et al., 2011; TOUIL et al., 2011b; PAL et al., 2013). Em animais experimentais, fisetina mostra-se com boa absorção, sendo detectada em bom nível no soro de ratos (SHIA et al., 2008, TOUIL et al., 2011a; PAL et al., 2013). Fisetina mostra potencial antimicrobiano, o que tem sido demonstrado pela inibição de formação de biofilme de Staphylococcus aureus, Streptococcus dysgalactiae e efeito inibitório de crescimento in vitro de S. aureus, Staphylococcus albus, Bacillus cereus, Bacillus subtilis, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa (NARAYANA et al., 2001; TAECHOWISAN et al., 2014). A atividade do composto fisetina contra isolados do complexo de espécies C. neoformans e de dermatófitos apresentaram largo espectro, como evidenciado pelos valores de CIM demonstrado em experimentos anteriores (COSTA et al. 2014). 16 1.5. Ensaios de segurança para a avaliação de um fármaco Todo e qualquer composto passa por amplo e rigoroso processo de avaliação de segurança para que seja caracterizado como um fármaco (OSORIO-DE-CASTRO et al., 2004). Os testes efetuados envolvem uma sequência de experimentos e caracterização, denominados triagem de protótipos nos quais são utilizados diversos ensaios biológicos em nível molecular, celular, orgânico e de animais para definir a atividade e a seletividade do futuro fármaco. Em geral, busca-se do composto uma ampla variedade de ações, estabelecendo o seu mecanismo e seletividade. Desta forma efeitos tóxicos inesperados e ações terapêuticas não previstas podem ser descobertos (BARREIRO, 2002). Os candidatos a fármacos que apresentam bons resultados nos procedimentos iniciais de triagem e ainda caracteriza-se como de poder farmacológico são cuidadosamente avaliados por meio de testes pré-clínicos quanto aos riscos potenciais (BERKOWITZ, 2006). Sistemas in vitro e in vivo são usados para a obtenção do maior conhecimento acerca das propriedades e dos efeitos adversos do fármaco em desenvolvimento (FERREIRA et al., 2009). Os testes de toxicidade celular (in vitro) fornecem as primeiras informações sobre resposta biológica dos compostos em células de mamíferos, podendo ser descartados, devido à sua citotoxicidade (FLINT et al., 2000). Os testes in vivo realizados em seguida, submete o composto a experimentos que envolvem a detecção de toxicidade a curto e longo prazo em animais, o que permite que suas propriedades farmacológicas possam ser definidas dentro de uma relação doseresposta (FERREIRA et al., 2009). Segundo Grahame-Smith e Aronson (2004) a duração do teste pré-clínico toxicológico deve ser semelhante ao tempo da provável duração do uso terapêutico. Testes relacionados com a estabilidade do composto e possibilidade de produção em larga escala fazem parte destes ensaios. 17 2. JUSTIFICATIVA Dentre os fungos causadores de patologia humana, os pertencentes ao complexo de espécies Cryptococcus neoformans e os dermatófitos são responsáveis por importantes infecções tanto em pacientes imunocomprometidos quanto em imunocompetentes. Estes fungos causam infecções recidivantes e nem sempre a terapêutica usada, apresenta resposta eficaz, além de apresentarem diversos efeitos colaterais (BOUCHER et al., 2004). Diante do aumento das infecções causadas por estes fungos e do desenvolvimento de resistência aos antifúngicos por algumas espécies naturalmente sensíveis, estratégias para o desenvolvimento de novos antifúngicos que atuem em diferentes alvos ou que ajam com menor toxicidade ao organismo do hospedeiro são consideradas emergentes. Ensaios previamente realizados com fisetina apresentaram bons resultados com relação à suscetibilidade e citotoxicidade in vitro. O composto inibiu o crescimento de fungos do complexo Crytocococus e de dermatófitos em concentrações baixas, consideradas de relevância quando se analisa os compostos de potencial eficácia (KUETE, 2010). Índice de citotoxicidade da fisetina para fibroblastos de mamíferos menores do que a concentração inibitória mínima, revelando a sua baixa toxicidade foi de grande importância para a escolha deste composto. Os resultados encontrados incentivaram novas pesquisas acerca da ação do composto fisetina sobre os fungos do complexo de espécies Cryptococcus neoformans e de dermatófitos, além da realização de testes de segurança para a comprovação de sua baixa toxicidade. A ação da fisetina em células do complexo C. neoformans, avaliada pelo doseamento de ergosterol permite a medida da sensibilidade da biossíntese do ergosterol em isolados de fungos. Vários antifúngicos têm a sua ação sobre este principal constituinte da membrana citoplasmática constituindo, portanto um forte entendimento da ação dos compostos. Levando em consideração as características da célula fúngica, uma das formas de se verificar o seu mecanismo de ação é a determinação do conteúdo em ácidos nucléicos, a taxa de respiração, a atividade enzimática intracelular e a integridade da membrana citoplasmática ou da parede, além da viabilidade da célula. Através do citômetro de fluxo é possível a análise destes parâmetros (CZECHOWSKA et al., 2008). 18 A estrutura celular de um fungo visualizada por microscopia óptica ou eletrônica é uma característica que deve ser considerada importante quando na presença de um fármaco. Os compostos antimicrobianos podem alterar a estrutura da célula, podendo desta maneira proporcionar informações sobre seu mecanismo de ação (MARTINELLI; SANTOS, 2010). p A segurança do uso de medicamento é uma regra imposta para a sua fabricação. Da mesma forma todos os compostos devem ser exaustivamente estudados antes de serem taxados como de potencial medicamentoso. O sistema de formação e desenvolvimento das células sanguíneas a partir de um precursor comum pluripotente, a hematopoiese, pode ser alterada sob a ação de medicamentos. A avaliação da formação de colônias de granulócitos e macrófagos a partir de unidades formadoras de colônias (UFC) através da estimulação destas células por fator de crescimento específico e os efeitos tóxicos de xenobióticos sobre os progenitores de medula óssea da série granulocítica/macrofágica podem ser analisados pela avaliação da mielotoxicidade realizada em animais como os camundongos (PARCHMENT, 1998). A atividade hemolítica sobre células sanguíneas sadias também constitui uma forma de avaliar se a substância é capaz de causar lesões na membrana plasmática dos eritrócitos, uma estrutura que pode sofrer mudanças significativas na sua interação com fármacos seja pela formação de poros ou pela ruptura total. A linhagem celular humana HepG2, derivada de um carcinoma hepático é um sistema modelo bem reconhecido e frequentemente utilizado para investigar a função das células do fígado in vitro (BOKHARI et al., 2007). Como o fígado é o principal órgão envolvido no metabolismo e no processamento de xenobióticos, linhagem de células HepG2 é muitas vezes utilizada como ferramenta para a pesquisa da toxicidade de fármacos e compostos que podem afetar a função de células do fígado (MERSCHSUNDERMANN et al., 2004). Esta linhagem celular apresenta muitas propriedades semelhantes às dos hepatócitos, incluindo a secreção de produtos de genes específicos (Rollier et al. 1993), a polaridade da membrana plasmática (MAURICE et al., 1988) e o fator de regulação de crescimento da mobilidade celular (TAJIMA et al., 1992). Por tal semelhança, a torna um modelo útil para estudos com fármacos quimioterápicos (ARCE et al., 2005). Baseados nesta exposição, o trabalho constou com os objetivos abaixo mencionados. 19 3. OBJETIVOS 3.1. Geral 1- Avaliar a atividade biológica do composto fisetina. 3.2. Específicos 1- Determinar o mecanismo de ação, como doseamento de ergosterol, viabilidade e metabolismo de células do complexo C. neoformans na presença de fisetina. 2- Avaliar as alterações morfológicas de leveduras do complexo C. neoformans e de um grupo de fungos filamentosos denominados dermatófitos na presença de fisetina. 3- Avaliar a toxicidade do composto fisetina in vitro e in vivo. 20 4. MÉTODO(S) 4.1. Isolados Este trabalho foi realizado com quatro isolados: C.neoformans ATTC 28957, C. gattii ATCC 24065, Trichophyton mentagrophytes ATCC 20972 e uma amostra clínica de Trichophyton rubrum obtida das unhas de paciente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Os isolados clínicos foram provenientes de trabalhos aprovados no comitê de ética do Hospital das Clínicas (nº 065/2008) e do Hospital de Doenças Tropicais (nº 007/2004). 4.2. Mecanismos de Ação de fisetina sobre os fungos 4.2.1. Doseamento de Ergosterol Com o objetivo de determinar a ação da fisetina em células do complexo C. neoformans foi usada a levedura C. gattii ATCC 24065 que foi analisada com relação ao conteúdo de ergosterol. O teste de doseamento de ergosterol mede a sensibilidade da biossíntese deste esterol em isolados de fungos sob o efeito de um determinado composto. Para a realização de sua dosagem, o ergosterol foi extraído conforme o método de doseamento de esterol (MDE) descrito por Arthington-Skaggs (1999) com algumas modificações. A suspensão de células fúngicas contendo uma concentração de 1 x 107UFC, obtidas de colônias crescidas em ágar Sabouraud dextrose (Difco® Laboratories, EUA), foi inoculada em erlenmeyers contendo 30 mL de caldo Sabouraud dextrose na presença do composto ou de itraconazol (controle positivo) em concentrações de inibição do microrganismo (128 µg/mL para fisetina e de 0,25 µg/mL para itraconazol) e em concentração sub-inibitória correspondente a 1/2xCIM e incubadas em agitador Orbital por 72 horas em agitação de 200 rpm e a uma temperatura de 35ºC. O mesmo procedimento foi usado para o controle negativo sem adição do composto. A suspensão de células obtidas foi transferida para tubos falcon e centrifugada a 3700 rpm durante 10 min. O sobrenadante foi descartado e as células foram lavadas com água destilada. O pellet obtido foi pesado e o sedimento seco 21 adicionado de 3 ml de solução alcoólica de potássio (25g de hidróxido de potássio, 35 ml de água destilada e álcool 100% qsp 100 ml). A suspensão das células obtida foi submetida a agitação por 1 min e em seguida incubada em banho maria a 85°C por 4 horas. Após o resfriamento a temperatura ambiente (24ºC), o esterol foi extraído pela adição de uma mistura de 1 mL de água destilada estéril e 3 mL de n-heptano seguida de agitação vigorosa em vórtex por 3 minutos. Uma alíquota de 200µL da solução foi diluída em 800µL em etanol P.A. e analisada em espectrofotômetro Varian Cary 50 Bio spectrophotometer UV-visible em um intervalo de comprimento de onda (λ) de 200 a 350 nm. Os experimentos foram realizados em triplicata. O conteúdo de ergosterol foi calculado de acordo com a porcentagem do peso seco das células usando-se a equação: % ergosterol + % 24(28) DHE = [(A281.5/290)xF]/ massa pellet sendo que % 24(28) DHE = [A230/518 xF]/massa pellet % ergosterol = [% ergosterol +% 24(28) DHE] - 24(28) DHE onde F é fator de diluição em etanol e 290 e 518 são os valores de E (em %/ cm) determinado pelo ergosterol cristalino e 24(28) DHE. 4.2.2. fluxo Determinação da viabilidade e do metabolismo celular por citometria de Para determinação da viabilidade e do metabolismo da célula fúngica sob a ação do composto fisetina, foi utilizada a metodologia proposta por Pina-Vaz et al. (2005) e Pinto et al. (2009) com modificações. A amostra C. gattii ATCC 24065 (uma alçada da colônia) crescida em ágar Sabouraud dextrose, foi inoculada em caldo Sabouraud dextrose (Difco® Laboratories, EUA), e incubada overnight em agitação de 200 rpm, a uma temperatura de 35°C. Em seguida as células foram centrifugadas por 10 minutos a 3000 rpm e lavadas com solução PBS suplementada com 2% de glicose (pH 7,0) e ajustadas em câmara de neubauer de tal modo a se obter uma concentração de 106 células/mL. O composto fisetina foi preparado em meio de caldo RPMI sem bicarbonato de sódio (Sigma Chemical Co) em concentrações de duas vezes o valor da 2xCIM (256 22 µg/mL), 1xCIM (128 µg/mL) e 1/2xCIM (64 µg/mL) (COSTA et al. 2014). Este composto, nas diferentes concentrações foi incubado com a suspensão de leveduras em estufa a 35ºC durante um período de 2hora. Após a incubação, as células tratadas foram lavadas e ressuspensas em solução PBS suplementada com 2% de glicose e dois marcadores: 1 µg/mL iodeto de propidio (PI) (o qual permite a observação de lesão de membrana) ou 0,5 µM de FUN-1(2-chloro-4-(2,3-dihydro-3-methyl-(benzo-1,3-thiazol2-yl)-methyli-dene) (sonda que mostra a atividade metabólica celular) em soluçãotampão Hepes (ácido N-(2-hidroxietilo)-piperazina-N'-2-etanesulfónico) (pH 7,2) para marcação. Estas células foram mantidas em estufa a 35°C por 30 minutos na ausência de luz. O iodeto de propídio (PI) é um marcador de integridade de membrana, sendo capaz de atravessar membranas lesionadas. Quando no meio intracelular, se liga aos ácidos nucléicos emitindo fluorescência vermelha. Em células com membrana íntegra este marcador não consegue penetrar e não apresenta fluorescência (PINA-VAZ et al., 2001; VALE-SILVA et al., 2006). FUN-1 é uma sonda fluorescente que permeia a membrana fluindo livremente para o interior da célula e inicialmente aparece no citoplasma como uma fluorescencia difusa brilhante verde/amarelada. Em células normais fúngicas, FUN-1 é metabolicamente convertido em estruturas intravacuolares laranja/vermelho. No entanto, em células com alterações metabólicas, o corante permanece difuso no citoplasma, indicando assim, uma desordem metabólica no estado de vitalidade das células (MILLARD et al., 1997). Foram usados como controle, amostras não tratadas com marcador (controle de autofluorescência), amostras tratadas com o marcador, mas não submetida a nenhum tratamento antifúngico (controle marcado), Anfotericina B (controle de lesão de membrana) e azida sódica (controle de alteração metabólica). Os resultados obtidos, levando-se em consideração a compensação negativa com a autofluorescência das células fúngicas, foram analisados em citômetro Accuri C6 (Becton Dickinson Biosciences) de laser azul de argônio com um comprimento de onda de 488 nm. 23 4.2.3. Características morfológicas por microscopia eletrônica de varredura A avaliação da interferência da fisetina sobre a morfologia dos fungos foi verificada usando-se microscopia eletrônica de varredura de acordo com a metodologia proposta por Faganello et al. (2006). As amostras de C. neoformans ATCC 28957, C. gattii ATTC 24065, T. mentagrophytes ATCC 20972 e amostra clínica de T. rubrum foram inoculadas em placas de petri contendo meio de ágar Sabouraud dextrose (Difco ® Laboratories, EUA), acrescido de 128 µg/mL (correspondente a 1xCIM) de fisetina. Para controle negativo, utilizou-se o mesmo meio de cultura sem adição de composto. Após 48 horas para o crescimento de leveduras, e de 5 dias para os dermatófitos, foi retirado da placa de petri o meio contendo as colônias, o que foi caracterizado como pequenos blocos da amostra fúngica. Estes blocos foram imersos em eppendorfs com fixador (2% de glutaraldeído, 2% de paraformaldeído em 0,1M de tampão cacodilato de sódio a pH 7,2 acrescido de 3% de sacarose) e mantidos overnight a 4°C. Em seguida, foram realizadas três lavagens de 15 minutos cada, usando tampão cacodilato e pós-fixados em tetróxido de ósmio a 1% e mantidos em geladeira, com ausência de luz por 1 hora. Após este período as amostras foram novamente lavadas por duas vezes com tampão cacodilato. Após a lavagem, as amostras foram desidratadas em uma série gradual de etanol (30% a 100%) por 15 minutos cada e secadas no aparelho de ponto critico em CO2 por 40 minutos. Posteriormente as amostras foram fixadas em um porta amostra (stub) com auxílio da fita de carbono dupla-face, revestida com carbono e posteriormente analisadas em microscópio eletrônico de varredura (Esquema 1). Esquema 1. Processamento das amostras fúngicas para análise de alterações morfológicas por microscopia eletrônica de varredura. 24 4.3. Ensaios de toxicidade de fisetina 4.3.1. Animais Foi utilizado um total de nove (9) camundongos provenientes do Biotério Central da Universidade Federal de Goiás (UFG), divididos para três tipos de experimentos diferentes: potencial hemolítico, mielotoxicidade e toxicidade oral aguda. A comissão de ética no uso de animais (CEUA) da UFG com protocolo nº 076/14 aprovou o referido trabalho. 4.3.1.1 Avaliação do potencial hemolítico A avaliação do potencial hemolítico da fisetina sobre eritrócitos de camundongos foi realizada de acordo com a metodologia proposta por Santos Junior et al. (2010) modificada por Gaeti et al. (2015). O sangue de camundongos foi coletado previamente por punção cardíaca e lavado com salina (NaCl 0,85% + CaCl2 10mM, pH 7,4) 3 vezes, por centrifugação de 10 minutos, a 2000 rpm. Em seguida foi feita uma solução de eritrócitos (SE) a 2% em soro fisiológico. Em placas de microtitulação de 96 poços, 100µl da suspensão de eritrócitos foi incubada com diferentes concentrações crescentes de fisetina diluída em RPMI (Sigma Chemical Co) (0,78; 1,56; 3,12; 6,25; 12,5; 25; 50; 100 e 200 µg/mL) por 1 hora sob agitação mecânica constante à temperatura ambiente (25 ± 2°C), utilizando um agitador de placas de microtitulação (Orbit P4 digital, Labnet, NJ, EUA). Em seguida, a placa de microtitulação foi centrifugada a 1500 rpm por 10 minutos, o sobrenadante removido e a hemoglobina analisada por espectrofotometria a um λ de 540 nm. Foram realizados vários controles: controle negativo contendo solução salina; controle do veículo da fisetina (RPMI e DMSO) e controle positivo com 0,5% de triton X-100 para se obter 100% de hemólise (Esquema 2). Os dados foram analisados pelo programa GraphPad prism (versão 5.0 para Windows XP, Graph Pad Software, San Diego, California). A avaliação da hemólise foi realizada a partir de três experimentos independentes e em octuplicata. Os resultados foram apresentados em porcentagem (graficamente) levando-se em consideração as médias ± desvio-padrão dos valores obtidos por espectrofotometria em relação ao controle positivo (Triton X-100). 25 Esquema 2: Processo da análise da atividade hemolítica de fisetina sobre eritrócitos. 4.3.1.2 Análise de mielotoxicidade de fisetina A avaliação da mielotoxicidade foi realizada de acordo com os procedimentos realizados por Da Mota et al. (2012). Os animais foram anestesiados subcutaneamente com 10 mg/Kg de Xilazina e 100 mg/Kg de ketamina e, após constatação de ausência de reflexo das patas, eutanasiados por deslocamento cervical (HUBRECHT; KIRKWOOD, 2010). O fêmur foi exposto e removido na extremidade distal por deslocamento da cartilagem e na extremidade proximal por corte dos ligamentos. As células da medula óssea obtidas do fêmur foram transferidas, com auxílio de agulha e seringa para um tubo contendo meio RPMI (Sigma Chemical Co) e centrifugadas a 1500 rpm por 10 minutos. O sobrenadante obtido foi descartado e o pellet suspenso em 1mL de meio RPMI. Em placas de petri de 35 mm foram adicionados 200 µL de fator de crescimento (GM-CSF-M), 100 µL de fisetina em diferentes concentrações (200; 100; 50; 25; 12,5; 6,25 µg/mL) e 1700µL de meio ágar DMEM (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) com células de medula óssea [20% de 26 SFB (Invitrogen, Eugene, OR, EUA), 30% DMEM 2x, 50% ágar ágar de tal modo a se obter concentração celular de 1x105céls/mL]. Foram realizados controles: negativo (fator de crescimento + meio ágar DMEM com células de medula óssea), positivo com itraconazol em um concentração de 0,607mg/L, correspondente a concentração inibitória de 50% das células de murinos (BENKOŐ et al., 1999), do veículo da fisetina (DMSO+RPMI). As placas foram homogeneizadas e armazenadas em estufa de CO2 a 37°C por 7 dias. Após este período, foi realizada a contagem das colônias de granulócitos (tipo compacta com um núcleo denso e um halo periférico ou do tipo difusa/espalhada não apresentando núcleo aparente são consideradas como normais de acordo com Pessina et al. (2000)). O teste foi realizado em três experimentos independentes (lupa Leica NZ6, 3,2x). Os dados foram expressos como médias ± desvio-padrão das colônias obtidas e analisados utilizando o programa Graph pad prism (versão 5.00 para Windows XP, Graph Pad Software, San Diego, Califórnia, EUA). A mielotoxicidade foi analisada por análise de variância (one-way ANOVA) e posteriormente por teste de Tukey. As médias foram consideradas estatisticamente significativas quando p<0,05. 4.3.1.3 Toxicidade Oral Aguda da fisetina A toxicidade oral aguda foi realizada de acordo com o preconizado no guia OECD (2001). O guia determina as doses a serem utilizadas e o número de animais do mesmo sexo por dose como mostrado no Esquema 3. A fisetina, suspensa em óleo vegetal comestível (óleo de girassol) numa dose de 2000 mg/Kg, definida a partir de dados obtidos in vitro no teste de incorporação do vermelho neutro com células basais 3T3 (COSTA et al. 2014), foi administrada após restrição de alimentação por duas horas, oralmente, por gavagem, em camundongos Swiss fêmeas. Os animais foram observados continuamente durante 4 h (10min., 30 min., 1h, 2h, 4h) e diariamente por 14 dias para verificação de qualquer alteração no comportamento geral ou nas atividades fisiológicas, como: perda de peso e alteração no consumo alimentar, efeitos produzidos pela substância sobre o estado de consciência, disposição, atividade e coordenação do sistema motor e tônus muscular, atividade do sistema nervoso central e autônomo do animal. No décimo quinto dia, os animais foram eutanasiados, a necropsia realizada e os rins e figado coletados para análise histológica. Este experimento foi realizado duas vezes e 27 assim estimada a categoria toxicológica da fisetina definida pelo guia. Dependendo do estado moribundo ou morte dos animais submetidos às diferentes doses, a toxicidade é classificada em 5 categorias: classe 5: 2000 mg/Kg ≤ DL50 ≤ 5000 mg/Kg (dose de 2000mg/Kg) -morte de 0 a 1 animal;, classe 4: 300 ≤ DL50 < 2000 mg/Kg (dose de 300mg/Kg) morte de 0 a 1 animal; classe 3: 50 mg/Kg ≤ DL50 < 300 mg/Kg (dose de 50 mg/Kg) morte de 0 a 1 animal; classe 2: 5 mg/Kg ≤ DL50 < 50 mg/Kg (5mg/Kg) morte de 0 a 1 animal e classe 1 quando ocorre de 2 a 3 mortes dos animais tratados com a dose de 5 mg/Kg caracterizando uma amostra altamente tóxica (Esquema 3). Esquema 3: Procedimento para classificação da toxicidade oral aguda segundo as doses iniciais preconizada por Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) guidelines 423, 2001. 4.3.2. Hepatotoxicidade 4.3.2.1 Avaliação da viabilidade mitocondrial de células HepG2 Para a avaliação da citotoxicidade de fisetina sobre as células de carcinoma hepatocelular humano (HepG2), foi empregado o método de redução do tetrazolium adaptado de Mosmann (1983), que avalia a atividade mitocondrial de células viáveis (FERNANDES et al., 2015). As células de HepG2 foram cultivadas em Dulbecco`s modified Eagle`s medium (DMEM – 1640 Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) 28 suplementado com 10% de Soro Fetal Bovino (SFB - Invitrogen, Eugene, OR, EUA) e benzilpenicilina (100 000 UI/mL) (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA) e mantidas em frascos de cultura de células a 37ºC em estufa de CO2 a 5% e 90% de umidade. O meio de cultura foi retirado das garrafas e as células foram lavadas com 10mL de PBS.Estas células foram submetidas à tripsinização [2 mL de solução contendo PBS e tripsina (1:1)], incubadas em estufa celular por 3 minutos, a tripsina foi inativada usando-se 10 mL de meio completo (DMEM + 10% SFB). e transferidas para um tubo de polietileno. Em seguida foi realizada centrifugação a 1500 rpm por 5 minutos e o precipitado celular ressuspendido em 1 mL de meio completo. Uma alíquota de 20 µL foi diluída em 180 µL de corante azul tripano para monitorar a viabilidade celular, que foi visualizada por microscopia óptica, sendo as células viáveis contadas em câmara de neubauer. Uma quantidade de 100 µL (por orifício) da suspensão de células contendo 1x106 células/mL viáveis foi distribuída em placa de microtitulação 96 orifícios e mantidas por 24h a 37ºC em estufa celular (CO2 a 5% e 90% de umidade). Em seguida estas células foram incubadas com oito diferentes concentrações de fisetina (3,125; 6,25; 12,5; 25; 50; 100; 200; 400 µg/mL) diluídas em meio DMEM suplementado com 2% de SFB. Após incubação de 21 h em estufa celular, 10 µL de solução de MTT (SigmaAldrich, St. Louis, MO, EUA) foram adicionados em cada orifício da placa, incubado por mais 3 h em estufa celular, completando um tempo de exposição total de 24 h. Posteriormente, o sobrenadante da placa foi retirado, e 100 µL de DMSO (SigmaAldrich, St. Louis, MO, EUA) foram adicionados a cada orifício. A placa foi agitada mecanicamente por 20 minutos para promover a solubilização dos cristais de formazana produzidos. [O sal de MTT (brometo de 3-(4,5 dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio) é clivado pela succinato desidrogenase, enzima ativa em células vivas, produzindo cristais azuis de formazana. A quantidade desses cristais formados é diretamente proporcional ao número de células viáveis (MOSMANN, 1983)]. A leitura da placa foi realizada em espectrofotômetro Multiskan Spectrum Thermo Scientific® com λ de 560 nm. A absorbância obtida das células-controle (células Hep 2 viáveis e meio completo com ausência de fisetina) foi considerada como 100% de viabilidade celular. O mesmo procedimento foi realizado usando-se o itraconazol em concentrações de 3,125; 6,25; 12,5; 25; 50; 100; 200; 400 µg/mL. Foram realizados três experimentos independentes e para cada concentração de fisetina utilizou-se seis orifícios independentes (Esquema 4). Os resultados foram analisados pela média das leituras de densidade óptica de cada diluição e comparados com a média do controle negativo de células (100%), 29 obtendo-se a porcentagem de sobrevida das células em cada diluição, que foram expressos graficamente. Os dados foram analisados estatisticamente usando software GraphPad Prism 5.0 obtendo uma curva, na qual pode ser encontrado o índice de citotoxicidade IC50% (concentração do composto que destrói metade da população celular). Esquema 4: Representação esquemática dos orifícios da placa de microtitulação após formação de monocamada de células HepG2 e adição de concentrações crescentes de fisetina para o ensaio de redução de MTT. 4.3.2.2 Avaliação da morfologia de células HepG2 com corante Giemsa As alterações morfológicas ocorridas em células HepG2 tratadas com fisetina foram avaliadas por microscopia óptica através da coloração de May-Grunwald-Giemsa (Rosenfeld, 1947). Suspensão de células HepG2 contendo 1x106 UFC/mL em meio completo (DMEM + 10% SFB) foi distribuída nos orifícios (6) de placa de cultura celular e mantidas por 24h a 37ºC em estufa de CO2 a 5% e 90% de umidade. A cada 30 um dos orifícios contendo as células HepG2 foram acrescentados fisetina em uma concentração de 12,7 µg/mL, correspondente a IC 50%, e incubadas por 24 horas. Após este período o meio de cultura foi retirado, as células lavadas por duas vezes com PBS e fixadas com 400µL de metanol por 2 minutos. O metanol foi retirado, adicionou-se 400 μL de solução de uso do corante Giemsa, por 10 minutos e os orifícios foram lavados com H2O deionizada, mantendo-se a placa em estufa de secagem. As células foram observadas em microscópio óptico invertido (AxioScope A1 Carl ZEISS, Gottingen, Germany, aumento de 100x) e fotografadas com AxioCam MRc Carl Zeiss e software AxioVs40 V 4.7.2.0 Carl Zeis. O mesmo procedimento foi realizado usando-se o itraconazol à uma concentrações de 150 µg/mL (IC 50%). O experimento foi realizado em triplicata. 4.3.2.3 Avaliação da morfologia nuclear de células HepG2 com corante Hoechst 33342 A morfologia nuclear foi avaliada pela integridade da cromatina ou a fragmentação/condensação nuclear conforme descrito por Sandhu et al. (1985). O corante Hoechst 33342 (Invitrogen, Eugene, OR, USA) é DNA fluorescente, permeável à célula, que se liga preferencialmente às bases adenina-timina do DNA. Suspensão de células contendo 1x106 UFC/mL em meio completo (DMEM + 10% SFB) foi distribuída em placa de petri de 35 mm e mantida por 24h a 37ºC em estufa de CO2 a 5% e 90% de umidade. Em seguida, a esta suspensão foi adicionado fisetina em uma concentração de 12,7 µg/mL (IC50%), diluída em meio DMEM e incubada por 24h. As células foram então fixadas com metanol por 5 minutos e lavadas com PBS T20 (PBS + 0,05% Tween 20) por duas vezes. Uma quantidade de 500 μL de solução de uso de corante Hoechst 33342 (10 μg/mL, diluído em PBS e estocado a -20ºC) foi adicionado à placa de petri, por 20 minutos ao abrigo da luz, e em seguida lavado com PBS. A morfologia nuclear foi observada em microscópio de fluorescência (Leica DMI 4000 B®, Solms, Alemanha 40X) e fotografada com Leica DCF 340 FX®. O mesmo procedimento foi realizado usando-se itraconazol à uma concentrações de 150 µg/mL (IC 50%). O experimento foi realizado em triplicata. 31 4.3.2.4 Análise da viabilidade, apoptose e necrose de células HepG2 por externalização da fosfatidilserina Para este experimento as células HepG2 (diluídas em DMEM) em uma concentração de 1x106 células/mL foram incubadas com fisetina (diluída em caldo RPMI) a uma concentração de 12,7 (IC 50%) µg/mL por 24 horas em frasco de cultura celular de 25cm2. Em seguida foram lavadas com PBS, centrifugadas a 1500 rpm por 10 minutos e ressuspendidas a 1:10 com tampão de ligação diluído (10 mmol/L de HEPES/NaOH; 140 mmol/L de NaCl a 2,5 mmol/L de CaCl2). Uma quantidade de 100 µL da solução contendo 1x105 células/mL foi transferida para um tubo de cultura de 5 mL e adicionado de 5 µL de anexina V (proteína com capacidade de se ligar com alta afinidade a fosfolipídeos de carga negativa da superfície celular, como a fosfatidilserina) conjugada com o fluorocromo FITC (substância usada para identificação de células apoptóticas) e adição de 5 µl de iodeto de propídio (fluorocromo que possibilita separar as células viáveis e aquelas nos diferentes estágios da apoptose). A mistura foi vortexada suavemente e incubada durante 15 min à temperatura ambiente (25°C) no escuro. Após esse período foi adicionado 400 µl de tampão de ligação 1x a cada tubo e realizada a leitura em citômetro de fluxo. As células que não perderam a integridade da membrana excluem o PI e não são marcadas com anexina V-FITC, as células em apoptose recente são marcadas com anexina V-FITC, aquelas em apoptose tardia apresentam dupla fluorescência, enquanto as células necróticas apresentam apenas marcação com PI. Células HepG2 não marcadas, células marcadas com anexina V-FITC (sem PI), células marcadas com PI (sem anexina V-FITC) foram usadas como controle. Os resultados foram apresentados em gráficos de dot-plot (gate de 10.000 eventos) e de porcentagem dos estágios da célula HepG2. O mesmo procedimento foi realizado usando-se itraconazol à uma concentrações de 150 µg/mL (IC 50%). O experimento foi realizado em triplicata seguindo o protocolo do fabricante (BD Pharmingen™). 32 5. RESULTADOS 5.1. Mecanismos de Ação de fisetina sobre os fungos 5.1.1. Doseamento de Ergosterol O ergosterol extraído das células fungicas e seus perfis espectrais determinados com λ variando de 200 a 350 nm mostrou que no controle, células de C. gattii sem adição de fisteina, há uma produção máxima de ergosterol no valor de 0,0099392217 em comprimento de onda de 280nm como mostrado na Figura abaixo. Figura 11: Curva espectrofotométrica obtida em diferentes comprimentos de onda de células não tratadas de Cryptococcus gattii. Quando as células de C. gattii foram submetidas à ação de fisetina ou de itraconazol foi observado uma redução de produção de ergosterol. Em concentração correspondente a ½ CIM a produção foi maior do que em CIM tanto para fisetina como para itraconazol, antifúngico que age na síntese de ergosterol. No pico de λ 280nm, os valores percentuais de ergosterol para ½ CIM e CIM de itraconazol foram 0,0076724239% e 0,0060706995% respectivamente, enquanto que em ½ CIM e 1XCIM de fisetina foram 0,007784923% e 0,0074109407% respectivamente. Desta forma quando se comparou os valores obtidos com as células controle, verificou-se uma redução de 25,4% do conteúdo de ergosterol na 1XCIM (128µg/mL) e de 21,6% na ½ CIM (64 µg/mL) causado pela fisetina para as células de C. gattii. Com relação ao itraconazol a redução foi de 38,9% na 1XCIM (0,25 µg/mL) e de 22,8% na ½ CIM (0,125µg/mL). A curva espectrofotométrica da produção de ergosterol em absorbância em diferentes comprimentos de onda (200 a 350 nm) por células de C. gattii na presença de itraconazol e de fisetina em concentrações de ½ CIM e em 1XCIM, é mostrada na Figura 12. 33 Figura 12: Curva de espectrofotometria de células de Cryptococcus gattii (controle) e em contato com ½ CIM e CIM de itraconazol (A) e de fisetina (B). 5.1.2. Citometria de Fluxo O mecanismo de ação da fisetina utilizando-se citometria de fluxo com os marcadores Iodeto de Propidio (PI) e FUN-1(2-chloro-4-(2,3-dihydro-3-methyl-(benzo1,3-thiazol-2-yl)-methylidene) mostrou que células fúngicas controles, sem adição de fisetina, estavam metabolicamente ativas e sem alteração de membrana como visualizado na Figura 13. Figura 13: Histogramas mostrando o controle da célula fúngica sem adição de fisetina. A-controle de viabilidade de FUN-1. B- controle de viabilidade de PI. Cm = controle marcado; Ct Af = controle de autofluorescência. Os resultados evidenciaram que o composto fisetina foi capaz de reduzir o metabolismo das células fúngicas de acordo com a concentração, havendo 51% de redução do número de células viáveis em ½ CIM (64 µg/mL), de 72,4% na CIM de 128µg/mL e de 76,3% em 2 x CIM (256µg/mL) como mostrado na Figura 14. 34 Figura 14: Fluorescência com o marcador FUN-1 sobre células de Cryptococcus gattii ATCC 24065 tratadas com fisetina (em vermelho), e sem tratamento (em preto) A=tratadas com 2x CIM de fisetina (redução de 76,3%), B= tratadas com 1xCIM de fisetina (redução de 72,4%) e C= tratadas com ½ CIM de fisetina (redução de 51%). A B C O marcador fluorescente PI tem a capacidade de penetrar no meio citoplasmático de células que sofreram lesão na membrana celular, ligando-se no meio intracelular a ácido nucleico e corando as células mortas pela emissão de fluorescência vermelha. A alteração de lesão observada foi muito reduzida, mostrando que este composto não foi capaz de destruir estas células. A alteração celular marcada com o PI pode ser visualizada na Figura 15. Figura 15: Fluorescência com o marcador PI sobre células de Cryptococcus gattii ATCC 24065 tratadas com fisetina (em vermelho), e sem tratamento (em preto). A=2x CIM de fisetina (23,9%), B=1x CIM de fisetina (23,8%), C=½ CIM de fisetina (22,7%). A A B C 35 5.1.3. Características morfológicas por microscopia eletrônica de varredura As células de C. neoformans e de C. gattii (controle) apresentaram formas tipicamente globulares, apesar de algumas delas terem perdido sua integridade devido ao processo de preparação das amostras (desidratação) e pela formação de vácuo no interior da câmera do microscópio como evidenciado na Figura 16 (A e C). As células tratadas com fisetina apresentaram alterações estruturais e morfológicas importantes quando comparadas ao grupo controle. Observou-se que as células fúngicas murcharam e suas cápsulas tornaram-se com um aspecto rugoso, mas não se verificou lise da membrana. Estas características são mostradas na Figura 16 (B e D). Figura 16: Células do complexo Cryptococcus neoformans em microscopia de varredura. Sem tratamento mostrando-se íntegras, (A e C) e tratadas com fisetina, evidenciando-se leveduras murchas com cápsulas rugosas (B e D). As imagens de microscopia eletrônica de varredura de T. mentagrophytes e T. rubrum não tratadas apresentaram estruturas típicas, com hifas íntegras, filamentos de largura uniformes, cilíndricas e aparência exterior lisa como observado na Figura 17 (A e C). Grande quantidade de conídios foi verificada no isolado de T. mentagrophytes ATCC 20972 (Figura 17 A). As amostras de microscopia de varredura de T. mentagrophytes e T. rubrum não tratadas apresentaram estruturas típicas, com hifas íntegras, filamentos de largura uniformes, cilíndricas e aparência exterior lisa como 36 observado na Figura 17 (A e C). Grande quantidade de conídios foi verificada no isolado de T. mentagrophytes ATCC 20972 (Figura 17 A). As amostras de dermatófitos tratadas com fisetina apresentaram hifas de espessura não uniforme e com rugosidade, como visualizado na Figura 17 (B e D). T. mentagrophytes ATCC 20972 tratado com fisetina mostrou-se com poucos conidios (Figura 17 B). Figura 17: Microscopia de varredura de Trichophyton mentagrophytes e de Trichophyton rubrum. Filamentos e conídios de dermatófitos não tratados com fisetina (A e C). Tratados com fisetina (B e D). 5.2. 5.2.1. Ensaios de segurança de fisetina Potencial hemolítico Na análise da placa de cultura visualizada a olho nu (Figura 8) não se evidencia hemólise nas diferentes concentrações de fisetina (0,78 a 200 μg/ml), mesmo em valores acima da CIM (128 μg/ml). A citotoxicidade de fisetina evidenciada pelo seu potencial de causar lesões na membrana plasmática do eritrócito pela formação de poros ou pela ruptura total, ou seja, a hemólise mostrou-se com valores abaixo de 1%. Estes valores foram obtidos pela análise da hemólise verificados pelas médias dos experimentos de acordo com a leitura espectrofotométrica (Figura 9). 37 Figura 18: Placa de microtitulação mostrando a avaliação do potencial hemolítico de fisetina em diferentes concentrações sobre os eritrócitos. Controle negativo (solução salina); controle positivo (triton X-100); controle do veículo (RPMI e DMSO). Figura 19: Percentual de hemólise em eritrócitos de camundongos Swiss após tratamento com fisetina. *Cada ponto representa média ± desvio-padrão da média de três experimentos em oito replicatas. 38 5.2.2. Mielotoxicidade Os efeitos do composto fisetina em células progenitoras de granulócitos/macrófagos de medula óssea de camundongo são apresentados nas Figuras 10 e 11. A exposição à fisetina nas concentrações testadas (200, 100, 50, 25, 12,5 e 6,25 µg/mL) não provocou alterações de quantidade e tamanho das colônias de células progenitoras de granulócitos/macrófagos de medula óssea quando comparadas com o controle. As células tratadas com Itraconazol apresentaram uma redução significativa de 58,9% (p<0001) em relação ao controle. A comparação de fisetina e de itraconazol mostrou que a alteração produzida pela fisetina nas quatro menores concentrações, foi significativamente menor (p<0,001) do que aquelas causadas pelo itraconazol na concentração testada (0,607 µg/mL). Figura 20: Efeito da fisetina sobre a formação de colônias de UFC-GM da medula óssea de camundongos. Quantificação de colônias em percentual de crescimento em relação ao grupo controle (100% de crescimento). ***p<0.0001 vs. Controle; ##p<0.001 e #p<0.05 vs. Itraconazol. 39 Figura 21: Colônias UFC-GM de medula óssea de camundongo. A – difusa/espalhada (controle). B – Compacta (controle). C – Difusa espalhada [Tratada com o veículo de diluição da fisetina (DMSO+RPMI)]. D – Compacta e reduzida (tratada com itraconazol. E – Colônia difusa /espalhada semelhante ao controle (tratada com fisetina a 6,25µg/mL). F – Colônia compacta semelhante ao controle (tratada com fisetina 200µg/mL). Fotomicrografia em lupa 3,2x. Barra:100 pixel. 5.2.3. Toxicidade Oral Aguda Na dose de 2000mg/Kg de fisetina não foram verificados efeitos tóxicos, evidenciados pela ausência de sinais de toxicidade ou mortalidade nos animais durante o período de estudo (14 dias). Não houve perda de peso, alterações de consumo de comida ou alterações macroscópicas nas vísceras dos animais tratados, inclusive nos principais órgãos metabolizadores (rins e fígado) de xenobióticos (Figura 22). Figura 22: Rins e fígado de camundongo submetido à administração oral de fisetina sem alterações macroscopicamente visíveis (Análise de toxicidade aguda). 40 5.2.4. Hepatotoxicidade in vitro 5.2.4.1 Avaliação da viabilidade mitocondrial de células HepG2 Os resutados encontrados usando MTT, quando comparados com o valor correspondente à IC50% de fisetina de 12,7 µg/mL (44 µM) revelaram efeito citotóxico para as células de HepG2. Baixas concentrações de fisetina 3,25 e 12,5 µg/mL não mostraram diferenças na viabilidade comparada ao controle. Entretanto a viabilidade de HepG2 foi significantemente inibida por fisetina em concentrações de 25 a 400 µg/mL. A redução da viabilidade foi dose dependente, a medida que aumentava a concentração de fisetina, a redução de viabilidade de células aumentava mostrando que a fisetina foi citotóxica para células HepG2 como mostrado na Figura 23. Assim, fisetina alterou o metabolismo de células HepG2. Figura 23: Curva da viabilidade mitocondrial de carcinoma hepatocelular humano HepG2 após exposição à diferentes concentrações de fisetina e itraconazol. 5.2.4.2 Morfologia celular com corante Giemsa A exposição de células HepG2 de carcinoma hepático a fisetina causaram pouca alteração morfológica. Verificou-se pequena redução do tamanho da célula, sem agregação citoplasmática ou desintegração nuclear. Quando se realizou a análise com itraconazol verificou-se que um grande número de células apresentava-se de tamanho reduzido. A morfologia destas células tratadas com fisetina ou itraconazol é mostrada na Figura 24. 41 Figura 24: Células de carcinoma hepático humano HepG2. A - Sem tratamento. BTratadas com itraconazol a 229 µM. C- Tratadas com fisetina a 44 µM (12 µg/mL). Fotomicrografia em microscópio invertido 100x. 5.2.4.3 Morfologia nuclear com corante Hoechst 33342 Os núcleos uniformes de material genético distribuídos de forma homogênea no interior das células de carcinoma hepático humano (HepG2) visualizados no controle destas células foram alterados quando submetidos à tratamento com itraconazol ou com fisetina. A exposição ao antifúngico itraconazol resultou em células com o núcleo contraído (picnótico), enquanto que nas células tratadas com fisetina verificou-se a fragmentação da cromatina sugerindo apoptose. A Figura 25 mostra a morfologia de núcleos das células HepG2 corados com Hoechst 33342 na presença de fisetina e de itraconazol. Figura 25: Microscopia de fluorescência de células HepG2 coradas por Hoechst 33342. A-controle B- tratadas com itraconazol (229 µM) e C-fisetina (12 µg/mL). Células com compactação do núcleo células com fragmentação da cromatina. Microscopia de fluorescência 40x. 5.2.4.4 Análise da viabilidade, apoptose e necrose de células HepG2 por externalização da fosfatidilserina As células HepG2 tratadas com fisetina na concentração de 44 µM mostraram alta viabilidade, reduzido número de células em apoptose recente e praticamente não se 42 verificou apoptose tardia ou necrose. Cerca de 90%, das células analisadas não mostraram marcação com os fluorocromos (anexina V-FITC ou PI), e marcação com anexina V-FITC foi verificada em aproximadamente 5%. Na análise de comparação com o itraconazol em concentração de 229 µM, verificou-se que células tratadas com este antifúngico apresentaram uma viabilidade de cerca de 60% (Anexina V FITC e PI negativos), apoptose recente de 32% (marcação com Anexina-V FITC), apoptose tardia 4% (dupla marcação com os fluorocromos) e necrose 2% (marcação com PI). A análise realizada pelo citômetro de fluxo e os percentuais obtidos da viabilidade celular e apoptose das células HepG2 sob a ação de fisetina e de itraconazol encontram-se nas Figura 26 e 27. Figura 26: Análise por citometria de fluxo da externalização de fosfatidilserina em células HepG2 tratadas com fisetina e itraconazol. Representação do dot plot do ensaio. (A - não tratadas; (B)- Tratadas com 229 µM de itraconazol; (C) tratadas com 44,6 µM de fisetina. 43 Figura 27: Comparação do percentual (média ± DP de duas experiências independentes) de células HepG2 viáveis, em apoptose e em necrose tratadas com fisetina e com itraconazol. 44 6. ARTIGO Artigo 1 – Fisetin as a promising antifungal agent against Cryptococcus neoformans species complex 45 7. DISCUSSÃO Uma extensiva região da América do Sul é constituída pelo Cerrado que cobre mais de 2 milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Esta região brasileira possui aproximadamente 10000 espécies de plantas, 4400 são endêmicas no Brasil (KLINK; MACHADO, 2005) e muitas apresentam importantes propriedades medicinais (SOUZA et al., 2002). Muitos medicamentos utilizados na terapêutica convencional podem ser originados de produtos naturais incluindo as plantas. Produtos naturais constituem uma fonte de diversidade química e são considerados como importantes agentes terapêuticos para muitas infecções causadas por diferentes microrganismos (SILVA JÚNIOR et al., 2009). Metabólitos secundários são compostos encontrados nos vegetais e que normalmente apresenta potencial bioativo. As vias metabólicas secundárias vegetais dão origem a diversas classes de compostos, tais como, alcalóides, flavonóides, isoflavonóides, taninos, cumarinas, glicosídeos terpenóides e poliacetilenos, que por vezes, são específicos de determinadas famílias, gêneros ou espécies (COWAN, 1999). Dentre estes metabólitos, os flavonoides e ácidos fenólicos são fortes candidatos para o desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos. Os flavonóides constituem uma gama de substâncias que possuem papel importante na proteção de sistemas biológicos contra efeitos prejudiciais de processos oxidativos nas macromoléculas de carboidratos, proteínas, lipídios e DNA. Os flavonóides extraídos do chá, cacau, chocolate, frutas, outrod vegetais e vinhos são compostos antioxidantes que auxiliam na redução da incidência de acidentes vascular cerebral, problemas cardíacos, diabetes e câncer (GHASEMZADEH; GHASEMZADEH, 2011). Fisetina, flavonóide de ocorrência natural, abundante em morangos, outras frutas como o caqui, jatobá e outros vegetais com atividades antioxidantes, anti-inflamatórias e neuroprotetora (ISHIGE et al., 2001; BRASH; HAVRE, 2002) constituiu o objeto de nosso estudo. Em experimentos realizados previamente por nosso grupo (COSTA et al., 2014) verificamos a ação de fisetina obtida de Hymenaea courbaril L. (jatobá) sobre os fungos filamentosos como os dermatófitos e sobre leveduras pertencentes ao gênero Cryptococcus. A determinação do mecanismo de ação de um composto sobre o microrganismo torna-se de grande importância para a explicação do seu efeito antimicrobiano. Assim, analisamos se a fisetina foi capaz de inibir o teor de ergosterol 46 de células de C. neoformans e se afetou sua viabilidade e metabolismo. Da mesma forma, avaliamos também a capacidade deste flavonóide na alteração da morfologia de leveduras do complexo de espécies de C. neoformans e de alguns dermatófitos. A menor quantidade de ergosterol observada em nosso estudo com isolados do complexo de espécies de C. neoformans, na presença de fisetina em concentração inibitória (38,9%) e sub-inibitória (22,8%) comparado com o controle, revelou que este composto prejudica consideravelmente a biossíntese de ergosterol. Este componente é o principal constituinte da membrana da célula fúngica (RODRIGUEZ et al., 1985). É bem conhecido que os agentes antifúngicos azólicos atuam interrompendo o processo normal da biossíntese de esteróis através da inibição da enzima 14-α-demetilase impedindo a conversão do lanosterol em ergosterol (SANGLARD, 2002). Segundo Bitencourt et al. (2013), o flavonóide quercetina causou uma redução considerável na quantidade de ergosterol. Assim, a dosagem no teor de ergosterol parece ser relevante, sugerindo pelos resultados encontrados que um dos alvos de fisetina em sua ação antifungica possa ser este componente. Os efeitos antimicrobianos atribuídos a alguns flavonóides podem resultar de alterações no metabolismo das células alvo (CUSHNIE; LAMB, 2005). As alterações na membrana das células fúngicas induzidas por fisetina verificadas por citometria de fluxo mostraram baixa penetração de PI (permite a verificação da viabilidade resultando em um aumento na fluorescência vermelha) em concentrações 2x superior à CIM, sugerindo que este composto é capaz de produzir restritas lesões na membrana da célula alvo. Outras plantas estudadas têm mostrado resultados adversos. Silva et al. (2014), avaliaram o mecanismo de ação dos flavonóides catequina hidratada, quercetina hidratada ou epigalocatequina em ação sinérgica com fluconazol contra cepas de Candida tropicalis resistentes ao fluconazol. As células de levedura tratadas com fluconazol em combinação com os flavonóides após 24 horas de exposição mostraram um aumento significativo na população com danos na membrana em comparação com a população com dano da membrana no grupo controle. O aumento da intensidade de fluorescência obtida com FUN-1, que indica difusão do corante no citoplasma das células fúngicas, mostrou que as células foram danificadas no seu metabolismo, evidenciando alteração no estado de vitalidade metabólica das células sugerindo que ação da fisetina ocorre por desequilíbrio metabólico da célula alvo. Estes resultados de citometria de fluxo mostraram que os efeitos de deficiência metabólica da célula causados por fisetina foram mais 47 evidenciados do que lesão da membrana celular. Experimentos realizados com o triazól fluconazol, antifúngico largamente conhecido como fungistático (PINA-VAZ et al., 2001), mostram semelhança nos resultados obtidos com fisetina com relação à citometria de fluxo sugerindo que este composto é um agente fungistático. A incorporação de PI produzindo intensa coloração na célula como ocorre com alguns medicamentos como o ibuprofeno sugere efeito fungicida (PINA-VAZ et al., 2000). A visualização da ultraestrutura da superfície das células realizadas por microscopia eletrônica de varredura com retração de citoplasma e formação de muitas pequenas saliências mostrou que a fisetina é capaz de alterar a morfologia das células do complexo de espécies C. neoformans. Embora haja diferentes técnicas de microscopia utilizadas como uma ferramenta para avaliar o efeito de compostos sobre microrganismos e identificar possíveis alterações morfológicas em sua superfície celular ou em organelas (ADADE; SOUTO-PADRÓN, 2010), é difícil de explicar o modo de ação de qualquer composto na morfogênese de células fungicas relacionados com a ação de inibição do crescimento. De acordo com Sharma e Tripathi (2008) modificações induzidas pelo óleo essencial podem estar relacionadas com a interferência de componentes do óleo em reações enzimáticas relacionadas à síntese da parede, o que afeta a morfogênese dos fungos e o seu crescimento. Hammer et al. (2004) descreveram que as células do microrganismo tratadas com o óleo de Melaleuca alternifolia alteram a permeabilidade da membrana celular acarretando extravazamento do seu conteúdo. As alterações morfológicas obtidas, associadas aos resultados de citometria de fluxo como previamente exposto acima podem ser explicadas de forma semelhante aos de Park et al. (2009), que verificaram que a atividade de citral, eugenol e α-terpinol pode ocorrer no metabolismo da célula fúngica, resultando na destruição de organelas do citoplasma e consequentes mudanças na morfologia da membrana celular. Apresentação de hifas com larguras não uniformes e com maior rugosidade em T. rubrum, e redução considerável da quantidade de conídios em T. mentagrophytes mostraram que fisetina foi capaz de assim como para as leveduras de alterar a ultraestrutura dos fungos filamentosos. Similar aos nossos resultados o óleo essencial de Cymbopogon winterianus apresentaram efeitos inibitórios sobre a germinação dos conídios com larga inibição conidial em T. rubrum e T. mentagrophytes (PEREIRA et al., 2011a; PEREIRA et al., 2011b). As hifas são consideradas de extrema importância na virulência dos fungos filamentosos, já que a penetração dos dermatófitos em camadas mais internas da pele é relacionada à facilidade de penetração e maiores danos 48 na pele do hospedeiro (PEREIRA et al., 2011a). Além disso, a interferência de fisetina na conidiogênese de dermatófitos verificada em nosso trabalho mostra que a patogenia pode ser reduzida com este composto, pois a germinação de conídios é um fator relacionado à gravidade do processo infeccioso. Compreender o mecanismo de ação de cada antifúngico representa um importante passo para seu uso e tratamento adequado da micose, podendo assim, auxiliar na redução de sua toxicidade. Estudos para avaliação das propriedades biológicas de extratos vegetais são de extrema importância, porém, para avaliação da segurança de seu uso como medicamentos, a avaliação da toxicidade, estudos farmacológicos pré-clínicos e clínicos são indispensáveis para a garantia da eficácia do tratamento (LAPA et al., 2007). A toxicidade durante o desenvolvimento pré-clínico de um fármaco está direcionada para medula óssea, para a linhagem de células como linfócitos, neutrófilos, megacariócitos, ou eritrócitos, levando-se em consideração a dosagem e o nível plasmático adquirido pelo fármaco (PESSINA et al., 2003). Apesar da escassez de artigos relatando ensaios de segurança de compostos com atividade antifúngica, a avaliação da toxicidade in vitro é importante para definir a citotoxicidade basal, ou seja, a habilidade intrínseca de um composto causar alterações e morte celular como consequências de dano das funções celulares básicas, além de apresentar boa reprodutibilidade, fácil execução, baixo custo relativo e reduzir o uso de animais utilizados nos testes de toxicidade (ROGERO et al., 2003; VALADARES, 2006). A indução de hemólise e danos a células basais representam fatores limitantes para o desenvolvimento de fármacos (ISHIHARA et al., 2002). A fisetina, composto estudado em nosso trabalho demonstrou em todas as concentrações testadas, carência de hemólise em células eritrocíticas, sugerindo que os flavonoides, um dos grandes constituintes das plantas desempenha esta função como ocorreu em trabalhos de Zhu et al. (2002), Cesquini et al. (2003) e Hou et al. (2004) que verificaram efeitos protetores de flavonóides contra danos oxidativos em membranas destas células animais. A citotoxicidade in vitro de extratos e compostos extraídos de plantas sobre a membrana dos glóbulos vermelhos tem sido estudada ao longo do tempo e correlacionada com os seus constituintes (SHARMA; SHARMA, 2001). A avalição da hemólise é uma técnica eficiente e de baixo custo que pode mostrar o efeito de xenobióticos em concentrações crescentes quando colocadas em contato com células sanguíneas. A estabilidade 49 mecânica da membrana do eritrócito é um bom indicador de toxicidade de substâncias vegetais com potencial farmacológico (AKI; YAMAMOTO, 1991; SHARMA; SHARMA, 2001). Uma possível explicação da ação de flavonoides reside provavelmente na ligação destes constituintes à membrana de eritrócitos, inibindo a peroxidação lipídica e ao mesmo tempo, aumentando a sua integridade contra lise hipotônica (CHAUDHURI et al. 2007). O efeito agudo de uma substância em células progenitoras de medula óssea, tais como granulócitos-macrófagos (CFU-GM), eritróides (CFU-E), e megacariócitos (CFU MK) têm sido estudados como forma de segurança pré-clínica em candidatos a fármacos (DELDAR, 1994; DELDAR; STEVENS, 1993), sendo que a quantificação de células progenitoras que sobrevivem em função do nível de exposição sob diferentes concentrações do composto teste representa uma forma eficaz de reconhecimento da segurança deste composto (PESSINA et al., 2003; METCALF, 1984). A análise clonogênica de CFU-GM usada nesse trabalho confirma ou detecta o risco de um xenobiótico induzir danos à medula óssea, propiciando informações toxicológicas humana nos estágios investigativos iniciais. Desta forma, a quantidade de células progenitoras de granulócitos/macrófagos acima de 70% em todas as concentrações de fisetina testadas e uma viabilidade menor destas células quando se usou itraconazol (60%) como controle, mostra que o composto tem um reduzido efeito tóxico sobre estas células. Antifungal azólicos têm sido relatados como inibidores da formação de macrófagos in vitro (MEEKER et al., 1983). De acordo com Parchment et al. (1993), experimentos realizados com agentes anti-neoplásicos usados em modelos animais apresentam uma redução de progenitores de granulócitos-macrófagos (CFU-GM) e consequentemente na contagem de neutrófilos absoluto (CNA). Produtos tóxicos determinam a redução de progenitores de medula óssea e o limiar de neutrófilos. Desta forma, testes de toxicologia in vitro como o CFU-GM podem prever os níveis de exposição de xenobióticos que causam neutropenia clínica após exposição aguda (PESSINA et al., 2001). Problemas graves relacionados ao uso de fitoterápicos têm sido observados na população que acredita que produtos oriundos de plantas são isentos de toxicidade. Assim, a análise de segurança do composto para uso medicinal faz-se extremamente necessária. Os dados obtidos com a análise clonogênica são úteis para direcionar as próximas etapas da investigação toxicológico-terapêutica de novas substâncias (VALADARES, 2004). Motivos éticos fazem com que estes estudos em humanos sejam 50 limitados (WHO, 1993). O potencial tóxico em órgãos específicos, a letalidade, a toxicocinética e a relação dose resposta de uma determinada substância pode ser obtida pela verificação da dose letal aguda em animais experimentais. A avaliação da toxicidade aguda tem como critério inicial a detecção da dose letal mediana (DL50), que representa a morte de 50% dos animais tratados com uma substância durante um determinado período. A fisetina, estudada em nosso trabalho não se mostrou tóxica para animais, quando realizamos o ensaio de toxicidade letal aguda usando uma dose máxima de acordo com a DL50 preconizada pelo OECD de 2000 mg/Kg. Ausência de mortes, de alterações no comportamento e de morfologia macroscópica nos rins e fígado, os principais órgãos metabolizadores de fármacos, observados quando se usou a técnica de toxicidade oral aguda mostra que fisetina é um composto isento de toxicidade. Similar aos nossos resultados, Maher e colaboradores (2010) verificaram que ratos alimentados com 500 ppm de fisetina por vários meses não apresentaram indícios de toxicidade. Produtos naturais, a maioria das vezes apresenta ausência ou reduzida toxicidade. Experimentos realizados com produtos naturais e atividade antifúngica têm confirmado esta afirmativa. Ekeanyanwu & Njoku (2014) avaliaram a toxicidade da fração rica em flavonóides de Monodora tenuifolia em ratos, administrando oralmente diferentes concentrações durante um período de 28 dias e observaram que não houve mortalidade até a dose de 5000 mg/kg. Medicamentos usados para tratamento de infecções fúngicas têm ao contrário do nosso composto, diversos efeitos tóxicos. Efeitos adversos dos antifúngicos azólicos como intolerância gastrintestinal, hepatotoxicidade e hipersensibilidade, podendo, em doses elevadas, ocasionar ginecomastia e irregularidades menstruais, além de serem teratogênicas são frequentemente relatados. Entretanto, experimentos com derivados azólicos em animais indicaram ausência de toxicidade aguda. Kan e Bennet (1988) verificaram que itraconazol, produzia ataxia em animais com esporotricose sistêmica, mas em animais saudáveis não mostrou evidências de ataxia ou outros efeitos adversos, sugerindo que a ataxia evidenciada em animais não saudáveis ocorreu pela infecção e não pelo uso de medicamentos. Os efeitos de itraconazol em doses elevadas de 100 mg/kg em 10 ratos Wistar administrado oralmente uma vez ao dia durante 30 dias, mostrou que as enzimas hepáticas e hemograma foram compatíveis aos índices fisiológicos dos animais, enquanto a histopatologia não revelou nenhuma anormalidade, concluindo-se que mesmo em altas dosagens este antifúngico não mostrou toxicidade para o fígado 51 (MEINERZ et al., 2007). O achado deste último trabalho contradiz ao que ocorre em humanos, onde o aumento temporário das enzimas hepáticas é um dos efeitos colaterais mais frequentes, sendo geralmente, reversível e transitório, mas seu uso em altas doses por um período prolongado aumenta a eliminação do fármaco no soro, o que pode contribuir para a toxicidade hepática (AMICHAI; GRUNWALD, 1998; MEINERZ et al., 2007). Ensaios que demonstrem a toxicidade dos compostos candidatos a novos fármacos em células específicas contribuem para a seleção desses protótipos. Martinez-Rossi et al. (2008) destacaram em seu trabalho que para o desenvolvimento de novos fármacos antifúngicos, é necessário que para que um antifúngico seja eficiente deve atuar com maior especificidade nos fungos e desencadear baixa toxicidade para o organismo do hospedeiro. Neste trabalho, a avaliação de citotoxicidade foi verificada sobre células HepG2 e a ação citotóxica de fisetina em diferentes concentrações do composto com 24h de incubação mostrando viabilidade celular com uma variação de 65,9% a 18,5% em concentrações de 3,12 a 400μg/mL de fisetina, respectivamente,obtidas pelo método de MTT sugeriu que a ação deste flavonóide sobre a linhagem celular HepG2 é concentração-dependente. Na avaliação de citotoxicidade com flavonoides prenilados em células de hepatoma humano HepG2, foi demonstrado que os flavonóides papiriflavonol A, kuraridin, soforaflavanone D e soforaisoflavanone A apresentou baixa citotoxicidade (Sohn et al., 2004). Além de isso, similarmente aos nossos resultados, estes flavonóides apresentaram forte atividade antimicrobiana. Entretanto, resultados de citotóxicidade de prociadina A2, um flavonóide extraído de Litchi chinensis Sonn., demostrou elevada atividade citotóxica na maior concetração testada, demonstrando uma citotoxicidade dependente da concentração (Wen et al. 2014). A morte celular é responsável pelo seu equilíbrio no organismo contrabalanceando a sua proliferação. A morte da célula ocorre por necrose e apoptose sendo que a necrose ocorre naturalmente, com a morte acidental de células, iniciada por perturbações externas como traumas físicos, estresse químico ou hipóxia tecidual, caracterizando-se morfologicamente por inchaço, seguida por lise celular e desencadeando uma resposta inflamatória (VAN DER MEER et al., 2010). A apoptose representa a morte celular programada sendo considerada como uma via fisiológica, necessária para o desenvolvimento de órgãos e manutenção da homeostase, tendo como características o encolhimento celular, a condensação da cromatina, desintegração nuclear, externalização de fosfatidilserina, formação de vesículas e corpos apoptóticos 52 que são fagocitados evitando a reação inflamatória (WYLLIE et al., 1980; VAN DER MEER et al., 2010). As raras alterações morfológicas de HepG2 na presença de fisetina observadas em nossos resultados com a coloração de May-Grunwald-Giemsa e Hoechst 33342, sugerem que os efeitos citotóxicos foram induzidos no início da incubação com o composto. A concentração de fisetina utilizada para análise morfológica na linhagem celular HepG2 (12,7 µg/mL) demonstrou a indução de alterações na morfologia compatíveis com a morte celular por apoptose, observando-se células com encolhimento celular, condensação da cromatina e desintegração nuclear. Da mesma forma, o método de externalização de fosfatidilserina detectando poucas células em apoptose por meio da ligação da anexina V-FITC, medida através de citômetro de fluxo com alteração celular compatível com apoptose recente comprova os resultados de coloração com MayGrunwald-Giemsa e Hoechst 33342. A fim de verificar se o efeito inibitório do flavonóide quercetina sobre células HepG2 foi devido à morte celular por apoptose, eventos apoptóticos através da coloração Hoechst 33258 foram investigados e após 24h de exposição à diferentes concentrações, observous-se um aumento da permeabilidade da membrana celular,e, ainda, condensação nuclear (Zhao et al. 2014). Os resultados obtidos com fisetina mostrando citotoxicidade para as células HepG2, não mostram que o composto é citotóxico para todas as células do organismo, pois apesar de HepG2 ser um grupo celular padrão na determinação de novos fármacos metabolizados no fígado, a alta toxicidade de fisetina a esta linhagem tumoral, faz com que essa metodologia de avaliação hepatotóxica possa ser questionada para células hepáticas normais, colocando essa linhagem de carcinoma hepático apenas como um importante avaliador antitumoral. Na análise de toxicidade oral aguda realizada com fisetina em animais experimentais, os nossos resultados mostraram que fígado e rins se apresentavam sem alterações macroscopicamente visíveis. Concluindo, embora vários outros testes de citotoxicidade e mecanismo de ação devam ser realizados para a introdução de fisetina como um novo fármaco, os resultados apresentados mostram um perfil favorável para conduzir ao estudo e desenvolvimento desta substância no tratamento de criptococose e dermatofitose. 53 8. CONCLUSÕES 1. A reduçao de ergosterol verificada na presença de fisetina faz pressupor que provavelmente este composto atue na biossintese de pricipal constituinte da membrana citoplasmática de espécies do complexo C. neoformans 2. A citometria de fluxo mostrou que a fisetina reduziu a viabilidade das células metabólicamente ativas, com pouca ação na membrana de espécies do complexo C. neoformans 3. A reduzida lesão da membrana, não representa carência de atividade nesta estrutura, pois a síntese de ergosterol foi bastante reduzida na presença de fisetina; 4. Alterações morfológicas como retração do citoplasma celular de espécies do complexo C. neoformans e modificações nas hifas que se tornaram de espessuras não uniformes e rugosas, além da redução acentuada de conídios observados nas espécies de Trichophyton, explicam a sua ação na inibição de crescimento destes fungos. 5. Na análise de segurança de fisetina, pode ser verificado que: a) O potencial hemolítico do composto é muito baixo, visto que mesmo em concentrações elevadas (>128 µg/mL) não foi capaz de lesionar a membrana plasmática do eritrócito de camundongos, ou seja, produzir a hemólise. b) Da mesma forma, a fisetina pode ser usada sem danos para a medula óssea nas concentrações de até 200 µg/mL. Esta concentração inibiu o crescimento de fungos, mas não interferiu na produção de células progenitoras de granulócitos e macrófagos. c) Em animais tratados com fisetina em concentrações de até 2000 mg, o composto não produziu efeitos tóxicos, como alterações de comportamento e anormalidades macroscópicas de órgãos como fígado e rins determinando desta forma a segurança do uso do composto administrado por via oral. d) Na análise de HepG2, células derivadas de carcinoma hepático, uteis na pesquisa de toxicidade de substancias que podem afetar a função de células do fígado, principal órgão envolvido no metabolismo de compostos, pode-se concluir que: D1 – As raras alterações morfológicas de HepG2 na presença de fisetina observadas em nossos resultados com a coloração de May-GrunwaldGiemsa e Hoechst 33342, sugerem que os efeitos citotóxicos foram 54 induzidos no início da incubação com o composto mostrando a indução de alterações compatíveis com a morte celular por apoptose. D2 – Da mesma forma, o método de externalização de fosfatidilserina detectando poucas células em apoptose por meio da ligação da anexina V-FITC, com alteração celular compatível com apoptose recente comprova os resultados de coloração com May-Grunwald-Giemsa e Hoechst 33342. 6. Embora vários outros testes de citotoxicidade e mecanismo de ação devam ser realizados para a introdução de fisetina como um novo fármaco, os resultados apresentados mostram um perfil favorável para conduzir ao estudo e desenvolvimento desta substância no tratamento de criptococose e dermatofitose. 55 9. REFERÊNCIAS ABEGG, M. A. et al. Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii isolated from the excreta of psittaciformes in a southern Brazilian zoological garden. Mycopathologia, v. 161, n. 2, p. 83-91, 2006. ADADE, C. M.; SOUTO-PADRÓN, T. Contributions of ultrastructural studies to the cell biology of trypanosmatids: targets for anti-parasitic drugs. The Open Parasitology Journal, v. 4, n. 1, 2010. 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