ATIVIDADE ANTIFÚNGICA DA BETALAPACHONA NA CRIPTOCOCOSE EXPERIMENTAL Caroline Medeiros 1, Patrícia Oliveira 1, Suanni Lemos 1, Odinilson Brandão 2, André Leal 1, Nicodemos Pontes-Filho 3, Celso Camara4 , Vitor Lima-Filho 5 , Rejane Neves 6 . Introdução Criptococose é uma micose oportunista sistêmica, que se destaca em imunossuprimidos sendo a meningite e meningoencefalite as manifestações clínicas mais freqüentes. Apresenta como agentes etiológicos espécies de Cryptococcus, sobretudo C. neoformans, levedura capsulada de distribuição mundial [1]. A alta taxa de mortalidade em pacientes imunocomprometidos que apresentam criptococose justifica a necessidade do diagnóstico e tratamento precoces. Considerando a debilidade imunológica, efeitos tóxicos e recidivas produzidos pelo tempo prolongado de tratamento com anfotericina B, novas opções terapêuticas são imperativas, sugerindo a utilização de produtos naturais ou substâncias derivadas com potenciais propriedades antifúngicas no tratamento da doença [2]. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia terapêutica da Betalapachona na criptococose disseminada em camundongos Suiços imunossuprimidos. Material e métodos Obtenção do isolado Todos os ensaios foram desenvolvidos com a amostra URM5811 de C. neoformans var. neoformans da Coleção de Culturas Micoteca-URM da Universidade Federal de Pernambuco. A amostra foi obtida a partir de líquido céfalo-raquidiano (LCR) de paciente portador do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Teste de sensibilidade antifúngica in vitro Os testes in vitro foram conduzidos de acordo com método de referência preconizado pelo Clinical Laboratory Standard Institute (CLSI) [3]. Animais Camundongos Suíços, machos e adultos, pesando aproximadamente 30g foram mantidos em gaiolas com água e ração (Purina, Paulínea, SP, Brasil) ad libidum. Os camundongos foram manejados como recomendado para seguindo a política procedimentos experimentais institucional preconizada pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal sob número de protocolo 013968/2007-1. Imunossupressão O protocolo de imunossupressão foi adaptado de Capilla [4]. Foi administrado 5mg/camundongo de dexametasona® (Teuto) intraperitonealmente três dias consecutivos e, em seguida, a cada intervalo de quatro dias até o final de cada experimento. Infecção experimental e Tratamento da Criptococose disseminada Camundongos foram infectados com 0,2 mL (106 céls/mL) de C. neoformans var. neoformans URM5811 uma semana após a imunossupressão pela veia caudal. Após sete dias da infecção, 0,2 mL de ß-lapachona (10 mg/Kg) e anfotericina B (0,5 mg/Kg) foram separadamente administrados diariamente em seis animais durante uma semana e para 10 animais durante duas semanas. Tampão fosfato foi administrado no grupo controle. Sinais clínicos e mortalidade foram avaliados diariamente após o início do tratamento. Os animais sobreviventes foram sacrificados e removidos assepticamente sangue, baço, fígado, pulmão e cérebro para exame direto, contagem de unidades formadoras de colônias (UFC) e realização de exames histológicos. Contagem de C. neoformans nos órgãos Uma alíquota de sangue foi coletada por punção cardíaca nos camundongos sob anestesia. O baço, fígado, pulmão e cérebro foram pesados e macerados em PBS (1:10 ou 1:1000, m/v). Todas as amostras foram submetidas a diluições seriadas e 0,1 mL foram plaqueados na superfície do meio ágar Sabouraund adicionado de cloranfenicol (50mg/ml) contido em placas. As colônias foram contadas após incubação a 37°C por 24-72 horas e os resultados expressos como UFC/g de órgão ou mL de sangue. Exame histológico Amostras de tecidos dos órgãos submetidos à infecção por C. neoformans foram fixados em 1. Mestre em Biologia de Fungos- Departamento de Micologia, Universidade Federal de Pernambuco, E-mail: [email protected] 2. Biomédico pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. 3. Professor Adjunto do Departamento de Patologia, UFPE, Av. Prof. Nelson Chaves, s/n, Cidade Universitária, CEP 50670-420. 4. Professor do Departamento de Química, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Campus Dois Irmãos, Recife-Pernambuco, CEP 52171-900 5. Professor adjunto do Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Campus Dois Irmãos, CEP 52171-900 6. Professor Adjunto do Departamento de Micologia, UFPE, Av. Prof. Nelson Chaves, s/n, Cidade Universitária, CEP 50670-420. Apoio financeiro: CAPES e CNPq. formaldeído 10% em PBS e processados por embebição em parafina para realização do exame histológico utilizando hemtoxilina-eosina (HE). Análise estatística A significância estatística das contagens de UFC foi avaliada por meio do teste t Student ou ANOVA. O nível de significância foi determinado como P< 0,05. Resultados A amostra URM5811 de C. neoformans foi sensível a ß-lapachona e anfotericina B apresentando Concentração Mínima Inibitória (CMI) de 4mg/L e 0,5 mg/L respectivamente, a Concentração Mínima Fungicida (CMF) para ß-lapachona foi 64μg/mL. A infecção experimental resultou em criptococose disseminada em camundongos imunossuprimidos, como mostrado pelas altas contagens de UFC no baço, fígado, pulmão e cérebro no 14º dia pós-infecção (P<0,05). As contagens mais elevadas de C. neoformans foram verificadas nos pulmões e no cérebro variando de 105 a 106 UFC/g de órgão, não sendo detectado no sangue. A microscopia direta mostrou em todos os órgãos, células capsuladas típicas e leveduras filamentosas pleomórficas no cérebro (Fig. 1A e 2B). O exame histológico revelou a presença de infiltrados inflamatórios disseminados em todos os órgãos (Fig. 1C e 1D). O tratamento da criptococose disseminada após sete dias de infecção utilizando ß-lapachona (10mg/kg) em camundongos IS diminuiu significativamente a população de C. neoformans no baço, fígado e pulmões, quando comparado ao grupo tratado com anfotericina B (P<0,05). A levedura foi eliminada do baço e fígado, com redução de aproximadamente 104 vezes sua população nos pulmões e cérebro 14 dias após a infecção, comparando-se ao grupo tratado com anfotericina B (P<0,05). Os efeitos protetores produzidos pelos grupos tratados a foram similares. Todavia, alguns animais não sobreviveram até o 14º dia. As análises histológicas dos órgãos (Fig. 1E, 1F, 1G, 1H, 1I, 1F) mostram áreas de necrose liquefativa e infiltrados celulares em menor proporção em relação ao grupo controle, sendo tais alterações menos frequentes à medida que se prolonga o tempo de tratamento. É importante salientar que não houve diferença entre as alterações histológicas observadas nos diferentes grupos tratados. Discussão O número de paciente com HIV/AIDS em muitas regiões do planeta tem sido responsável pelo número de casos de criptococose devido à característica oportunista dessa micose associada às condições do paciente [5]. Atualmente, pacientes imunossuprimidos e imunocompetentes têm sido tratados de maneira similar para criptococose por meio do uso de anfotericina B/fluconazol [6]. Contudo, independentemente do esquema terapêutico adotado, fica claro que a faixa limitada de escolhas terapêuticas é a principal responsável pela letalidade desta doença nestes pacientes. Este fato reforça a necessidade da busca por novos agentes antifúngicos que atuem adequadamente em vários aspectos no tratamento da criptococose [4]. ß-lapachona tem sido citada como uma potencial droga anticâncer e antimicrobianas [7]. Os mecanismos de ação parecem conduzir a alterações na fosforilação oxidativa e/ou inibição no transporte de elétrons na célula [6]. Até o momento, apenas um trabalho relata a susceptibilidade da ß-lapachona frente a C. neoformans. Entretanto, o método utilizado pelos autores não foi um método reprodutível de referência [7]. A severidade do C. neoformans em modelos experimentais varia entre as linhagens de camundongos. Além disso, a amostra fúngica e o tamanho do inóculo podem afetar a incidência de sinais clínicos e a taxa de mortalidade [4]. O tratamento experimental na criptococose disseminada tem sido proposto por muitos pesquisadores. Kakeya [8] relataram que a administração de 4mg/Kg de um novo polieno SPK843, aumentou a sobrevivência e diminuiu a colonização dos órgãos por C. neoformas. Esta é a primeira vez que foi demonstrada a potente atividade antifúngica da ß-lapachona in vitro e aplicação in vivo na criptococose disseminada. Agradecimentos Laboratório de Micologia Médica - UFPE; Laboratório de Microbiologia e Imunologia - UFRPE Referências [1] Khanna N, Chandramuki A, Desai A. Cryptococcosis in the immunocompromised host with special reference to AIDS. Indian J Chest Dis Allied Sci 2000; 42(4):311-315. [2] Mondello F, De Bernardis F, Girolamo A. In vitro and in vivo activity of tea tree oil against azole-susceptible and -resistant human pathogenic yeasts. J Antimicrob Chemother 2003; 51(5):1223-1229. [3] National Committee for Clinical Laboratory Standards. Reference Method for Broth Dilution Antifungal Susceptibility Testing of Yeasts-Third Edition: Approved Standard M27-A3. CLSI, NCCLS, Villanova,PA, USA, 2002. [4] Capilla J, Maffei CM, Clemons KV. Experimental systemic infection with Cryptococcus neoformans var. grubii and Cryptococcus gattii in normal and immunodeficient mice. Med Mycol 2006 Nov; 44(7):601-610. [5] Schop J. Protective Immunity Against Cryptococcus neoformans infection. Med J Microbiol 2007; 10(1):35-4 [6] Blanco E, Bey EA, Dong Y et al. β-Lapachone-containing PEG–PLA polymer micelles as novel nanotherapeutics against NQO1-overexpressing tumor cells. J Cont Release 2007; 122:365– 374. [7] Guiraud P, Steiman R, Campos-Tanaki G et al. Comparison of antimicrobial and antifungal activities of lapachol and betapapachone. Plant Med 1994; 60:373-374. [8] Kakeya H, Miyazaki Y, Senda H . Efficacy of SPK-843, a novel polyene antifungal, in a murine model of systemic cryptococcosis. Antimicrob Agents Chemother 2008; 52(5):1871–1872. Figura 1. Camundongos Suíços imunossuprimidos inoculados com C. neoformans URM5811. (A) Célulade levedura vista ao exame microscópico direto no pulmão, (B) Filamentos pleomórficos de C. neoformans; (C) e (D) preparações histológicas do pulmão e cérebro, respectivamente, coradas por HE onde é visualizada C. neoformans. Aumento total: 400X. Dano histológico no cérebro de camundongos Suíços imunossuprimidos infectados por C. neoformans amostra URM5811 e tratados com beta-lapachona. Lâminas (D), (E) e (F) mostram animais infectados tratados com solução salina, beta-lapachona e anfotericina B, respectivamente, durante sete dias, coradas por HE. As laminas (G), (H) e (I) mostram animais infectados tratados com solução salina, beta-lapachona e anfotericina B, respectivamente, durante quatorze dias utilizando a mesma coloração. Aumento total: 100 X.