UMA REVISÃO DE HPE PARA O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA Evelin Lucht1 José Luís da Costa Oreiro2 RESUMO A desconfiança com respeito aos limites impostos pela demanda na determinação do nível de produto de curto-prazo de uma economia foi tema de debate, no século XIX, entre T. Malthus e D. Ricardo, este último um entusiasta da economia do lado da oferta, cujo corolário foi a chamada lei de Say, a qual afirma que toda a oferta gera sua própria demanda. Cem anos mais tarde, J. M. Keynes no seu famoso livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, estabelece um arcabouço teórico capaz não apenas de questionar a lei de Say, mas também de substituí-la: o princípio da demanda efetiva (PDE). Este princípio permite, como caso geral, a possibilidade de equilíbrio com desemprego, isto é, a possibilidade de o nível de produto não ser limitado por problemas de oferta, mas por questões relativas à demanda esperada e à demanda realizada. O objetivo desta pesquisa é a compreensão do PDE em Keynes, por meio de uma breve revisão na história do pensamento econômico a fim de compreender as principais discussões sobre este princípio, ou a noção dele. Assim a revisão de literatura começa com a polêmica Malthus e Ricardo. Embora a controvérsia deles estivesse centrada nos determinantes da taxa de lucro, e não no conceito de demanda efetiva, Malthus por meio de sua escassa compreensão sobre esse princípio, afirmou que a falta de consumo improdutivo ocasionaria uma queda na taxa de lucro. Ricardo argumentou que a produção não era limitada pela demanda, assim o que ocasionaria de fato uma redução na taxa de lucro seria o emprego de terras menos férteis na produção devido a um aumento populacional, isto é, como conseqüência do rendimento marginal decrescente das terras utilizadas. Posteriormente a essa polêmica, surge a crítica de Keynes aos clássicos, entre eles estão: J.S. Mill, Marshall, Edgeworth e Professor Pigou. Esta discussão por sua vez, teve como foco o princípio clássico de tendência à plena utilização da capacidade produtiva e a questão da taxa de juros ser flexível o suficiente para igualar o investimento com a poupança. Os marginalistas acreditavam que a taxa de juros seria o equilibrante do sistema, promovendo a igualdade entre investimento planejado e poupança. No ponto de equilíbrio existiria a plena utilização da capacidade produtiva, e a igualdade entre demanda efetiva e a agregada. Keynes criticou essa concepção, pois, segundo ele não existia razão para que a quantidade de investimento se igualasse à quantidade de poupança disponível. Assim o presente trabalho discutirá a polêmica Malthus e Ricardo; a teoria marginalista de plena utilização da capacidade produtiva e a 1 Graduanda do 3.° ano do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná, e bolsista do SESU, pelo programa PET (programa de educação tutorial). E-mail: [email protected]. 2 Orientador. 1 visão de Keynes sobre o princípio demanda efetiva por meio de sua crítica aos clássicos. Palavras-Chave: princípio da demanda efetiva, consumo, investimento. 1 INTRODUÇÃO O princípio de demanda efetiva foi relevante para explicar os acontecimentos ocorridos após o crash da bolsa de Nova York. Na teoria clássica não existia a possibilidade de ocorrência de desemprego involuntário ou a subutilização da capacidade produtiva. Keynes publicou em 1936, o livro: “A Teoria Geral Emprego, do Juro e da Moeda” (doravante TG) Nesse livro ele introduz um conceito capaz de explicar o alto número de desempregados, conseqüência da crise de 1929, e por meio desse livro Keynes rompeu seu pensamento com o da teoria clássica. Na TG Keynes introduziu um novo conceito na teoria econômica: o do princípio da demanda efetiva. Por meio desse princípio Keynes demonstrou que a falta de demanda é um limite para a produção, podendo existir um ponto de equilíbrio com desemprego. Embora tenha sido Keynes o responsável por tal princípio, o conceito de demanda efetiva já vinha sendo discutido anteriormente. John HOBSON , em 1902 na sua obra: “Imperialism: A Study” mostra que devido a distribuição desproporcional da riqueza, ocorreria um excesso de poupança das classes mais ricas e um subconsumo dos trabalhadores levando o capitalismo ao imperialismo, revelando assim a da insuficiência da demanda agregada. Jean Charles Leonard Simonde de SISMONDI, no livro: “Nouveaux Principes d'Économie Politique”, em 1819, salientou que a falta de demanda agregada era o fator que poderia acarretar crises e depressões no sistema capitalista. Posteriormente outros economistas também discutiram a questão da demanda efetiva, Karl MARX analisou a ocorrência de crises na realização da mais-valia (PASINETTI, 1979).Contudo nosso estudo é centrado somente no debate de Malthus e Ricardo, pois Malthus foi um dos primeiros economistas a discutir os possíveis problemas da insuficiência de demanda efetiva, foi um percussor de Keynes. Nas palavras de Keynes: “Se apenas Malthus, em vez de 2 Ricardo, tivesse sido a fonte de origem da Economia do século XIX, que lugar mais sábio e rico seria o mundo de hoje!” (PASINETTI, 1979, p. 38) A formulação do PDE, por Keynes, se fez em meio a uma crítica ao pensamento clássico. Ricardo, entretanto, não estava incluído neste grupo, pois para Keynes existiam dois grupos de pensadores: ao primeiro pertencia Ricardo e ao segundo J.S. Mill, Marshall, Edgeworth e Professor Pigou. (cf. GAREGNANI, 1979, p. 25) Desta forma é necessário analisar o debate entre Ricardo e Malthus para entender quais os motivos que levaram Keynes a não incorporá-lo a sua crítica e é claro, para o entendimento da crítica de Matlhus ao pensamento ricardiano. Assim este trabalho este articulado de forma a entender a contribuição de Keynes à teoria econômica e com respeito ao PDE. Para este fim, o trabalho encontra-se assim dividido: (i) Na primeira há uma breve explicação sobre as hipóteses, premissas e pressupostos da Lei de Say, pois é através do entendimento e baseado nesta Lei que Ricardo responde as críticas de Malthus e também porque é com base nela que é formulada a teoria clássica da plena utilização da capacidade produtiva. (ii) Na segunda parte faremos uma análise da polêmica Malthus e Ricardo, embora as divergências fossem com relação aos determinantes do crescimento, Malthus atribui um papel importante a demanda; (iii) Na terceira parte aborda-se o pensamento neoclássico de tendência ao pleno emprego, baseada na teoria monetária de Wicksell, sendo exatamente este grupo de pensadores que Keynes criticou no seu livro. (iv) Na quarta parte, analisa-se a visão de Keynes. 2 A VERSÃO CLÁSSICA DA LEI DE SAY A Lei de Say afirma que a demanda não é um limite para a produção, isto é toda oferta cria sua própria demanda, assim qualquer quantidade de mercadorias produzidas encontra mercado, é solvável. De outra forma: 3 “Com efeito, quando o último produtor acabou um produto, seu maior desejo é vendê-lo para que o valor desse produto não fique ocioso em suas mãos. Por outro lado, porém, ele tem igual pressa em desfazer-se do dinheiro tampouco fique ocioso. Ora, não é possível desfazer-se de seu dinheiro, senão comprando um produto qualquer. Vê-se, portanto, que só o fato da criação de um produto abre, a partir desse mesmo instante, um mercado para outros produtos.” [Grifo nosso] (SAY, J-B., 1983, p. 139) Por meio dessa lei, Say buscou demonstrar que toda produção é solvável, isto é, no longo-prazo a oferta se iguala à demanda e não há excesso de produção. Apenas no curto-prazo é que poderia ocorrer algum desequilíbrio como excesso de produção. A Lei de Say está baseada em dois corolários principais: (OREIRO, 1992): (i) Produzir e querer comprar; (ii) Produzir e poder comprar; Esses corolários revelam o desejo e a capacidade dos indivíduos de quererem e poder comprar. Isto é, no ato de produzir já estão implícitos a vontade e a capacidade para comprar. Para que toda produção sempre seja solvável, existem duas pressuposições da Lei de Say, que são as seguintes: (i) A renda é sempre gasta (ii) Todo nível de produção é solvável, sendo que é a produção que determina a renda. Também é necessário lembrar que não há distinção entre poupança (S) e investimento (I), como os trabalhadores não poupam, já que lhes é pago um salário de subsistência3, a única classe que pode poupar são os capitalistas e é a mesma classe que investe, deste modo, não há distinção entre poupança e investimento. Toda poupança é transformada em investimento, e ambos levam a uma acumulação capital. Não há vazamento no fluxo circular da renda, não há a 3 O salário de subsistência é somente o necessário para os trabalhadores se reproduzirem. 4 possibilidade de algo que foi poupado não ser investido. Assim é a poupança quem determina o investimento, ou seja a renda determina o gasto. 3 A POLÊMICA MALTHUS E RICARDO O centro da polêmica de Malthus com Ricardo foi sobre quais seriam os possíveis determinantes da taxa de lucro. Os economistas clássicos estavam interessados na questão do crescimento econômico da nação, era consenso entre eles que uma alta taxa de lucro seria o propulsor do crescimento econômico almejado, pois promoveria uma maior acumulação de capital4. A demanda efetiva assumiu assim um papel insignificante, quase inexistente. Contudo convém lembrar que os argumentos de Ricardo tinham como arcabouço teórico a Lei de Say. Discutiremos agora, conjuntamente as inquietações de Malthus os argumentos de Ricardo, este vindo por segundo, pois, através de suas respostas lógicas e consistentes a Malthus encerrou a discussão entre ambos. Malthus no livro5: “Principles of Polical Economy Considered with a View tho their Practical Applications” (Londres, 1820), no capítulo VI, na sessão III, expõem sua crítica ao pensamento que afirma que a demanda não é um obstáculo a produção. Malthus em seu livro faz três críticas principais à Ricardo. A primeira delas é referente a visão que Say, Mill e Ricardo têm sobre a mercadoria. Segundo Malthus estes pensadores vêem a mercadoria como sendo algo simplesmente matemático, que vista dessa maneira não seria capaz de atender as necessidades dos consumidores, em outras palavras: 4 Nas palavras de Malthus: “É verdade que não se pode haver nenhum crescimento de riqueza permanente e contínuo sem um aumento contínuo do capital (...).”(MALTHUS, 1983, p. 184) 5 A nossa discussão será baseada no livro de Malthus que se encontra nas referências bibliográficas. 5 “Em primeiro lugar, consideram as mercadorias como se fossem umas tantas cifras matemáticas, ou sinais aritméticos, cujas relações tivessem de ser comparadas, em vez de considerá-las artigos de consumo, os quais devem ser relacionados ao número e as necessidades dos consumidores.” (MALTHUS, T. R., 1983, p. 188) Nem precisaríamos recorrer aos argumentos de Ricardo para contestar o qual errônea é esta afirmação. Conforme os corolários da Lei de Say, sabe-se que as mercadorias serão produzidas de acordo com a demanda dos consumidores, assim se existir alguma mercadoria, a qual os consumidores não desejam comprar, ela simplesmente não será produzida. Nas palavras de Ricardo: “Não afirmamos que as mercadorias serão produzidas sob quaisquer circunstâncias mas, se são produzidas, sustentamos que sempre haverá alguém com vontade e capacidade para consumi-las ou, em outras palavras, haverá demanda dessas mercadorias.” [grifo nosso] (MALTHUS, T. R., 1983, p. 191) A segunda contestação de Malthus é sobre a influência da preguiça ou o amor ao ócio6. Para ele, essas influências poderiam fazer com que houvesse excesso de oferta de mercadorias no mercado, o que reduziria o seu preço, fazendo a taxa de lucro declinar. Ricardo rechaça a idéia de Malthus recorrendo novamente às premissas da Lei de Say, mas antes questiona Malthus pois não entende como pode existir produção se os produtores preferem o ócio ao trabalho, e se assim for, eles simplesmente não produzirão! Segundo Ricardo: “Nesse caso os artigos de luxo não serão produzidos, porque não podem ser produzidos sem trabalho, o oposto da indolência.” (MALTHUS, T. R.; 1983, p. 191). Se não há desejo e poder para comprar simplesmente não haverá produção. A terceira discordância de Malthus provém dos malefícios causados por uma acumulação excessiva, ele afirma que esta é provavelmente a questão mais 6 Segundo Malthus: “O efeito de se preferir a indolência aos artigos de luxo evidentemente ocasionaria uma insuficiência de demanda dos retornos das maiores capacidade produtivas aqui supostas, e desemprego dos trabalhadores.”(MALTHUS, T. R.; 1983, p.190) 6 importante das três. Para Malthus a parcimônia exagerada dos capitalistas7 levaria a uma redução da taxa de lucro. O mecanismo seria o seguinte, se os capitalistas optassem pela acumulação de capital em detrimento do consumo presente, isso acarretaria uma oferta de bens de luxo e conforto maior que a sua demanda, deste modo os preços cairiam, para que a oferta se igualasse à demanda, devido a queda nos preços, os capitalistas teriam a sua taxa de lucro reduzida. Em outras palavras: “O que quero dizer é que nenhuma nação tem a possibilidade de enriquecer mediante uma acumulação de capital decorrente de uma redução permanente do consumo, porque se tal acumulação ultrapassa de muito o necessário para se obter uma demanda efetiva do produto, uma parte dela logo perde tanto o seu uso quanto o seu valor e deixa de ter o caráter de riqueza.” (MALTHUS, T. R., 1983, p. 198) Malthus finaliza esta seção afirmando que é portanto, inútil acumular se não há demanda adequada para os produtos desse capital. Assim o argumento contrário de Ricardo, à assertiva de Malthus, provém mais uma vez da Lei de Say. Para ele os únicos limitantes da produção seriam os condicionantes da oferta e não os condicionantes da demanda como pensava Malthus. Pois toda a oferta cria sua própria demanda. 4 A TEORIA DA PLENA UTILIZAÇÃO DA CAPACIDADE PRODUTIVA Nesta seção analisar-se-ão os pressupostos teóricos que levaram os neoclássicos a afirmar que sempre haveria plena utilização da capacidade produtiva. É devido a essa concepção que a teoria clássica deixou de explicar a realidade, principalmente após 1929. Através da crítica de Keynes aos clássicos, 7 Para Malthus assim como para Ricardo, os salários eram ao nível de subsistência ou muito próximos a esse nível, assim os trabalhadores teriam pouca ou nenhuma participação no consumo de bens de luxo. 7 feita no capítulo II da Teoria Geral, Keynes introduz ao longo do seu livro seu novo conceito, o princípio da demanda efetiva8. A teoria clássica, tem seu arcabouço teórico derivado a partir Lei de Say. Para melhor compreensão da teoria clássica vamos analisar os gráficos abaixo, eles mostram a estrutura analítica da Lei de Say e a da teoria Keynesiana. A reta Z representa a função de oferta agregada, relacionando o nível esperado de vendas com o nível de emprego, é uma função crescente, indicado que qualquer aumento nas vendas esperadas dos empresários irá aumentar o nível de emprego. Na figura 1(b) a função de demanda agregada tem uma inclinação positiva indicando que quando o nível de empregado sobe, mais compradores irão gastar comprando bens e serviços. Se por um lado na Lei de Say os condicionantes da oferta são obstáculos a produção- como mostra a figura 1(a)-, por outro lado para Keynes os determinantes da demanda são obstáculos a produção, figura 1(b). A figura 2(a) é o gráfico que representa a Lei de Say. Nele a função de demanda agregada está exatamente em cima da função de oferta agregada, conferindo que “toda oferta cria a sua própria demanda”. Assim quando o nível de emprego é Na1 a quantidade demandada está no ponto G. Se os empresários aumentam sua expectativa quanto às vendas esperadas, o nível de empregos se desloca para N af e a nova quantidade demandada estará sobre o ponto H, lembrando que ambos os pontos serão de pleno emprego. Já na figura 2(b), que representa a teoria de Keynes, vejamos o que realmente acontece. Primeiramente percebe-se que a função de demanda agregada é diferente da função de oferta agregada. Neste gráfico, elas só se cruzam no ponto E, que é de demanda efetiva. De acordo com a teoria b keynesiana o equilíbrio do nível de empregado será em N1 , contudo o nível de 8 Keynes cita o princípio da demanda efetiva apenas uma vez em toda a Teoria Geral. Nas palavras de Passinetti: “The only time the term itself is mentioned again in the whole of chapter 3 is on page 31, is an incidental sentence, where it is taken for granted that the reader knows what it is. It is not mentioned again in the whole book.”(PASSIETTI, .....) 8 b pleno emprego será em N f , haverá portanto uma falta de demanda efetiva que é dada pela distância vertical de J a K. Não há nenhuma garantia que o equilíbrio do sistema se dará no ponto de pleno emprego. GRÁFICO 1 - VERSÃO CLÁSSICA (LEI DE SAY) X VERSÃO KEYNESIANA Gasto desejado Vendas esperadas dos produtos Z (a) D (b) Emprego Emprego Figura 1 Z Z=D J Vendas esperadas , gastos desejados Vendas esperadas , gastos desejados H G N1a N af Emprego (a) Lei de Say K D E N 1b N bf Emprego (b) Teoria de Keynes Figura 2 Fonte: DAVIDSON, P.;The Keynesian Heritage I Após a análise dos gráficos é necessário fazer uma breve revisão sobre os pressupostos da teoria clássica, para um melhor entendimento. Os pressupostos aqui apresentados serão aqueles abordados por Keynes na Teoria Geral no capítulo 2. São eles: “I- The wage is equal to the marginal product of labour. (…) 9 II- The utility of the wage when a given volume of labour is employed is equal to the marginal disutility of that amount of employment.” (KEYNES, J. M. ….) O primeiro postulado é aceito por Keynes, enquanto que o segundo é rejeitado. John M. Keynes é contrário ao segundo postulado, pois este trás a idéia que o desemprego só ocorre se for friccional ou voluntário, mas nunca é involuntário. Entretanto, conforme observa Keynes, o que estava ocorrendo nos Estados Unidos não poderia ser simplesmente desemprego friccional ou voluntário. Nas palavras de KEYNES: “It is not very plausible to assert that unemployment in the United States in 1932 was due either to labour obstinately refusing to accept a reduction of money-wage or to its obstinately demanding a real wage beyond what the productivity of the economic machine was capable of furnishing.” Esse segundo postulado garante ocorrer pleno emprego se os salários forem flexíveis, Keynes rejeita-o pois acredita na premissa que as forças do mercado não podem assegurar que o investimento irá se ajustar a poupança. Para os clássicos a taxa de juros seria o mecanismo capaz de assegurar a igualdade entre investimento e poupança. Se o volume de poupança aumenta excessivamente, como resultado a taxa de juros cai, ocasionando um acréscimo de investimentos que por sua vez reduzem a poupança, até ambas se igualarem. Quando há o aumento de poupanças, a taxa de juros cai, porque esta é considerada a recompensa da poupança, assim ela se torna um atrativo para o investimento, o que leva este último a aumentar, e a poupança a decrescer até ambos se igualarem. A queda da poupança por sua vez representa um aumento do consumo presente9, que por sua vez leva a um aumento dos preços dos bens de consumo. Isso acarreta em um deslocamento das firmas do setor de produção de bens de 9 Na concepção clássica a poupança é considerada uma maneira de postergar o consumo presente, assim a poupança não deixa de ser consumo, mesmo que futuro. 10 capital (que seriam “financiadas” pelo investimento), para o setor de bens de consumo. (DILLARD, D. 1986, p. 20) A teoria clássica, não aceita portanto o fato de que uma queda do consumo atual, devido a um aumento das poupanças, possa levar a uma queda da demanda agregada, que irá reduzir por sua vez a produção. A interpretação da taxa de juros ser o mecanismo que iguala S e I, é por meio da Teoria Monetária de Wicksell. 4.1 A TEORIA WICKESSELIANA DA MOEDA Wicksell ao formular sua teoria tem como arcabouço teórico a Lei de Say, só que não a versão clássica. A alteração principal dessa lei se refere aos agentes do sistema. Os indivíduos que poupam não são os que investem, isto é, as famílias poupam e as empresas investem, e há um terceiro agente o banco. Ele é o responsável pela intermediação das poupanças das famílias para as empresas. É este terceiro agente que pode causar distorções, problemas de coordenação, no sistema apenas no curto-prazo. O fluxo circular da renda fica então como mostra a figura 3. FIGURA 1 - O FLUXO CIRCULAR DA RENDA Firmas Y I Bancos C Famílias Figura III Fonte: Leijonhufvud, 1982, p.153 S 11 Façamos algumas análises. Se I > S (devido ao grande número de empréstimos bancários) , há uma expansão do fluxo circular da renda, isto é, devido ao maior número de investimentos, aumenta a renda das famílias e o seu consumo, e se I < S, ocorre uma contração do fluxo-circular da renda. Assim vejamos o que ocorre quando: I. A renda nominal aumenta, a quantidade de investimento excederá a quantidade de poupança. Isso ocorre pois os bancos injetam mais fundos emprestáveis no mercado. II. A renda nominal cai, a quantidade de poupança excederá a quantidade de investimento. Há este mecanismo devido ao vazamento que ocorre nos bancos. III. A renda nominal é equilibrada, o investimento se igualará a poupança. Isso ocorre se e somente se os bancos não interferirem no fluxo sendo apenas intermediários no processo. As restrições desse modelo são as seguintes: (i) bancos financeiros de consumo para crédito são ignorados ou insignificantes; (ii) injeções de crédito ou vazamentos de crédito dos bancos, diminuem ou aumentam o poder de compra somente das firmas e não dos consumidores; (iii) o sistema bancário domina o lado financeiro do investimento, os mercados de ações são ignorados10. Destas restrições têm-se duas importantes conclusões. Primeira a moeda é o meio de pagamento dominante, variando endogenamente, isto é a moeda não exerce nenhum papel significativo no processo cumulativo de Wicksell . Segunda, no período analisado por Wicksell o Banco Central não tinha monopólio sobre a emissão de moeda, assim os demais bancos não possuíam restrições quanto à emissão de moeda. A proposição de equilíbrio considera que os preços serão proporcionais ao estoque de moeda no longo-prazo, sendo que a S será igual ao I. Assim as 10 Este era um fato estilizado, nas palavras de Leijonhufvud (1982, p. 151): “For the economies that Wicksell had some familiarity with - mainly Sweden and Germany around the turn of the century- this was defensible as a “stylized fact””. 12 flutuações cíclicas, onde a S≠I, existirão apenas no curto-prazo. As condições para ocorrerem desequilíbrios no curto prazo são (LEIJONHUFVUD, 1982): 1. Fluxo circular se expande se e somente se há um excesso de demanda por bens; 2. Assim o investimento só será maior que a poupança quando existir um excesso de demanda por mercadorias; 3. I > S, somente se os bancos aumentaram a taxa de juros em um patamar maior do que o suficiente para intermediar a poupança das famílias; 4. A economia só estará em seu real estado de equilíbrio se I = S; 5. O valor da taxa de juros que iguala a poupança e o investimento no pleno-emprego é a taxa natural. As implicações provenientes da aceitação das condições acima são, a saber: (i) sendo a terceira condição verdadeira, assume-se que as poupanças ou despoupanças fora do sistema bancário não são consideradas. Pois a contração ou expansão de crédito deve estar associada a uma queda ou aumento da renda nominal. Ignora-se também que mudanças no valor monetário agregado de demanda por mercadorias estejam associadas a expansões ou contrações do sistema bancário; (ii) Uma desigualdade entre poupança e investimento significa uma desigualdade entre demanda das empresas por fundos emprestáveis (as empresas não poupam e também não retém ganhos para investir) e oferta das famílias de fundos emprestáveis (famílias como agentes que poupam não usam da poupança para investir); (iii) a poupança é a parte da renda não consumida pelas famílias, o investimento é a acumulação do capital da produção corrente pelas empresas, como dito anteriormente só haverá igualdade entre as duas variáveis quando existir pleno-emprego da produção. A idéia central na análise de Wicksell baseia-se na existência de duas taxas juros, uma é a natural, que é a que iguala poupança e investimento e a outra é a de mercado, essa se refere a que é realmente observada. Para ocorrer o equilíbrio é preciso que exista estabilidade de preços (condição de equilíbrio 13 monetária) e esse equilíbrio seja intertemporal, isto é, esse equilíbrio deve existir desde o período 1 até n+1. Quando há desequilíbrios essas duas condições são afetadas. A necessidade de estabilidade dos preços é decorrente da existência das condições (1) e (2). Se no curto-prazo há um desequilíbrio, e se ele ocorre devido a um excesso de demanda por mercadorias, esse excesso levará assim a uma desestabilidade dos preços no curto-prazo, como no longo-prazo a poupança é igual ao investimento, e não há excesso de demanda, há assim estabilidade de preços. As restrições para essa assertiva decorrem da veracidade das condições (1), (2) e (3). Vejamos uma situação inicial onde há um equilíbrio (S = I) com plenoemprego e preços estáveis. Esse equilíbrio é afetado por um distúrbio monetário Wickselliano, os bancos mudam a taxa de juros de mercado. O gráfico 2, mostra os distúrbios reais. GRÁFICO 2- EQULÍBRIO MONETÁRIO DE WICKSELL r S B r̂ A r0 I’ Io S I Io S,I Fonte: Leijonhufvud, 1982, p. A economia se encontra primeiramente no ponto A. Como os bancos aumentam a taxa de juros, há a criação de um excesso de demanda por mercadorias, expresso por (I (ro ) − S (r0 ) ) . Então com I > S, ocorre um aumento da demanda por empréstimos na mesma proporção. Para evitar a inflação há o 14 aumento da taxa de juros (r0 → rˆ ) . Esse aumento leva a uma queda por bens de consumo (S (rˆ) − S (r0 ) ) , e também uma queda por bens de capital (I ′(ro ) − I ′(rˆ) ) . A economia caminha então para um novo equilíbrio, o ponto B, onde há uma melhora nos termos para as empresas. Podemos concluir então que a taxa de juros é governada não pelo investimento e poupança, mas pela demanda por fundos de empréstimo, em outras palavras: “The market interest rate is governed, not by the investmentsaving discrepancy, but by the excess demand for loanable funds.” (LEIJONHUFVUD, 1982, p. 159) A poupança equivale então a oferta de fundos de empréstimo das famílias e demanda desses fundos das empresas. Há essa discrepância pois dois agentes atuam com informação incompleta ou incorreta, os bancos e os empresários. Contudo esse processo vai prosseguindo até que as duas taxas de juros se igualem A próxima seção tratará sobre as idéias de Keynes sobre demanda efetiva. Como ele por intermédio da crítica aos clássicos construiu sua teoria. 5 A VISÃO DE KEYNES Keynes critica os clássicos, sobretudo por não acreditar que a taxa de juros seja o mecanismo responsável pelo equilíbrio do nível de poupança e investimento. Keynes acredita que é o nível de renda responsável por equilibrar o nível de poupança e o nível de investimento. Há três maneiras de se entender a crítica de Keynes e a seu entendimento sobre o princípio da demanda efetiva. A saber, versão dispêndio, versão oferta e a subordinação lógica da renda ao dispêndio11 5.1 A VERSÃO DISPÊNDIO 11 Esta parte será amplamente baseada em OREIRO (...) 15 Por meio do modelo keynesiano simplificado, para uma economia fechada e sem governo, obtemos as seguintes equações: Y =C+S (1) Y=D (2) D=C+I (3) Onde: Y é o nível de renda, C são os gastos de consumo, I são os gastos agregados com investimento, S é a poupança agregada e D é a demanda agregada. A equação (1) estabelece que a renda dos agentes só pode ser alocada entre consumo e poupança. A equação (2) mostra que os bens produzidos serão demandados, logo essa relação é uma equação contábil. Isso porque a equação (3) inclui as variações de estoque provenientes da incapacidade da firma de vender todo a sua produção. Finalmente a expressão (3) indica que a demanda por bens e serviços finais é constituída unicamente por gastos de consumo e investimento, e este último componente engloba as variações de estoque, sendo elas voluntárias ou não. Assim temos que a função de investimento é: I = I p + ΔE (4) Onde: I p é o investimento planejado (inclui a variação planejada pelas firmas) ΔE é a variação involuntária dos estoques. Como no equilíbrio a variação indesejada dos estoques é igual a zero, pois a totalidade dos investimentos deve ser destinada à ampliação da capacidade produtiva, temos que: ΔE = 0 ⇔ I = I p (5) Quando as empresas obtiverem uma variação positiva involuntária dos estoques, elas diminuirão sua produção, da mesma maneira, quando a demanda for maior que a produção haverá uma redução no estoque involuntário. Assim, somente quando a produção realizada for igual a demandada pelo mercado, isto é as empresas conseguirem vender efetivamente toda a sua produção no mercado (a produção que é vendida no mercado, denominaremos demanda efetiva), e a 16 variação involuntária dos estoques for igual a zero, teremos um ponto de equilíbrio. Neste ponto as empresas estão satisfeitas com o nível de produção, sendo a demanda efetiva é igual a produção realizada. Substituindo (4) em (3): Y = C + I p + ΔE (6) Sendo D e = C + I p a demanda efetiva, substituindo em (6): Y − D e = ΔE (7) Como em equilíbrio ΔE = 0 , logo Y = D e . Assim em equilíbrio a produção realizada é igual à demanda efetiva. Nesta versão do PDE como vimos a demanda efetiva é soma de dois componentes: um componente endógeno, é determinado pelo próprio sistema, que neste caso é o consumo, sendo que ele varia em proporção ao nível de renda, e um componente exógeno que independe do nível de produção e renda, que neste caso, é o investimento desejado pelas firmas. Podem-se assim especificar mais duas outras funções: C = cY (8) Ip =I (9) Onde c é a propensão marginal a consumir, como c < 1 um acréscimo na renda aumenta os gastos de consumo em uma proporção menor; I é o investimento autônomo. A nova demanda efetiva é: D e = I + cY (10) Esse investimento autônomo é independente do nível de renda corrente, porque é financiado por empréstimos e/ou venda de ativos, dessa maneira a renda não impõe um limite para os investimentos. Substituindo (10) em (7), e como no equilíbrio ΔE = 0 : Y − I − cY = 0 Y (1 − c ) = I Y* = 1 I ( I − c) (11) 17 Por meio desta equação percebemos que o nível de equilíbrio (Y * ) da ⎛ 1 ⎞ ⎟ do investimento desejado pelas empresas. economia é um múltiplo ⎜⎜ k = ( I − c) ⎟⎠ ⎝ O múltiplo k é o multiplicador dos gastos de investimento, que “... diz para nós que, quando ocorre um aumento do investimento agregado, a renda irá aumentar 12 k vezes com respeito ao aumento do investimento.” ( KEYNES, J. M. ; apud OREIRO, J. C.; não publicado). Para entendermos como nível de renda é uma variável de ajuste entre as variáveis poupança e investimento, necessita-se de mais algumas manipulações algébricas. Substituindo (8) em (1): S = (1 − c)Y (12) Onde: (1 − c) = s é a propensão marginal a poupar. A equação (12) nos mostra que a poupança é uma função da renda corrente, de forma que poupança e renda são variáveis diretamente relacionadas, isto é, um aumento da renda corrente leva a um aumento da poupança desejada pelas famílias. Substituindo (3) e (1) em (2), obtemos: S=I (13) Substituindo (4) em (13): S = I p + ΔE ΔE = S − I p (14) (14’) Por meio dessa equação percebe-se que quando há divergência entre poupança planejada pelas famílias e investimento planejado pelas firmas, ocorre a variação indesejada do estoque, levando a mudanças no nível de renda e de produção. A economia encontra-se em equilíbrio quando ΔE = 0 . Substituindo em (14’): S =Ip (15) 12 18 A equação (15) mostra que em equilíbrio o investimento planejado é igual a poupança planejada, igualdade esta mantida e assegurada pelo mecanismo do multiplicador. Tal mecanismo pode ser observado no gráfico abaixo: GRÁFICO 3 - POUPANÇA, INVESTIMENTO E NÍVEL DE RENDA S = sY B I1 A I0 Y0 Y1 Y Fonte: OREIRO, J. C.; não publicado No gráfico 2, primeiro a economia se encontra no ponto A, em equilíbrio com uma renda Y0 , devido ao investimento planejado I 0 . Se o investimento planejado das firmas aumentar para I 1 , então a renda irá aumentar para Y1 , gerando um acréscimo na poupança planejada que é exatamente equivalente ao aumento inicial do investimento. 5.2 A VERSÃO OFERTA 19 Essa versão é enfatizada pelos pós-keynesianos e é a que se encontra no capítulo 3 da Teoria Geral. Segundo AMADEO13 (apud OREIRO, não publicado), as premissas do PDE são as seguintes: i) A estrutura de mercado nos quais as firmas atuam é a concorrência perfeita, assim as empresas são tomadoras de preços. Os produtos são homogêneos. ii) As firmas decidem o que vão produzir antes de conhecerem a demanda por seus produtos. Nesta situação as empresas formam expectativas quanto ao preço pelo qual venderão sua produção acabada no mercado; iii) A fim de maximizarem seus lucros esperados, as empresas determinam o nível de produção e emprego. Diante dessas premissas definisse a demanda agregada como sendo a função que relaciona a receita esperada pela venda de cada volume possível de produção com o nível correspondente de emprego. A função de demanda agregada é dada por: D( N ) = P e F ( N ) (16) Onde P e é o preço esperado de venda pelas firmas; F ( N ) é a função que relaciona o nível de produção com o nível de emprego requerido para o mesmo. Essa função mostra que “dado um nível esperado de preços, a receita total esperada pelas empresas é uma função crescente do nível de emprego” (OREIRO, não publicado). A função de oferta agregada é a que relaciona o volume de emprego com a receita que é exatamente suficiente para fazer com que os empresários ofereçam esse nível de emprego. Como indica a terceira premissa, o volume de emprego é determinado no ponto em que as expectativas dos empresários são maximizadas, ou seja, no ponto de intercessão de oferta e demanda agregada. Sendo assim a oferta agregada é: 13 20 Z (N ) = WF ( N ) F ′( N ) (17) O ponto de demanda efetiva é o ponto em que a curva de oferta agregada e a curva de demanda agregada se cruzam, ou seja: Pe F (N ) = F ′( N ) = WF ( N ) F ′( N ) (18) W Pe (18’) Graficamente, representamos por: GRÁFICO 4 – PONTO DE DEMANDA EFETIVA Z(N) PQ E D(N) Fonte: Ne N(pe) N Qualquer volume de emprego diferente de (Ne) trará prejuízos ou deixará de ter lucros em bases permanentes. Não há nenhum mecanismo que garanta que o ponto de demanda efetiva será aquele de pleno-emprego. Os empresários podem até mesmo serem conscientes do nível de preços necessário para que a economia operasse em pleno-emprego da força de trabalho, isto é o ponto em que toda a produção seria vendida e a força de trabalho estria toda empregada dado o nível de preços esperado pelos empresários. Entretanto nada fará com que eles coloquem esse nível de preços, pois conforme CARVALHO (apud OREIRO, J. L. não publicado) “nas economias monetárias inexistem mecanismos que 21 garantam que a renda monetária gerada no processo produtivo seja inteiramente gasta.” Não há garantias que a renda adicional gerada por um nível de emprego de pleno-emprego será integralmente gasta com a aquisição da produção adicional. Portanto, os empresários não têm garantia que existirá demanda suficiente para absorver a produção de pleno emprego a preços que sejam suficientes para cobrirem os custos e a margem desejada de lucros. 5.3 A SUBORDINAÇÃO LÓGICA DA RENDA AO DISPÊNDIO Esse argumento leva a entender o princípio da demanda efetiva como uma subordinação lógica da renda ao gasto. Nas palavras de POSSAS (apud OREIRO, não publicado): “Em qualquer ato isolado de compra e de venda se produz um fluxo monetário - pagamento de um lado, recebimento do outro decorrente de uma única decisão autônoma: a de realizar um determinado dispêndio.” Ao analisar esse argumento percebe-se que toda transação de compra e venda produz sempre um fluxo monetário que por sua vez tem duas facetas: pagamento e recebimento. Quando um agente efetua um gasto no mesmo instante há a criação de um fluxo que é a renda. Assim quando um agente efetua um gasto, outro recebe um pagamento no mesmo instante, de modo que renda e investimento são iguais. A segunda parte do argumento é determinar quem vem primeiro, o gasto ou a renda, caso contrário o argumento seria uma tautologia. Da identidade contábil sabemos que: renda = dispêndio. Se identificarmos qual dos membros dela é o primeiro, isto é, qual deles que é definido pelos agentes sendo portanto uma decisão autônoma, tem-se então uma causalidade. A renda não precede o gasto, de outro modo, não há como um agente decidir quanto quer obter de renda, pois a renda é derivada da decisão de gasto de outros indivíduos. Assim ele pode ter uma decisão autônoma somente sobre o seu gasto. 22 Entretanto como pode um indivíduo gastar algo que não tem? Essa é a idéia do senso-comum que leva a pensar que a renda precede o gasto. Esse pensamento é errôneo pois considera a renda como estoque (como se ela pudesse ser ‘transportada’ entre os períodos), enquanto que na verdade, ela é um fluxo, isto é só existe no período contábil de referência. Assim não há como dizer que o gasto corrente é financiado pela renda do período anterior, pois ela já não existe mais. Todavia para realizar um dispêndio o único pré-requisito para os agentes o fazerem é terem poder de compra que é facilmente realizado por meio da concessão de crédito bancário, venda de ativos líquidos, etc. Percebe-se que a renda não existe sem o gasto, mas este ocorre sem uma renda anterior. No momento de uma transação de compra e venda, há um fluxo de renda, causada por um dispêndio, e que no mesmo instante transforma-se em estoque e pode ser um meio para novos dispêndios. Há uma outra idéia de senso-comum que sugere que há um dilema entre consumo corrente e poupança, isto é para aumentar o investimento é necessário aumentar a poupança, com uma diminuição dos gastos correntes. Isto é um absurdo lógico. Vimos que gasto precede a renda, neste caso o gasto de consumo precede a poupança , como então um aumento da poupança ocasionaria um aumento do investimento, sendo que os gastos de consumo teriam diminuído? A poupança não existe antes do gasto de consumo corrente, pois aquela depende deste. O único caso em que a poupança seria um pré-requisito ao investimento, seria se a renda permanecesse constante, ou ivariante. Desse modo se ocorresse um aumento dos investimentos, este deveria ser acomodado por uma redução nos gastos de consumo. No entanto, aumentando-se os gastos de investimentos ocorreria um aumento da renda, de modo que não seria necessária uma redução nos gastos de consumo. Uma exposição alternativa segue no próximo sub-item. 5.3.1 O Paradoxo das Poupanças 23 O paradoxo das poupanças é uma das maneiras alternativas de expor o PDE de Keynes, sobretudo a determinação lógica do gasto a renda, ou da poupança ao investimento. Da equação (2), subtraindo o consumo dos dois lados da equação tem-se: Y −C = D−C (19) Substituindo (1) e (3) em (19): I =S (20) A equação (20) mostra que há uma subordinação lógica da poupança ao investimento, isto é, os agentes não decidem sobre quanto poupar somente sobre quanto investir. Esse paradoxo afirma que se ocorrer um aumento global de poupança, o investimento irá cair e o nível de produto irá diminuir. Isso ocorre, pois se aumentar o nível de poupança, os agentes consumirão menos e as empresas por sua vez irão investir menos. Vejamos: GRÁFICO 5 - PARADOXO DAS POUPANÇAS S = −c0 + s ′(Y − T ) S = −c0 − s (Y − T ) I&& + (G − T ) Y1 Y2 Fonte: Elaboração do autor O gráfico indica que se ocorrer um aumento da propensão marginal a poupar, os agentes diminuem a sua propensão marginal a consumir, diminuindo a 24 assim a demanda o que faz com que as empresas diminuam sua produção, isto é há um deslocamento rotacional da função poupança para cima. Permanecendo G e T constantes, e como I é o investimento autônomo e, portanto também permanece constante, a única mudança é que há uma diminuição do produto, mas o nível de poupança e investimento permanecem constantes. Esse fato é conhecido com paradoxo das popanças porque para os clássicos um aumento de popança levaria a um aumento do produto. CONCLUSÃO Neste trabalho pretendeu-se fazer uma análise do PDE por meio da história do pensamento econômico. Verificou-se que este conceito, embora bem rudimentar ao proposto por Keynes em 1936, começou a ser discutido no século XIX por Malthus e Ricardo. Seus debates eram sobre os determinantes da taxa de lucro, mas Malthus tentou rebater os argumentos de Ricardo, baseado no fato de que os determinantes da demanda poderiam impor um limite a produção e portanto, diminuir a taxa de lucro. Ricardo ‘ganhou’ este debate tendo como arcabouço teórico a Lei de Say. Quando Keynes publicou a sua obra-prima, a Teoria Geral, ele construiu o PDE por meio de uma crítica aos clássicos, que acreditavam na plena utilização da capacidade produtiva, portanto Ricardo não estava incluído entre eles. Os denominamos clássicos, embora Ricardo não esteja no meio deles. Seu pensamento também tinha como arcabouço teórico a Lei de Say, mas com algumas modificações, que verificamos principalmente através da abordagem monetária de Knut Wicksell. Os clássicos acreditavam que a taxa de juros seria um mecanismo que garantiria que, no longo-prazo, as decisões de investimento se igualariam as poupanças , isto é a economia caminharia para um equilíbrio com plena utilização da capacidade produtiva. A construção do PDE por Keynes pode ser feita de três maneiras: a versão oferta; a versão dispêndio; e a subordinação lógica da renda ao gasto. Embora 25 Keynes tenha se utilizado da segunda maneira no capítulo 3 da Teoria Geral, as três maneira são um mecanismo para a compreensão desse princípio. Keynes mostra que ao contrário do que os clássicos pensavam não são os determinantes da oferta que impõe um limite a renda, mas os condicionantes da demanda. Isto é, a oferta não cria a sua própria demanda, sendo que esta impõe um limite ao crescimento. Keynes mostra que também não há evidência alguma que mostre que o ponto de demanda efetiva seja o ponto em que ocorra pleno-emprego da capacidade produtiva. A teoria keynesiana suplantou assim a teoria clássica nos anos 30 pois esta se tornou incapaz de explicar minimamente a realidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLAUG, M. The Classical Economist and the Factory Acts - A Re-Examination. The Quartely Journal of Economics, 1958, vol. 72, n. 2, p. 211-226. CHICK, V. Macroeconomia Após Keynes. Forense Universitária, Rio de Janeiro: 1993. DAVIDSON, P. Post Keynesian Macroeconomics Theory: A Foundation fou Succeful Econmic Policies for the Twenty-first Century. Edward Elgar Publishing Limited, Cambridge: 1996. DILLARD, D. A Teoria Econômica de John Maynard Keynes. Livraria Pioneira Editora, São Paulo: 1986. FOLEY, D.K.; MICHL, T.R. Growth and Distribution. Harvard University Press, London: 1999. FERARRI, F. F. (org.) Teoria Geral, setenta anos depois: Ensaios sobre Keynes e Teoria Pós-Keynesiana. 2006 (não publicado) 26 GAREGNANI, P. Notes on Consumption, Investment and Effective Demand: II. 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OREIRO, J.L A Questão da Demanda Efetiva na HPE: Uma abordagem PósKeynesiana. XIV Jornada de iniciação científica da UFRJ. RJ: 1992. 27 _______________ Livro ainda não publicado PASINETTI, L. L. Crescimento e Distibuição de Renda. Zahar Editores, Rio de Janeiro: 1979. ______________. The Principle of Efective Demand. In... RICARDO, D. Princípio de Economia Política e Tributação. Abril Cultural: São Paulo, 1983. SAY, J-B. Tratado de Economia Política. Abril Cultural, São Paulo, 1983. SICSÚ, J., PAULA, L. P., LIMA, G. T. (org.) Macroeconomia Moderna: Keynes e a Economia Contemporânea. Campus, 1999. 28