TEORIA MARXISTA E NOVO PARADIGMA SISTÊMICO DA CIÊNCIA

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VII Colóquio Internacional Marx e Engels – GT2: Os marxismos
TEORIA MARXISTA E NOVO PARADIGMA SISTÊMICO DA CIÊNCIA 1
Paradigmas da ciência
Trajetória da razão ocidental: da filosofia grega ao nascer da ciência moderna
Desde suas formas ancestrais, o conhecimento racional esteve ligado à esfera do
desenvolvimento econômico-social dos diversos povos e impérios ao redor do planeta e,
posteriormente, à correspondente exploração pré-capitalista de trabalho por um multimilenar sistema do Capital (MÉSZÁROS, 2002) sem que as grandes transformações da
base produtiva “infraestrutural” propiciadas por tal sistema jamais determinassem
mecanicamente a trajetória daquele conhecimento racional “superestrutural”. Aqui
funcionam as retroações dialéticas (ou “sistêmicas”) deste conhecimento sobre aquela
base. Nos séculos V e IV aC inicia-se – na cultura grega – uma também multimilenar
(mas não-linear, nem contínua) “trajetória da razão ocidental” que até a altura do séc.
XVII foi essencialmente dominada pela filosofia grega gerada naquele mencionado
período bi-secular e, em especial, por Platão e Aristóteles2. A partir do século XVII,
essa hegemonia da filosofia grega começa a declinar como ponta avançada da razão
ocidental. Para começar a deslocar tal filosofia e a tomar seu lugar central até então na
trajetória da razão ocidental, surge no final do século XVI e ao longo de todo o século
XVII a nova e tendencialmente laica ciência moderna3 de Bacon, Galileu, Descartes e
Newton, transição superestrutural essa profundamente articulada ao processo de
transição revolucionária do modo de produção feudal para o novo modo de produção
capitalista.
A segunda geração do Idealismo Alemão: filosofia dialética e rearticulação razãohistória
Mesmo com o processo, então em curso, de deslocamento da filosofia do seu
lugar central na trajetória da razão ocidental, a própria filosofia passa por um dos seus
raros períodos mais extraordinários, não por coincidência, em finais do século XVIII,
1
Autores: Guilherme V. Dias, Professor de Sociologia do IFF – [email protected]; José Glauco R. Tostes,
Professor Titular da UENF – [email protected].
2
Falando simplificadamente, a partir destes dois filósofos delineia-se uma razão centrada numa ontologia
do eterno, em valores e conceitos supostamente acima do tempo, da história e decisivamente centrada na
lógica aristotélica.
3
Ou melhor, surge o novo paradigma cartesiano da ciência; vide adiante sua análise.
inícios do século XIX onde emergem as revoluções industrial (inglesa) e política
(francesa): é o Idealismo Alemão com sua primeira geração com Kant, segunda
preponderantemente com Hegel. De modo bastante simplificado, pode-se dizer que o
ponto central das preocupações filosóficas da segunda geração foi a busca de rearticulação – via nova “filosofia dialética” no caso de Hegel – entre razão e história,
entre lógica e tempo, entre universal e particular, entre necessário e contingente ou entre
finito e infinito (na linguagem de Hegel). Podemos tomar como ponto de partida dessa
“nova filosofia dialética” a relação sujeito-objeto; estes dois pólos giram um em torno
do outro; nenhum dos dois termos ou “partes” subsiste isoladamente, mas formam uma
inextricável “totalidade”: trata-se de uma relação dialética. Esse “todo” é maior que a
mera soma das partes, mas pertence a um movimento ou história onde ele mesmo não
subsiste isoladamente, pois será a seguir uma “parte” rumo a uma nova totalidade.
Porém, à medida que a ciência moderna (i.e. o paradigma cartesiano da ciência)
se torna a ponta avançada ou padrão na trajetória moderna da razão ocidental, a
filosofia, toda a filosofia, inclusive a filosofia dialética hegeliana – exceto a “filosofia
da ciência” no século XX – acabam por ficar fora do próprio âmbito da razão. De fato,
filosofia – na academia – não é mais sequer uma disciplina científica, portanto, nem
sequer uma “ciência humana”. Isto vai marcar profundamente a trajetória relativamente
“desvantajosa” – ao longo de pelo menos os últimos cento e cinqüenta anos – da
filosofia dialética na teoria marxista desde Marx e Engels até hoje. Daí a ênfase que
emprestaremos adiante à relação entre a filosofia dialética e o novo paradigma sistêmico
da ciência no âmbito da teoria marxista.
O conceito de paradigma da ciência de Kuhn
É no contexto de um notável ciclo mundial de crescimento capitalista e
correspondentes mudanças “superestruturais” nos anos 1950-60 que emerge em 1962 A
Estrutura das Revoluções Científicas (KUHN, 1975). Já haviam ocorrido anteriormente
tentativas semelhantes à de Kuhn, mas somente agora estavam dadas as condições
históricas para começar a emergir um processo minimamente sustentável de transição
do pensamento científico ocidental: do pensamento (hegemônico) cartesiano para o
pensamento (nascente) sistêmico4. O conceito nuclear de Kuhn para descrever uma
4
Um dos eixos do pensamento kuhniano é certamente o relevo central que ele empresta à história,
particularmente nas ciências naturais, no lugar de um método único, definitivo e a-temporal ou
descontextualizado, de uma razão lógica, enfim.
história não-linear foi o de paradigma, ou melhor, de sucessivos paradigmas –
caracterizando períodos teóricos produtivos de sucessivas “ciências normais” estáveis –
entremeados por sucessivas e turbulentas “revoluções” de transição paradigmática. No
Pósfacio de 1969 ao seu texto de 1962 Kuhn convergiu para dois sentidos daquele
conceito (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2002): (1) “matriz disciplinar” –
equivalente ao tradicional conceito de uma dada “teoria científica”, portanto,
intradisciplinar apenas; (2) “exemplar” – seria o sentido por excelência de paradigma
para Kuhn; ele envolve um dado conjunto de crenças e valores subjacentes à prática
científica, isto é, ele atravessa todas as teorias ou “matrizes disciplinares” geradas a
partir de tal conjunto; aqui “paradigma” é transdisciplinar. Este será o único sentido de
“paradigma” usado no presente texto. Quais então são as crenças/valores básicos ou
“grandes dimensões epistemológicas” (Idem, ibidem): (1) do paradigma cartesiano de
ciência? (2) do novo paradigma sistêmico de ciência?
Paradigma cartesiano de ciência (P1)
Este paradigma tem por referência central disciplinar a física, mais
especificamente a mecânica newtoniana do séc. XVII (CAPRA, 1987).
Seguindo Esteves de Vasconcellos (2002) teríamos três grandes eixos nesse paradigma
ainda largamente hegemônico na ciência praticada nos grandes centros acadêmicos
mundiais, envolvendo praticamente toda as “ciências naturais” e certa fração das
“ciências humanas” com destaque para a ciência econômica. Vamos apresentar os três
eixos com formulação em parte extraída de Esteves de Vasconcellos (2002);
(1) Simplicidade do mundo: separação do mundo complexo em partes, isto é, em seus
elementos mais simples, para se entender o todo; daí decorrem: (1.1) a análise
(cartesiana) e (1.2) a busca de relações causais lineares; a expressão “o todo é a soma
das partes” sintetiza esse eixo e a separação ou “análise” central da modernidade
ocidental é a separação cartesiana sociedade-natureza5.
(2) Estabilidade do mundo: crença em que “o mundo é”; ligados a esse pressuposto
temos as crenças no (2.1) determinismo (daí a previsibilidade) e na (2.2) reversibilidade
temporal (daí a controlabilidade) nos fenômenos.
5
O pressuposto causal fundamental dessa separação, desde as origens da ciência moderna no séc. XVII,
está na recusa sistemática em se considerar a noção de “projeto” (ou “causa final” ou “teleologia”) nos
fenômenos naturais (MONOD, 1975). Outrossim, Marx (2011) tinha clareza da utilidade de tal separação
na “fase civilizatória” do capital.
(3) Objetividade do conhecimento: crença em que é possível conhecer objetivamente o
mundo “tal como ele é na realidade”; a subjetividade do cientista é colocada entre
parênteses.
Paradigma sistêmico da ciência (P2)
Este paradigma tem por referência central disciplinar a biologia, mais
especificamente a teoria da evolução darwiniana do século XIX e o referencial
ecológico (ecossistemas) do séc. XX (CAPRA, 1997). Aqui, apesar de todos os riscos,
quer-se evitar reducionismos de qualquer espécie (à física, à biologia, etc),
particularmente no que se refere ao campo das humanidades.
Novamente vamos nos basear parcialmente em Esteves de Vasconcellos (2002)
e agora também em Capra (1997) para – por quase perfeito contraponto aos três eixos
paradigmáticos
cartesianos
–
apresentar
as
crenças/valores
básicos
de
P2.
Particularmente apresentamos uma formulação diferente de Esteves para o terceiro eixo:
(1) Complexidade do mundo: “O todo não se reduz a mera soma das suas partes”. Essas
“partes” deixam de ser primariamente identificadas a “objetos” isoláveis; estes passam a
ser pressupostos como “nós de relações”. Daí o conceito de “sistema” como um todo
integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes. Tais
relações organizadoras são pressupostas formando estruturas multiniveladas de
sistemas dentro de sistemas (padrão de rede). Cada um desses sistemas forma um todo
com relação às suas partes, enquanto que ao mesmo tempo, é parte de um todo maior.
Tais níveis não seriam idênticos. Pressupõem-se diferentes níveis de complexidade,
com diferentes leis operando em cada nível. Em cada nível de complexidade os
fenômenos observados exibem propriedades que não existem no nível inferior: são as
propriedades emergentes. O novo paradigma sistêmico da ciência, por contraste com o
paradigma cartesiano, é, então: (1.1) contextual e pressupõe também (1.2) um padrão de
causalidade não-linear ou recursiva entre as “partes” de um todo sistêmico.
(2) Instabilidade do mundo: o reconhecimento de que “o mundo está em processo de
tornar-se”, e não simplesmente de “ser o que é”. Daí decorre necessariamente, por
contraste com o “velho” paradigma, a consideração de: (2.1) indeterminação com a
conseqüente imprevisibilidade de alguns fenômenos e da sua (2.2) irreversibilidade
temporal, com a conseqüente incontrolabilidade dos fenômenos. Mas já entrando no
domínio de teorias sistêmicas atravessadas em termos transdisciplinares pelo mesmo
paradigma P2, temos instabilidades que podem ser fontes de novas estabilidades, em
novas formas sistêmicas de ordem ou organização, as quais, na medida em que
emergem espontaneamente de “ruídos” e flutuações aleatórias, são auto-organizações: é
“a ordem a partir do caos”. Note-se cuidadosamente que com a recusa – nos eixos novoparadigmáticos (1) e (2) – do velho paradigma mecanicista a nova abordagem sistêmica
de fenômenos naturais é que tende a tornar-se semelhante as já bem estabelecidas
descrições e explicações de fenômenos sociais e não o inverso. Aqui estão germes de
uma re-articulação teórica – sistêmica e não reducionista – entre sociedade-natureza
(3) Relação sujeito-objeto no conhecimento ativo do mundo, já antecipada na filosofia
dialética hegeliana (vide acima) e na correspondente e indissociável relação dialética
teoria-praxis marxiana. Agora abre-se caminho dentro de um paradigma científico para
o pressuposto da: (3.1) totalidade indivisível sujeito-objeto em qualquer atividade
cognitiva humana, articulada ao pressuposto da contextualidade sistêmica acima
incorporado ao novo paradigma P2.
Teoria marxista e P1: os dois marxismos de Marx (século XIX)
O pensamento de Marx, caracterizado pela unidade de um só projeto
revolucionário, vai, ao longo de praticamente toda sua obra, oscilar – teórica e
dialeticamente – entre um “marxismo científico” (da “ilha”: Inglaterra) e um “marxismo
crítico” (do “continente”: Alemanha), constituindo-se aí uma tensão nuclear muito
enriquecedora, mas nunca plenamente resolvida por Marx. Na medida em que estão
entrelaçadas por uma relação dialética estas duas tendências teóricas estão longe, em
Marx, de se constituir em fatores rígidos, separados, acabados (TOSTES, 2005).
O marxismo da science inglesa (P1)
Aqui são claros os laços de Marx com o paradigma cartesiano da ciência, que
vai-lhe aparecer – sem alternativas na sua época – como o método científico por
excelência: a science inglesa. Este é o paradigma – com sua teoria chave, a mecânica
newtoniana – que preside a construção teórica da economia capitalista pelos “pais
fundadores” no século XVIII, Smith e Ricardo principalmente. E é este mesmo
paradigma que leva Marx literalmente a ambicionar ser “o Newton da economia” e que
leva Engels diante do túmulo de Marx a implicitamente rotulá-lo como “o Darwin da
sociologia” (Darwin: leis científicas da evolução biológica; Marx: leis científicas da
base econômica da história humana).
Em termos simplificados, o “marxismo científico” tende – nos moldes
newtonianos – para um rígido esquema de um férreo determinismo histórico e resvala
para um esquema – dessa vez na contramão causal da science – teleológico6 da história
que rumaria (em linguagem atual da matemática da complexidade) para o grande e
único “atrator final” constituído pela sociedade comunista. Neste esquema, a
consciência, particularmente a “consciência de classe”, tende a ser determinada –
segundo uma causalidade quase mecânica – pela base econômica de cada modo de
produção.
O marxismo da wissenchaft alemã (pré-P2)
Em termos também simplificados, o “marxismo crítico” tem suas raízes
racionais na filosofia dialética ou wissenschaft (que normalmente é traduzida como
“ciência”) hegeliana. Aqui, por contraste com o mundo inglês, teríamos “Marx como o
Hegel da articulação materialista razão-história”. O marxismo crítico – com certa
semelhança com a filosofia dialética hegeliana – contém dentro dele próprio uma tensão
entre elementos deterministas (o “Sistema” teleológico da História Universal) e nãodeterministas (o “Método” dialético, precedendo o paradigma sistêmico da ciência: vide
o seu eixo (2) acima). Pelo viés indeterminista, o marxismo crítico tende a defender uma
relação dialética (causalidade recíproca, também na linguagem sistêmica) entre
consciencia (“sujeito”) e as suas condições materiais (“objeto”).
Podemos falar em “intuições sistêmicas” de Marx e Engels? Sim, pelo simples
fato de se utilizarem da filosofia dialética, Marx e Engels já estavam trabalhando de
forma implícita e avant la lettre com o paradigma sistêmico da ciência. Hoje estamos
explicitando esse recurso cientifico e apontamos a seguir para a perspectiva de
resolução da tensão “filosofia dialética alemã versus science inglesa” em Marx, via
paradigma sistêmico da ciência, isto é, tendendo-se a uma abordagem unificável.
Teoria marxista e P2: relações entre filosofia dialética e teorias sistêmicas da
ciência (início do século XXI)
Veiga (2007), mesmo não sendo autor marxista, defende a atualidade da filosofia
dialética por contraponto com outra grande tradição filosófica européia: a filosofia
analítica. Para usar conhecida metáfora, trata-se do contraponto entre a “ilha”
6
Bensaid (1997) aponta que Marx oscilava entre posições teleológicas e anti-teleológicas, esta última em
linha com a science.
(Inglaterra: tradição analítica) e o “continente” (Alemanha: tradição dialética), que já
vimos presente como uma tensão nuclear central na teoria marxiana do século XIX. Na
linguagem paradigmática da ciência, trata-se de contraponto entre P1 e uma abordagem
filosófica pré-P2. Já defendemos acima a importância específica de se abordar, no
marxismo, a articulação entre filosofia dialética e P2, de onde emergem suas várias
teorias sistêmicas. No sentido da investigação – apenas recém-iniciada – dessa
articulação, pelo lado marxista, tome-se por exemplo: Sève (2005); Guilli (2008). Mas o
trabalho que nos chamou mais a atenção nesse ponto foi o texto de Mészáros (2002),
Para Além do Capital. Embora utilizando-se explicitamente ao longo de todo este denso
texto da tradição filosófica dialética, este pensador marxista utilizou implicitamente,
conforme mostramos anteriormente (TOSTES, 2007; DIAS, 2009)), uma teoria
científica sistêmica (oriunda de P2) específica, a “ciência da complexidade” de
Prigogine (Prêmio Nobel de Química, 1977), lastreada na termodinâmica longe do
equilíbrio. O principal foco de nossa atenção no uso – implícito - por parte de Mészáros
de tal teoria científica sistêmica, prendeu-se a uma teorização sobre crises no
capitalismo, particularmente na diferenciação que aquele autor realizou com tal teoria
entre crises cíclicas e crise estrutural do capital. No presente trabalho introduzimos
antes (vide acima) o leitor na estrutura do paradigma científico geral que permeia (daí
sua transdisciplinaridade) toda e qualquer teoria sistêmica.
Teoria marxista e P2: crise estrutural em curso do capitalismo e teoria sistêmica de
Prigogine (final do século XX, início do século XXI)
O tema “crise do capitalismo” está na moda. E Marx de volta com ele. A crise
iniciada em 2008 é apenas “financeira” ou é “sistêmica”? E neste último caso, é
“cíclica” ou “estrutural”? A nosso ver (TOSTES, 2007; DIAS, 2009; DIAS e TOSTES,
2009; DIAS, TOSTES e STHEL, 2011) o melhor tratamento desse crise recente é
inseri-la dentro de uma crise sistêmica de bem mais longo curso do capitalismo.
Partimos de duas análises críticas – com certa semelhança entre elas – do capitalismo
enquanto sistema complexo: a de Wallerstein (2004), muito próxima do marxismo, e a
de Mészáros (2002), marxista, provindas do fim do século XX e já bastante aprimoradas
– em relação a Marx e a trajetória da teoria marxista até os anos 1970 – pelos próprios
desdobramentos históricos do capitalismo (desde, pelo menos a crise de 1929) e da
ciência (principalmente o acima mencionado processo, em curso, de transição
paradigmática da ciência na segunda metade do século XX). No caso dos
desdobramentos históricos, ambas análises convergem para a conclusão que a crise –
crescentemente socioambiental – que se inicia nos anos 1970 seria estrutural ou
“terminal” para o capitalismo/capital (terminal para o “sistema-mundo” capitalista em
Wallerstein e para o “sistema do capital” em Mészáros). No caso da ciência – dentro do
mencionado processo maior de transição interparadigmática – temos a apropriação
sociológica e interdisciplinar (articulação ciências naturais-ciências sociais) da teoria
sistêmica conhecida como “ciência da complexidade” de Prigogine (1984) –
originalmente desenhada para a Termodinâmica de processos longe do equilíbrio (área
da físico-química) nos anos 1960-1970 – por parte de Wallerstein e Mészáros,
enriquecendo, no final do século XX, suas respectivas análises sistêmicas na área de
crise do capitalismo.
Wallerstein e complexidade: análise de sistemas-mundo
Em textos anteriores (por exemplo TOSTES, 2007) enfatizamos como se dá, em
cada uma das duas análises, a apropriação interdisciplinar da ciência da complexidade
(uma teoria sistêmica) de Prigogine para abordagem mais genérica de crises sociais
sistêmicas, com vistas principalmente à análise daquela presente crise sistêmica – que
ambos supõem – terminal do capitalismo7.
No caso de Wallerstein, além de apresentar textos deste autor pertinentes ao
nosso tema central, nos aproveitamos em nossas referências (como a supracitada de
2007) da sua própria e didática utilização em ciências sociais da ciência da
complexidade de Prigogine, para apresentar qualitativamente certos conceitos
fundamentais da sua particular teoria sistêmica da complexidade. Aqui estão dois textos
selecionados com conceitos prigogineanos em itálico:
A historical system is both systemic and historical [...] it has enduring structures that
define it as a system – enduring, but not of course eternal. At the same time, the system
is evolving second by second such that it is never the same at two successive points in
time. […] Another way to describe this is to say that a system has cyclical rhythms
(resulting from its enduring structures as they pass through their normal fluctuations)
and secular trends (vectors which have direction, resulting from the constant evolution
of the structures). Because the modern-world system (like any other historical system)
has both cycles and trends – cycles that restore “equilibrium” and trends that move “ far
from equilibrium”- there must come a point when the trends create a situation in which
7
A partir do corpo integral do presente trabalho pretendemos futuramente apontar diversos desafios para
a relação entre teoria marxista e P2: a) aprofundar articulações entre dialética marxista e teorias
sistêmicas; b) aprofundar o uso de teorias sistêmicas de crises e de estratégias do capitalismo; c) avançar
rumo a teorias sistêmicas marxistas da história; d) avançar rumo a projetos/programas sistêmicos
revolucionários de socialismo marxista, em termos transdisciplinares.
the cyclical rhythms are no longer capable of restoring long-term (relative) equilibrium.
When this happens, we may talk of a crisis, a real “crisis”, meaning a turning point so
decisive that the system comes to an end and is replaced by one or more alternative
systems. Such a “crisis” is not a repeated (cyclical) event. It happens only once in life of
any system, and signals its historical coming to an end. And it is not a quick event but a
“transition”, a long period lasting a few generations (Wallerstein, 1996).
All systems (physical, biological and social) depend on cyclical rhythms to restore a
minimum equilibrium. […] But systems have [also] secular trends [which] always
exacerbate the contradictions (which all systems contain). There comes a point when the
contradictions become so acute that they lead to larger and larger fluctuations. In the
language of the new science, this means the onset of chaos (which is merely the
widening of the normal fluctuations in the system, with cumulative effects), which in
turn leads to bifurcations, whose occurrence is certain but whose shape is inherently
unpredictable. Out of this a new system order emerges (Wallerstein, 1995).
Mészáros: o sistema do capital
No caso de Mészáros: mesmas observações acima sobre Wallerstein.
Adicionalmente, agora, os textos citados vão-se referir à crise estrutural do capital.
Uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com
suas partes constituintes ou sub-complexos, como também a outros complexos aos quais
é articulada. Diferentemente, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas partes do
complexo em questão e, assim, não importa o grau de severidade em relação às partes
afetadas, não pode por em risco a sobrevivência contínua da estrutura global. Sendo
assim, o deslocamento das contradições só é possível enquanto a crise for parcial,
relativa e interiormente manejável pelo sistema, demandando apenas mudanças –
mesmo que importantes – no interior – do próprio sistema [ainda] relativamente
autônomo. Justamente, por isso, uma crise estrutural põe em questão a própria
existência do complexo global envolvido, postulando sua transcendência e sua
substituição por algum complexo alternativo [...] Por conseguinte, quanto maior a
complexidade de uma estrutura fundamental e das relações entre elas e outras com as
quais é articulada, mais variadas e flexíveis serão suas possibilidades objetivas de ajuste
e suas chances de sobrevivência até mesmo em condições extremamente severas de
crise. Em outras palavras, contradições parciais e “disfunções”, ainda que severas,
podem ser deslocadas e tornadas difusas – dentro dos limites últimos ou estruturais do
sistema – e neutralizadas, assimiladas, anuladas pelas forças ou tendências contrárias,
que podem até mesmo ser transformadas em forças que ativamente sustentam o sistema
em questão (grifos nossos; Mészáros, 2002).
No curso do desenvolvimento histórico, as três dimensões fundamentais do capital –
produção, consumo e circulação/distribuição/realização – tendem a se fortalecer e a se
ampliar por um longo tempo, provendo também a motivação interna para a sua
reprodução dinâmica recíproca em escala cada vez mais ampliada. A crise estrutural do
capital que começamos a experimentar nos anos 70 [...] significa simplesmente que a
tripla dimensão interna [do texto anterior] de auto-expansão do capital exibe
perturbações cada vez maiores. Ela [tal crise] não apenas tende a romper o processo
normal de crescimento, mas também pressagia uma falha na sua função vital de
deslocar as contradições acumuladas no sistema [...]. A situação muda radicalmente
quando [...] os interesses de cada uma [daquelas três dimensões] deixam de coincidir
com os das outras, até mesmo em última análise [leia-se: tal “falta de coincidência” não
é mais apenas conjuntural]. A partir desse momento, as perturbações [...], ao invés de
serem absorvidas/dissipadas/desconcentradas e desarmadas, tendem a ser tornar
cumulativas e, portanto, estruturais, trazendo com elas o perigoso bloqueio ao complexo
mecanismo de deslocamento de contradições. Desse modo, aquilo com que [agora] nos
confrontamos [...] é [...] potencialmente muito explosivo. Isto porque o capital jamais
resolveu sequer a menor de suas contradições. Nem poderia fazê-lo, na medida em que,
por sua própria natureza o capital nelas prospera (até certo ponto, com relativa
segurança). Seu modo normal de lidar com contradições é intensificá-las, transferi-las
para um nível mais elevado, deslocá-las para um plano diferente, suprimi-las quando
possível, e quando não puderem mais ser suprimidas, exportá-las para uma esfera ou
país diferente (grifos e colchetes nossos; Mészáros, 2002)).
Referências
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