A FILOSOFIA HERMENÊUTICA E SUA CONTRIBUIÇÃO NUMA FORMAÇÃO CRÍTICA E REFLEXIVA DE DOCENTES FRENTE ÀS CONTINGÊNCIAS DO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO Jacimira Höher Bohrer Acadêmica do Curso de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM (autor) [email protected] Nadia Fonseca Bertrand Ferreira Acadêmico do curso de Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria (co-autor) [email protected] Amarildo Luz Trevisan Prof° Orientador – Prof° Dr. Do Programa de Pós-graduação em Educação da UFSM/RS e pesquisador do CNPq [email protected] Resumo: Ao analisarmos o contexto atual no qual estamos inseridos e a diversidade de questões sociais que nos circundam se faz imprescindível repensarmos a nossa participação enquanto educadores na preservação daquilo que já está instalado. Enquanto mediadores no processo de transformações, qual a nossa contribuição para um “fazer pensar”, não um pensar a nível de consciência inerte, mas um refletir imbuído numa práxis onde a ação comunicativa de interação possa, conseqüentemente, levar a uma ação que transforma. Diante da proposta da Filosofia Hermenêutica na sua função pragmática de decifração daquilo que está subentendido, a mesma propõe um pensar mais interpretativo e compreensivo contra um pensar alienante que foi instituído pela objetividade da ciência moderna que levou a coisificação do sujeito. A educação se depara com um processo de instabilidades e pluralidades onde se faz urgente repensar a formação docente; não mais como um reprodutor de conhecimentos estáticos, mas de um mediador comprometido com a busca de uma sabedoria que transforma e que nos constitui como seres sociais, responsáveis, éticos, solidários e comprometidos com as contingências do contexto que estamos inseridos. A inclusão de uma proposta hermenêutica da filosofia na educação não tem o intuito de transpor a esta à responsabilidade total na promoção de mudanças, mas na verificação da sua dimensão dialógica que determina um elo de interação entre os homens e portanto um processo reflexivo, crítico e democrático de entendimento e tomada de decisões. Palavras-chave: hermenêutica, filosofia, docente Quando nos deparamos a pensar o contexto atual de forma mais criteriosa e crítica, nos remetemos a olhar o sujeito enquanto ser social, enquanto ser pensante e capaz de promover mudanças. Ao pensarmos o sujeito, conseqüentemente remetemos o nosso olhar para a educação e para o papel que esta ocupa enquanto instigadora de mudanças, ao papel do educador enquanto multiplicador de teorias diversas ou propostas pedagógicas que são absorvidas na intenção de suavizar suas inseguranças, carências e angústias, geradas num contexto de inúmeras exigências e mudanças muito rápidas. Se faz urgente e necessário analisar esse espaço do professor, refletir a sua formação e como se dá esse processo de construção da sua prática profissional, uma prática não voltada apenas para um atuar prático e sistemático, mas uma formação fundamentada num pensar, num teorizar essa ação e suas relações com a vida, com o cotidiano, e todos os conflitos inerentes desse processo. Um pensar mais reflexivo, crítico e atuante que os façam cogitar sobre questões fundamentais do nosso cotidiano, como o meio ambiente, a banalização da violência, as relações de poder que nos cercam, os estereótipo que incorporamos e as ideologias que absorvemos sem questionamentos. Filosofia Hermenêutica Mediante tal proposta, a Filosofia Hermenêutica, dentro de sua perspectiva humanística, oferta uma possibilidade de interpretar e compreender de forma mais clara a realidade que se apresenta na contemporaneidade; trazendo como proposta um pensar as nossas práticas, conceitos, pré-conceitos e objetivos. Essa proposta hermenêutica passa a ser pensada a partir do século XIX, quando estabelece-se como disciplina da teologia e filosofia, sofrendo uma evolução na sua função pragmática de interpretação de textos literários e passa a desenvolver uma função mais ampla na decifração daquilo que está subentendido, trabalhando contra um pensar alienante provocado pela objetividade da ciência moderna. Surge na intenção de interpretar e repensar o positivismo que se estabeleceu na modernidade, trazendo um ideal de desfazer a pretensão de haver um único caminho para a verdade, ou uma forma exclusiva para determinar a produção do conhecimento. A Hermenêutica busca oferecer uma forma de desvelamento daquilo que está obscuro; onde possamos não apenas “ver” aquilo que esta posto ao nosso redor, mas “enxergar” o que de real existe por baixo dos simulacros do nosso cotidiano. Oferta a possibilidade de perceber a influência exercida pelos meios de comunicação, entre tantos outros, que fortalecem ideologias, que massificam e alienam o sujeito, tornandoo dócil e acrítico. Interpondo-se ao racionalismo, a Filosofia hermenêutica nos remete a uma experiência estética que promove o convívio com a pluralidade, o não-idêntico, o contraditório, que são fundamentais para a interpretação e compreensão da vida, exigindo do sujeito um agir mais sensível e solidário, e conseqüentemente no desenvolvimento de uma prática mais responsável, participativa e ética. Numa proposta democrática e pluralista a filosofia hermenêutica oferece à educação e a todo seu processo formativo um exercício dialógico, contextualizado e interpretativo e conseqüente compreensão do mundo da vida. Segundo Jürgen Habermas o fundamento para o saber não se baseia mais num sujeito solitário e na sua relação com o mundo objetivado, e sim, num saber estruturado numa esfera comunicativa, utilizando para isso os instrumentos analíticos da pragmática da linguagem, onde a hermenêutica é a conexão entre o ser e a linguagem. Conforme Gadamer essa interpretação e compreensão contida na proposta hermenêutica não se dá de forma simples e livre de conflitos, se desenvolve diante de dificuldades, pois toda interpretação esta a mercê de arbitrariedades, de análises precipitadas, de opiniões prévias e conceitos pré-estabelecidos. Os procedimentos de interpretação hermenêutica implicam que o sujeito que se posicione na situação de intérprete precise mostrar-se receptivo à alteridade do contexto, não se posicionando de forma privilegiada de observador, e sim compartilhando com o outro os proferimentos que pretende compreender. No intuito de contrapor o pensamento moderno mecanicista, a hermenêutica auxilia ao sujeito transformar a sua realidade por intermédio de discernimentos interpretativos que reflitam as superficialidades e banalizações que está a mercê e no seu papel enquanto sujeito responsável para a efetivação e modificação das mesmas. Uma percepção mais crítica e reflexiva na formação de docentes Mediante essa nova visão a ser desenvolvida, é possível repensar a nossa educação e formação de professores como produto de um contexto histórico que precisa ser revisto; uma educação não mais voltada apenas à transferência de conhecimentos estáticos, ou à formação de sujeitos acríticos que vivem a mercê de ideologias dominantes e excludentes, mas sim, sujeitos que na interação com o outro promovam uma ação comunicativa focada em mudanças. “A hermenêutica sempre se propôs como tarefa estabelecer o entendimento onde não há entendimento ou onde foi distorcido” (GADAMER, 2007a, p.387). A educação do novo milênio se apresenta com uma realidade de instabilidades e pluralidades que precisa ser interpretada e refletida dentro de uma proposta estética de entendimentos, onde o sujeito possa compreender a sua formação não mais limitada a um saber objetivado e tecnicista, mas fundamentada num movimento comunicativo e dialógico capacitado a contribuir para uma ação social integrada e solidária. É preciso que a educação reflita os seus processos pedagógicos na formação de professores, processos esses que, muitas vezes foram fundamentados em um saber cognitivo-instrumental que deixou de lado questões fundamentais como a ética e a estética. É função da educação promover a autonomia, a justiça social e a dignidade humana e isso só poderá ser efetivado mediante uma prática de abertura a uma perspectiva dialética, onde num processo dialógico o aluno seja levado a indagar, criticar, criar, refletir e agir. As relações desenvolvidas na escola num âmbito de uma ação hermenêutica filosófica proporciona ao aluno um processo de confrontação consigo mesmo, com suas crenças, preconceitos, estereótipos e ideologias, permitindo um entendimento dos seus porquês e propondo novas construções. A inclusão de uma proposta hermenêutica na educação não tem o intuito de transpor a esta à responsabilidade total de promover mudanças naquilo que já está instalado, mas traz sim, uma proposta autocrítica da prática pedagógica, dentro de um pressuposto dialético onde seja repensado o papel do docente e do aluno nas práticas diárias de comunicação e o reflexo dessa ação frente aos contingentes do cotidiano e na sua contribuição para novas propostas para o futuro. Dentro dessa perspectiva a escola deixa de ser um aparelho reprodutor de ideologias, onde se preparam pessoas para a obediência e para a alienação e passa a desenvolver sujeitos atuantes que ocupem um papel de significância responsabilidade na promoção do enfrentamento das relações de opressão e injustiças sociais. Uma proposta comunicativa da Hermenêutica A filosofia hermenêutica vem ofertar ao campo educacional uma retomada da sua função dialógica e reflexiva, onde um processo de interpretação e compreensão pressupõe uma abertura ao outro, onde a escola deixa de ser um espaço de mera reprodução de conhecimento para se tornar um ambiente de apropriação crítica deste conhecimento e isso só é possível dentro de uma perspectiva comunicativa, onde a relação professor-aluno se processa na troca e no reconhecimento do sujeito na sua alteridade. A linguagem voltada para o entendimento torna-se condição a priori de possibilidade da própria experiência educativa e pode recuperar um caráter crítico-emancipatório da educação. O conhecimento, da forma como foi compreendido pela filosofia da consciência, torna-se o desvelar de uma essencialidade por uma consciência iluminada, gerando as condições de manipulação e domínio da realidade, típicas de uma racionalidade instrumental. Ou seja, trata-se de uma relação cognitivo-instrumental, dificultando e até impossibilitando relações de responsabilidade na reprodução do mundo da cultura, da sociedade e da personalidade. (HERMANN, 1999, p. 64) Trevisan nos aponta que a interação comunicativa é ao mesmo tempo uma interação social pois se processa em uma rede de interações onde são construídas a subjetividade e a intersubjetividade do sujeito. A interação social é, ao mesmo potencialmente, uma interação dialógica, comunicativa. A penetração da racionalidade instrumental no âmbito da ação humana interativa, ao produzir um esvaziamento da ação comunicativa e ao reduzi-la à sua própria estrutura de ação, gerou, no homem contemporâneo, formas de sentir, pensar e agir fundados no individualismo, no isolamento, na competição, no cálculo e no rendimento, que estão na base dos problemas sociais. (TREVISAN, 2000, p.208) As pessoas em interação comunicativa expressam enunciados pela mediação de pontos integrados, que são o da subjetividade, das emoções, do eu, com o plano da intersubjetividade, da relação com os outros e, sendo os dois pontos articulado às contribuições da linguagem objetivada e instrumental, que auxilia na transformação daquilo que está instituído. No seu livro Consciência Moral e Agir Comunicativo, Jürgen Habermas coloca que ao passo que a epistemologia se ocupa da linguagem e da realidade, a hermenêutica se ocupa de uma tríplice relação de um proferimento que expressa à intenção de quem fala, a expressão como fator de relação interpessoal e ao mesmo tempo como expressão sobre algo no mundo. A Filosofia hermenêutica na formação de professores prevê a possibilidade de promover um posicionamento crítico que contribua para que o mesmo possa enxergar melhor aquilo que está posto ao seu redor, no entanto, apenas uma postura crítica não é o suficiente, é preciso algo a mais, é necessário um novo paradigma que leve a uma proposta de linguagem em ação. Segundo Jürgen Habermas esse processo de linguagem crítica promove uma ação de terapia, onde os sujeitos ao refletir suas construções, consigam refletir suas falsas consciências se lançar a um processo de auto-reflexão através do contato com o mundo vivido e suas patologias sociais. A terapia ocorreria num processo de catarse que levará o sujeito a uma visão mais adequada à realidade desfazendo paradigmas que determinam o sujeito enquanto objeto coisificado. Dessa forma, é possível pensar a formação de professores com o intuito de formar um profissional reflexivo, capaz de pensar sobre suas ações, durante e após realizá-las. Um profissional comprometido com os resultados na sua função de mediador nas transformações sociais. Quando pensamos numa nova postura de ação profissional devemos ter o cuidado de não incorporar apenas mais um discurso sobre o trabalho docente, mas efetuar uma releitura crítica dessa prática que remeta a uma modificação da ação pedagógica; que remeta o profissional de educação a refletir sua ação, levando-o a repensar as suas crenças, valores e conhecimentos que influenciam o seu atuar pedagógico. Está vinculado ao projeto da Filosofia Hermenêutica a formação de um profissional engajado em um processo social emancipatório constituído numa ação participativa, crítica, reflexiva e democrática. BIBLIOGRAFIA GADAMER, Hans-Georg, Verdade e Método I - Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 8ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2007a ____________________, Hermenêutica e Retrospectiva: Heidegger em retrospectiva, Petrópolis, RJ: Vozes, 2007b HABERMAS, Jürgen, Consciência Moral e Agir Comunicativo – Templo Brasileiro – RJ, 2003 HERMANN, Nadja, Validade em Educação: instituições e problemas na recepção de Habermas, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999 KOWARZIK, Wofdietrich Schmied, Pedagogia Dialética: de Aristóteles a Paulo Freire, 2ª ed., São Paulo – SP: Editora Brasiliense, 1988 STEIN, Ernildo, Aproximações sobre Hermenêutica, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996 TREVISAN, Amarildo Luiz, PEDAGOGIA DAS IMAGENS CULTURAIS: da formação cultural à formação da opinião pública, Ijui: Ed. Unijuí, 2002 ______________________, Filosofia e Educação: Mimeses e Razão Comunicativa, Ijuí: Ed. Unijuí, 2000.