Revista Brasileira de Ensino de Fsica vol. 20, no. 4, Dezembro, 1998 425 O Impulso e o Movimento Circular Uniforme (Impulse and Uniform Circular Motion) Maria Teresinha X. Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Instituto de Fsica Caixa Postal 15051 - 91501-970 - Porto Alegre, RS - Brasil e-mail: [email protected] Nelson Toniazzo e Rolando Axt Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI Departamento de Fsica, Estatstica e Matematica Caixa Postal 560 - 98700-000 - Iju, RS - Brasil Recebido 2 de Dezembro, 1997 S~ao analisadas as variac~oes do vetor velocidade de um corpo em movimento circular uniforme para evidenciar a natureza vetorial da quantidade de movimento linear. The vectorial nature of linear momentum is stressed by analysing changes in the velocity of a body in uniform circular motion. 1. Introduca~o Quando um ponto material de massa m descreve um movimento circular uniforme, sua velocidade tangencial e constante em modulo mas varia permanentemente em direc~ao. Sendo assim, a energia cinetica dessa massa e constante e a quantidade de movimento linear e variavel. O objetivo deste texto e destacar a natureza vetorial da quantidade de movimento linear propondo o seguinte problema: A gura 1 representa o vetor velocidade de uma massa m que descreve um movimento circular uniforme de perodo T sobre um crculo de raio R. As posic~oes 1 e 2 denem o deslocamento de m em um intervalo de tempo T/2. Pergunta-se 1]: Qual e o impulso sobre a massa m nesse intervalo de tempo (T/2)? A soluc~ao trivial deste problema e dada pela relac~ao I~ = ~p donde resulta jI~j = 2mv = 4mR T (1) ja que v = 2 R=T: Observe-se que j~pj = 2mv e equivalente a variac~ao da quantidade de movimento linear de uma massa m que colide contra uma parede com velocidade +~v e retorna dela com velocidade ;~v 2]. Embora a primeira vista este resultado pareca estranho para muitos alunos que, por intuic~ao, acreditam ser ~p igual a zero (ou igual a ;m~v ), e por eles aceito sem maior relut^ancia quando s~ao alertados sobre a natureza vetorial de ~p. A soluc~ao do problema torna-se um pouco mais complicada quando se deseja calcular a integral I~ = R~ F dt. Neste caso, e preciso identicar a forca impulsiva, sem esquecer o seu carater vetorial, e encontrar um modo de resolver a integral. A forca centrpeta F~c e a unica forca que e exercida sobre m. Ao decomp^o-la em suas componentes nas direc~oes x e y (F~x e F~y na gura 2), verica-se desde logo que estas n~ao s~ao uniformes em modulo e podem sofrer invers~ao de sentido em um intervalo de tempo T=2. Portanto, resolver a integral supondo que a forca impulsiva e a forca centrpeta, tomada em modulo (Fc = m!2 R) e esquecendo o seu carater vetorial, levaria a um resultado incorreto para o impulso (22mR=T). Na gura 3, a area sob a reta 426 M.Terezinha X. Silva et al. Fc representaria gracamente esta soluc~ao (incorreta), num intervalo de tempo T=2: Figura 1. Deslocamento de m entre as posic~oes inicial (1) e nal (2). Figura 2. A forca centrpeta F~c e suas componentes F~x e F~y . O calculo do impulso exercido sobre a massa m, no deslocamente que sofre entre as posic~oes 1 e 2, requer que analisemos os impulsos nas direc~oes x e y separadamente. Na direc~ao y, o impulso lquido no intervalo de tempo em considerac~ao e zero. Fy varia do seu valor maximo positivo, em t = 0, ate o seu valor maximo negativo, em t = T=2 de modo que os impulsos sofri- dos nos sucessivos quartos de perodo cancelam-se mutuamente. Na gura 3, a area (nula) sob a curva Fy representa o impulso Iy . Figura 3. Representac~ao graca de Fc (linha contnua) e de suas componentes Fx (linha pontilhada) e Fy (linha tracejada). A linha vertical identica o ponto P da gura 2: Fc = (Fx2 + Fy2 )1=2 : Ja na direc~ao x, o impulso no mesmo intervalo de tempo e maximo. Fx varia de zero, em t = 0, a um valor maximo negativo, em t = T=4, e retorna novamente a zero em t = T=2. Durante esse intervalo de tempo, F~x tem sempre o mesmo sentido (contrario ao sentido de ~v na posic~ao 1) e, no instante T=4 seu modulo e igual ao da forca centrpeta Fc. Na gura 3, a area (negativa) sob a curva Fx representa o impulso Ix . O problema resume-se, portanto, em analisar o movimento circular uniforme considerando a superposic~ao dos movimentos harm^onicos simples que correspondem as projec~oes do MCU sobre os eixos coordenados x e y. Supondo-se que em t = 0 a massa m encontra-se na posic~ao 1, as coordenadas de sua posic~ao, em qualquer instante de tempo, s~ao dadas por: x = Rcos !t ; 2 e y = R sen !t ; 2 onde ! = 2=T e a frequ^encia angular desse movimento. Portanto, as componentes Fx e Fy da forca centrpeta s~ao, respectivamente, c 2 Fx = max = m ddtx2 = ;m!2 Rcos !t ; 2 = ;Fc cos !t ; 2 Revista Brasileira de Ensino de Fsica vol. 20, no. 4, Dezembro, 1998 e 427 2 Fy = may = m ddt2y = ;m!2 R sen !t ; 2 = ;Fc sen !t ; 2 : d As componentes do impulso sofrido pela partcula ao longo das direc~oes x e y, no intervalo de tempo considerado, s~ao dadas por: Ix = e Z T =2 0 Iy = Z Fx dt = ; 4mR T T =2 0 Fy dt = 0: Este resultado esta em concord^ancia com aquele obtido em (1) e o sinal negativo indica a revers~ao da velocidade entre as posic~oes 1 e 2, ou seja, o sentido da variac~ao da quantidade de movimento de m, contrario ao da sua velocidade inicial. Adicionalmente, pode-se propor aos alunos a analise do impulso sobre m em outros intervalos de tempo representados na gura 3. Por exemplo, a variac~ao da quantidade de movimento linear entre T=8 e 3T=8 equivale a da colis~ao elastica de uma partcula contra uma parede rgida com um a^ngulo de incid^encia de 45 . A descric~ao feita acima, considerando o MCU como uma superposic~ao de dois movimentos harm^onicos simples, oferece ainda uma alternativa 3] para a deduc~ao da formula da forca (acelerac~ao) centrpeta, ja que jF~cj = m!2 R representa o valor maximo das componentes Fx e Fy exercidas sobre a massa m em MCU. Refer^encias 1. Rad, M. Sepehry. Shortcomings in physics education in Iran. Phys. Educ. 26 (6), 332 (1991). 2. Stinner, A. The story of force: from Aristotle to Einstein. Phys. Educ. 29 (2), 77 (1994). 3. Fitzpatrick, J. A. Derivation of centripetal acceleration by a momentum change. Phys. Educ. 30 (5), 264 (1995).