MICHEL SERRES E A EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DE UMA FILOSOFIA DA MULTIPLICIDADE PARA A EDUCAÇÃO DO HOMEM CONTEMPORÂNEO Maria Emanuela Esteves dos Santos Agência de fomento: FAPESP Universidade Estadual de Campinas Programa de Pós-Graduação em Educação Eixo Temático: Pesquisa, Educação e seus Fundamentos Categoria: Pôster Resumo Este trabalho se propõe veicular algumas problematizações sobre o tema, filosofia da multiplicidade e educação do homem contemporâneo. Essa proposta inicial corresponde de forma mais ampla à pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e História da Educação na Universidade Estadual de Campinas iniciada em março de 2012. O objetivo principal da pesquisa consiste em pensar a filosofia da multiplicidade de Michel Serres face aos desafios da formação do homem contemporâneo, condicionados pelo novo regime de realidade que advém de suas relações singulares com o corpo, o mundo e os outros. Busca-se então compreender de que forma a filosofia da multiplicidade que Serres propõe redimensiona as concepções sujeito, objeto, conhecimento e ação e em que sentido esse redimensionamento das categorias de totalidade pode contribuir para com o pensamento educacional engendrando as condições de seu acontecimento e potencializando a diferenciação desse novo homem. Palavras-chave: Michel Serres, Educação, Filosofia da Multiplicidade. Introdução A proposta desse trabalho é levantar algumas problematizações sobre o tema, filosofia da multiplicidade e educação do homem contemporâneo. Essas problematizações têm como ponto de partida uma primeira constatação: o homem contemporâneo diferencia-se nas características e circunstâncias de seu tempo, singulares na história da humanidade. Singulares, pois que instauram o corpo, o mundo e os outros em um novo regime de realidade. Por sua vez, esta primeira constatação nos conduz a uma outra: esse novo regime de realidade, uma vez que produz a diferenciação do homem contemporâneo, também resulta em diferenciação dos princípios educativos/formativos que constituem esse homem. Todavia, esse novo regime de realidade que se instaura na educação do homem contemporâneo coexiste e tensiona com elementos de outros regimes de realidades que perpassaram e diferenciaram o homem em espaços-tempo específicos. Essa tensão e coexistência de elementos singulares condicionam, portanto, desafios ao pensamento educacional e desvelam ao seu tempo as características desse novo regime de realidade da educação contemporânea e seus direcionamentos. Mas especificamente, o desafio que se coloca é: em que sentido pensar a educação do homem contemporâneo que emerge com um corpo livre e potente, numa outra relação com o mundo, diferenciada pelo reposicionamento dos pares sujeitoobjeto e em uma expansão global e constante de contato com os outros? Quais as características e princípios de uma educação que emerge na especificidade desse tempo? Essas são as indagações que se tornaram relevantes no percurso que empreendi de tentar compreender as modificações do último século - seja a liberação das constrições, dores e sofrimentos do corpo, o reposicionamento do par sujeitoobjeto na relação do homem com seu meio e a recente expansão e mobilidade dos meios de comunicação – como elementos de diferenciação do homem contemporâneo. A filosofia de Michel Serres, mais especificamente a obra Hominescências (2003b), foi o dispositivo que levou à evidência desse novo tempo à educação. As características e circunstâncias singulares do novo tempo, evidenciadas em Hominescências, demonstram que as inovações tecnológicas do último século redimensionaram as relações do homem com seu corpo, com o mundo e com o outro, por meio da potência e da expansão de seu acontecimento. Com efeito, o homem a que se refere esse trabalho é aquele que estabelece novas relações com os circuitos de engendramento hominescente (SERRES, 2003b) – corpo, mundo e outros – potencializados pelo acesso ao universal em razão dos avanços da tecnociência. Assim, repercute a questão: diante de um corpo todo-poderoso, da possibilidade de superação das distâncias, da proximidade irrestrita com o mundo e os outros, será que o pensamento educacional conseguirá permanecer-se fundamentado sobre as estabelecidas e históricas categorias de totalidade (sujeito, objeto, conhecimento, ação) no instante em que as novas circunstâncias de engendramento do homem reclamam o repensar dessas categorias no sentido da indeterminação que a potência e a passagem pelo universal proporcionam? De forma semelhante, outro ponto de partida conduz a proposição dessa problematização e advém, justamente, do desafio apontado à educação do homem contemporâneo, seja repensar as categorias de totalidade. Trata-se do instigante e, cada vez mais pertinente, convite da filosofia, compreendida como lógica da multiplicidade1, para pensar o acontecimento da educação. Destaco, em especial, o pensamento de Deleuze sobre a diferença e de Michel Serres sobre a mestiçagem. É notório o esforço de alguns pesquisadores e estudiosos das filosofias desses pensadores no Brasil na busca das implicações de uma teoria da multiplicidade para o pensamento educacional - (GALLO, CALLONI, OLIVEIRA, SANTOS), são alguns exemplos. Nesse sentido, assim como as novas características e circunstâncias da contemporaneidade lançam o desafio de repensar as categorias de totalidade em razão da potência e da indeterminação, esses estudiosos levantam o mesmo desafio à educação por considerarem que esta se efetiva quando liberada de categorias estáveis e fundantes. Este trabalho pretende, portanto, veicular a relevância de se atuar na conjunção desses dois apelos feitos a educação do homem (o apelo das circunstâncias históricas e da filosofia da multiplicidade), visto que eles se direcionam ao mesmo objetivo: redimensionar o posicionamento dos pares sujeito-objeto, conhecimento-ação no pensamento educacional. Tal veiculação é proposta, por sua vez, a partir da filosofia de Michel Serres, na qual é possível identificar inicialmente as condições dessa conjunção. Isso se faz na medida em que essa filosofia da multiplicidade convida a educação a repensar as categorias de totalidade, como condição ao acolhimento da diferença, bem como à apreensão das potencialidades do novo tempo na vida do homem contemporâneo. Contextualizando a temática A proposta que esse trabalho traz, corresponde na verdade, de forma mais ampla, à problematização levantada no projeto de doutorado desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e História da Educação na Universidade Estadual de Campinas iniciado em março desse ano. O objetivo principal deste projeto consiste em pensar a filosofia da multiplicidade de Michel Serres face aos desafios da formação do homem contemporâneo, condicionados pelo novo regime de realidade que advém de suas 1 A referência mais concreta de que disponho, inicialmente, sobre o que seja conceber a filosofia como lógica da multiplicidade remete ao pensamento de Deleuze. Essa referência consiste no trabalho de Cardoso (2005) A filosofia e a teoria das multiplicidades: elos da diferença, no qual o autor problematiza o conceito de multiplicidade em Deleuze a partir de sua relação com a diferença. Esta última é abordada enquanto: método, operador conceitual, componente do conceito, agente de enunciação e agenciamento pragmático (CARDOSO, 2005). Apesar de não dispor de uma referência mais direta que trate a filosofia de Michel Serres enquanto filosofia da multiplicidade, acredito que grande parte das análises levantadas por Cardoso possam ser utilizadas na compreensão do pensamento de Serres como um pensamento cujo princípio é a vivência e a convivência na multiplicidade. relações singulares com o corpo, o mundo e os outros. O objetivo principal faz-se acompanhar de um segundo objetivo o qual é responsável por estabelecer os pontos ou levantar as questões que conduzirão o seu desenvolvimento. Esse segundo objetivo consiste, sobretudo, em problematizar a tensão e coexistência de outros regimes de realidades tradicionalmente estabelecidos no pensamento educacional. É nesse conflito entre aquilo que está posto e aquilo que emerge que o projeto pretende problematizar a educação do homem contemporâneo. Para tanto, elege as categorias sujeito, objeto, conhecimento e ação como instrumentos reflexivos à configuração desses espaços de tensão. Por meio dessas quatro categorias, pela posição articuladora que assumem na práxis educativa, acreditamos que seja possível melhor compreender o novo regime de realidade no qual diferencia-se a educação do homem contemporâneo. Essa abordagem não deixa de considerar, entretanto, a coexistência de outros regimes de realidade próprios de espaços-tempo anteriormente estabelecidos e que levam o pensamento educacional contemporâneo a tensionar entre o que está posto e o que emerge da nova condição humana. Trata-se, portanto, em última análise, de uma proposição crítica ao pensamento educacional, em especial, como instituído em seus espaços legítimos particularmente, a escola - diante dos desafios do novo tempo para a educação do homem contemporâneo. Assim, sob a ambiência da(s) filosofia(s) educacional(ais) preponderante(s) até o momento, busca-se articular os desafios da formação do homem contemporâneo à tensão que incidem sobre essa ordem do pensamento educacional implicando, por sua vez, a possível convergência da filosofia da multiplicidade de Michel Serres enquanto potencializadora de modos e posicionamentos face aos desafios. Para tanto, tentamos compreender de que forma a filosofia da multiplicidade que Serres propõe aborda as concepções sujeito, objeto, conhecimento e ação e em que sentido essa abordagem pode contribuir para com o pensamento educacional ao redimensionar as condições de seu acontecimento e potencializar a diferenciação desse novo homem. Delimitando o problema A princípio, essa proposta de pesquisa surge como consequência implicante das seduções de Filosofia mestiça (1993) e Hominescências. Inicialmente, Filosofia mestiça por lançar os desafios de uma filosofia da multiplicidade à formação do homem. Posteriormente, Hominescências por evidenciar os desafios das condições históricas a essa formação. De forma geral, essas duas ordens de desafios podem ser pensadas conjuntamente no que concerne à perspectiva diferenciada que demandam das quatro categorias de totalidade. Por conseguinte, a filosofia de Michel Serres é no projeto, o elemento pulsante que encaminha as reflexões sobre o acontecimento da educação através dos apelos da filosofia da multiplicidade e da evidência das condições históricas. Especificamente, o desafio de Filosofia mestiça consiste em pensar a formação do homem no sentido do deslocamento e da recepção constante da diferença. Para Serres (1993), educar é conduzir para fora, ou seja, é fazer com que o aprendiz movimente-se, saia do abrigo, da casa aconchegante e aventure-se sobre o desconhecido, desprovido de referências, ao sabor das intempéries do tempo. Essa passagem, esse lançar-se para fora é para Serres, o que de fato educa. Dessa forma, Filosofia mestiça lança o desafio à educação de pensar a formação do homem em razão do desprendimento e do deslocamento constante, pois, se é o estar lançado para fora que educa, tão logo se alcance a outra margem do rio, torna-se necessário partir para novos deslocamentos. Caso contrário, cessa-se o movimento, e a educação deixa de acontecer. Entretanto, por que Filosofia mestiça afirma ser a conduta do estar fora a conduta realmente formativa? Porque é exatamente no fora, no exterior, que se dá o encontro e o acolhimento da diferença. Em poucas palavras, o desafio que Serres (1993) lança à educação é o desafio do viver e comviver a diferença. Para tanto, ele elege Arlequim, o mestiço, como aquele que experencia esse desafio, ao trazer marcado em seu corpo os diversos encontros com o diferente. Elege, ainda, Pierrô, a soma branca, como aquele que faz retornar o movimento, isto é, aquele que potencializa novos encontros. A educação compreendida como viver e comviver a diferença vibra, pois, de Pierrô a Arlequim e de Arlequim a Pierrô, indefinidamente. Assim, pensar o acontecimento da educação na contingência de Arlequim e Pierrô implica posturas, concepções, abordagens peculiares e, de certa forma, inusitadas ao pensamento educacional, que fazem considerá-los verdadeiros desafios à práxis educativa como constituída historicamente. Isto porque Filosofia mestiça fala de acolhimento irrestrito da diferença, perda das referências, desprendimento, abandono das certezas, deslocamento constante e indeterminação. Todas essas posturas estão relacionadas, por sua vez, a uma concepção diferenciada de sujeito e objeto, assim como de conhecimento e ação que viabiliza a práxis educativa enquanto encontro com a diferença. A hipótese que este projeto levanta, portanto, é a de que a filosofia da multiplicidade de Serres subsidia um redimensionamento das categorias de totalidade com as quais se compreende a realidade. Em outras palavras, acredita-se que a proposta de sua filosofia se situe num plano diferenciado de apreensão da realidade, a qual torna evidente novas abordagens que reposicionam os pares sujeitoobjeto, conhecimento-ação. De forma semelhante, Hominescências evidencia os desafios da contemporaneidade à educação. Essa evidência se dá através da reflexão que a obra faz sobre os três circuitos de engendramento do homem: o circuito corpo, no qual se constitui a relação consigo mesmo; o circuito mundo, no qual se estabelece a relação com o meio e o circuito outros, no qual se constitui a relação com a alteridade. Para Serres (2003b), as modificações do último século incidiram diretamente sobre esses circuitos, reposicionando-os no sentido da potência e da expansão de suas dimensões. Logo, a avaliação que o filósofo faz das condições históricas de nosso tempo está relacionada ao impacto que essas causaram às três instâncias de constituição do homem: a relação consigo mesmo, com seu meio e com a alteridade. Para Serres (2003b), o significativo avanço da tecnociência caracteriza, por excelência, o último século naquilo que apresenta enquanto modificações para a vida do homem. Na tentativa de avaliar essas modificações, torna-se perceptível que, de alguma forma, todas as dimensões da vida humana foram tomadas ou influenciadas por técnicas e invenções que reposicionaram a relação do homem consigo mesmo, com o mundo e com os outros. De fato, os avanços na engenharia genética, na farmacologia, nos cuidados com a higiene, com a alimentação, com a preservação da saúde, em suma, com a longevidade e qualidade de vida, são cada vez mais efetivados em razão de novas e aperfeiçoadas técnicas. Essas, por sua vez, ao incidirem na qualidade e longevidade da vida humana, acabam por resultar em possíveis novas relações do homem com seu corpo. No mesmo sentido, a relação do homem com o mundo, que antes, de acordo com Serres (2003b), podia ser caracterizada por um contato direto com a terra e com a domesticação dos animais, hoje se destaca por uma expansão desse mundo em razão dos avanços tecnológicos nas modalidades de informação e comunicação. Essa grande expansão tende a fazer com que a relação do homem com seu meio deixe de restringir-se ao terreiro da fazenda e passe ao mundo como um todo. Os avanços das tecnologias de informação e comunicação redimensionam ainda as relações do homem com os outros (idem) pela possibilidade constante e agilidade da informação e comunicação que fazem com que o outro, antes determinado pela proximidade local, adentre o espaço global. As distâncias, então, começam a se anular em razão dessas técnicas. O outro pode ser agora qualquer um em qualquer parte. Ele não está mais determinado pela proximidade física e localizada de um espaço restrito. A possibilidade da relação com o outro estende-se, assim, do vizinho próximo à humanidade interligada. Em linhas gerais, os avanços da tecnociência, ao viabilizarem o advento de um corpo todo-poderoso, ao anularem as distâncias e aproximarem as pessoas e o mundo, implicam, por sua vez, segundo Serres (2003b), ausência de finalidade, habitação de um espaço universal, com consequente crise das referências, e a possível morte do ego pela onipresença do nós. Ou seja, o desafio que as condições e circunstâncias de nosso tempo lançam, e que Hominescências torna perceptível, é o de que a velha questão do humanismo - o que é o homem? -, em razão dessas circunstâncias, tende a estar agora em aberto. Indeterminação: o que é o homem? “um possível em meio a um leque de forças, a potência, sim, ou talvez a onipotência, porque o homem pode tornar-se tudo” (Serres, 2003b, p.61). Logo, se as condições históricas lançam a questão do que é o homem sobre a potência da indeterminação, a educação do homem contemporâneo é, simultaneamente, desafiada a subsidiar-se sobre essa ausência e indefinição. Esse desafio conduz, pois, ao mesmo redimensionamento das categorias de totalidade, reclamados pela filosofia da multiplicidade, visto que a indeterminação, própria da potência e expansão contemporaneidade, das remetem condições a novas de engendramento concepções dos do homem pares na sujeito- objeto/conhecimento-ação. O projeto proposto, portanto, sob a ambiência de Filosofia mestiça e Hominescências busca analisar, por meio de uma investigação pormenorizada, em que sentido posicionam-se as categorias sujeito, objeto, conhecimento e ação na filosofia de Michel Serres. Pretende-se, a partir dessa investigação, explicitar como a possível trajetória de uma lógica da multiplicidade contribui ao pensamento educacional face aos desafios da formação do homem contemporâneo. Assim, a filosofia de Serres é o campo específico de trabalho dessa pesquisa. Nela, buscam-se os elementos, as particularidades, os posicionamentos que redimensionam as tradicionais categorias de totalidade, lançando-as no plano do múltiplo e da diferença. Por uma investigação voltada ao conjunto de sua obra, tentamos apreender de que forma essas concepções são tomadas e como essas convergem aos desafios da educação do homem contemporâneo. Na busca pelas respostas Por ser a investigação do projeto direcionado ao conjunto da obra de Michel Serres, a mesma constitui a principal referência bibliográfica sobre a qual se desenvolve o objetivo proposto. Todavia, além dela, é possível que recorramos ainda ao longo dos trabalhos a outros autores que tenham tematizado a filosofia de Serres em seus estudos como forma de constatar as diferentes apropriações feitas de seu pensamento. Essa referência sobre o filósofo, no entanto, é bastante restrita, visto que, embora os livros de Serres estejam cada vez mais sendo traduzidos no Brasil, são raros trabalhos que abordem sua filosofia, tanto em nosso país, quanto no exterior. Não obstante a relevância de conhecer a apropriação que tem sido feita da filosofia de Serres, como forma de apreender a repercussão de suas proposições, a principal referência do projeto consiste no conjunto da própria obra do filósofo. A ela, direcionamos um olhar que busca a cartografia das concepções sujeito, objeto, conhecimento e ação, as quais potencializam os direcionamentos de sua filosofia da multiplicidade. Para tanto, a pesquisa busca, nas principais obras de Serres, os elementos, as particularidades, os posicionamentos que redimensionam essas tradicionais categorias de totalidade. Selecionar tais obras, certamente, não foi tarefa das mais simples, uma vez que a produção do filósofo é vasta (são de mais de 50 livros até este ano) e diversificada. Por meio dela, sua filosofia original e sedutora percorre os grandes domínios do pensamento – ciências exatas e humanas, literatura, artes e religiões – na busca da reconciliação dos diversos ramos do saber “longe dos dogmas e dos imperialismos teóricos” (Serres, 1990, p.178). Por conseguinte, devido à extensão e diversidade da obra de Serres, o projeto proposto teve que estabelecer critérios para a seleção dos trabalhos que pudessem ser mais profícuos ao desenvolvimento dos objetivos da pesquisa. Um primeiro critério que estabelecemos foi quanto aos dois períodos que se convencionou identificar na produção do filósofo: o período dos trabalhos até Statues (1987), de um Serres historiador das ciências, e o período dos trabalhos pós Statues, de um Serres filósofo das relações. Pela experiência que temos com o segundo Serres, pela contingência desse ao pensamento sobre a educação e sobre a contemporaneidade – campos em que pretendemos verter a reflexão dos resultados obtidos – consideramos pertinente e viável estabelecer as obras desse segundo período como aquelas sobre as quais a pesquisa proposta atuaria. Contudo, esse critério de trabalho sobre o segundo Serres não exclui a possibilidade de se recorrer às produções de sua primeira fase como forma de complementar e buscar novos elementos para as análises que estiverem sendo feitas sobre a segunda fase. Isso porque, estamos conscientes de que este projeto pode colher elementos significativos também do primeiro período do conjunto da obra de Serres, uma vez que a hipótese que levantamos do redimensionamento das categorias de totalidade advém, de acordo com nossa perspectiva inicial, da intercessão dos dois Serres. Em um e em outro, portanto, identificamos possibilidades de investigação. Assim, como de certa forma todo o conjunto da obra releva-se à pesquisa proposta, foi preciso estabelecer um critério de abordagem capaz de transitar pelos dois períodos. Para tanto, este projeto criou um procedimento que denominamos dinâmica de atuação sobre o conjunto da obra do filósofo que se articula da seguinte forma: foco principal de análise - as obras de Serres pós Statues, ou seja, obras que tratam das relações e da comunicação -; campo contingente complementar, as obras produzidas antes de Statues, ou seja, obras que tematizam mais diretamente as ciências e suas relações com a literatura e as artes. Dessa forma, pela dinâmica - foco principal/campo contingente - acreditamos que seja possível transitar sobre a produção do filósofo sem o risco de endossar excessivamente a divisão que convencionalmente se faz do conjunto de sua obra, o que na nossa perspectiva poderia comprometer a percepção de convergência entre os diversos campos de interesse de sua filosofia. Estabelecida as condições desse percurso, deslocamos o foco da questão para a segunda parte do objetivo da pesquisa: refletir sobre os regimes de realidade que persistem no pensamento educacional e tensionam sobre as novas configurações do espaço-tempo da educação contemporânea. Essa reflexão, associada às considerações já levantadas quanto aos desafios da contemporaneidade à formação do homem, constituem o campo de reflexão no qual pretendemos estender e fertilizar os resultados obtidos na primeira parte da investigação. Dessa forma, a reflexão sobre os regimes de realidade do pensamento educacional associada às considerações sobre os desafios da contemporaneidade para a formação do homem, torna-se o dispositivo que levantará as questões, apontará sentido, enfim, problematizará os resultados da pesquisa. Toda essa proposta aqui veiculada encontra-se ainda em fase de reflexão e aprimoramento visto que estamos na metade dos quatro anos previstos para o desenvolvimento da pesquisa. E justamente por se encontrar nessa fase de aprimoramento e reflexão é que consideramos pertinente socializá-la oportunamente nesse evento como forma de colher impressões e fecundar diálogos. Referências CARDOSO, Hélio Rebello. A filosofia e a teoria das multiplicidades: elos da diferença. In: ORLANDI, Luís B. (org.) A diferença. Campinas: Editora Unicamp, 2005. p.91-130. SERRES, Michel. . Statues: le second livre des fondations. Paris : Flammarion, 1987. ____. Uma filosofia das ciências. São Paulo: Paz e Terra, 1990. ____. O contrato natural. Tradução Beatriz Sidoux. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. ____. Filosofia mestiça. Tradução Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. ____. A lenda dos anjos. São Paulo: Editora Aleph, 1995. ____. Notícias do mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. ____. Luzes: cinco entrevistas com Bruno Latour. Tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Unimarco, 1999. ____. Os cinco sentidos. Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Difel, 2001. ____. O nascimento da física no texto de Lucrécio. São Paulo: Unesp, 2003a. ____. Hominescências: o começo de uma outra humanidade. Tradução Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003b. ____. Variações sobre o corpo. Tradução Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. ____. O incandescente. Tradução Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. ____. Ramos. Tradução Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.