Encontro Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 IMPACTOS EMOCIONAIS DA ALTERAÇÃO DA ROTINA EM IDOSOS HOSPITALIZADOS RESUMO Nadyelle Noberto Soares Faculdade Anhanguera de Brasília unidade Taguatinga [email protected] Misael Rabelo de Martins Custódio Faculdade Anhanguera de Brasília unidade Taguatinga [email protected] Os indivíduos desenvolvem apego pelos espaços onde vivem, transformando-os em espaços emocionais e criando uma relação de dependência com os mesmos. Para o idoso, essa dependência é maior, pois o mesmo cria adaptações para compensar as perdas funcionais decorrentes do envelhecimento, que podem não funcionar no ambiente hospitalar. O objetivo deste trabalho é verificar se a alteração da rotina durante a hospitalização causa alguma alteração emocional no paciente idoso. Pesquisa realizada com 11 idosos hospitalizados. Verificou-se que os incômodos durante o sono e o distanciamento do ambiente de domínio habitual incomodam os idosos com relação às mudanças territoriais. Com relação às alterações no espaço pessoal e antigos hábitos, foram aquelas relacionadas à falta de poder de decisão e de independência no ambiente hospitalar e distanciamento das pessoas do convívio rotineiro. As alterações emocionais mencionadas foram aquelas que dizem respeito à insônia, falta de apetite, irritabilidade, nervosismo e choro fácil. Palavras-Chave: idoso; enfermagem; alteração da rotina. ABSTRACT Individuals develop attachment to the places where they live, making them emotional spaces and creating a dependent relationship with them. For the elderly, this dependence is greater, because it creates adjustments to compensate for the functional losses of aging, which may not work in the hospital. The purpose of this amendment is to check that routine alteration during hospitalization for any cause emotional disorder in the elderly. Research conducted with 11 hospitalized elderly. It was found that the discomfort during sleep and from the surrounding area of normal upset the elderly regarding territorial changes. With respect to changes in personal space and old habits were those related to lack of decisiveness and independence in the hospital and the distancing of people living routine. Emotional changes were mentioned most often those related to insomnia, poor appetite, irritability, nervousness, and wanted to cry. Keywords: elderly; nursing; routine alteration. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 26/11/2010 Avaliado em: 05/03/2011 Publicação: 1 de junho de 2012 9 10 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados 1. INTRODUÇÃO Na segunda metade do século XX, principalmente, as condições de vida da população brasileira passaram por uma sensível melhora. As taxas de mortalidade e natalidade caíram e os avanços da medicina e o desenvolvimento econômico proporcionaram às pessoas tratamentos que lhe permitiram conservar a saúde e viver mais. Diante disso, a população brasileira vem passando por um processo de envelhecimento e, conforme Falcão e Dias (2006), busca uma velhice mais saudável. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003, o Brasil conta com mais de 21 milhões de idosos, correspondendo a 12,36% da população (BRASIL, 2003). Habituada a tratar dos problemas de uma população predominantemente jovem, a política brasileira não estava preparada para enfrentar e resolver as questões relacionadas ao envelhecimento. Barbosa (2003) lembra que a palavra velhice é carregada de conotações negativas na sociedade brasileira, sendo associada ao que “está gasto, usado, que perdeu valor, que é imprestável ou pode ser descartado” (p. 9). A velhice é vista como uma etapa da vida onde predominam a decrepitude física, moral, afetiva e sexual, bem como a diminuição da capacidade cognitiva. A cultura brasileira associa a velhice à improdutividade, fazendo com que a pessoa, ao aposentar-se, tenha a sua auto-estima diminuída. Com base em estudos sobre o envelhecimento, os idosos procuram se afirmar diante da sociedade e de si mesmos, visando modificar este construto cultural, seja na formalização jurídica dos seus direitos, seja na reação a toda e qualquer forma de discriminação, procurando fazer com que a sociedade e o Estado invistam na produção de saberes sobre esta fase da vida, problematizando suas dificuldades e procurando dar-lhes uma solução (ARCURI; CORTE; MERCADANTE, 2006). A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que o envelhecimento apóiase em princípios de saúde, segurança e participação, exigindo do Estado o estabelecimento de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida das pessoas na Terceira Idade, de forma que esse contingente populacional possa ter, além uma participação ativa em todos os setores da vida, proteção contra qualquer tipo de violência e atendimento adequado em relação à sua saúde, principalmente na rede pública de hospitais (GDF, 2009). De acordo com o Conselho dos Direitos do Idoso do Distrito Federal (CDI/DF) a região conta com aproximadamente 177.000 idosos, representando 7,2% da população Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 11 distrital. As mulheres estão em maior número (52,4%) e os homens representam 47,6%. Os dados apresentados pelo CDI/DF são baseados nos números do Censo Demográfico de 2000, com projeção para 2007, divulgados pelo IBGE. Essa população idosa é considerada a mais escolarizada do mundo e possui a mais alta expectativa de vida do país, vivendo em média 75,3 anos (GDF, 2009). Legalmente, essa população conta com a proteção do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) que, em seus artigos 15, 16, 17 e 18, trata dos direitos referentes à saúde, que deve ser promovida pelo Sistema Único de Saúde de forma igualitária e universal, com especialistas nas áreas de Gerontologista e Geriatria, em ambulatórios e unidades de referência. Aos idosos que estiverem doentes e não puderem se locomover, fica assegurado o direito ao atendimento domiciliar, inclusive internação, seja em casa ou instituições onde estiverem abrigados. De acordo com o Estatuto (BRASIL, 2003), o idoso internado ou em observação em hospital, público ou particular, tem direito ao acompanhante e, uma vez que os órgãos competentes constatem maus tratos, estes devem ser comunicados à instância competente. Benefícios como medicamentos, próteses e órteses devem ser oferecidos gratuitamente aos idosos pelo Estado, e Planos de Saúde não podem cobrar valores diferenciados em função da idade, o que não é respeitado. Isso ocorre porque a empresa prevê que o idoso possa ter doenças crônicas e graves, que demandem tratamento contínuo, de custo elevado, podendo chegar a internações prolongadas. No Distrito Federal existe atendimento ao idoso somente em alguns hospitais: no Hospital Universitário de Brasília (HUB), que possui um Centro de Medicina do Idoso; no Hospital das Forças Armadas (HFA); Hospital São Vicente de Paulo, que atende casos de doenças mentais; e na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Nenhum desses hospitais, porém, pertence à rede pública, administrada pela Secretaria de Saúde Distrito Federal (GDF, 2009). No entanto, existe uma Política Distrital do Idoso, instituída pela Lei 3.822, de fevereiro de 2006 (GDF, 2006). No artigo 7°, inciso III, item “d”, está especificado que cabe ao governo “elaborar normas de serviços geriátricos hospitalares que incluam atendimento preferencial e garantam, no mínimo, 30% das vagas para idosos” (p. 2). Na observação cotidiana, percebe-se que essa política não foi implantada nos hospitais públicos do Distrito Federal. O idoso que se dirige aos hospitais não encontra essas vagas disponíveis, uma vez que sempre há superlotação e também não encontra serviços especializados à sua disposição. Tratado sem nenhuma distinção nos hospitais, o idoso tem a sua vida inteiramente modificada quanto precisa passar por um período de internação. Essas mudanças podem afetar sua vida para sempre. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 12 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados Os indivíduos desenvolvem afetos pelos ambientes onde transitam todos os dias, transformando esses espaços em territórios emocionais que se expressam em sentimentos, de acordo com estudos de Pinheiro e Bonfim (2009). Quando o indivíduo adoece e precisa ficar internado em um hospital, o abandono do ambiente ao qual está acostumado e onde desenvolve suas ações e sentimentos, ocorre de forma abrupta, rompendo com as rotinas que estruturam sua vida e lhe dão significado. O indivíduo domina o ambiente onde vive com seu corpo e sentimentos, mas o que acontece quando se é retirado desse ambiente de forma abrupta e surpreendente, e enviado para outro lugar, onde não se pode exercer o domínio habitual? No ambiente hospitalar, o indivíduo tem o poder mínimo de fazer escolhas, devendo se submeter aos tratamentos que foram prescritos pelos médicos e que são desenvolvidos por técnicos de enfermagem e enfermeiros. Além desses profissionais, o indivíduo pode contar com a ajuda do psicólogo para auxiliá-lo na superação do stress representado pelo tratamento (CARIONI FILHO, 2006). Os estudos indicam que as doenças crônicas nos idosos exigem acompanhamento contínuo e rigoroso e que, ainda assim, podem trazer consequências, como limitações e incapacidades permanentes. Kawasaki e Diogo (2005) apontam que a capacidade funcional é importante na vida de qualquer indivíduo, mas é maior ainda na vida do idoso, pois este quer manter a sua rotina de forma independente, realizando atividades básicas e diárias, como “banhar, vestir, higiene, cozinhar, arrumar a casa, cozinhar, telefonar, lavar a roupa, cuidar das finanças e tomar remédios” (p. 2). Essas atividades sofrem uma descontinuação quando o idoso é hospitalizado, ocasionando momentos de fragilidade psíquica e desequilíbrio emocional, visto que o ambiente hospitalar é considerado hostil. Quando se encontram no ambiente doméstico, os idosos desenvolvem adaptações para suprirem as perdas funcionais decorrentes do envelhecimento. Porém, no ambiente hospitalar, essas adaptações podem não funcionar ou não fazer sentido, levando os idosos a se acomodarem ao serem cuidados e fazendo com que as perdas funcionais se tornem contínuas ou irreversíveis, principalmente se a internação for prolongada (KAWASAKI; DIOGO, 2005). Geralmente, as equipes que atendem o idoso nos hospitais não são especializadas e por isso não levam algumas questões em consideração. Uma dessas questões refere-se à importância que o desenvolvimento das atividades da vida diária tem para o idoso, proporcionando-lhe o sentimento de que ainda é capaz de cuidar de si mesmo. Outra questão refere-se ao estado nutricional e psicológico desses pacientes idosos, pois não adianta tratar da doença que motivou a internação se esse mesmo paciente não está sendo Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 13 analisado de maneira holística, levando em consideração o seu componente fisiológico e psicológico (SILVESTRE, 2000). De acordo com estudos de Benincá, Fernandez e Grumann (2005), o idoso hospitalizado apresenta comportamentos de desorientação, agitação e dificuldade de se submeter ao tratamento, devido à perda da capacidade de adaptação e à vulnerabilidade das funções individuais, tornando-se queixoso e resistente ao tratamento. Fora do ambiente doméstico, doente e fragilizado, o paciente idoso apresenta-se no ambiente hospitalar como alguém que não tem defesas emocionais diante do drama da doença, internação e, muitas vezes, da desvalorização e do abandono familiar. Benincá, Fernandez e Grumann (2005) detectaram em seus estudos dois comportamentos diferenciados em pacientes idosos hospitalizados: existem aqueles para os quais o envelhecimento e a possibilidade da morte são uma realidade; eles reagem positivamente à presença dos profissionais de saúde, estabelecendo com todos relações permeadas por grande afetividade. Em contrapartida, existem aqueles que se apegam à vida e à rotina doméstica, não aceitando a internação e reagindo aos profissionais de saúde com rispidez e resistência ao tratamento. Quando a família não acompanha o tratamento, abandonando o paciente, a tendência é que ele apresente atitudes depressivas, dificultando ainda mais a reabilitação. Enquanto estão em casa, os idosos mantêm a visão de que ainda podem ser úteis, que a morte está distante. Porém, uma vez hospitalizados, essa proximidade da morte se evidencia, tornando-os muito frágeis diante de todas as emoções (BENINCÁ; FERNANDEZ; GRUMANN, 2005). Diante desses quadros, os profissionais de saúde precisam de muito preparo. O paciente que aceita a hospitalização costuma se apegar à equipe que o atende e aquele que resiste, geralmente, exige dos profissionais grandes doses de paciência. Em qualquer situação, entretanto, as equipes de saúde, em especial da área de enfermagem, precisam estar preparadas para lidar com o paciente idoso de forma carinhosa e atenta, mas com muito profissionalismo. Visto que a Enfermagem está mais próxima do paciente durante o processo de hospitalização, existe a necessidade que a mesma identifique quais as situações vivenciadas pelos idosos lhes causam desconforto, visando minimizar danos e contribuir na busca da qualidade da assistência e visão holística do paciente (PROCHET; SILVA, 2008a). Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 14 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados 2. OBJETIVO Verificar se a alteração da rotina durante o processo de hospitalização do idoso causa algum impacto emocional para este indivíduo. 3. MÉTODO 3.1. Amostra Foram entrevistados 11 idosos, sendo 72,7% do sexo feminino, faixa etária entre 60 e 86 anos, sendo a média de 68 anos (+/- 9,5 anos), hospitalizados na rede pública do Distrito Federal por, no mínimo, 48 horas, período em que já havia tido contato com o ambiente hospitalar e sido submetido ao atendimento da equipe de saúde. 3.2. Instrumento Essa pesquisa será encaminhada por meio de questionário semi-estruturado, composto por treze questões, sendo doze objetivas e uma (a última), subjetiva. As questões que compõem o instrumento foram divididas em quatro blocos, de acordo com o assunto abordado: identificação, nível de informação sobre a doença, mudanças no espaço territorial, pessoal e antigos hábitos de vida e mudanças no estado emocional. 3.3. Procedimento O instrumento foi entregue à amostra juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Nesse momento, foram explicados o objetivo do questionário e as questões éticas que envolvem a pesquisa, como a preservação da identidade e o não repasse dos dados à imprensa ou órgão do governo. Após consentimento e assinatura do termo, a amostra teve trinta minutos para responder o instrumento, permanecendo a pesquisadora ao lado, caso surgisse qualquer dúvida, ou ainda, a mesma leu e marcou/transcreveu as respostas em caso de pacientes impossibilitados de fazê-los (analfabetos e semi-analfabetos). Ressaltamos ainda que essa pesquisa está de acordo com a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (1996), que trata das diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisa com seres humanos, não oferecendo riscos aos sujeitos da pesquisa e respeitando a autonomia dos mesmos. Tal estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisas em Saúde (CEP-FEPECS) no dia 24 de Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 15 setembro de 2010, quando recebeu o protocolo de pesquisa 375/10A. O referido CEP se manifestou favorável à realização deste estudo no dia 04 de outubro de 2010. 3.4. Tratamento analítico Após a coleta de dados, os questionários foram avaliados e foi feita a análise estatística, com o uso do software Statistical Package for the Social Sciences 12.0 (SPSS) e analisado pelo método de frequência. Com relação à questão subjetiva, foram elencadas duas respostas que expressavam a realidade da totalidade da amostra e confrontadas com o que literatura atualizada nos oferece. 4. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS Visto que os idosos passaram a ser uma clientela cada vez mais frequente nos hospitais e o período de hospitalização dos mesmos costuma ser longo, fazendo com que os idosos se distanciem da sua rotina habitual, urge a necessidade de se verificar se esse distanciamento causa impactos psicológicos nesses pacientes. Com relação ao estado civil, 36,4% são casados, 27,3% tem união estável, 18,2% são solteiros e 18,2% são viúvos. Quanto ao motivo da internação, 36,4% das hospitalizações se deram por doenças respiratórias, 18,2% por neoplasias, 18,2% não souberam informar, 9,1% por doenças gastrointestinais, 9,1% por doenças renais e 9,1% por outras causas. Conforme pesquisas de Nunes (2004, apud GAINO; LEANDRO-MERHI; OLIVEIRA, 2007), as doenças que mais levam os idosos à internação são aquelas de caráter crônico, predominando a insuficiência cardíaca e as doenças pulmonares, que se revezam como primeira e segunda causas. O Acidente Vascular Cerebral (AVC), enteroinfecções, desidratação, anemias, desnutrição, crises hipertensivas e fraturas diversas também foram apontadas. Ainda que apresente algumas divergências, o estudo citado vai de encontro com o presente. Levando em conta o tempo de internação, 36,4% dos idosos estavam internados há mais de 45 dias, 27,3% entre 30 e 45 dias, 9,1% entre 15 e 30 dias e 27,3% menos de 15 dias. Com relação à presença do acompanhante, 63,6% dos idosos possuía acompanhante e os outros 36,4% não possuía. Dos que estavam com acompanhante, Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 16 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados 42,8% eram os filhos que acompanhavam, 42,8% eram outros familiares e 14,2% eram os esposos (as). Desses acompanhantes, 57,1% eram do sexo feminino. Quando de sua internação, o paciente idoso tem direito ao acompanhante, de acordo com o artigo 16 do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003). A presença de um membro da família acompanhando o idoso é de extrema importância, pois é a oportunidade que a equipe de enfermagem tem de transformar o cuidador leigo em parceiro e promover educação em saúde, criando um momento de interação entre família, paciente e equipe, lembrando-se sempre que essa interação não caracteriza delegação de responsabilidades ou complementação de recursos humanos, e sim uma parceria (SHIER, 1997, apud PENA; DIOGO, 2005) Geralmente, são as mulheres que cuidam dos parentes idosos, principalmente as mais velhas ou aquelas que não trabalham fora. Esses cuidados exigem das famílias tanto o suporte financeiro quanto o suporte emocional. Cuidar de um idoso doente é uma responsabilidade enorme, e o sistema de saúde precisaria preparar redes de apoio a estes familiares, orientando quanto ao tratamento do paciente e oferecendo suporte psicológico para vencer as dificuldades, conforme afirmam Bazzo e Maciel (2007). Quando foram questionados sobre como as informações sobre o seu estado de saúde e os procedimentos realizados estavam sendo transmitidas, 18,2% dos pacientes considerou péssima, pois não recebia as informações; 45,5% considerou ruim, pois não entendia as informações; 18,2% considerou boa, pois recebia todas as informações e 18,2% considerou ótima, pois entendia todas as informações. É importante ressaltar que 50% dos pacientes que considerou que estava recebendo e entendendo as informações de forma ótima, não soube informar o motivo da internação. Isso nos remete a um estudo de Rocha (1986, apud PROCHET; SILVA, 2008b), que, avaliando a qualidade da assistência prestada tomando por base a opinião dos pacientes de um hospital universitário, chegou à conclusão que, apesar de grande parte da amostra se dizer satisfeita com a assistência recebida, 20 a 30% não sabiam referir seu problema de saúde. Bazzo e Maciel (2007), afirmam que, talvez, por considerarem que a doença é um aspecto muito técnico, a equipe de saúde não a explica ao paciente, fazendo com que o tratamento não seja feito adequadamente. Mesmo durante as internações, essas orientações devem ser dadas, e o paciente, juntamente com seu acompanhante, precisa entendê-las para que os mesmos se sintam co-responsáveis pelo tratamento. Essa troca de informações entre a equipe, o parente que cuida e o próprio paciente facilita o tratamento e melhora as relações no ambiente hospitalar, proporcionando melhores resultados. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 17 Com relação à forma como os profissionais de saúde se dirigiam a amostra, 90,9% desta referiu que os profissionais lhe tratavam pelo nome sempre e 9,1% afirmou que, às vezes, a equipe de enfermagem não lhe chamava pelo nome. É importante ressaltar que, assim como afirma Carioni Filho (2006), o ambiente hospitalar favorece a despersonalização do indivíduo, pois as regras impostas e a necessidade de se enquadrar naquela realidade deterioram lentamente a sua identidade e individualidade, fazendo com que, muitas vezes, o paciente se torne um prontuário, um diagnóstico ou um número de leito, o que pode vir a dificultar a reabilitação do mesmo por lhe trazer problemas de cunho psicológico. A Tabela a seguir ilustra quais foram as mudanças no espaço territorial que mais incomodaram os idosos. Tabela 1. Mudanças no Espaço Territorial. Alterações Percentual A enfermagem troca as minhas coisas de lugar 9,1% Dormir com luzes ligadas 36,4% Não ter um quarto só meu 45,5% Dormir com pessoas se mexendo e conversando 54,6% Não estar na minha cama, com minhas cobertas. 90,9% Observa-se que grande parte da amostra refere que incomoda o fato de estarem distante do lar, revelando apego à sua casa em sua totalidade, pois esse era o seu antigo ambiente de domínio habitual. O ser humano estabelece relações materiais e psicológicas com o ambiente onde vive, relações essas que transformam o espaço físico em espaço significativo e de representação para o indivíduo, onde se desenvolvem todas as suas experiências políticas, sociais e culturais. Também é no espaço físico que os indivíduos interagem e constroem a sua subjetividade. Pinheiro e Bomfim (2009) consideram que o ambiente tem um impacto emocional sobre o indivíduo e quando ele precisa abandoná-lo por alguma razão, isso pode afetar diversos aspectos da sua vida. Outro ponto bastante citado se refere ao incômodo causado durante o sono. Isso nos remete a um estudo desenvolvido por Southwell e Wistow (1995, apud PROCHET; SILVA, 2008a), que nos revela que o barulho provocado pela equipe de enfermagem quando atende o cliente ao lado, os ruídos provocados pelos outros clientes, as conversas entre o pessoal da enfermagem e as luzes acesas incomodam bastante os pacientes durante o sono. Os autores enfatizam a importância do repouso ao paciente hospitalizado Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 18 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados e que os enfermeiros precisam estar conscientes disso, causando um mínimo de interrupções. A Tabela 2 elenca quais as mudanças com relação ao espaço pessoal, que, segundo Prochet e Silva (2008b), representam o quanto o nosso corpo pode suportar a proximidade de alguém, e as alterações com relação aos hábitos de rotina que os idosos mantinham antes da hospitalização. Tabela 2. Mudanças no Espaço Pessoal e com Relação aos Hábitos Antigos. Alterações Percentual Não fazer as coisas no horário que estava acostumado 36,4%% Não escolher a minha alimentação 72,8% Não saber a razão dos cuidados que recebo 18,2% Realizar procedimentos em lugares íntimos na frente dos outros 45,5% Trocar de roupa na frente de outras pessoas 9,1% Não ter relações sexuais 45,5% Ter me afastado dos amigos e familiares 100% Ter perdido minha independência 81,9% Não poder ver TV 18,2% Observou-se que a totalidade da amostra sente a falta da companhia dos amigos e familiares. Pode-se suprir um pouco dessa carência com o auxílio do acompanhante. A importância do acompanhante é reforçada por diversos autores, pois os mesmos percebem que a internação hospitalar distancia o idoso do seu ambiente de convívio e das pessoas que o cercam, sendo o acompanhante um elo com a antiga rotina e estilo de vida (PENA; DIOGO, 2005). É possível verificar que os idosos se sentem incomodados com o fato de não poderem realizar as atividades e escolhas rotineiras, como o que comer, por exemplo. É preciso se atentar a isso, pois se torna cada vez mais comum os quadros de desnutrição entre idosos hospitalizados (GAINO; LEANDRO-MERHI; OLIVEIRA, 2007). É importante que, dentro do possível, respeitando as prescrições médicas, a dieta do paciente seja adaptada de acordo com o que ele mais gosta de comer, tentando, assim, preservar o estado nutricional do mesmo. Com relação às questões que revelam invasão da privacidade e intimidade do cliente, é importante citar o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem que em seu artigo 19 cita como dever e responsabilidade “respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano” (COFEN, 2007, p. 7). Entende-se que as peculiaridades do trabalho da enfermagem acabam por causar essa exposição do cliente em atividades corriqueiras como banho, troca de fraldas, Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 19 passagem de sondas vesicais, entre outros. Entretanto, conforme afirma Prochet e Silva (2008b), há a necessidade de resguardar os direitos de cliente, proporcionando o mínimo possível de exposição do mesmo e minimizando as reações adversas causadas por essas exposições. É importante ressaltar que, apesar da nítida diminuição da atividade sexual com o avanço da idade, há pessoas que se mantêm ativas até idades avançadas, e que para os idosos isso pode se traduzir em angústias, sendo que “para o homem é desejar sem ter como concretizar o seu desejo, e para a mulher, a quem a cultura interdita a possibilidade de desejo, envelhecer sem sequer ser desejada” (CARVALHO FILHO; PAPÁLEO NETO, 2000, p. 63). A sociedade ocidental valoriza excessivamente a capacidade de produção do indivíduo e considera que o idoso não tem mais essa capacidade, retirando do mesmo o seu significado e importância social (CARVALHO FILHO; PAPÁLEO NETO, 2000). Perceber-se com saúde constitui uma das maiores satisfações da vida do idoso, pois significa manter a independência funcional e a liberdade diante da família, tendo consciência de que precisa dela enquanto ser humano, mas que não precisa tomar o tempo dos parentes com internações prolongadas que alterem suas rotinas e nem que altere o seu próprio modo de vida. Por isso, Silvestre (2000) considera fundamental que o sistema de saúde volte-se para o equacionamento dessa questão e trate o idoso como um ser global, procurando mantê-lo em atividade, o que poderá evitar constantes internações, que só pioram a sua vida emocional. A Tabela 3 expõe quais foram as mudanças no estado emocional percebidas pelos próprios pacientes idosos. Tabela 3. Mudanças no Estado Emocional. Alterações Percentual Senti-me incomodado com coisas que antes não me incomodavam 36,4% Falta de apetite 45,5% Vontade de chorar 54,6% Irritabilidade e nervosismo 72,8% Sensação de que os esforços não darão em nada 36,4% Não tive um sono tranquilo 63,7% Senti-me sozinho e falei menos que o habitual 36,4% Gaino, Leandro-Merhi e Oliveira (2007) afirmam que a maioria dos pacientes idosos hospitalizados apresenta estado nutricional inadequado, sendo as mudanças alimentares, a troca de hábitos e horários da alimentação, os fatores que mais interferem na instalação desse quadro. Reforçam ainda que pacientes desnutridos requerem Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 20 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados hospitalizações mais longas, terapêuticas mais complexas e estão mais suscetíveis à infecções. Assim como no presente estudo, grande parte da amostra referiu as alterações dos hábitos alimentares como um incômodo, referindo também falta de apetite, o que pode levar esses idosos a uma piora do estado nutricional, com consequente piora do estado de saúde e internações mais prolongadas, afastando-os ainda mais da rotina e hábitos pré-hospitalares. Apesar de saber que existem diferenças entre tristeza e um quadro de depressão, sendo a segunda um conjunto de sinais e sintomas onde a primeira é somente um destes (CARVALHO FILHO; PAPÁLEO NETO, 2000), é importante estar atento a esse sintoma. Gazalle et al. (2004), nos lembram que a depressão em idosos tem as suas peculiaridades, onde os sintomas afetivos, em grande parte dos casos, são substituídos por outros, como por exemplo, diminuição do sono, perda de prazer nas atividades habituais, perda da energia e ruminações sobre o passado. Em diversos momentos, os idosos se demonstram irritados, rebeldes, ansiosos e confusos, resultando em desorientação e não aceitação do tratamento. A equipe de Enfermagem deve estar atenta ao que esse tipo de comportamento revela, pois os pacientes idosos tendem a reagir dessa forma como uma válvula de escape para a tensão de estarem em ambiente desconhecido, sendo cuidado por estranhos, em um momento que os fragiliza emocionalmente, devido á doença (PROCHET; SILVA, 2008a). Com relação à auto percepção de alguma alteração emocional desde que estava hospitalizado, toda a amostra revelou que se sentia mais triste, sendo os principais motivos a distância do lar, dos amigos e familiares e fato de não poder “cuidar das próprias coisas”, diminuindo, assim, a sua independência. Um dos indivíduos respondeu que inicialmente estava mais triste, mas que agora já havia se acostumado, “porque é assim mesmo, é o jeito... a gente tem que se acostumar com todas as coisas, porque é o que a gente tem... eu só rezo pra voltar pra minha casa e cuidar das minhas coisas”. Esse comentário nos remete ao estudo de Traverso-Yépez e Morais (2004), realizado com usuários do SUS no estado do Rio Grande do Norte, que encontraram expressões de conformismo e passividade com relação ao serviço oferecido, não se sentindo capazes de modificar essa realidade e não entendendo tal serviço como um direito e sim como um favor. Dois dos relatos compararam a hospitalização a uma prisão: “eu tô é muito triste aqui, parece que eu tô presa...” e “(...) tô me sentindo em uma prisão”. Pode parecer exagero, mas não devia nos admirar essa comparação, pois nos dois ambientes há normas Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 Misael Rabelo de Martins Custódio, Nadyelle Noberto Soares 21 determinadas e a necessidade de se enquadrar rapidamente nas mesmas, e quando isso não ocorre, há uma repreensão por parte dos integrantes da instituição. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo verificou-se que alterações com relação ao ambiente que mais incomodam os idosos são aquelas relacionadas ao incômodo durante o sono e com relação ao distanciamento do ambiente de domínio habitual, representado aqui pela própria casa. Com relação às alterações no espaço pessoal e antigos hábitos, foram àquelas relacionadas ao falta de poder de decisão e de independência no ambiente hospitalar e distanciamento das pessoas do convívio rotineiro. As alterações emocionais mais mencionadas foram aquelas que dizem respeito à insônia, falta de apetite, irritabilidade e nervosismo e vontade de chorar. Toda a amostra alegou se sentir entristecida, sendo os principais motivos a distância do lar e dos familiares e amigos e a perda da independência, de um modo geral, percebendo assim que a distância da rotina e ambiente habituais que a hospitalização causa, impacta emocionalmente esse indivíduo. A população idosa tem estado cada vez mais presente nos hospitais, sendo essas hospitalizações geralmente mais demoradas que as demais. Daí percebe-se a necessidade de trabalhar com as especificidades dessa população, tentando promover um atendimento que consiga suprir todas as necessidades dessa clientela. Deve-se reforçar a necessidade da equipe multidisciplinar e interdisciplinar para promover um cuidado sistematizado a esse paciente idoso e fazer com que os períodos de internação sejam reduzidos ao mínimo de tempo necessário à reabilitação, tendo uma prática centrada na pessoa e não na doença e tornar esse idoso um sujeito da sua saúde, como participante ativo no controle da mesma. Ciente de que a equipe de enfermagem é aquela que estabelece um contato maior e constante com o cliente, há a necessidade de elaborar formas de avaliar o paciente idoso no que diz respeito a essas alterações emocionais que se relacionam com o processo de hospitalização. REFERÊNCIAS ARCURI, Irene Gaeta; CÔRTE, Beltrina; MERCADANTE, Elisabeth Frohlich (Orgs.). Envelhecimento e velhice: um guia para a vida. São Paulo: Vetor, 2006. BARBOSA, Maria José Somerlate (Org.). Passo e compasso: nos ritmos do envelhecer. Porto Alegre: IDIPUCRS, 2003. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23 22 Impactos emocionais da alteração da rotina em idosos hospitalizados BAZZO, Briana Scartom; MACIEL, Nicole Orosco. Cuidando do cuidador: assistência de enfermagem ao familiar do idoso hospitalizado. Florianópolis: UFSC, 2007. Disponível em: <http://www.bibliomed.ccs.ufsc.br/ENF0464.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2010. BRASIL. Censo Demográfico 2000 - Resultados do universo Censo Demográfico 2000: resultados do universo. Brasília: IBGE, 2003. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/tabelabrasil111.shtm>. Acesso em: 15 set. 2010. ______. Estatuto do Idoso, Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003. Brasília: Presidência da República/Casa Civil/Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 15 mar. 2010. CARIONI FILHO, Ernani. 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Pósgraduação (Lato Sensu) em Fisiologia e Cinesiologia da Atividade Física e Saúde pela Universidade Gama Filho UGF (2004). Pósgraduação (Lato Sensu) em Fisiologia do Exercício pela Universidade Veiga de Almeida UVA (2004), Pós-graduação (Lato Sensu) em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Ciência, Educação e Teologia Equipe Darwin FACETED (2007). Especialização em Medicina Tradicional Chinesa pelo Instituto TAO de Medicina Tradicional Chinesa TAO (2003). Mestrado (Stricto Sensu) em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília UCB (2007). Doutorando (Stricto Sensu) em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília UCB (2007). Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 21, Ano 2011 p. 9-23