GOVERNANÇA DA ÁGUA E CONFLITOS AMBIENTAIS NO CHILE Samíra Iasbeck de Oliveira Soares Pedro Roberto Jacobi Gerardo Azocar Garcia Esse é um conflito de dimensões complexa e indetermináveis. Puderam-se ver algumas faces do problema, alguns aspectos e algumas interferências. Envolve desde a gestão de recursos hídricos, a outorga de direito de uso, o sistema de avaliação de impacto ambiental, planejamento territorial, internalização de custos ambientais até a forma pela qual o país organiza seus órgãos e instituições. Sem mencionar a sua história, sua opção política e formalismo jurídico. A própria análise técnica do funcionamento da hidrelétrica situa em um nível tão especializado que dificulta a compreensão dos leigos no assunto. Enfrentar problemas dessa ordem, entretanto, não é novidade na sociedade contemporânea; as questões ambientais via de regra são complexas, multifacetadas e de difícil manejo. Porém, as inundações em Hualqui demonstraram haver outras questões paralelas que limitam a ação dos cidadãos no manejo do conflito. A adoção da economia ultraliberal, a política centralizadora, a não tradição da participação cidadã na gestão pública estão refletidas no ordenamento jurídico chileno. A economia ultraliberal só é possível com a adoção de “permisos” perpétuos, direito de uso de água como direito de propriedade, dentre outros instrumentos jurídicos que fornecem a segurança necessária para o funcionamento do mercado. A política centralizadora influencia na constituição dos órgãos da CONAMA, deixando que outros setores façam parte apenas do conselho consultivo que, como tal, possui pouca influência nas tomadas de decisões. Nesse contexto, a cidadania não dispõe de muitas vias ou ferramentas para enfrentar esses conflitos que, geralmente, se traduzem em elevados custos sociais e econômicos para a população. O marco legal, na prática, não oferece garantias reais para o exercício de direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e também com seu excesso de formalismo não proporciona alternativas para uma adequada resolução, favorecendo a negociação ou outros métodos de resolução de disputas. Talvez com o tempo e abertura legal para a arbitragem nas alterações do Código de Águas se modifiquem e flexibilizam mais o ordenamento jurídico e a aceitação de novas formas, mais eficazes para o tratamento desses conflitos. Atualmente, todavia, existe além do contexto socioeconômico e político, uma série de normas que unidas e analisadas em conjunto impedem ou limitam fortemente o exercício dos direitos dos cidadãos, quando da emergência de conflitos ambientais dentro da gestão de recursos hídricos. A desigual relação entre os atores envolvidos, tanto no plano político como econômico, e a ausência de mecanismos jurídicos ou políticos que equilibrem essa situação fazem aumentar os custos ambientais de grandes empreendimentos públicos e/ou privados, como a construção de casas populares em áreas de risco, que geralmente são assumidos e internalizados pela comunidade local. ______________________ Soares, Samíra Iasbeck de Oliveira; Jacobi, Pedro Roberto; Garcia, Gerardo Azocar: Governança da água e conflitos ambientais no Chile. In: Rei, Fernando; Cibim, Julian Cassano; Rosina, Mônica Guise; Nasser, Salem Hikmat (coord.). Direito e desenvolvimento: uma abordagem sustentável. São Paulo: Saraiva, 2013, p.92-122.