A miopia da análise de empresas apenas por múltiplos

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A miopia da análise de empresas apenas por
múltiplos
A literatura financeira está repleta de regras de bolso para a avaliação de
empresas. Muito se fala sobre o múltiplo preço/lucro, sem que o investidor
típico tenha um bom entendimento sobre o uso dessa ferramenta.
Todos os dias recebo relatórios de corretoras em que instrumentos de
avaliação são usados como justificativas para mudança de recomendação
para uma ação - seja de compra, seja de venda.
Percebo em alguns desses relatórios que a falta de conhecimento sobre a
contabilidade do negócio e seu fluxo de caixa tornam o uso dessas
ferramentas inútil. Isso porque essas análises partem de uma base de
resultado inadequada para a utilização de múltiplos.
O que significa preço/lucro? Essa relação nada mais é que o número de anos
de lucro que o investidores está disposto a "pagar" pelo ativo. Inversamente
(lucro/preço), trata-se da taxa de retorno que o investidor vai receber no
primeiro ano de aplicação.
Isso quer dizer que uma empresa comprada por múltiplo preço/lucro de 10x
traria retorno de 10% ao investidor no primeiro ano. Se o lucro dessa
empresa permanecesse estável no tempo, poderia -se assumir que o retorno
seria em torno de 10% ao ano.
Adicionando crescimento de lucro à equação, seria razoável dizer que um
investidor estaria disposto a pagar um múltiplo preço/lucro maior no
primeiro ano. Isso significa obter taxa de retorno menor, em troca de um
crescimento de lucro no futuro. O preço/lucro seria menor nos anos
seguintes, com retorno anual maior para o investidor.
Há também a questão do lucro contábil versus lucro econômico. A
contabilidade carrega vários fatores que podem criar distorções entre o lucro
contábil e seu lucro econômico. Daí a importância de entender as
especificidades dos setores.
No caso de uma indústria com investimentos iniciais pesados e
investimentos de manutenção relativamente pequenos, a depreciação estará
subestimando o lucro econômico ou seu fluxo de caixa.
Quais são as implicações práticas? A depreciação mais acelerada dos ativos
teria como efeito um fluxo de caixa maior. Isso possibilitaria um pagamento
menor de impostos sobre o lucro, trazendo maior capacidade de
investimentos para a empresa. Acreditamos que esse tipo de empresa seria
melhor avaliada usando o método de fluxo de caixa descontado e que a
análise de múltiplos necessitaria de alguns ajustes.
O principal deles seria um ajuste que a literatura "buffettiana" (alusão ao
investidor americano Warren Buffett) chama de "lucro do dono", ou seja, o
lucro que sobra para o dono da empresa após os investimentos de
manutenção do negócio.
Esse lucro é calculado da seguinte forma: lucro do dono = lucro reportado
(+) depreciação (-) investimento de manutenção. Tais ajustes permitiriam
uma visão mais clara da rentabilidade real do negócio e da decisão a ser
tomada pela administração da empresa: distribuir o lucro do dono ou
reinvesti-lo no negócio.
Há vários cenários possíveis:
1) uma empresa que não necessita de investimentos e tem como única
alternativa racional a distribuição desses recursos aos acionistas
2) uma empresa que, em fase de forte crescimento rentável, necessita
elevar sua geração de caixa para ampliar sua capacidade de reinvestir no
seu negócio
3) uma empresa em um setor em constante mudança e com necessidade
significativa de novos investimentos simplesmente para a continuação do
negócio.
Não há necessidade de dizer que o terceiro caso deveria ser evitado, já que
o cálculo do "lucro do dono" e do preço/lucro teria pouca relevância para o
resultado. Parte relevante desse lucro seria simplesmente reinvestido na
manutenção do negócio.
De outro lado, temos a empresa no caso dois, cujo "lucro do dono" pode ser,
em alguns casos, reinvestido no crescimento do negócio à taxas de retorno
atraentes. Isso pode resultar em significativo crescimento de lucros e
aumento do retorno para o dono/acionista.
Vale notar que, sob a análise tradicional de múltiplos, ambas as empresas
seriam consideradas atrativas a múltiplos similares. Por isso, é fácil concluir
que a análise simplista de preço/lucro pode ser muito falha. Isso mesmo em
casos em que o múltiplo de compra é baixo a ponto de permitir margem de
erro.
Fonte: Valor Econômico
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