A miopia da análise de empresas apenas por múltiplos

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25/01/2010 ­ 00:00
A miopia da análise de empresas apenas por múltiplos
Por Rodrigo Magela
A literatura financeira está repleta de regras de bolso para a avaliação de empresas. Muito se fala sobre o múltiplo
preço/lucro, sem que o investidor típico tenha um bom entendimento sobre o uso dessa ferramenta.
Todos os dias recebo relatórios de corretoras em que instrumentos de avaliação são usados como justificativas para
mudança de recomendação para uma ação ­ seja de compra, seja de venda.
Percebo em alguns desses relatórios que a falta de conhecimento sobre a contabilidade do negócio e seu fluxo de caixa
tornam o uso dessas ferramentas inútil. Isso porque essas análises partem de uma base de resultado inadequada para a
utilização de múltiplos.
O que significa preço/lucro? Essa relação nada mais é que o número de anos de lucro que o investidores está disposto a
"pagar" pelo ativo. Inversamente (lucro/preço), trata­se da taxa de retorno que o investidor vai receber no primeiro ano de
aplicação.
Isso quer dizer que uma empresa comprada por múltiplo preço/lucro de 10x traria retorno de 10% ao investidor no
primeiro ano. Se o lucro dessa empresa permanecesse estável no tempo, poderia ­se assumir que o retorno seria em torno
de 10% ao ano.
Adicionando crescimento de lucro à equação, seria razoável dizer que um investidor estaria disposto a pagar um múltiplo
preço/lucro maior no primeiro ano. Isso significa obter taxa de retorno menor, em troca de um crescimento de lucro no
futuro. O preço/lucro seria menor nos anos seguintes, com retorno anual maior para o investidor.
Há também a questão do lucro contábil versus lucro econômico. A contabilidade carrega vários fatores que podem criar
distorções entre o lucro contábil e seu lucro econômico. Daí a importância de entender as especificidades dos setores.
No caso de uma indústria com investimentos iniciais pesados e investimentos de manutenção relativamente pequenos, a
depreciação estará subestimando o lucro econômico ou seu fluxo de caixa.
Quais são as implicações práticas? A depreciação mais acelerada dos ativos teria como efeito um fluxo de caixa maior.
Isso possibilitaria um pagamento menor de impostos sobre o lucro, trazendo maior capacidade de investimentos para a
empresa. Acreditamos que esse tipo de empresa seria melhor avaliada usando o método de fluxo de caixa descontado e
que a análise de múltiplos necessitaria de alguns ajustes.
O principal deles seria um ajuste que a literatura "buffettiana" (alusão ao investidor americano Warren Buffett) chama de
"lucro do dono", ou seja, o lucro que sobra para o dono da empresa após os investimentos de manutenção do negócio.
Esse lucro é calculado da seguinte forma: lucro do dono = lucro reportado (+) depreciação (­) investimento de
manutenção. Tais ajustes permitiriam uma visão mais clara da rentabilidade real do negócio e da decisão a ser tomada
pela administração da empresa: distribuir o lucro do dono ou reinvesti­lo no negócio.
Há vários cenários possíveis:
1) uma empresa que não necessita de investimentos e tem como única alternativa racional a distribuição desses recursos
aos acionistas
2) uma empresa que, em fase de forte crescimento rentável, necessita elevar sua geração de caixa para ampliar sua
capacidade de reinvestir no seu negócio
3) uma empresa em um setor em constante mudança e com necessidade significativa de novos investimentos
simplesmente para a continuação do negócio.
Não há necessidade de dizer que o terceiro caso deveria ser evitado, já que o cálculo do "lucro do dono" e do preço/lucro
teria pouca relevância para o resultado. Parte relevante desse lucro seria simplesmente reinvestido na manutenção do
negócio.
De outro lado, temos a empresa no caso dois, cujo "lucro do dono" pode ser, em alguns casos, reinvestido no crescimento
do negócio à taxas de retorno atraentes. Isso pode resultar em significativo crescimento de lucros e aumento do retorno
para o dono/acionista.
Vale notar que, sob a análise tradicional de múltiplos, ambas as empresas seriam consideradas atrativas a múltiplos
similares. Por isso, é fácil concluir que a análise simplista de preço/lucro pode ser muito falha. Isso mesmo em casos em
que o múltiplo de compra é baixo a ponto de permitir margem de erro.
Rodrigo Magelaé sócio da Oceana Investimentos
E­mail magela@oceana investimentos.com.br
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e
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