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Ano I – Número 1 – Agosto de 2014
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FICHA CATALOGRÁFICA
Revista Interfaces da Saúde/ Faculdade do Vale do Jaguaribe, v.1, n.1 (jan. a jul.) –
Aracati, Ceará: Faculdade do Vale do Jaguaribe, 2014
Semestral
1. Saúde – Periódico. Título
Sumário
Revisão Sistemática sobre Prevalência de Toxoplasmose em Gestantes Adolescentes...08
Fabianne Ferreira Costa Róseo
Envelhecer com Saúde: o desafio do cuidar humanizado.................................................20
Liz Coe Gurgel Lima Pinto
Fabianne Ferreira Costa Róseo
A Arte de Contar Histórias: uma estratégia para humanização na saúde......................30
Emerson de Oliveira Gomes
Ricardo Lima dos Santos
Elane da Silva Barbosa
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e Funções
Executivas: uma revisão teórica...........................................................................................39
Ronaldo da Silva Oliveira
Protagonizando a Enfermagem: uma reflexão para entendê-la.......................................52
Acy Holanda Mota
A Aprendizagem sobre a Condição Humana para os Profissionais de Saúde em o
Pequeno Príncipe...................................................................................................................57
Elane da Silva Barbosa
Ailton Siqueira de Sousa Fonseca
Camila de Araújo Carrilho
Jocasta Maria de Oliveira Morais
Artigos
|8
Revisão Sistemática sobre Prevalência de Toxoplasmose em Gestantes Adolescentes
Systematic Review about Prevalence of Toxoplasmosis in Pregnant Adolescents
Fabianne Ferreira Costa Róseo1. Mestre em Saúde Coletiva. Professora da Faculdade do
Vale do Jaguaribe – FVJ. E-mail: [email protected]
RESUMO
O artigo objetiva realizar uma revisão sistemática de estudos de prevalência para
toxoplasmose em gestantes adolescentes. Desenvolveu-se buscas nas bases de dados
eletrônicas MEDLINE, SCIELO, LILACS, de 1988 a 2009. Identificaram-se onze estudos,
destes, três realizados no Brasil e oito em países europeus. A prevalência de toxoplasmose
em gestantes adolescentes apresentou variações entre os países ou dentro de um mesmo
país. Cinco estudos especificaram a prevalência entre as gestantes adolescentes, variando
entre 8,5 e 67,2%. A maior (91%) taxa bruta de prevalência de positividade de anticorpos
IgG para toxoplasmose foi observada no Brasil. A soroprevalência aumenta com a idade,
observada em cinco estudos, mas evidenciou um risco elevado de ocorrência de
toxoplasmose entre as gestantes suscetíveis mais jovens. Conclui-se que há um crescente
interesse em pesquisas sobre a prevalência de toxoplasmose em gestantes, no Brasil e em
outros países, mas são necessários estudos específicos que contribuam para melhor
delinear o problema, em especial, em relação às gestantes adolescentes.
Palavras-chave: Gravidez na Adolescência; Estudos Transversais; Toxoplasmose;
Prevalência; Revisão Sistemática.
ABSTRACT
The article aims to conduct a systematic review of studies of prevalence for toxoplasmosis
in pregnant adolescents. Searches in the MEDLINE, SciELO, LILACS electronic
databases from 1988 to 2009 were developed. Eleven studies were identified, from these,
three were conducted in Brazil and eight in European countries. The prevalence of
toxoplasmosis in pregnant adolescents showed variations among the countries or within a
single country. Five studies specified prevalence among the pregnant adolescents, varying
between 8.5% and 67.2 %. The highest (91%) gross tax of prevalence of positivity of IgG
antibodies for toxoplasmosis was observed in Brazil. The serum prevalence increases with
age, observed in five studies, but evidenced an elevated risk of occurrence of
toxoplasmosis among the youngest susceptible pregnant adolescents. It is concluded that
there is an increasing interest in researches about the prevalence of toxoplasmosis in
pregnant women, in Brazil and other countries, but specific studies that contribute to better
delineate the problem, specially related to pregnant adolescents, are necessary.
Keywords: Pregnancy in Adolescence; Cross-sectional Studies; Toxoplasmosis;
Prevalence; Systematic Review.
INTRODUÇÃO
A toxoplasmose é uma infecção parasitária sistêmica causada por protozoário, o
Toxoplasma gondii (LOPEZ et al., 2000). A infecção assintomática por toxoplasmose se
1
Autora correspondente. Artigo recebido em 05 de abril de 2014. Aprovado em 04 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
9| FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
caracteriza por dois estágios: agudo (recentemente adquirido) e crônico (latente)
(LIESENFELD, 2005). A infecção assintomática aguda pode ocorrer durante a gravidez e
assume fundamental importância, pela possibilidade da transmissão vertical, podendo
ocasionar manifestações de diferentes graus no feto, chegando a casos fatais, dependendo
da idade fetal (BRASIL, 2008). A doença toxoplasmose caracteriza-se por suas
manifestações clínicas e patológicas (COUTINHO; VERGARA, 2005) no feto ou no
recém-nascido e sua severidade é inversamente proporcional à idade gestacional de
ocorrência da transmissão transplacentária da infecção (PAHO; WHO, 2008). Achados
mais comuns dessa doença são prematuridade, baixo peso, coriorretinite, pós-termo,
estrabismo, icterícia e hepatomegalia (BRASIL, 2005).
A Organização Mundial da Saúde (PAHO; WHO, 2008) estimou, em 2008, que um
terço da população mundial esteja infectado por Toxoplasma gondii em sua forma crônica.
Alguns autores demonstraram diferentes proporções de soropositividade de toxoplasmose
em gestantes, na Coréia (3,7%) (HAN et al., 2008), na China (10,6%) (LIU et al., 2009), na
Eslovênia (34%) (LOGAR et al., 2002), na Albânia (48,6%) (MAGGI et al., 2009),
chegando a atingir 75,2% na República Democrática de São Tomé e Príncipe (HUNG et
al., 2007), enquanto no Brasil a maior prevalência relatada foi de 91%, em um estudo
transversal realizado com gestantes do estado do Mato Grosso do Sul (FIGUEIRÓ-FILHO
et al., 2007).
Na França, a sorologia para toxoplasmose é obrigatória no acompanhamento de
gestantes suscetíveis, no mínimo sete sorologias mensais durante o pré-natal com
orientação simultânea sobre medidas preventivas (GÁRCIA-MERIC, et al., 2009;
WALLON, 2002).
Enquanto, no Brasil, as diretrizes preconizadas pelo Ministério da Saúde
recomendam “sempre que possível” a realização da triagem sorológica a todas as gestantes
no início do pré-natal e orientação às suscetíveis, no sentido de prevenir a doença
(BRASIL, 2005). Por não ser um exame obrigatório, a maioria dos serviços de saúde não o
disponibiliza rotineiramente durante o pré-natal, embora em alguns serviços como os do
estado do Mato Grosso do Sul (BOTELHO et al., 2008), e de duas cidades - Belo
Horizonte (CARELLOS; ANDRADE; AGUIAR, 2008) e Londrina (MARGONATO et al.,
2007) - ofertem gratuitamente o teste sorológico para toxoplasmose para todas as gestantes
atendidas pelo SUS.
Os estudos sobre prevalência de toxoplasmose em gestantes direcionam-se para
mulheres em idade fértil de uma maneira geral. Estudos que abordam gestantes na faixa
etária de 10 a 19 anos tornam-se necessários, visto que as taxas de fecundidade neste grupo
etário são crescentes (PNDS, 2009), assim como a vulnerabilidade aos fatores
comportamentais, sociais, culturais e ambientais.
Este artigo objetivou realizar uma revisão sistemática sobre a prevalência da
toxoplasmose em gestantes adolescentes de 1988 a 2009.
MÉTODOS
Realizou-se uma revisão sistemática dos artigos publicados sobre prevalência da
toxoplasmose em gestantes adolescentes, indexados nas bases de dados do Medline
(National Library of Medicine, Estados Unidos), Lilacs (Literatura Latino-americana e do
Caribe em Ciências da Saúde) e Scielo (Scientific Eletronic Library Online), nos últimos
21 anos.
A coleta de dados ocorreu entre março a junho de 2010, realizada por dois
revisores. Elaborou-se um protocolo com os seguintes itens: (I) formulação da pergunta:
“qual a prevalência da toxoplasmose em gestantes adolescentes?”; (II) seleção dos
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Revisão Sistemática sobre Prevalência de Toxoplasmose em Gestantes Adolescentes |10
descritores seguindo os critérios dos Descritores em Ciências da Saúde (Decs) da
Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme). O processo de busca utilizou os seguintes
descritores conjuntamente: em português: toxoplasmose, gravidez na adolescência,
prevalência, estudo transversal; em inglês: toxoplasmosis, pregnancy in adolescent,
prevalence, cross-sectional studies e em espanhol: toxoplasmosis, embarazo en
adolescência, prevalencia, estudios transversales; (III) identificação dos estudos nas bases
de dados referidas anteriormente.
Figura 1: Fluxograma da seleção dos artigos desta revisão
Artigos excluídos com a leitura
do título
(n = 13)
Artigos excluídos pela leitura
do resumo
(n = 02)
Artigos excluídos com a leitura
dos critérios de inclusão
(n = 05)
Artigos identificados no
procedimento de busca, no período
de 1988 a 2010
(n = 31)
Artigos selecionados após primeira
leitura
(n = 18)
Artigos selecionados, após segunda
leitura
(n = 16)
Artigos selecionados para a
revisão sistemática
(n = 11)
Foram selecionados 11 artigos (Figura 1). Os critérios de inclusão foram: (1)
apenas estudos originais; (2) amostras que incluíssem gestantes adolescentes na faixa etária
de 10 a 19 anos; (3); delineamento transversal e (4) estudos publicados em inglês,
português e espanhol. Os critérios de exclusão foram: (a) estudos que utilizaram mulheres
em idade fértil acima de 20 anos não grávidas; (b) os de avaliação de protocolo de triagem
pré-natal para toxoplasmose; (c) os sem especificação da idade nos resultados da pesquisa;
(d) os de base comunitária com gestantes para verificar a associação entre soropositividade
e fatores de risco; (e) os de avaliação da performance de testes sorológicos; (f) os que
incluíram homens na amostra; (g) os com recém-nascidos para analisar a evidência
sorológica de toxoplasmose congênita; (h) os de coorte ou intervenção e (i) os estudos
comparativos de testes sorológicos entre gestantes de diferentes países.
Os resultados foram analisados de acordo com a prevalência de soropositividade
para anticorpos IgG de toxoplasmose em gestantes adolescentes, expressos em proporções.
Além disso, criamos um banco de dados no SPSS para avaliar a qualidade metodológica
dos artigos, seguindo os critérios propostos por Downs e Black (1998), (adaptado) (Ver
Tabela 1). Cada artigo selecionado recebeu um escore, variando de 0 a 2, totalizando
quatorze itens avaliados.
Tabela 1 - Critérios de Downs e Black (1998) utilizados na avaliação da qualidade metodológica dos artigos,
adaptado pelos autores.
Critérios
1. Clareza na descrição das hipóteses ou objetivos do estudo.
2. Definição dos resultados desejados na seção de introdução ou métodos.
3. Descrição das características das gestantes incluídas no estudo.
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
11| FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
4. Descrição dos principais fatores de confusão em cada grupo de gestantes.
5. Clareza na descrição dos principais achados do estudo.
6. O estudo fornece estimativas sobre a variabilidade dos dados aleatórios para os principais resultados.
7. Informação sobre a probabilidade real dos valores para os resultados principais.
8. Representatividade da amostra de gestantes planejada.
9. Representatividade da amostra de gestantes incluídas no estudo.
10. Adequação de testes estatísticos usados para avaliar os principais resultados.
11. Acurácia dos instrumentos usados para medir os principais resultados (validade e confiabilidade).
12. Comparabilidade entre as gestantes de diferentes grupos etários ou regiões geográficas.
13. Períodos de recrutamento iguais para gestantes de diferentes grupos etários ou regiões geográficas.
14. Consideração das perdas para o grupo de gestantes do estudo.
RESULTADOS
De acordo com o objetivo proposto, os resultados dos estudos foram divididos em
onze itens: características gerais do estudo; local de realização e procedência das gestantes;
critério de identificação das gestantes; tamanho da amostra de gestantes; coleta de dados;
análise estatística e resultados encontrados; características biológicas das gestantes;
características sociodemográficas e étnicas analisadas; características relacionadas a fatores
ambientais, ocorrências acidentais e hábitos e costumes; estimativas da prevalência de
toxoplasmose entre as gestantes; análise da qualidade metodológica do estudo. Para cada
item apresentou-se um conjunto de informações específicas dos conteúdos de cada estudo,
com suas semelhanças e diferenças.
Observou-se que seis estudos apresentavam dois objetivos (AKOIJAM et al., 2002;
FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007; INAGAKI et al., 2009; LJUNGSTROM et al., 1995;
NISSAPATORN et al., 2003; VARELLA et al., 2003) seguidos de três com três objetivos
(ERTUG et al., 2005; JEANNEL et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993) e
dois tinham um objetivo (JENUM et al., 1998; TAECHOWISAN et al., 1997) (Tabela 2).
Tabela 2: Caracterização dos objetivos dos estudos de prevalência, 1988 a 2009.
Autores
Ano
Objetivos
Jeannel et al.
1988
Lebech, Larsen,
Petersen.
1993
Ljungstrom et
al.
Taechowisan et
al.
1995
1997
Jenum et al.
1998
Akoijam et al.
2002
Nissapatorn et
al.
2003
Varella et al.
2003
Estudar a prevalência de acordo com a idade e origem geográfica; estimar a
prevalência para a população de gestantes na região. Estudar a incidência em
mulheres grávidas não-imunes para o acompanhamento das crianças em risco.
Os objetivos do presente estudo foram: (I) determinar a incidência e a prevalência
da toxoplasmose em mulheres grávidas na Dinamarca, (II) para fornecer dados
sobre a estimativa do número de bebês nascidos com toxoplasmose congênita, na
Dinamarca, e (III) fornecer dados sobre eventuais variações geográficas,
incluindo as diferenças entre as populações urbanas e rurais.
Completar o conhecimento sobre a soroprevalência da toxoplasmose na Suécia, e
avaliar os riscos de incidência materna em todo o país.
Estimar a prevalência de agentes TORCH (toxoplasmose, citomegalovírus, herpes
simples e rubéola) em gestantes em Bangkok.
Estimar a prevalência de anticorpos IgG específicos de toxoplasma, entre
mulheres grávidas na Noruega.
Determinar a soroprevalência da infecção pelo toxoplasma entre as parturientes e
avaliar a associação entre as variáveis selecionadas e a soroprevalência.
Analisar a soroprevalência da toxoplasmose em gestantes e verificar a associação
entre os fatores de risco e transmissão da doença.
Determinar a prevalência de soropositividade para toxoplasmose em gestantes e
verificar possíveis associações entre soropositividade e os fatores idade, cor, nível
de escolaridade e procedência maternas.
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Ertug et al.
2005
Figueiró-Filho
et al.
2007
Inagaki et al.
2009
Determinar a prevalência de toxoplasmose em gestantes no primeiro trimestre da
gravidez e acompanhar a soroconversão para os próximos dois trimestres, e
identificar os fatores de risco e possíveis vias de contaminação na província de
Aydin, Turquia.
Avaliar a frequência das infecções por sífilis, rubéola, hepatite B, hepatite C,
toxoplasmose, doença de Chagas, HTLV I/II, herpes simples, HIV-1 e
citomegalovírus em gestantes e relacionar a faixa etária das pacientes com a
frequência das infecções.
Conhecer a soroprevalência para toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis e
HIV no Estado de Sergipe e verificar se havia associação entre a idade e a
procedência com a sopositividade para esses agentes.
Identificou-se que os onze estudos eram transversais, embora três tenham utilizado
a denominação estimativa de prevalência e incidência nos objetivos (AKOIJAM et al.,
2002; JEANNEL et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993). A Tabela 3
mostra a análise descritiva dos estudos da revisão sistemática.
Tabela 3: Análise descritiva dos estudos incluídos nesta revisão sistemática
Referência
Ano
País
(Idioma)
Jeannel et
al.
1988
França
(Inglês)
Transversal
1.074
Gestantes
adolescentes
n/(%)
*
Lebech,
Larsen,
Petersen.
1993
Dinamarca
(Inglês)
Transversal
5.402
Ljungstrom
et al.
1995
Suécia
(Inglês)
Transversal
Taechowisa
n et al.
1997
Tailândia
(Inglês)
Jenum et al.
1998
Akoijam et
al.
Nissapatorn
et al.
2002
Varella et
al.
2003
Ertug et al.
2005
FigueiróFilho et al.
2007
2003
Delineamento
Idade
(anos)
Prevalência
IgG
15-44
61,0%****
98 (1,81)
14-19
27,4%
3.654
106 (2,90)
<20
8,49%
Transversal
300
300 (100,00)**
14-40
1315%*****
Noruega
(Inglês)
Transversal
35.940
1.272 (3,53)
<20
9,70%
Índia
(Inglês)
Malásia
(Inglês)
Transversal
503
111 (22,06)
15-19
42,30%
Transversal
200
21 (10,5)***
15-24
47,60%****
**
1.261
366 (29,06)***
13-20
58,70%****
**
770
309 (40,12)***
15-29
27,80%****
**
32.512
9.906 (30,46)
<=1419
91,0%****
Brasil
Transversal
(Português)
Turquia
(Inglês)
Transversal
Brasil
Transversal.
(Português)
Amostra
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
13| FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
Inagaki et
al.
2009
Brasil
Transversal
(Português)
9.051
2.253 (24,89)
10 -19
67,20%
* Sem informação sobre o n da faixa etária.
** Todas as gestantes do estudo estavam inclusas no subgrupo de 14-40 anos.
*** Dados agregados à faixa etária de mulheres adultas.
**** Taxa bruta de prevalência (dados agregados: gestantes adultas e adolescentes).
***** Faixa etária agregada e dividida por trimestre gestacional.
****** Prevalência específica por grupo etário.
@ A variável “número de gestantes adolescentes” foi criada pelos próprios revisores.
Dos onze estudos que compuseram a revisão sistemática, sete informaram que
utilizaram programas estatísticos para elaboração de bancos de dados e análise dos
resultados (AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; INAGAKI et al., 2009; JENUM
et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; NISSAPATORN et al., 2003;
VARELLA et al., 2003) embora um estudo não tenha especificado o programa utilizado
(ERTUG et al., 2005). Destes sete estudos, quatro utilizaram o programa estatístico com a
finalidade de análise dos dados (ERTUG et al., 2005; JENUM et al., 1998; LEBECH;
LARSEN; PETERSEN, 1993; NISSAPATORN et al., 2003), e três empregaram para
montagem de banco de dados e análise (AKOIJAM et al., 2002; INAGAKI et al., 2009;
VARELLA et al., 2003).
Utilizaram-se os programas estatísticos: dbase®; STATA® (Stata Statistical
Software, Texas); SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences); EpiInfo®; SAS®
(SAS Institute Inc, Cary, NC, USA); e “general APL program for maximum likelihood
estimation”. O SPSS foi o mais utilizado entre os estudos.
Os países de realização dos estudos foram: Dinamarca (LEBECH; LARSEN;
PETERSEN, 1993), França (Paris) (JEANNEL et al., 1988), Índia (Ballabgarh)
(AKOIJAM et al., 2002), Malásia (Kuala Lumpur) (NISSAPATORN et al., 2003),
Noruega (JENUM et al., 1998), Suécia (ilha de Gotland, Estocolmo, Orebro e norte da
Suécia) (LJUNGSTROM et al., 1995), Tailândia (Bangkok) (TAECHOWISAN et al.,
1997), Turquia (província de Aydin) (ERTUG et al., 2005). No Brasil - Mato Grosso do
Sul (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007), Rio Grande do Sul (Porto Alegre, região
metropolitana e outras cidades) (VARELLA et al., 2003) e Sergipe (Aracaju e 74
municípios) (INAGAKI et al., 2009).
Quanto à procedência das gestantes, todos os estudos informaram, sendo quatro
procedentes da zona rural e urbana, um da região metropolitana e seis informaram a
procedência de forma generalizada.
Em relação à identificação das gestantes dos estudos, sete foram identificadas em
centros de saúde especializados, em pré-natal e em maternidades de hospitais (AKOIJAM
et al., 2002; ERTUG et al., 2005; JENUM et al., 1998; LJUNGSTROM et al., 1995;
NISSAPATORN et al., 2003; TAECHOWISAN et al., 1997; VARELLA et al., 2003) e
quatro em centros de triagem ou laboratórios (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007; INAGAKI
et al., 2009; JEANNEL et al., 1988; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993).
Verificou-se uma variação quanto ao tamanho da amostra para todas as faixas
etárias, sendo a maior amostra, entre os estudos, composta por 35.940 gestantes (JENUM
et al., 1998) e a menor por 200 gestantes (NISSAPATORN et al., 2003).
A definição do tamanho da amostra, de acordo com a faixa etária de 10 a 19 anos,
foi verificada em seis estudos (AKOIJAM et al., 2002; FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007;
INAGAKI et al., 2009; JENUM et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993;
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
Revisão Sistemática sobre Prevalência de Toxoplasmose em Gestantes Adolescentes |14
LJUNGSTROM et al., 1995). Para o grupo de gestantes adolescentes, a maior amostra foi
composta por 9.906 gestantes (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007) e a menor por 98 gestantes
(LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993).
Considerando-se a fonte de informação para coleta de dados, quatro estudos usaram
os dados primários (AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; JENUM et al., 1998;
NISSAPATORN et al., 2003) seis os dados secundários (INAGAKI et al., 2009;
JEANNEL et al., 1988; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; LJUNGSTROM et al.,
1995; TAECHOWISAN et al., 1997; VARELLA et al., 2003) e um combinou as duas
fontes (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007). Quanto aos dados secundários, quatro utilizaram
como fonte de registro o livro de registro laboratorial (JEANNEL et al., 1988; LEBECH;
LARSEN; PETERSEN, 1993; LJUNGSTROM et al., 1995; TAECHOWISAN et al.,
1997) e três o prontuário (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007; INAGAKI et al., 2009;
VARELLA et al., 2003).
Nos dados primários, dois procederam a coleta como autoaplicável (ERTUG et al.,
2005; NISSAPATORN et al., 2003), e dois utilizaram a entrevista (AKOIJAM et al., 2002;
JENUM et al., 1998). O estudo que usou dados primários e secundários conjuntamente
utilizou dois procedimentos complementares para a coleta de informações primárias:
contato telefônico e visita domiciliar (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007).
Todos os onze estudos que compõem esta revisão utilizaram testes sorológicos para
a determinação de anticorpos anti-Toxoplasma IgG e IgM. Os testes sorológicos
empregados foram: teste de aglutinação direta para IgG, teste de Imunofluorescência
Indireta® para IgG, teste de Remington® para IgM, método EIA® (EnzymeImmunoassay)
para IgG e IgM, MEIA® (Microparticle Enzyme Immunoassay) e ELISA® (Enzyme Linked
Immunosorbent Assay) para anticorpos IgG e IgM. Apenas dois estudos utilizaram o teste
de avidez para anticorpos IgG (ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007).
O teste ELISA foi usado exclusivamente em cinco estudos, o método EIA em dois,
o teste de aglutinação direta em um (LJUNGSTROM et al., 1995) e o MEIA em um
(VARELLA et al., 2003). Dois estudos combinaram mais de um teste sorológico, sendo
que um deles utilizou dois testes: o de imunofluorescência indireta e o de Remington
(JEANNEL et al., 1988), enquanto o outro empregou três testes: o ELISA, o de
imunofluorescência indireta e o de aglutinação direta (ERTUG et al., 2005).
Os testes estatísticos aplicados foram: o Qui-Quadrado (X2), o teste exato de Fisher,
o t de Student e a análise da variância (One Way ANOVA). Aplicou-se o teste QuiQuadrado em dez estudos (AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓFILHO et al., 2007; INAGAKI et al., 2009; JEANNEL et al., 1988; JENUM et al., 1998;
LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; LJUNGSTROM et al., 1995; NISSAPATORN et
al., 2003; VARELLA et al., 2003); o exato de Fisher em três (AKOIJAM et al., 2002;
INAGAKI et al., 2009; NISSAPATORN et al., 2003), o teste t de Student em um
(INAGAKI et al., 2009) e a análise da variância em um (LJUNGSTROM et al., 1995).
Apenas um estudo realizou exclusivamente a estatística descritiva simples
(TAECHOWISAN et al., 1997).
Além disso, foram empregadas análises multivariadas, aplicando regressão linear e
logística múltipla. A análise de regressão linear foi utilizada em dois estudos para
relacionar a prevalência com idade e origem geográfica (JEANNEL et al., 1988;
LJUNGSTROM et al., 1995). Enquanto para verificar simultaneamente os múltiplos
efeitos que podem estar envolvidos com a soroprevalência em gestantes, a análise de
regressão logística múltipla, foram correlacionadas as variáveis: idade e nacionalidade
(JENUM et al., 1998); zona de residência e nacionalidade (JENUM et al., 1998); idade,
cor, escolaridade e procedência (VARELLA et al., 2003); variáveis sociodemográficas e
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
15| FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
fatores de risco (NISSAPATORN et al., 2003); soroprevalência e procedência (INAGAKI
et al., 2009).
O nível de significância estatística foi informado em dez estudos (AKOIJAM et al.,
2002; ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007; INAGAKI et al., 2009;
JEANNEL et al., 1988; JENUM et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993;
LJUNGSTROM et al., 1995; NISSAPATORN et al., 2003; VARELLA et al., 2003). Os
seguintes valores de P foram aplicados: (P<0,05) (ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓFILHO et al., 2007; LJUNGSTROM et al., 1995; NISSAPATORN et al., 2003), (P<0,001)
(AKOIJAM et al., 2002; JEANNEL et al., 1988; VARELLA et al., 2003), (P<0,01)
(INAGAKI et al., 2009), (P≤0,05) (LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993). Um estudo
utilizou valores de p bicaudais (P<0,001 e P<0,005) (JENUM et al., 1998). Sete estudos
informaram o intervalo de confiança de 95%.
Foram identificados oito estudos que descreveram as características biológicas das
gestantes, tais como: idade gestacional em semanas ou trimestres, número de gestações,
número de nascidos vivos, número de natimortos e número de abortos.
A idade gestacional foi a característica predominante, referida em oito estudos;
(AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007; JEANNEL
et al., 1988; JENUM et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993;
NISSAPATORN et al., 2003; TAECHOWISAN et al., 1997); o número de nascidos vivos
foi referido em dois (ERTUG et al., 2005; JENUM et al., 1998); o número de abortos e de
gestações em dois (ERTUG et al., 2005; NISSAPATORN et al., 2003) e o de natimortos
em um (ERTUG et al., 2005).
Constatou-se que todos os onze estudos utilizaram a variável idade. As variáveis
socioeconômicas informadas foram: residência, procedência e nacionalidade, escolaridade,
ocupação e renda.
Em relação aos fatores ambientais, a fonte de água potável foi o único fator
ambiental referido. Somente três estudos utilizaram esta variável (AKOIJAM et al., 2002;
ERTUG et al., 2005; NISSAPATORN et al., 2003).
Verificou-se que apenas um estudo descreveu ocorrências acidentais, como
transfusão sanguínea e uso de drogas relacionadas com terapia anti-toxoplasma
(NISSAPATORN et al., 2003).
Três estudos (AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; NISSAPATORN et al.,
2003) descreveram variáveis relacionadas aos hábitos e costumes das gestantes, que foram
as seguintes: hábitos alimentares (vegetariano ou não); consumo de frutas e vegetais não
lavados; contato com gatos; contato com solo; prática da lavagem de mãos; ingestão de
carne mal cozida, consumo de bebida láctea, contato com outros animais; frequência de
consumo de carnes, preferências de cozimento, tipo de carne consumida, lavagem de
utensílios de cozinha e vegetais após a utilização, e alimentação fora da residência.
Quanto à prevalência de soropositividade por faixa etária, verificou-se que dos onze
estudos investigados, para todas as faixas etárias, a maior prevalência foi de 91%
(FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007) e a menor de 10,9% (JENUM et al., 1998). Na faixa
etária de gestantes adolescentes, de 10 a 19 anos, a prevalência variou de 8,49%
(LJUNGSTROM et al., 1995) entre as gestantes suecas a 67,2% (INAGAKI et al., 2009)
entre as gestantes sergipanas no Brasil (Tabela 1).
Seis estudos fizeram comparações de prevalência entre determinadas áreas
geográficas (INAGAKI et al., 2009; JEANNEL et al., 1988; JENUM et al., 1998;
LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; LJUNGSTROM et al., 1995; VARELLA et al.,
2003).
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
Revisão Sistemática sobre Prevalência de Toxoplasmose em Gestantes Adolescentes |16
Diante dos resultados apresentados na Tabela 1, evidenciou-se maior proporção de
gestantes na faixa etária de 10 a 19 anos, de 30,46% (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2005) e a
menor de 1,81% (LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993).
Quando relaciona idade e prevalência de soropositividade para IgG, identifica-se
que em cinco estudos (ERTUG et al., 2005; INAGAKI et al., 2009; JENUM et al., 1998;
LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; VARELLA et al., 2003) ocorreu aumento da
soroprevalência com o aumento da idade.
Observa-se nos estudos desenvolvidos, no Brasil, que as taxas de prevalência de
soropositividade para IgG foram superiores às taxas de prevalência dos países estrangeiros.
Apenas um dos estudos estratificou a amostra e a prevalência especificamente na faixa
etária de 10 a 19 anos (JEANNEL et al., 1988).
Quanto à prevalência de soronegatividade, seis estudos (ERTUG et al., 2005;
FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2005; INAGAKI et al., 2009; JENUM et al., 1998; LEBECH;
LARSEN; PETERSEN, 1993; VARELLA et al., 2003) apresentaram esta informação. No
Brasil, a susceptibilidade variou de 8% no estado de Mato Grosso do Sul (FIGUEIRÓFILHO et al., 2007) a 40,2% em Porto Alegre-RS (VARELLA et al., 2003),
respectivamente. Em contrapartida, os outros países do estudo apresentaram taxas de
gestantes suscetíveis mais elevadas, variando de 69,9% na Turquia (ERTUG et al., 2005) a
89,1% na Noruega (JENUM et al., 1998).
Para avaliar a qualidade metodológica dos estudos, cada artigo selecionado recebeu
um escore, segundo os critérios de qualidade de Downs e Black (1998). A lista de critérios
original foi adaptada para estudos transversais, excluindo aqueles relacionados a estudos de
intervenção. O valor de cada escore variou de 0 a 2. Quatorze escores foram avaliados para
cada estudo. A média da pontuação foi de 10,91 pontos (± 1,92), com seis
(TAECHOWISAN et al., 1997) e quatorze pontos (VARELLA et al., 2003) como valor
mínimo e máximo obtidos, respectivamente.
Quanto à pontuação individual de cada estudo, identificamos que seis atingiram 11
pontos (AKOIJAM et al., 2002; ERTUG et al., 2005; FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2007;
JENUM et al., 1998; LEBECH; LARSEN; PETERSEN, 1993; NISSAPATORN et al.,
2003) dois 12 pontos (INAGAKI et al., 2009; JEANNEL et al., 1988), um 14 pontos
(VARELLA et al., 2003, um 10 pontos (LJUNSTROM et al., 1995) e um 6 pontos
(TAECHOWISAN et al., 1997).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento da soroprevalência da toxoplasmose em gestantes é essencial para
a discussão de programas preventivos, avaliação do custo-benefício e do impacto das
medidas preventivas no pré-natal, além de orientar as políticas de saúde materno-infantil.
As principais dificuldades encontradas para se identificar a prevalência de
toxoplasmose entre gestantes adolescentes foram relacionadas ao tamanho da amostra e
apresentação de subgrupos etários, como a faixa etária de gestantes adolescentes agregadas
a gestantes adultas ou o percentual de gestantes adolescentes pouco representativos.
Estas considerações são importantes, pois limitam o poder estatístico da análise
para esta faixa etária. Acrescenta-se que nenhum dos estudos incluiu em seus objetivos a
determinação da prevalência especificamente em gestantes adolescentes.
Há falta de um instrumento de coleta de dados padronizado e validado, bem como
de padronização de parâmetros de diagnóstico sorológico materno. Além disso, torna-se
necessária a implantação e manutenção de uma triagem sorológica e estratégias de
educação em saúde contínua sobre os fatores de risco e as formas de prevenção para
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
17| FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
toxoplasmose, especialmente entre as gestantes mais jovens, onde provavelmente se
encontra o maior número de suscetíveis.
Conclui-se que, embora exista um crescente interesse e aumento das pesquisas
sobre a prevalência de toxoplasmose em gestantes, tanto no Brasil como em países
europeus, ainda são necessários mais estudos para um melhor delineamento do problema
acerca das gestantes adolescentes. Estudos com amostras clínicas maiores, mais
homogêneas, longitudinais e investigações populacionais podem contribuir para a
formação de conhecimento mais ajustado para a análise da prevalência neste grupo.
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Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
19|
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Envelhecer com Saúde: o desafio do cuidar humanizado
Aging with Health: the challenge of caring humanized
Liz Coe Gurgel Lima Pinto. Graduada em Enfermagem pela Faculdade do Vale do
Jaguaribe – FVJ
Fabianne Ferreira Costa Róseo1. Mestre em Saúde Coletiva. Professora da Faculdade do
Vale do Jaguaribe – FVJ. E-mail: [email protected]
RESUMO
O envelhecimento traz consigo uma série de consequências, manifestando-se em todas as
múltiplas dimensões sejam elas fisiológicas, emocionais, cognitivas, sociológicas,
econômicas e interpessoais que influenciam o funcionamento e o bem estar social, tais
consequências determinam a presença de um cuidador. Diante disso, objetivou-se
descrever o perfil do cuidador de idosos, os aspectos das famílias cuidadoras e as
estratégias de capacitação para cuidadores. Trata-se de um estudo de revisão de literatura
utilizando artigos nacionais da base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde – BVS e
google acadêmico, empregando-se os descritores: “cuidadores”, “idosos dependentes” e
“saúde do idoso”. Também foram usados livros, revistas científicas, monografias,
dissertações, periódicos disponíveis na internet e publicações do ministério da saúde que
abordassem a temática, publicados no período entre 2000 e 2010. Emergiram as seguintes
categorias temáticas: - O perfil do cuidador de idosos, famílias cuidadoras de idosos e
estratégias de capacitação para cuidadores. O grau de dependência do idoso influencia
diretamente no cotidiano do idoso e de sua família. Diante disso, é fundamental o preparo
do cuidador familiar, sua disponibilidade e aptidão para exercer essa função. Além da
consciência sobre a importância de cuidar do seu ente idoso de forma efetiva e
participativa. O apoio ao cuidador e a educação em saúde são fundamentais para orientá-lo
e auxiliá-lo nas situações mais difíceis do cuidado.
Palavras-chave: Cuidadores; Idosos dependentes; Saúde do idoso.
ABSTRACT
Aging brings with it a number of consequences, manifesting itself in all the multiple
dimensions be they physiological, emotional, cognitive, sociological, economic and
interpersonal influencing the functioning and welfare, such consequences determine the
presence of a caregiver. The research objective was to describe the profile of caregivers of
elderly, aspects of family caregivers and training strategies for caregivers. This is a study
of literature review articles using the national database of the Virtual Health Library - VHL
and google scholar, using the key words: "caregivers", "frail elderly" and "health of the
elderly." Also used were books, journals, monographs, dissertations, journals available on
the internet and publications of the Ministry of Health that addressed the topic, published
between 2000 and 2010. Emerged the following themes: - The profile of caregivers of
seniors, families and caregivers of elderly empowerment strategies for caregivers. The
degree of dependency of the elderly directly influences the daily lives of the elderly and
Autora correspondente. Artigo recebido em 05 de abril de 2014. Aprovado em 07 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
1
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
21| LIZ COE GURGEL LIMA PINTO e FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
their families. Therefore, it is essential preparation for family caregivers, their willingness
and ability to perform this function. Besides the awareness about the importance of caring
for your elderly loved so effective and participatory. Support for caregivers and health
education are essential to guide you and assist you in the most difficult situations of care.
Keywords: Caretakers; Elderly dependents; Health of the elderly.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento é um processo natural, onde ocorrem mudanças fisiológicas
observadas ao longo do tempo. Conforme Cortelletti (2002 apud SILVA, LIMA e
ARAÚJO, 2010), devemos levar em consideração que na espécie humana, o
envelhecimento é mais complexo, manifestando-se em todas as múltiplas dimensões:
fisiológicas, emocionais, cognitivas, sociológicas, econômicas e interpessoais que
influenciam o funcionamento e o bem estar social.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), qualquer
pessoa a partir de 60 anos de idade, é considerada idosa. Lembrando que essa avaliação é
feita fisiologicamente, não impedindo que a pessoa tenha uma vida social e condições
adequadas para uma vida saudável e ativa.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2010) existem aproximadamente 20 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 65
anos, o que representa 7,4% da população. Diante da grande população de idosos
brasileiros, Silva, Lima e Araújo (2010) enfatizam:
Enxergar a velhice apenas como um fator biológico é desconhecer os inúmeros
fatores que participam do processo de envelhecimento, sendo assim, conhecer
esse processo de forma generalizada é o principal passo para assistir
adequadamente essa população e proporcionar uma assistência humanizada.
Cuidar do outro pressupõe atenção à sua individualidade e suas necessidades. A
dimensão do cuidado está fundada na “arqueologia” do ser-com-o-outro. O cuidado tornase presente através da relação que o encontro inter-humano proporciona entre os seus
intervenientes, entre o cuidador e a pessoa cuidada, assim o cuidador deve ter como
princípio de que é o orientador essencial para a promoção do cuidado do idoso
(FRAGOSO, 2010).
O relacionamento do idoso com o mundo se caracteriza pelas suas dificuldades
adaptativas, tanto emocionais quanto psicológicas. Diante disso, o cuidado humanizado vai
muito mais além de cuidados obrigatórios referentes à saúde. Remete especialmente à
humanização, o cuidado pessoal, dedicado a um paciente, tendo em vista suas necessidades
básicas, suas dificuldades e anseios. O idoso espera do seu cuidador ações, não somente
técnicas, mas receber alegria, amizade, conforto, tranquilidade, carinho e atenção com o
intuito de melhorar seu estado de espírito, sair da solidão e perceber o mundo em sua volta.
Para que haja esse tratamento especial voltado para o idoso, é essencial a
qualificação dos cuidadores, não só por anseios lucrativos e obrigações a cumprir, mas por
terem a consciência do que significa o cuidado humanizado.
Em relação às políticas de saúde para o idoso, no Pacto pela Saúde constam os
direitos da pessoa idosa, e assegura as condições para a promoção da sua autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade (BRASIL, 2006).
Faz-se necessário que familiares e cuidadores tenham consciência da importância
do cuidado com seus idosos. De uma forma direta, são os parceiros mais próximos deste, e
quando ausentes, cabe às instituições de saúde, encontrar formas que reaproximem e
conscientizem os cuidadores da sua responsabilidade para com o seu ente.
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
Envelhecer com Saúde: o desafio do cuidar humanizado
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Em 2003, foi aprovado pelo Congresso Nacional, o Estatuto do Idoso. Um grande
passo em relação à ampliação dos direitos da pessoa idosa no Brasil. O capítulo IV da
referida Lei, trata exatamente sobre o papel do SUS sobre a atenção à saúde da pessoa
idosa. Consta no artigo 18 que:
Art. 18. As instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o
atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a
capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e
grupos de autoajuda (BRASIL, 2003).
O envelhecimento traz consigo uma série de consequências, principalmente
relacionadas ao surgimento ou agravamento de doenças crônicas, é possível sim, continuar
vivendo com qualidade, desde que essas doenças sejam controladas, o que implica em um
trabalho também preventivo. Embora certas doenças, com a idade, sejam difíceis de evitar,
a partir daí é importante o controle. E o controle é feito de forma uniformizada, dando
importância à individualidade das pessoas, aos seus aspectos não somente físicos, mas
psicológicos e afetivos. Tratando-as como pessoa, única, e não como números a serem
atendidos. Começa-se, assim, o cuidado humanizado. Preservar sua autonomia e
independência, na medida do possível, é um objetivo importante no cuidado ao idoso.
O processo de envelhecer é tão importante quanto ao de crescimento. Traz uma
série de consequências fisiológicas e psicológicas que tornam o indivíduo idoso frágil e por
vezes sem o tratamento necessário. A pessoa idosa não é o mesmo indivíduo que era na
juventude ou nos primeiros tempos de vida adulta. E saber dar a devida importância a estas
mudanças, esta necessidade de um cuidar especial, tornou-se uma motivação para o
aprofundamento deste tema.
Diante de tantas implicações no que diz respeito ao cuidado humanizado ao idoso
dependente, justifica-se uma reflexão acerca da valorização ao cuidado a esta especial e
crescente população. Tornando-se necessário repensar as políticas e práticas assistenciais
voltadas para eles, tendo em vista que se trata de pacientes com maior vulnerabilidade que
precisam de um tratamento digno e de qualidade, este estudo teve como objetivo descrever
o perfil do cuidador de idosos no Brasil, os aspectos e dificuldades das famílias cuidadoras
e as estratégias de capacitação para cuidadores familiares.
MATERIAL E MÉTODOS
A busca dessas publicações foi efetuada nas bases de dados da Biblioteca Virtual
em Saúde – BVS, Google acadêmico, em livros, revistas científicas, monografias,
dissertações, que abordassem a temática envolvida, no período de março a junho de 2013.
Como descritores, utilizou-se: “cuidadores”, “idosos dependentes” e “saúde do idoso”, tais
termos foram indexados nos Descritores das Ciências da Saúde (DeCS).
Desta forma, o estudo foi conduzido mediante cinco etapas operacionais: 1) seleção
de fontes bibliográficas importantes, conforme o tema; 2) leitura reflexiva das fontes
literárias selecionadas; 3) recorte dos segmentos literários que continham aspectos
relevantes ao estudo; 4) leitura relativa do material selecionado para junção das
informações pertinentes; 5) construção final da redação do trabalho, de forma clara e
objetiva conforme o objetivo proposto, sendo este estruturado em categorias para uma
melhor leitura e entendimento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Trata-se de um estudo de revisão de literatura que, conforme Sampaio e Mancini
(2007) e Pereira et al. (2007), é um método particularmente útil para integrar as
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
23| LIZ COE GURGEL LIMA PINTO e FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
informações de um conjunto de estudos realizados separadamente sobre um determinado
tema ou fenômeno, que podem apresentar resultados conflitantes e/ou coincidentes, bem
como identificar temas que necessitam de evidência, auxiliando na orientação para pesquisas futuras.
Neste estudo foram incluídos 14 artigos na íntegra, assim como duas publicações
do Ministério da Saúde. Como critérios de inclusão, consideraram-se a seleção de artigos
publicados na íntegra (período entre 2000 e 2010), na língua vernácula portuguesa e que
discorressem sobre o objeto do estudo (Cuidador de idosos).
Foram excluídos os trabalhos que não atenderam aos objetivos do estudo e os que
não possuíam informações necessárias à análise.
Dos 14 artigos selecionados, 11 estudos foram de revisão bibliográfica, 1 utilizou a
abordagem quantitativa, 1 a quanti-qualitativa e o outro a qualitativa. Entre os locais de
publicação destacaram-se: Montes Claros-MG, Londrina-PR, e Florianópolis- SC.
A análise das fontes bibliográficas selecionadas possibilitou a elaboração das
seguintes categorias temáticas:
- O perfil do cuidador de idosos;
- Famílias cuidadoras de idosos;
- Estratégias de capacitação para cuidadores de idosos.
O perfil do cuidador de idosos
Nesta categoria foram agrupadas publicações que tratam em seu contexto de
discussões acerca do perfil do cuidador da pessoa idosa, relacionados ao sexo, faixa etária,
ocupação, estado de saúde e sobrecarga de trabalho.
Em relação ao cuidado de idosos dependentes, Gonçalves et al. (2006) em uma
pesquisa para traçar o perfil do familiar cuidador principal do idoso doente e/ou
fragilizado, vivendo na comunidade em contexto domiciliar, realizada em Unidades
Básicas de Saúde com Programa Saúde da Família (PSF), do município de FlorianópolisSC, concluíram que a maioria dos cuidados é assumido por mulheres, geralmente esposas,
dos 115 familiares cuidadores entrevistados, a maioria representou o gênero feminino
(84,3%), e a média de idade foi de 48,5 anos (58,2%), embora convenha destacar a
participação de cuidadoras idosas cuidando de seus cônjuges idosos e dos homens em
diferentes idades, no qual aparecem 15,7% de esposos, filhos e netos.
Corroborando com os achados de Gonçalves et al. (2006), Trelha et al. (2006), em
um estudo transversal realizado sobre a população idosa, com enfoque na temática da
caracterização dos idosos e de seus cuidadores realizada em Londrina-PR, identificaram
entre os 24 idosos pesquisados, que a maioria dos cuidadores eram filhos 18 (78,4%). Os
autores destacaram ainda o fato do tempo despendido pelo cuidador com o idoso, sem que
haja rodízio ou qualquer ajuda. Acrescenta-se também o predomínio do cuidador do sexo
feminino com 21 mulheres (91,3%) com idade média de 47,83 anos.
Outro dado importante sobre o perfil dos cuidadores está relacionado à sua
ocupação. Quanto à ocupação dos cuidadores, Gonçalves et al. (2006) apontaram que entre
os 115 cuidadores pesquisados, 53% referiram não ter atividades extradomiciliares,
enquanto, os demais 47% conciliavam atividades de trabalho fora do lar com o cuidado do
idoso. Acrescentam ainda que muitas cuidadoras foram solicitadas a deixar o trabalho ou
reduzir sua jornada para cuidar do idoso, que em geral exigia dedicação permanente.
Deste modo, verifica-se a tendência de o cuidador direcionar-se, gradativamente,
para uma sobrecarga de trabalho que pode culminar em níveis elevados de estresse e até
em doenças. Seria necessário haver, portanto uma divisão de tarefas, de forma que a saúde
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Envelhecer com Saúde: o desafio do cuidar humanizado
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de quem cuida também seja mantida, e que a qualidade do trabalho prestado seja garantida
(CIRINO, et al., 2010).
O estudo de Gonçalves et al. (2006) também se refere à saúde do cuidador. Os
cuidadores quando questionados sobre seu estado de saúde, doenças ou problemas que os
afetavam, referiram os seguintes: hipertensão arterial e outros problemas cardiovasculares,
osteomusculares e diabetes mellitus. Todavia, quando indagados quanto à percepção de seu
estado de saúde atual somente 33% consideraram bom, 31,1% como regular e 4,3% ruim.
Quando solicitados a comparar seu estado de saúde ao de cinco anos atrás, 37,3% disseram
ter piorado.
De acordo com Leal (2000), o cuidador familiar é aquele que põe a necessidade do
outro em primeiro lugar. Geralmente, é tão pressionado por necessidades imediatas que se
esquece de si mesmo. Em muitos casos, o cuidador é também uma pessoa frágil, já em
idade de envelhecimento ou com possibilidade de adoecimento. Logo, o cuidador sem
suporte pode ser o futuro paciente.
Acerca dos sentimentos de identidade do cuidador diante das atividades cuidativas
junto ao idoso, a maioria percebe o cuidado como algo que o dignifica como pessoa ou
como cumprimento de um dever moral e de princípios religiosos, satisfação pela
manifestação de gratidão pelo idoso, reconhecimento da família e da comunidade, embora
seja pertinente destacar que alguns cuidadores são levados a assumir este papel por ser a
única opção disponível (GONÇALVES et al., 2006).
Suscita-se, portanto, a importância de haver ações voltadas para estes indivíduos no
contexto da família e do idoso, a fim de buscar qualidade de vida também para o cuidador,
prevenindo, além disso, o aparecimento de enfermidades. (CIRINO et al., 2010)
Famílias cuidadoras de idosos
Nesta categoria estão incluídas as publicações que abordaram discussões a respeito
de idosos dependentes, a participação ativa dos cuidadores familiares e suas dificuldades
no cuidado, assim como sobre a importância do cuidado humanizado.
Por motivos vários, como a redução de custo da assistência hospitalar e
institucional aos idosos incapacitados, a atual tendência, em muitos países e no Brasil, é
indicar a permanência dos idosos incapacitados em suas casas sob os cuidados de sua
família. (KARSCH, 2003).
De acordo com os conceitos gerontológicos, o idoso que mantém a sua
autodeterminação, sem necessitar de nenhum tipo de ajuda ou supervisão para realizar seus
afazeres diários, é considerado um idoso saudável, ainda que possua uma ou mais doenças
crônicas. Daí decorre o conceito de “capacidade funcional”, ou seja, a capacidade de
manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida independente e
autônoma. A determinação da capacidade funcional do idoso é um indicador
imprescindível para adequar os cuidados de enfermagem tanto ao paciente como ao
familiar. A família é fundamental nesse processo de prestação de cuidados ao idoso e deve
ser compreendida quando os cuidados excedem as suas capacidades (THOBER;
CREUTZBERG; VIEGAS, 2005).
Estudos revelam que cerca de 40% dos indivíduos com 65 anos ou mais de idade
precisam de algum tipo de ajuda para realizar, pelo menos, uma tarefa, como fazer
compras, cuidar das finanças, preparar refeições e limpar a casa. Uma parcela menor (10%)
requer auxílio para realizar tarefas básicas, como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro,
alimentar-se, sentar-se e levantar-se de cadeiras e camas (IBGE, 2010).
A velhice sem independência e autonomia afeta o cotidiano do idoso, que necessita
de um cuidado adequado e direcionado para suas necessidades. Quando o idoso se torna
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
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dependente, as alterações são inevitáveis e envolvem afeto, finanças, relações de poder e
outras, desenvolvendo um processo de reorganização familiar (JEDE; SPULDARO, 2009).
A família é o principal apoio em que o idoso pode contar numa situação de
dependência. Há necessidade de participação consciente e ativa dos familiares, porque
muitos negam o declínio funcional e psicológico do idoso quando este apresenta mais de
uma doença sem bom prognóstico, que eles desconhecem na maioria das vezes, gerando
uma postura de indiferença e dificuldade na relação idoso-família (JEDE; SPULDARO,
2009).
O cuidar é a verdadeira atenção à saúde da pessoa humana, enquanto conceituada
como estado de bem-estar físico, psíquico e social. Compreende não apenas a busca da
cura das doenças, mas o apoio e a paliação quando a cura já não é possível e, finalmente, o
apoio para o fim da vida sem dores e sem sofrimento desnecessário, preservando a
dignidade da pessoa humana (BRUM; TOCANTINS; SILVA, 2005).
Entretanto, é preciso destacar que, embora o cuidado familiar seja um aspecto
importante, ele não se aplica a todos os idosos. Existem idosos que não têm família. Há
outros cujas famílias são muito pobres ou seus familiares precisam trabalhar e não podem
deixar o mercado de trabalho para cuidar deles (CALDAS, 2003).
Na maioria dos casos entre as famílias mais pobres, a única contribuição financeira
é o rendimento da aposentadoria do idoso para o sustento de toda a família. Caldas (2003)
referiu esta problemática em seu estudo, afirmando que, embora o idoso brasileiro nos
estratos mais pobres da população contribua com sua renda para o sustento da família, nem
sempre ele recebe o respaldo de que necessita, tanto por ser insuficiente o recurso quanto
pelas dificuldades que a família encontra para dele cuidar.
Caldas (2003) acrescenta que, nesse contexto, existe a possibilidade concreta de
serem perpetrados abusos e maus-tratos. Portanto, é necessário lembrar que, embora a
legislação e as políticas públicas afirmem e a própria sociedade acredite que os idosos
devam ser cuidados pela família (por questões morais, econômicas ou éticas), não se pode
garantir que a família prestará um cuidado humanizado.
Assegurando os direitos dos idosos, consta no artigo 4º, Título I, do Estatuto do
Idoso , que:
Art. 4 Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação,
violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou
omissão, será punido na forma da lei (BRASIL, 2003).
O cuidado não se resume apenas a uma ajuda física para as limitações diárias. Vai
muito mais além dos cuidados básicos. É necessário que haja uma boa convivência para o
entendimento de ambas as partes (THOBER; CREUTZBERG; VIEGAS, 2005).
Desse modo, Jede e Spuldaro (2009) concluíram: a família é fonte de apoio. Cada
parte colabora e dá a sua contribuição para o cuidado, seja no cuidado direto ao familiar ou
apoiando, seja se importando com o que tem sido feito. Esse tipo de apoio é muito
significativo.
Estratégias de capacitação para cuidadores de idosos
Dos artigos selecionados, foram encontrados três que estavam relacionadas
diretamente a importância da capacitação dos cuidadores da pessoa idosa, temática que foi
mantida em virtude da importância da discussão da mesma para a reflexão acerca da
educação ou formação dos cuidadores.
A ação educativa em saúde é um processo dinâmico que tem como objetivo a
capacitação dos indivíduos e/ou grupos em busca da melhoria das condições de saúde da
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Envelhecer com Saúde: o desafio do cuidar humanizado
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população. Ressalta-se que nesse processo a população tem a opção de aceitar ou rejeitar
as novas informações, podendo também, adotar ou não novos comportamentos frente aos
problemas de saúde (MARTINS et al., 2007).
Vários fatores acometem a maioria das famílias cuidadoras, além do problema
financeiro, a falta de conhecimento teórico, até mesmo um apoio psicológico. O aspecto
material inclui recursos financeiros, questões de moradia, transporte e acesso a serviços de
saúde. Por outro lado, essa família-cuidadora necessita de informação sobre como realizar
os cuidados, incluindo a adaptação do ambiente ao idoso. Além disso, é importante o
suporte emocional, uma rede de cuidados que ligue a família aos serviços de apoio e meios
que garantam qualidade de vida aos cuidadores principais (CALDAS, 2003).
Para corroborar com o exposto, Jede e Spuldaro (2009) afirmaram que diante da
necessidade de programas e serviços para idosos, a família cuidadora precisa de
informação sobre como realizar os cuidados e adaptação do idoso, destacando a
importância do suporte emocional, que garante qualidade de vida aos cuidadores.
Caldas (2003), em seu estudo sobre o envelhecimento com dependência, relatou
também uma série de dificuldades que familiares cuidadores passaram quando da alta
hospitalar dos idosos, tais como: abandono, falta de orientação e a falta de recursos estão
presentes não só no momento da alta hospitalar, mas também no tratamento ambulatorial.
Referem ainda demora para conseguir marcar as consultas de acompanhamento médico,
principalmente de especialistas, assim como para o agendamento de exames
complementares, fisioterapia e fonoterapia. Muitas vezes, os familiares não são orientados
sobre onde conseguir o tratamento necessário. Além do que, quando obtêm o recurso, faltalhes transporte adequado devido às dificuldades de locomoção. Estabelece-se, então, um
círculo vicioso: doença, falta de tratamento, agravamento da doença e, como consequência,
aumento dos gastos com a doença.
Jede e Spuldaro (2009) acrescentaram a importância da capacitação dos cuidadores
na humanização do cuidado. De acordo com esses autores, a assistência domiciliar
contribui para a humanização, buscando envolver o familiar na construção de um ambiente
favorável à recuperação. O processo de educação em saúde acontece de forma mais efetiva
e participativa se desenvolvido no domicílio. É fundamental o apoio ao cuidador familiar
de idosos incapacitados, o qual precisa ser alvo de orientações sobre como proceder nas
situações mais difíceis do cuidado. O envelhecimento com dependência toma significados
particulares num contexto social, econômico e cultural. Assim, cada parte colabora e
contribui para o cuidado.
Diante dessa situação, Karsch (2003) descreveu que o cuidar do idoso em casa é,
com certeza, uma situação que deve ser preservada e estimulada; todavia, cuidar de um
indivíduo idoso e incapacitado durante 24 horas sem pausa não é tarefa para uma mulher
sozinha, geralmente com mais de 50 anos, sem apoios nem serviços que possam atender às
suas necessidades, e sem uma política de proteção para o desempenho deste papel.
Sendo assim, havendo uma capacitação para os cuidadores, possibilitará que os
mesmos sintam-se mais seguros para realizar sua assistência, sem que precisem aprender
somente na prática, correndo o risco de cometerem erros.
O Programa Saúde da Família pode ser uma estratégia eficiente para fazer face a
esse desafio, mas seria necessário que a questão do cuidado ao idoso dependente fosse
incorporada pelo programa de forma específica, incluindo previsão de financiamento das
ações e estabelecimento de uma rede de suporte institucional, o que ainda não foi feito. O
cuidador informal poderia e deveria ser visto como um agente de saúde e receber
orientações direcionadas para prestar um cuidado adequado ao idoso, incluindo medidas
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27| LIZ COE GURGEL LIMA PINTO e FABIANNE FERREIRA COSTA RÓSEO
preventivas para evitar a dependência precoce e específica sobre os cuidados com o idoso
dependente que envelhece na comunidade (CALDAS, 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que os familiares cuidadores principais de idosos são primordialmente
mulheres de meia idade, embora convenha destacar a participação de cuidadoras idosas
cuidando de seus cônjuges idosos. O grau de dependência destes idosos influencia
diretamente no cotidiano da sua família. A dificuldade do idoso em realizar suas atividades
diárias requer certo cuidado de quem se disponibiliza a auxiliá-lo. A realidade dessas
famílias do ponto de vista de suas dificuldades, necessidades e facilidades geradas no
cotidiano são notórias e necessita de apoio assistencial. A dependência de um familiar
idoso gera impacto na dinâmica, na economia e na saúde da família que se responsabiliza
pelos cuidados.
O cuidar do idoso não deve ser direcionado somente a ações curativas voltadas ao
tratamento de patologias, mas priorizar a promoção, a manutenção e a recuperação da
saúde, além disso, deve-se respeitar a independência e propiciar a participação do sujeito
idoso e de seu cuidador no processo do cuidado.
Os benefícios do cuidar são imperativos para que haja politicas públicas capazes de
auxiliar o cuidador e demais familiares para assumirem tal tarefa. Visto que apesar de o
cuidado proporcionar ganhos essenciais ao idoso, muitas vezes a sobrecarga de trabalho do
cuidador pode culminar em sérios problemas de saúde pública, com o adoecimento de uma
população que, sem a necessidade de assumir essa sobrecarga, poderia estar livre de
problemas de saúde especificamente ligados a cuidados com o idoso. Se essa pessoa
adoece, vai necessitar de cuidados de outras também, formando um círculo vicioso.
Diante disso é fundamental o apoio ao cuidador de idosos dependentes, por meio de
uma política de proteção para o desempenho deste papel. Neste contexto destaca-se a
equipe de saúde da família que acompanha idosos, cuidadores e suas famílias, no sentido
de desenvolver ações que direcionem a relação do cuidado, promovendo a interação com a
comunidade e evitando o isolamento social ao qual muitas vezes o cuidador e o idoso se
submetem, assim como de fornecer ao cuidador orientações sobre como proceder nas
situações mais difíceis do cuidado, a fim de que seja prestado um cuidado de qualidade e
que beneficie ambas as partes.
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Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
20|
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A Arte de Contar Histórias: uma estratégia para humanização na saúde
The Art of Storytelling: a strategy for Humanization in Health
Emerson de Oliveira Gomes1. Especialista em Arte, Educação e Cultura na Escola pela
FVJ. Professor da Escola Estadual de Educação Profissional Elsa Maria Porto Costa Lima,
Aracati-CE e Professor da Escola Municipal Padre Abílio, Itaiçaba-CE. E-mail:
[email protected]
Ricardo Lima dos Santos. Mestre em Educação em Saúde pela Universidade de Fortaleza Unifor. Professor Adjunto da Unifor.
Elane da Silva Barbosa. Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte - UERN. Professora do curso de Enfermagem e Coordenadora dos Cursos de
Especialização da área da Saúde da FVJ.
RESUMO
Este artigo objetiva investigar como a arte de contar histórias pode colaborar com a
recuperação e a promoção da saúde dos sujeitos. Trata-se de investigação de natureza
qualitativa, do tipo revisão de literatura. Sob essa perspectiva, foram realizadas pesquisas
em trabalhos científicos publicados em livros e revistas eletrônicas, utilizando os seguintes
descritores: arte, contador de histórias, humanização na saúde, arteterapia e psicoterapia.
Enquanto resultados, foi possível identificar que a arte, com as suas funções: estética,
social e cultural intervém na sociedade, sugerindo que independente de sua estrutura e
classificação, faz-se necessária para o desenvolvimento do ser humano. A arte de contar
histórias, por sua vez, desenvolverá uma significação tão essencial ao receptor, que este
será capaz de estabelecer um vínculo afetivo entre a história contada e os elementos de sua
vida. Ela favorecerá, portanto, uma ressignificação emocional para o sujeito. Já a ação de
humanizar faz-se presente na aproximação com atividades diversas, como a arte de contar
histórias, que trabalhará situações conflitantes, o que amenizará o sofrimento psicológico
do paciente. A arte de contar história é vislumbrada, então, como uma ferramenta
propulsora, capaz de, com suas ações lúdicas e dinamizadas, estabelecer uma humanização
mais efetiva e também afetiva, criando um espaço saudável e prazeroso dentro do ambiente
hospitalar.
Palavras-chave: Arte; Contação de histórias; Humanização da assistência.
ABSTRACT
This paper aims to investigate how telling stories can contribute to the recovery and health
promotion of the subjects. It is about qualitative research, the literature review type. From
this perspective, research has been done on scientific papers published in books and
electronic magazines, using the following keywords: art, storyteller, humanization of
assistance, art therapy and psychotherapy. As results, it was identified that art, with its
functions: aesthetic, social and cultural intervenes in society, suggesting that regardless of
Autor correspondente. Artigo recebido em 13 de maio de 2014. Aprovado em 17 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
1
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
31| EMERSON DE OLIVEIRA GOMES, RICARDO LIMA DOS SANTOS e ELANE DA SILVA BARBOSA
their structure and classification, it is necessary for the development of human beings. The
art of storytelling, in turn, will develop such an essential to the receiver meaning that it will
be able to establish an affective bond between the story told and the elements of his life. It
will favor therefore an emotional redefinition for the subject. To humanize the action is
already present in approaching various activities, such as storytelling, which will work
conflicting situations, which will ease the psychological suffering of the patient. The art of
storytelling is envisioned, then, as a driving tool, capable of with his playful and
streamlined actions, establish a more effective and also affective humanizing, creating a
healthy
and
enjoyable
space
within
the
hospital
environment.
Keywords: Arts; Storytelling; Humanization of Assistance.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história humana, a necessidade de interação sempre se mostrou através
do diálogo, seja através de desenhos, pinturas, gestos ou mesmo a fala. O ser humano
intrinsecamente necessita do outro para o fortalecimento pessoal, visto que somos seres
sociáveis e não isoláveis. O desenvolvimento criativo de expressão do ser humano é
reconhecido como arte, a qual, a cada dia que passa, insere-se mais na sociedade de forma
a contribuir diretamente com o desenvolvimento das pessoas, quer seja na educação, na
ação cultural, social, religiosa e na área da saúde (COUTO et al., 2009).
Quando essas ações são vinculadas à arte de contar histórias, inicia-se um novo
pensar, uma nova metodologia para colaborar com a vida do outro, seja de forma direta ou
indireta. O importante é saber que, com as ações lúdicas da contação de histórias,
desenvolve-se a capacidade de uma transformação psicológica, social, cultural e cognitiva,
tanto no emissor, quanto no receptor. Isso porque a atuação dessa atividade artística
envolve empatia, valores morais e éticos, os quais são capazes de promover uma revolução
no outro, de submeter o individuo a uma catarse, a uma redescoberta de si.
Parece ser generalizada a crise enfrentada na saúde brasileira. Hospitais
enfrentando problemáticas básicas como falta de infraestrutura, medicamentos e recursos
materiais, além de um corpo de profissionais insuficiente para atender a uma demanda de
pacientes, cada vez mais crescente.
Se os fatores técnicos se mostram desfavoráveis, paralelo a isso as situações de
irresponsabilidades aos cuidados dos enfermos por parte dos profissionais da saúde, tanto
nas questões técnicas de procedimentos, quanto no processo de afeição a eles também
parecem ser desfavoráveis. Isso implica uma falta de humanização e consequentemente
uma lentidão na recuperação da saúde dos pacientes. Haveria um meio ou forma alternativa
que amenizasse essa situação?
Nessas dicotomias entre a necessidade e a prática, a humanização como política
transversal na saúde supõe, necessariamente, ultrapassar as fronteiras, muitas vezes rígidas,
dos diferentes núcleos de saber e poder que se ocupam da promoção da saúde. Saindo
desse padrão estático e falido, que se apresenta, a utilização de ferramentas diferenciadas
como a arte-educação proporciona uma capacidade de desenvolver um mecanismo de ação
saudável, prazeroso, lúdico, vivo, humano (COQUEIRO et al., 2010).
Isso posto, este artigo objetiva investigar como a arte de contar histórias pode
colaborar com a recuperação e a promoção da saúde dos sujeitos.
METODOLOGIA
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
A Arte de Contar Histórias: uma estratégia para humanização na saúde |32
Trata-se de um artigo de natureza qualitativa, do tipo revisão de literatura. Sob essa
perspectiva, foram realizadas pesquisas em trabalhos científicos publicados em livros e
revistas eletrônicas, os quais estivessem de acordo com a temática investigada.
A coleta de dados foi realiza entre os meses de janeiro e junho, no ano de 2013.
Utilizou-se como critério de busca artigos que tivessem sido publicados no período de
2005 a 2013, apresentando os seguintes descritores: arte, contador de histórias,
humanização na saúde, arteterapia e psicoterapia. Os livros pesquisados foram aqueles
escritos em língua portuguesa, sendo publicados a partir de 2003, os quais versassem sobre
a contação de histórias, arteterapia e psicoterapia.
Após uma primeira análise dos títulos e conteúdos do material investigado, foi
realizada uma triagem para eleger apenas artigos indexados, logo em seguida foi
selecionado o que era de interesse para a pesquisa. Posteriormente, foi realizado um
fichamento do material bibliográfico coletado, a fim de não serem perdidos aspectos
importantes para o enriquecimento do estudo e confecção da redação final da pesquisa.
Por fim, os dados coletados foram organizados nas seguintes categorias: A arte e
suas intervenções na sociedade; O encantamento pela palavra: a arte de contar histórias e
Humanização na saúde e a contação de histórias: a valorização do ser humano.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A ARTE E SUAS INTERVENÇÕES NA SOCIEDADE
A arte no seu processo de democratização desenvolve estética e autenticidades
significantes ao processo de apreciação e absorção do conteúdo artístico. Essas
possibilidades estão ligadas ao desenvolvimento da compreensão individual e também
coletiva. Isso se deve à amplitude hermenêutica que a arte atribui ao desenvolvimento das
leituras das ações do mundo. Sob essa perspectiva, a verdade aparece como algo instável e
totalmente aberto. Assim, a arte é vista como um processo hermenêutico por excelência,
uma vez que o processo interpretativo está vinculado aos fatores das vivências individuais
de cada ser.
A arte poderia ser uma das bases da educação, já que muitos processos pedagógicos
estão restritos a processos cognitivos que concentram informações reproduzidas pelo
professor e desconectadas da própria experiência dos alunos. Essa atuação possibilitaria
uma abrangência e diversidade mais completa (FASANELLO; PORTO 2012).
A educação através da arte assume a perspectiva do encantamento e está inserida
numa proposta pedagógica que privilegia a orientação psicológica do adulto e da criança,
ou seja, uma educação dos sentidos. Essa proposta é pensada enquanto uma abordagem
integral da realidade, já que é na educação plural dos sentidos que estão baseados a
consciência, a inteligência e o pensamento do indivíduo humano. Com essa ação o
indivíduo está mais aberto a novas possibilidades. Desenvolve competências e habilidades
mais abrangentes, visto que esse processo dialético entre o lúdico, o ficcional e o real que a
arte oferece vincula-se, sem restrições, aos meios e mecanismos de compreensão e leitura
das coisas (FASANELLO; PORTO 2012).
A arte com as suas funções: estética, social e cultural intervém na sociedade,
sugerindo que independente de sua estrutura e classificação, faz-se necessária para o
desenvolvimento do ser humano. Assim, Araci Amaral (2003, p.10) enfatiza que “a arte é
real como a própria vida, necessita ter um sentido e um significado; existe porque não pode
deixar de existir”.
O ENCANTAMENTO PELA PALAVRA: A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
33| EMERSON DE OLIVEIRA GOMES, RICARDO LIMA DOS SANTOS e ELANE DA SILVA BARBOSA
Falar e expressar os sentimentos são o que diferencia o ser humano dos outros
animais. Essa ação verbal que constantemente necessita de complementos é exercida na
dialética essencial em busca da interação. E é através do expressar-se que construímos e
repassamos nossas culturas e tradições. Independentemente do tempo e do espaço, não há
povo ou civilização que não tenha manifestado a prática de comunicar-se, de trocar
experiências e dialogar, de passar suas lendas, tradições e costumes através da oralidade
(MANFERRARI, 2011).
A arte de contar histórias, por sua vez, trata-se de um artifício que vem sendo
utilizada desde os primórdios da civilização, quando se contavam histórias para repassar
crenças e ensinamentos de geração a geração. E como não somos seres estanques,
evoluímos, e assim, a arte de contar histórias trilhou sua evolução junto com o ser humano
no decorrer do tempo, possibilitando inúmeros aspectos relevantes para a sociedade,
oferecendo um desenvolvimento social, cognitivo, psíquico e afetivo. Com essa evolução,
essa prática ganhou formas, estilos e nuances, configurando-se como uma proposta
saudável para a sociedade. Referindo-se a essa importância, a contadora de histórias Betty
Coelho (2006) no livro Contar Histórias uma Arte sem Idade, depõe:
Pois é, já cheguei aos netos e a experiência prossegue, fornecendo-me elementos
para concluir que a arte de contar histórias é importante alimento da imaginação.
Permite a auto identificação, favorecendo a aceitação de situações desagradáveis,
acenando com a esperança. Agrada a todos, de modo geral, sem distinção de
idade, de classe social, de circunstância de vida (COELHO, 2006, p. 12).
É com esse pensamento que a ação dinâmica do contador de história apresenta-se
carregada de posicionamentos, contextualizações e situações totalmente favoráveis ao
desenvolvimento da humanidade. Isso porque ela vem carregada de sentimentos e
lembranças afetivas boas.
No percurso de suas significações para o desenvolvimento da humanidade, a arte de
contar histórias é processada e digerida como suprimento sustentável para o processo de
fortalecimento de diversas ações. Dessa forma, a ação do contador de história se pauta a
partir da necessidade que se apresenta, haja vista que essa técnica ou atividade mostra-se
capaz de se inserir sem ônus nas diversas atividades do ser humano, seja ela: educacional,
social, política e da saúde. Diretamente, essa afirmação e apropriação das histórias vêm
trazendo reconhecimento de que essa estratégia apresenta-se como ferramenta
cosmológica, ético-moral e dotadas de caráter curativo e preventivo (FASANELLO;
PORTO, 2012).
Portanto, em termos diversos, a prática de contar histórias, nessa
contemporaneidade vem estabelecer uma dialógica com as mais diversas manifestações
artísticas: teatro, dança, música, artes plásticas, circo. Esse diálogo é capaz de desenvolver
o encantamento para o público alvo, sejam crianças, jovens e adultos. E dependendo de
como se conta e pra quem se conta, as práticas dos contadores de histórias são imbuídas de
funções. E essas funções, estão ligadas às temáticas transversais e à diversidade em
questão ao qual o contador de história está inserido. Por isso, é necessário compreender
que cada atividade de histórias poderá está ligada a uma especificidade, pois não se mostra
aleatória, muito menos descontextualizada (FASANELLO; PORTO, 2012).
Além disso, a história desenvolverá uma significação tão essencial ao receptor, que
este será capaz de estabelecer um vínculo afetivo entre a história contada e os elementos de
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
A Arte de Contar Histórias: uma estratégia para humanização na saúde |34
sua vida. Sendo assim, ela favorece uma ressignificação emocional por meio da
historialização. Essa ação trabalhará o presente para conviver com o passado, de tal modo
que possibilitam a construção do simbólico, a partir de significantes que foram adotados ao
longo de sua vida, seja ela curta, seja ela longa. Assim sendo, a contação de histórias
oferecerá subsídios para que o ser construa na narrativa apresentada uma forma autêntica
de envolvimento lúdico que se transformará em um modo de brincar, de sentir, de se
emocionar, de viver (BRAGA et al., 2011).
Portanto, falar de histórias é poder identificar-se com os personagens, rir,
emocionar-se com os contos, a forma como se conta, os elementos e adereços que compõe
a narrativa. Esse processo funcionará como um propulsor do imaginário de quem escuta.
Nessa confabulação que envolve o contador de histórias e seus ouvintes, presenciaremos
uma sinergia capaz de criar um universo de total entrega das emoções. E, com as emoções
exacerbadas e envolvidas num clímax de interação, o contador de histórias, materializando
as histórias através de suas narrativas, vai estabelecendo uma diversidade de funções
colaborativas no seu público: educativa, social, psicológica e cognitiva. Estando essas
funções ativas, a narrativa lúdica promoverá um desenvolvimento saudável no seu público
(CASTANHA et al., 2005.)
HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE E CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS: A VALORIZAÇÃO
DO SER HUMANO
A humanização na saúde surge como um conceito e uma política de reflexão sobre
as ações voltadas aos bons cuidados com os pacientes. Essa temática ganhou respaldo e
subsídio a partir do momento que vários países se apropriaram e refletiram sobre as ações
dos profissionais da saúde frente aos direitos dos enfermos. Principalmente quando a
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS)
preconizaram a saúde como um direito fundamental do ser humano (GOULAR; CHIARI,
2010).
Diante dessa situação complexa que envolve muitas situações, começaram a surgir
direitos e deveres sobre esse processo. A esse respeito, é pertinente ponderar que
Direitos sociais e direitos individuais dos pacientes são coisas distintas.
Enquanto os primeiros são coletivos e dependem de escolhas e decisões políticas
em cada sociedade, os direitos individuais podem ser mais facilmente expressos
em termos absolutos e operacionalizados em função de pacientes tomados
individualmente (GOULAR; CHIARI, 2010, p 256).
Esse pensamento é fundamental para que a humanização seja efetiva. Mais de que
uma reflexão, ela deve ser encarada como uma prática saudável e sustentável. Isso
acontecendo com precisão, a sistematização da assistência humanizada aos pacientes será
embasada e concretizada dentro dos direitos individuais de cada ser.
Esse contexto de humanizar o atendimento na saúde, atualmente, vai além das
ações dos profissionais dessa área. Essa prática da humanização, percebida por muitos e
praticada por poucos, foi se propagando e desenvolvendo uma comunicação com outras
áreas, como: a arte, a educação e a religião. E, com isso, uma ação coletiva voltada para os
princípios individuais e coletivos dos pacientes vem sendo forjada. A partir do momento
que essas outras ações externas foram se inserido nas práticas hospitalares foi possível
atentar para o melhoramento da humanização. Não é o suficiente apenas as terapias
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
35| EMERSON DE OLIVEIRA GOMES, RICARDO LIMA DOS SANTOS e ELANE DA SILVA BARBOSA
medicamentosas, o atendimento pelo nome, as competências e habilidades técnicas dos
profissionais da saúde. A ação de humanizar também se faz presente na aproximação com
atividades diversas, que trabalharão situações que amenizarão o sofrimento psicológico,
como no caso da arte de contar histórias que se insere nos princípios da arteterapia
(BRAGA et al., 2005)
Arteterapia pode ser compreendida enquanto qualquer tratamento psicoterapêutico
que utilize como mediação a expressão artística (dança, teatro, música, contação de
histórias, etc.) ou as representações plásticas (pintura, desenho, gravura, modelagem,
máscaras, marionetes, entre outros). A expressão artística tem em comum a objetivação da
representação visual do domínio figurativo a partir da transformação da matéria. Assim,
através da interação das histórias contadas, existirão diferentes códigos de significação
onde as produções individuais podem encontrar seu sentido. Por isso, a abordagem artística
supõe uma atitude estética e levanta hipóteses sobre a função da existência, isto é, sobre a
comunicação simbólica na vida humana (BARBOSA et al., 2007).
É sabido que um hospital não é o local mais agradável de se estar. Não precisando
pensar muito, logo entendemos que quem se encontra em um ambiente hospitalar internado
mostra-se vulnerável, precisando de cuidados capazes de amenizar o sofrimento. Mas será
que essa é a nossa realidade? Infelizmente identificamos que não. É só ir a um hospital e
perceberemos insatisfações por parte do paciente e também dos profissionais.
É pensando nessas ações que pessoas ligadas ou não à saúde utilizam a arte como
subsídio para amenizar o sofrimento dos enfermos. Assim, a arte de contar história se
mostra efetiva nesse processo de colaborar com a promoção da saúde. O fato de estar
hospitalizado submete o indivíduo a várias outras complicações como o isolamento social,
a tensão psicológica, o medo, a insegurança, entre outras. Tratar dessa situação a partir do
imaginário das ações do contador de história é atenuar o sofrimento dos pacientes. É
colocar o paciente diante de uma situação prazerosa, capaz de desvincular de sentimentos e
emoções negativos. Agindo assim, o contador de história ainda estará colaborando com o
desenvolvimento cognitivo, criativo e afetivo (CASTANHA et al., 2005).
Sob essa perspectiva, o processo de contação de histórias vai além de imaginações e
passa a se tornar ações concretas e saudáveis, possibilitando aos pacientes um
direcionamento da ação do contador de histórias em busca de um foco que possa se
relacionar favoravelmente com a dor e a alegria. Portanto, cabe ao contador de histórias
estar desprovido de qualquer preconceito. Só assim, estabelecerá uma harmonia. É o que
diz Maria Helena Gouveia (2003, p.21), no livro Viva e Deixe Viver:
Não importa se são pobres ou ricos, brancos ou negros, em que hospital esteja se
tratando. Importa seriamente que se envolva, que façam parte do mundo mágico
do faz de conta que os levará a momentos alegres, a esquecer das injeções e dos
curativos, da dor e do sofrimento. Importa que a criança e o adolescente sintamse amados, que vivenciem aquele momento como inteiramente deles.
Isso é fundamental para o objetivo que se quer alcançar quando se conta histórias, e
também da relação que se quer conquistar com o ouvinte, já que é preciso estar imbuído de
afetos que possam ser oferecidos. Sendo assim, essa relação do contador de história com o
paciente o levará a outras possibilidades, mesmo que por poucos momentos. Com a prática
dinamizada e lúdica do contador de histórias, pode-se levar os pacientes à superação da
doença, a entender e exercitar o mecanismo psicológico do tratamento.
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
A Arte de Contar Histórias: uma estratégia para humanização na saúde |36
Isso implica numa ação generosa em possibilitar um momento mágico e
imprevisível, tornando, a partir de uma simples história narrada, um dia fantástico e um
desprendimento da vulnerabilidade estabelecida.
Nesse sentido, essa ação artística, desenvolve um mecanismo de comunicação e de
muita aproximação, capaz de, durante a ação do contador de história, o paciente tenha
espaço para verbalizar os seus sentimentos, os seus anseios, medos e frustrações, talvez
nunca antes relatadas à equipe de saúde. Essa experiência divertida, mágica e encantadora
pode estabelecer uma comunicação diferenciada com o paciente, já que, em muitas
situações, a argumentação lógica, racional e técnica pode não ser a melhor forma de
comunicação durante a estadia do paciente no hospital (LIMA et al., 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de desenvolvimento social, cultural, psicológico, artístico, educacional
das ações que se voltam ao ser humano, é possível preconizar algumas atividades
específicas que possam colaborar diretamente com o aperfeiçoamento do ser humano.
Quando isso acontece, há uma sinergia que abrange todas as pessoas que estão envolvidas
nesse processo.
Nesse caso, a arte entra como uma ação para facilitar, dinamizar e dar sentido à
vida das pessoas. Mostra-se generosa, colaboradora com os aspectos, sociais, políticos,
culturais e também da saúde. A arte promove situações prazerosas capazes de amenizar
frustrações, de possibilitar entretenimento, de desenvolver a cognição e a interatividade
com as demais pessoas.
Neste contexto, a arte de contar histórias vem cada vez mais resgatando seu espaço
na sociedade. Lançando mão de técnicas lúdicas, as ações dos contadores de histórias
podem colaborar efetivamente como estratégia para o processo de tornar-se humano.
Neste estudo, identificamos que a arte de contar histórias, quando se insere no
ambiente hospitalar, leva cores e dinamismo a esse espaço tão temido pelas pessoas.
Quando isso acontece, vemos tons vibrantes, ludicidade, um brilho todo especial capaz de
modificar para melhor a rotina hospitalar.
Os trabalhos científicos aqui estudados apontam que, onde as ações dos contadores
de histórias estão presentes, os enfermos se mostram mais felizes, mais saudáveis
psicologicamente. Essa prática ludoterápica efetivada como ação colaborativa dentro da
rotina hospitalar implica numa percepção plural carregada de significações essenciais,
capaz de possibilitar o enfretamento do problema em questão.
Isso significa que a arte de contar histórias pode efetivamente contribuir no
processo de humanização da saúde. Essa atividade, quando posta em prática, passa de uma
ação em si mesma e ultrapassa as fronteiras do sofrimento, transformando-se num remédio
para o corpo e para a alma.
A arte de contar histórias, que se confunde com a própria história da humanidade,
poderia até mesmo se constituir numa estratégia para se tornar cada vez mais humano, num
mundo globalizado, violento e autodestrutivo. O sofrer daquele que está num leito de
hospital não é diferente do sofrer daqueles que o querem ajudar e muitas vezes se veem
impotentes para tal, entretanto uma simples história contada com o coração pode tocar e
atenuar a mais intensa dor, amenizando com o bálsamo da palavra a falta de esperança,
renovando forças e mostrando que pode sim, humanizar-se a si próprio e às suas ações para
auxiliar na recuperação da saúde do outro.
REFERÊNCIAS
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
37| EMERSON DE OLIVEIRA GOMES, RICARDO LIMA DOS SANTOS e ELANE DA SILVA BARBOSA
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Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e
Funções Executivas: uma revisão teórica
Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) in Adults and Executive Functions: a
theoretical Review
Acy Holanda Mota1. Mestre em Psicologia, Universidade de Fortaleza, Unifor. Professora
da Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ. E-mail: [email protected]
RESUMO
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) por muito tempo foi
considerado um transtorno típico da criança e do adolescente, contudo, estudos recentes
mostram que o TDAH persiste em aproximadamente 50% a 70% dos casos na idade
adulta, sofrendo algumas modificações em seu quadro clínico com o passar do tempo. Com
isso, adultos com TDAH apresentam dificuldades na sua vida diária indicando prejuízo
sutil e persistente, com impacto em seu cotidiano e na sua qualidade de vida. Esses adultos
também demonstram comprometimento na vida social, familiar, afetiva, acadêmica e
profissional. Devido a isso, o presente artigo teve como objetivo fazer uma revisão
atualizada sobre o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – TDAH e sua relação
com as funções executivas. A metodologia aplicada foi uma pesquisa bibliográfica no
intuito de verificar como as alterações nas funções executivas, presentes neste transtorno,
dificultam as atividades diárias de seus portadores. Os resultados possibilitaram apontar
que alterações nas funções executivas, dentre as quais destacam dificuldade: (i) de se
relacionar; (ii) de manter a atenção por um período de tempo prolongado; (iii) para cumprir
prazos e obrigações pré-estabelecidas; (iv) para cumprir metas e rotinas. Ressalte-se que
essas dificuldades impactam no desempenho funcional dos indivíduos com TDAH
impactando negativamente em sua rotina e em sua qualidade de vida, pois tais funções são
responsáveis por alguns processos cognitivos que são necessários para o bom
funcionamento do comportamento no cotidiano.
Palavras Chaves: TDAH; Funções Executivas; Adultos
ABSTRACT
For a long time, ADHD was considered a typical disorder for children and teenagers,
however, recent studies postulate that ADHD persist in approximately from 50% to 70% in
adults with some changes in their clinical profile from time to time. Hence, adults with
ADHD present difficulties in their daily lives with little and lasting damage with impacts in
their quality of life. These adults also demonstrated commitment in their social, affective,
academic and professional lives. As consequence, the present study aims to revisit ADHD
and its relationships to the executive functions. An exploratory bibliographic methodology
was applied in order to verify how these changes in the executive functions raise
difficulties in their daily activities. The results pointed out that these changes in executive
functions such as difficulties in: (i) relationship bonds; (ii) dealing with attention for long
term; (iii) being committed in deadlines and formal obligations; (iv) dealing with goals and
Autora correspondente. Artigo recebido em 15 de maio de 2014. Aprovado em 20 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
1
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e Funções Executivas: uma revisão teórica |40
routines. These difficulties impact in the functional performance of the ones with ADHD
and raise more difficulties in their daily lives and in their quality of life as well. Moreover,
these functions are responsible for some cognitive processes that are necessary for the
good functioning of the daily adult behaviors.
Keywords: ADHD; Executive Functions; Adults
INTRODUÇÃO
Historicamente, os estudos sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade – TDAH deram ênfase à infância. Isso se deve ao fato de que os critérios de
diagnóstico, de acordo com o DSM- IV contemplarem características observadas em
crianças. Além disso, acreditava-se que os sintomas desse transtorno desapareceriam na
adolescência e por essa razão os adultos com o diagnóstico de TDAH acabavam não
preenchendo tais critérios. Contudo, estudos recentes demonstram que o TDAH persiste
em aproximadamente 50% a 70% dos casos na idade adulta, sofrendo algumas
modificações em seu quadro clínico com o passar do tempo (WENDER, 1995).
Observa-se nesses estudos (Kessler et al., 2006, Bolfer, 2009, Lopes et al., 2005,
Travella, 2004, Grevet et al., 2003, Barkley et al. , 2004, Wender, 1995, Faraone et al.,
2000), que adultos com TDAH apresentam dificuldades na sua vida diária indicando
prejuízo sutil e persistente, com impacto em seu cotidiano e na sua qualidade de vida.
Esses adultos também demonstram comprometimento na vida social, familiar, afetiva,
acadêmica e profissional (KESSLER et al., 2006). Além disso, algumas dificuldades
cognitivas podem estar presentes em especial, as alterações das funções executivas
(MATTOS et al., 2003).
Barkley (1997a) acredita que existem dificuldades cognitivas nesse transtorno,
dentre elas, uma das principais alterações está relacionada às funções executivas. Segundo
Pennington (1991) referenciado por Malloy-Diniz et al. (2008) as funções executivas
envolvem vários componentes que são: memória operacional, planejamento, solução de
problemas, tomada de decisão, controle inibitório, fluência, flexibilidade cognitiva e
categorização.
Segundo Malloy-Diniz et al. (2008), pacientes com alteração nas funções
executivas geralmente apresentam dificuldades no processo de tomada de decisão, passam
a tentar solucionar problemas pelo método de tentativa e erro, apresentam também
dificuldades em controlar os impulsos e tornam-se distraídos.
Por conseguinte, as funções executivas têm papel fundamental à medida que a pessoa
amadurece e passa a ser exigida uma capacidade de autonomia para tomar decisões e
resolver problemas. Por isso, elas capacitam o indivíduo para o desempenho de suas ações
do dia-a-dia de forma autônoma, auto-organizada e orientada para metas.
Assim, em função do que foi exposto, busca-se com esse trabalho, demonstrar como
as alterações nas funções executivas dificultam a vida familiar, acadêmica, profissional e
social no dia-a-dia dos adultos portadores do TDAH.
O interesse pelo referido tema reside no fato de que embora alguns estudos tenham
analisado as funções executivas em adultos com TDAH, ainda há lacunas na literatura
sobre o impacto das alterações dessas funções no cotidiano desses adultos.
HISTÓRICO E DEFINIÇÃO DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E
HIPERATIVIDADE – TDAH
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH teve suas primeiras
referências na literatura científica, no início do século XX, com o artigo do médico inglês
George Still, contudo, sintomas típicos deste transtorno já haviam sido descritos em 1845,
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
41| ACY HOLANDA MOTA
pelo médico Heinrich Hoffman em seu livro de poemas sobre crianças e seus
comportamentos. Wender (1995) e Rohde et al. (2000) revelam que a nomenclatura do
TDAH sofreu varias alterações desde o seu descobrimento, passando de lesão cerebral
mínima, disfunção cerebral mínima, hipercinese, síndrome da criança hiperativa e até
chegar, finalmente, ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH.
O TDAH é um transtorno no desenvolvimento do autocontrole, marcado por déficits
referentes aos períodos de atenção, ao manejo dos impulsos e ao nível de atividade
(BARKLEY, 2002a). Ele é um dos transtornos psiquiátricos mais comuns na infância, com
prevalência de 3 a 6% das crianças em idade escolar, segundo Rohde et al. (2000) e
Polanczyk et al. (2007). Barkley (2002b) relata que esse transtorno, apesar de iniciar na
infância, cerca de 50% dos sintomas persiste durante a vida adulta. Colaborando com essas
evidências, Amaral e Guerreiro (2001), Risueño (2001) e Souza et al. (2001) argumentam
que atualmente, estima-se que 60 a 70% das pessoas que tiveram TDAH na infância
mantêm o transtorno na vida adulta.
Segundo Halllowell (1999), foi em 1978 que se falou pela primeira vez em
hiperatividade em adulto, numa conferência, onde seus anais só foram publicados um ano
depois. Contudo, Silva (2003) ressalva que o TDAH em adultos, somente foi oficialmente
reconhecido em 1980, com a publicação do DSM-III pela Associação Americana de
Psiquiatria, dando início assim a vários estudos e publicações.
De acordo com Wender (1995), o TDAH pode ser melhor compreendido como um
problema dimensional, já que seus sintomas também podem ser encontrados no
comportamento de indivíduos normais. O que determinará a presença do TDAH, segundo
o autor, é a intensidade em que esses sintomas se apresentam e os prejuízos que acarretam
na vida dos indivíduos. A APA (1994) acredita também nessa idéia quando relata que para
se caracterizar tais sintomas como problema médico, os mesmos devem estar presentes
com uma intensidade maior do que é visto em indivíduos normais e estes devem trazer um
sofrimento significativo, assim como acarretar graves desfechos clínicos em longo prazo.
O TDAH é caracterizado pelos sintomas de desatenção, hiperatividade e
impulsividade Estes sintomas iniciam na infância, prejudicando o funcionamento em pelo
menos duas áreas da vida do indivíduo (APA, 1994). Entretanto, os sintomas se modificam
ao longo da vida. Nas crianças há uma combinação variável desses sintomas, entretanto na
vida adulta os problemas relacionados com a atenção persistem enquanto os sintomas de
hiperatividade tendem a diminuir (MONTANO, 2004). Wender (1995) acredita que a
hiperatividade motora converte-se em uma sensação de inquietude. Em contrapartida, as
alterações da atenção que estão ligadas à desorganização e alterações na função executiva
podem se intensificar, em função da maior complexidade das demandas na vida adulta,
como atividades ocupacionais e acadêmicas (BIEDERMAN et al., 2000).
Estudos recentes têm identificado alguns sintomas em adultos com diagnóstico de
TDAH. Segundo Roizblatt et al. (2003), o adulto com TDAH pode apresentar os seguintes
sintomas: 1- hiperatividade motora (incapacidade de relaxar, dificuldade para realizar
atividades sedentárias por muito tempo); 2- déficit de atenção (incapacidade para
concentrar em uma conversa ou leitura, distrabilidade, constante perda de objetos); 3labilidade emocional (variação de humor); 4 – temperamento explosivo; 5- dificuldades
com relações afetivas instáveis, instabilidade profissional que persiste ao longo da vida e
rendimentos abaixo de suas reais capacidades no trabalho e na profissão; 6desorganização, incapacidade de completar tarefas, cumprir o que se comprometem e de
estabelecer metas; 7- impulsividade (tendência a atuar impulsivamente como falar antes de
pensar, interromper a conversas dos outros, iniciar e terminar relacionamentos,
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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e Funções Executivas: uma revisão teórica |42
comportamentos de risco como direção imprudente); 8- instabilidade no matrimônio,
menor êxito acadêmico e profissional esperado para o seu potencial intelectual, abuso
álcool e de outras substancias ilícitas.
Conforme Mattos (2003), além desses sintomas, existem também os que permitem a
identificação de TDAH, mas não são considerados oficiais, como: baixa auto-estima;
sonolência diurna; “pavio curto” (mistura de impulsividade e irritabilidade); necessidade
de ler mais de uma vez; dificuldade de levantar de manhã; adiamento constante das coisas;
mudança de interesse o tempo todo; intolerância a situações monótonas e repetitivas; busca
constante por coisas estimulantes ou diferentes. Contudo, Mattos (2003) afirma que estes
sintomas devem aparecer de forma exacerbada.
Diferente do que acontece com outros transtornos, o TDAH é o único transtorno
psiquiátrico em que os critérios para seu diagnóstico são utilizados tanto para crianças e
adolescentes quanto para adultos. De acordo com Barkley (1998), os critérios diagnósticos
do TDAH têm se modificado muito nas últimas décadas acompanhando as evidências
epidemiológicas. Barkley (2002) coloca também que um dos problemas do TDAH é o
atraso no desenvolvimento da inibição de comportamento, isto é os indivíduos têm um
déficit na habilidade de inibir o comportamento.
O diagnóstico do TDAH é normalmente clínico, com base em dois sistemas
classificatórios, que são o DSM-IV da Associação Americana de Psiquiatria (APA, 1994) e
o CID-10 da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1992). O CID-10 é utilizado
oficialmente no Brasil e o DSM-IV é utilizado nos Estados Unidos e como critério
diagnóstico operacional da maioria das pesquisas científicas em TDAH, pois os critérios de
diagnósticos apresentados na CID-10 são considerados restritivos, devido não permitirem a
realização do diagnóstico, de tal transtorno, sem a presença de sintomas de hiperatividade.
Além disso, as evidências clínicas indicam a existência de três subtipos de TDAH que só
podem ser diagnosticados se forem utilizados os critérios do DSM-IV (APA, 1994).
Segundo Silva (2003), Rohde e Benczic (1999), Grevet et al. (2003) e Rohde et al.
(2000) os três subtipos de TDAH são: 1) predominantemente hiperativo/ impulsivo, 2)
predominantemente desatento e 3) forma combinada. Para os autores, o tipo
predominantemente hiperativo/ impulsivo é aquele indivíduo que não pára nunca, que
parece que o motor está sempre ligado. Um indivíduo impulsivo, primeiro age e depois
pensa, reage automaticamente sem avaliar as circunstâncias, se caracterizando por muita
inquietude e por uma energia acumulada sem fim.
Já os indivíduos desatentos caracterizam-se por não conseguirem dedicar foco a
detalhes, por cometerem erros por descuido, por demonstrarem dificuldade para
concentrar-se em tarefas e atividades e por não conseguirem dar atenção ao que lhes é dito.
Também apresentam dificuldade em terminar algo que começam a fazer, em seguir regras
e instruções, além de serem desorganizados com materiais e tarefas. Parece que estão
sempre no mundo da lua (ROHDE e BENCZIC, 1999). Para Silva (2003) o tipo
combinado é quando o indivíduo apresenta os dois conjuntos de critérios dos tipos:
desatento e hiperativo/impulsivo.
Contudo, ainda que existam princípios claros para a identificação do TDAH, há uma
dificuldade diagnóstica evidente no TDAH em adultos, que tem como principais motivos:
seus sintomas podem parecer com outros transtornos mentais; a maior parte desses
transtornos mentais também pode ser comórbida ao TDAH, dificultando, com isso, seu
diagnóstico (MONTANO, 2004); o histórico da identificação em adultos é recente, o que
faz com que seu diagnóstico não seja pensado, entre os clínicos e os profissionais de saúde.
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Etiologia
De acordo com Silva (2003), o TDAH tem etiologia multifatorial, sendo resultado de
uma complexa combinação de fatores genéticos, alterações estruturais e funcionais e
fatores ambientais. Estudos de neuroimagem e neuropsicológicos têm mostrado que
pacientes com TDAH possuem anormalidades na estrutura e função cerebral.
Os principais fatores ambientais envolvidos na etiologia do TDAH são o uso de
álcool e exposição ao tabagismo durante a gravidez e o baixo peso da criança ao nascer.
(LANGLEY et al., 2005). Outro fator de risco que está associado ao TDAH é a presença
do TDAH no progenitor. A alta herdabilidade do transtorno, em torno de 0,75, ressalta a
importância dos fatores genéticos na sua gênese. (FARAONE et al., 2000).
Outro estudo importante para o TDAH são os estudos bioquímicos, principalmente
os relacionados aos sistemas dopaminérgico, serotonérgico e noradrenérgicos. De acordo
com Silva (2003), Hallowell (1999), Rohde et al. (2003) e Mattos (2003), existe um
desequilíbrio entre alguns neurotransmissores, especificamente a dopamina, adrenalina e a
noradrenalina, que são substâncias responsáveis pela comunicação entre as células
nervosas.
Neurobiologia do TDAH
Valera et al. (2007) relata que as regiões mais afetadas e que apresentam as maiores
diferenças são o cerebelo, o corpo caloso, o córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior,
bem como o volume cerebral total e direito. Segundo Barkley (1997b) existem evidencias
que pacientes com TDAH apresentam uma redução do córtex pré-frontal direito. Para Silva
(2003), estudos mostram uma hiperfusão cerebral localizada na região pré-frontal e prémotora do cérebro. Muitas dessas regiões cerebrais estão envolvidas no processamento da
atenção, controle executivo, memória de trabalho e outras funções cognitivas.
Mattos et al. (2003) têm mencionado que o quadro clínico do TDAH pode ser de
responsabilidade das alterações no funcionamento do córtex pré-frontal e de suas conexões
com a rede subcortical. Seguindo essa mesma idéia, Knapp et al. (2002), acreditam que
alterações no córtex pré-frontal seriam responsáveis pelos comportamentos típicos do
TDAH, tais como o déficit em comportamento inibitório, memória de trabalho,
planejamento, auto-regulação e limiar para ação dirigida a objetivo definido. Mattos et al.
(2003) complementam o pensamento de Knapp et al. (2002) quando relatam que as
funções citadas acima compreendem subdomínios característicos do comportamento como
volição, habilidades para explorar, selecionar, monitorar e direcionar a atenção, inibir
estímulos diferenciados, antecipar e delinear meios de resolver problemas complexos,
prever conseqüências, apresentar flexibilidade na alteração de estratégias, e monitorar o
comportamento comparando-o com o planejamento inicial.
Colaborando com as idéias de Michele et al. (2005), Barkley (1997a) e Fischer et al.
(2005) colocam que o TDAH não é apenas um problema de atenção, mas também uma
alteração do conjunto de funções cerebrais complexas que englobam o que se denomina de
função executiva.
Barkley (1997b) sugere uma teoria, para o TDAH, que é baseada em uma alteração
no córtex pré-frontal que afeta a capacidade adaptativa da função executiva, onde essa
seria um déficit na capacidade de inibir respostas, o que explicaria os vários tipos de
manifestações e comprometimentos do transtorno.
Ainda colaborando com as idéias acima mencionadas, Lopes et al. (2005, p.69)
expõe que “ os lobos frontais possuem uma função executiva, compreendendo a
capacidade de iniciar, manter, inibir e desviar a atenção”. Expõem ainda que “gerenciar as
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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e Funções Executivas: uma revisão teórica |44
informações recebidas, integrar a experiência atual com a passada, monitorar o
comportamento presente, inibir respostas inadequadas, organizar e planejar a obtenção de
metas futuras é tarefa dos lobos frontais”. Por conseguinte, as autoras acreditam que “é
possível compreender muitas das manifestações de TDAH como resultado de uma
deficiência do desenvolvimento do processo inibitório normal, o que exerce papel
importante na função executiva do lobo frontal”.
FUNÇÕES EXECUTIVAS E TDAH
Definindo o que são as funções executivas, Malloy-Diniz et al. (2008, p.94), relata
que são:
um conjunto de processos cognitivos que, de forma integrada,
permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar
eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar
estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse
modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo.
Segundo Barkley et al. (2008), Diniz et al. (2008), Capovilla et al. (2007) e Ávila e
Miotto (2003), as funções executivas podem ser definidas como capacidades que permitem
a um indivíduo perceber estímulos do seu ambiente, responder adequadamente, mudar de
direção de modo flexível, antecipar objetivos futuros, considerar conseqüências e
responder de modo integrado, utilizando todas essas capacidades para alcançar um objetivo
final.
Já o estudo de Pineda (2000) mencionado por Grevet (2005) discorre que a função
executiva
é um conjunto de habilidades mentais que permitem a antecipação
e o estabelecimento de metas, o esboço de planos e programas, o
início das atividades e das operações mentais, a auto-regulação e o
monitoramento das tarefas, a seleção precisa dos comportamentos e
as condutas, a flexibilidade cognitiva e sua organização no tempo e
espaço, para se obter resultados eficientes na resolução de
problemas.
Para Lopes et al. (2005, p.70), as funções executivas podem ser definidas como sendo
“processos de controle que envolvem a capacidade inibitória, demora no tempo de resposta
que possibilite o indivíduo a iniciar, manter, deter e trocar seus processos mentais para o
qual deve estabelecer prioridades, organizar-se e por em prática uma estratégia”.
Bolfer (2009, p. 36) apresenta o conceito de função executiva como sendo
uma série de processos mentais que envolvem: planejamento,
seleção, inibição de respostas, percepção, atenção, memória
operacional, entre outros, e que essas funções incluem as
capacidades/habilidades de se antecipar, estabelecer objetivos,
planejar, monitorar resultados, comparando-os com o objetivo
inicial.
Segundo Malloy-Diniz et al. (2008), as funções executivas podem ser divididas em:
(1) memória operacional, que consiste no arquivamento temporário de informações; (2)
planejamento e solução de problemas, onde o planejamento é a capacidade de estabelecer a
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45| ACY HOLANDA MOTA
melhor maneira de alcançar um objetivo pré-estabelecido; (3) categorização e flexibilidade
cognitiva, donde a categorização é a capacidade que o indivíduo tem para organizar
informações em categorias que compartilham
características semelhantes; (4)
impulsividade, controle inibitório e tomada de decisões; e (5) fluência verbal e
comportamental, que consiste na capacidade do indivíduo de seguir regras pré-definidas.
De acordo com Lezak et al. (2004), as funções executivas podem ser divididas em:
(1) volição; (2) planejamento; (3) ação intencional; e (4) desempenho efetivo. Para esse
autor, a volição é a capacidade de estabelecer objetivos, onde é necessária a motivação e
consciência de si e do ambiente. Já o planejamento é a capacidade de organizar e prever
ações para atingir um objetivo, onde essa habilidade requer a capacidade para tomar
decisões, desenvolver estratégias, estabelecer prioridades e controlar impulsos. A ação
intencional é a concretização de um objetivo e planejamento, gerando uma ação produtiva.
Para que isso ocorra, é necessário que se inicie, mantenha, modifique ou interrompa um
conjunto complexo de ações e atitudes integrada e organizadamente. E, o desempenho
efetivo é a capacidade de automonitorar e auto-regular a intensidade e o ritmo do
comportamento e da ação, ou seja, é um controle funcional.
Malloy-Diniz et al. (2008), relatam que as funções executivas revelam importante
valor adaptativo para o indivíduo, pois seu comprometimento interfere no desempenho de
atividades complexas, sejam relacionadas ao trabalho, à vida familiar ou em outras
atividades do cotidiano.
De acordo com Assis (2008) o bem-estar na vida diária de um indivíduo é
inseparável da capacidade de buscar a satisfação de necessidades sociais, onde esse bem
estar social permite aos indivíduos um adequado relacionamento com o meio em que vive
e, conseqüentemente, uma boa qualidade de vida. Contudo, a autora coloca que para ter
essa qualidade de vida é necessário ter um conjunto de habilidades cognitivas que
envolvem desde a identificação até a tomada sistemática de decisões que direciona o
indivíduo a comportamentos adequados dentro do seu contexto social. Essas habilidades
cognitivas, segundo Assis (2008) quem organiza são as funções executivas, portanto são
elas que estão diretamente relacionadas com a eficácia do nosso funcionamento no dia-adia.
Bolfer (2009) complementa essa idéia colocando que em pacientes com TDAH, a
capacidade de responder, de forma adaptativa, a situações novas do cotidiano está
comprometida, devido ao fato de ocorrer uma disfunção na circuitaria fronto estriatal,
comprometendo com isso múltiplas funções executivas e a atenção. A autora colabora
ainda, revelando que esses pacientes, podem apresentar um baixo padrão de motivação
tornando-os irritados, chateados por não conseguirem concluírem suas atividades, além de
ficarem exaustos perante as demandas acadêmicas e sociais.
Grevet et al. (2003, p.447) relatam que alterações na função executiva “acarreta um
menor controle dos impulsos, dificuldades de reter informações, respostas verbais
inadequadas e problemas no controle motor a estímulos”.
Burges e Alderman (2004) citado nos estudos de Saboya et al. (2007) acreditam que
alterações nas funções executivas podem apresentar dificuldades que alteram o cotidiano
dos indivíduos, tais como: comprometimento da atenção sustentada, dificuldade em iniciar
tarefas, empobrecimento da estimativa de tempo, dificuldade de alternar de uma tarefa para
outra, bem como de lidar com tarefas distintas, problemas no controle de impulsos,
impaciência e inquietação, problemas de planejamento, agressividade, problemas de
seqüência cronológica e labilidade motivacional.
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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na Vida Adulta e Funções Executivas: uma revisão teórica |46
Lopes et al. (2005) expõem que alterações nas funções executivas no TDAH,
apresentam manifestações, tais quais: o indivíduo tende a atropelar tarefas; o indivíduo
tende a alterna tarefas, não conseguindo completá-las; o indivíduo buscar novidades;
dificuldade de focalizar e sustentar a atenção; o indivíduo apresenta problemas para
estabelecer prioridades; dificuldade na velocidade de processamento; dificuldade para
aceitar frustração e na modulação do afeto, apresentando algumas vezes baixa auto-estima,
hipersensibilidade a críticas e irritabilidade; dificuldade de manipular informações verbais
e não-verbais; e esquecimentos de responsabilidades e objetivos pré-estabelecidos.
Travella (2004) apresenta algumas alterações, nas funções executivas que se
vinculam ao TDAH, que são: (1) Focalização e sustentação da atenção (o indivíduo
apresenta distração fácil, isto é, é incapaz de filtrar estímulos, além de apresentar
inconstância e abandono precoce no que se envolve); (2) Utilização e evocação da
memória de trabalho (o indivíduo apresenta dificuldade em lembrar-se de
responsabilidades e objetivos pessoais); (3) Manejo da frustração e modulação do afeto (o
indivíduo apresenta baixa auto-estima, baixa tolerância a frustração, irritabilidade e
hipersensibilidade a críticas); (4) Alerta e velocidade de processamento (o indivíduo
apresenta sonolência excessiva, cansaço continuo, falta de motivação); (5) Organização,
hierarquização e ativação da informação (o indivíduo tem dificuldade para estabelecer
prioridades, apresenta dificuldade para se manter em determinadas atividades, trocando-as
continuamente, necessita de pressão para iniciar e cumprir atividades no tempo
determinado).
Com isso, percebe-se que o TDAH está associado a inúmeros prejuízos em diversas
áreas da vida dos adultos afetados por tal transtorno. Segundo Faraone e Biederman (1998)
e Barkley (2002b) adultos com TDAH apresentam história de disfunção escolar, incluindo
déficit no desempenho educacional, falta de disciplina, repetência escolar e transtornos de
aprendizagem. De acordo com os mesmos autores, esses problemas continuam ou pioram
caso cheguem ao ensino superior, pois muitos não concluem o Ensino Médio.
Além dessas dificuldades apresentadas, esses adultos têm mais chances de acidentes
de trânsito, de iniciarem a vida sexual mais cedo, com mais parceiros e com mais chance
de contraírem doenças sexualmente transmissíveis por não utilizarem o preservativo
(FARAONE et al., 2000). Faraone et al. (2000) e Barkley (2002a e 2002b) colocam que
esses adultos tendem a dificuldades no trabalho, com maiores taxas de demissões,
desemprego ou mudança de emprego, devido a atrasos, absenteísmo, grande números de
erros e falta de habilidades para alcançar expectativas. Os autores colocam ainda que
adultos com TDAH, em casa, brigam mais, tem maiores dificuldades nos relacionamentos,
tem mais separações e divórcios.
Barkley et al. (2004) ainda completa dizendo que, esses adultos tendem a gastos
impensados, negócios mal feitos, atitudes impensadas e uso de drogas ilícitas. Além disso,
Wender (1995) revela que adultos com TDAH tendem a tomar decisões precipitadas e
impensadas e também a terem inquietação mental, que para alguns parentes são
manifestação de ansiedade.
Observa-se que a preservação das funções executivas reflete a capacidade do
indivíduo de se adaptar, tanto na realização de tarefas de vida diária como em relação ao
adequado convívio social, pois todos os processos cognitivos são usados diariamente, tanto
para resolver problemas dos mais simples aos de maior complexidade.
Com isso, percebe-se que adultos com TDAH apresentam comprometimento na
capacidade de responder, de forma adaptativa, a situações novas e do cotidiano,
dificultando assim a sua vivencia no dia-a-dia. Grevet et al. (2003) coloca que o TDAH
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causa grande impacto na vida de seus portadores, causando relações inter-pessoais
instáveis e tumultuadas, baixo desempenho acadêmico e profissional, o que acarreta
grandes prejuízos no funcionamento familiar e social.
CONSIRERAÇÕES FINAIS
Esse artigo teve o objetivo de estudar o tema funções executivas em adultos com
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – TDAH, no intuito de verificar como
alterações nas funções executivas dificultam a vida familiar, acadêmica, profissional e
social no dia-a-dia dos adultos portadores de tal transtorno.
Observou-se no decorrer desse artigo que indivíduos com TDAH apresentam
alterações das funções executivas, causando com isso dificuldades em seu dia-a-dia. Isso se
deve ao fato das funções executivas serem responsáveis por alguns processos cognitivos
que são necessários para o bom funcionamento do comportamento no cotidiano.
Como foi visto, alterações nessas funções causam uma desorganização no cotidiano,
do adulto com TDAH, como: dificuldade de se relacionar, ocasionando instabilidades em
seus relacionamentos; dificuldade de manter a atenção por um período de tempo
prolongado; dificuldade para cumprir prazos e obrigações pré-estabelecidas; dificuldade
para cumprir metas e rotinas, dificuldade para lembrar compromissos, além de apresentar
rendimento abaixo de suas reais capacidades, instabilidade profissional, falta de
organização e disciplina, facilidade para perde objetos, tendência a atuar impulsivamente,
sem pensar nas conseqüências, dentre outras.
Em suma, a realização das atividades diárias e o convívio social adequado requerem
a integridades das funções executivas. Desse modo, a organização, antecipação,
planejamento, controle inibitório, memória de trabalho, flexibilidade, auto-regulação e
controle da conduta constituem requisitos importantes para uma boa convivência no
trabalho, na vida familiar, profissional e social dos indivíduos.
Assim, alterações nas funções executivas impactam no desempenho funcional dos
indivíduos com TDAH dificultando sua rotina e sua qualidade de vida.
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Protagonizando a Enfermagem: uma reflexão para entendê-la
Ronaldo da Silva Oliveira1. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidad San Lorenzo.
Professor da Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ. E-mail:
[email protected]
O mundo vivencia atualmente grandes mudanças de valorização da informação e da
tecnologia, a chamada era da informação ou sociedade do conhecimento, caracterizada,
principalmente, pela virtualização do ser humano e rapidez do processo de informação, cujo
poder maior recai sobre os meios de comunicação de massa, sobretudo, a Rede Mundial de
Computadores, a internet.
O entendimento e a compreensão do conceito de sociedade do conhecimento perpassa,
necessariamente, pela análise dos processos de transformação que ocorrem, atualmente, na
economia, na política e na cultura (TOFLER apud BORGES, 2000). As grandes mudanças
sociais, econômicas, políticas e tecnológicas, reconhecidas por Naisbitt e Alburdene (1992)
como megatendências que se distinguem no momento atual, são o deslocamento de
paradigmas entendidos como: mudança da sociedade industrial para sociedade da informação;
de economia nacional para economia mundial; de centralização para descentralização. Com
destaque, ainda, para a questão política que modela a nova civilização.
Parafraseando Tofler (2002) reconhecemos que os problemas mais recentes do mundo,
entendidos como sendo a fome, a energia, o controle das armas, a pobreza, a ecologia, o
colapso das comunidades urbanas, a necessidade de trabalho produtivo e compensador, a
saúde, dentre outros, não podem mais ser resolvidos apenas dentro da estrutura da ordem e
visão industrial. É preciso, pois, conhecer e gerenciar este conhecimento, uma vez que, o
mundo globalizado, o endeusamento da tecnologia, as novas tendências de mercado, a
exacerbação da produção do conhecimento científico e a velocidade da informação
transformam o usuário dos bens e serviços, que, na atualidade, se mostra cada vez mais
exigente e, também, mais conhecedor dentro deste universo que é a sociedade do
conhecimento. Desta forma, somos obrigados, todos nós, a nos manter atualizados e
preparados para a disponibilização da melhor oferta, pois os filhos não mais aceitam a
educação de ontem; os empregados necessitam de melhor tratamento para melhor produzirem;
os alunos questionam os métodos tradicionais de ensino-aprendizagem; os professores
questionam os comportamentos dos alunos; as novas pesquisas desmentem, rotineiramente, as
verdades tidas há bem pouco tempo atrás; a natureza mudou sua fenomenologia. Porém, o
homem continua inquieto, em busca de novas conquistas, novas descobertas e novos
conhecimentos na tentativa de melhor resolver os problemas da humanidade.
Como então, se comporta a enfermagem neste cenário de megatendências mundiais?
Para clarificar nossa reflexão, é preciso que voltemos um pouco no tempo e entendamos a
enfermagem enquanto Ciência e prática coletiva, e, por isso, eminentemente humana e social,
que busca através dos seus vários saberes, fundamentados em outras ciências, especialmente,
as ciências humanas e sociais, satisfazer a exigente clientela que compõe seus objetos de
trabalho, entendidos como sendo o cuidar ou assistir o ser-cliente da enfermagem, através da
restauração das necessidades humanas básicas, que no pensamento de João Mohana (1989)
são de características psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais, cujo habitáculo são o
Autor correspondente. Artigo recebido em 15 de maio de 2014. Aprovado em 20 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
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indivíduo, a família e a comunidade; o gerenciamento do serviço de enfermagem que, no
cerne de sua importância, traduz-se na qualidade do processo de trabalho cuidar e, por fim, a
educação em saúde onde se trabalha a promoção da saúde e a prevenção dos agravos, através
do conhecimento, na maioria das vezes, inexistente para o ser-cliente.
Entender a enfermagem enquanto prática social pressupõe o conhecimento de sua
origem que data do surgimento da própria existência humana, enquanto prática instintiva
necessária à sobrevivência dos grupos nômades, especialmente, crianças e idosos que
atrapalhavam o deslocamento constante desses grupos dentro de sua realidade sócioeconômica e cultural, perpassando pelo desenvolvimento das práticas de saúde mágicosacerdotais de visão mística e religiosa, e outras, igualmente empíricas, até sua evolução,
enquanto prática necessária ao desenvolvimento da sociedade capitalista que se inicia com o
incremento de práticas de saúde monástico-medievais, caracterizadas por fatores
socioeconômicos e políticos do medievo e da sociedade feudal e que corresponde ao
surgimento da enfermagem enquanto prática leiga, desenvolvida por religiosos.
As práticas de saúde neste contexto evoluem e a enfermagem se caracteriza pelo
desenvolvimento de práticas consequentes dos Movimentos Renascentista e da Reforma
Protestante, cujo poder clerical é diminuído e ela passa, então, às mãos de leigos, que, em
conjunto com as condições políticas, o baixo nível de qualidade dessas práticas e o seu
desenvolvimento pela mão de obra feminina contribuem para a conhecida fase de decadência
da mesma. Não obstante esta realidade, a enfermagem, em pleno apogeu da Revolução
Industrial do século XVIII, se vê obrigada a desenvolver suas práticas, agora, voltadas para o
sistema político-econômico da sociedade capitalista como prática profissional
institucionalizada, culminando com o surgimento da Enfermagem Moderna na Inglaterra do
século XIX. Surge neste cenário, a Dama da Lâmpada, Florence Nightingale, que dá à
enfermagem, embora respeitando os princípios impostos pela nova realidade social, novo
perfil profissional, iniciando-se, assim, o embasamento teórico-científico destacado por ela,
através de quatro conceitos fundamentais que seriam: ser humano, meio ambiente, saúde e
enfermagem. Ela enfatizou, sabiamente, que a arte da enfermagem consistia em cuidar, tanto
de pessoas doentes quanto de pessoas sadias, entendendo como ações interligadas da
enfermagem, o triângulo cuidar-educar-pesquisar, conseguindo, por tanto, apresentar a
enfermagem não mais como atividade empírica, desvinculada do saber especializado, mas
como ocupação assalariada que vem atender às necessidades de mão-de-obra nos hospitais,
constituindo-se como uma prática social, institucionalizada e específica que, para desenvolvêla, requer conhecimentos e prática, igualmente específicos.
A partir de então, a enfermagem preocupa-se com a elaboração do seu próprio
conhecimento, e, no arcabouço de sua cientificidade, conta com suas teorias que auxiliam, na
prática, o desenvolvimento desta profissão tão complexa quanto necessária, tendo como pano
de fundo, o desenvolvimento da Ciência da Enfermagem que, enquanto ciência hermenêutica,
e no pensamento da Doutora Wanda de Aguiar Horta (2004) visa alcançar o desenvolvimento
do ser humano e seus entes que são as próprias necessidades humanas básicas, cujo habitáculo
é o próprio ser humano. Mas como desenvolver no ser humano o hábito de autocuidar-se, se a
ele lhe falta casa, escola, transporte, terra para plantar, lazer, serviços de saúde e outros, que
são, em essência, requisitos básicos para a saúde e para a sobrevivência? Como ensinar o uso
do sanitário, do papel higiênico, o hábito de lavar as mãos, se grande parcela da população
não tem onde morar, faz suas necessidades fisiológicas, degradantemente, em qualquer lugar,
mora na rua ou em baixo de viadutos?
A enfermagem se constitui ciência porque é uma atividade humana, desenvolvendo
um conjunto crescente, do ponto de vista histórico, de técnicas, conhecimentos empíricos e
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Protagonizando a Enfermagem: uma reflexão para entendê-la |54
teorias relacionadas entre si e referente ao universo natural; seus fenômenos são reais e
passíveis de experimentação e suas conclusões apresentam certezas probabilísticas que
explicam as várias ciências, até mesmo as positivistas. Além do mais, a enfermagem é
transcendental e segundo Madeleine Leininger (1978) transcultural, no sentido de que,
independente da cultura de cada povo, este pode inserir em sua própria cultura o cuidado de
enfermagem que lhe é apresentado. Isto é conhecimento e caracteriza a sociedade do
conhecimento dentro dos paradigmas da enfermagem e vice-versa, oportunizando ao serenfermeiro o desenvolvimento das várias práticas e saberes do ser-enfermagem, entendido
como ciência, prática coletiva, humanitária e, eminentemente, social.
As várias teorias de enfermagem, bem como, os novos conhecimentos que surgem
mais e mais certificam, sem duvida nenhuma, a que categoria científica chegou a enfermagem
que, por sua vez, passa de profissão subalterna para essencial, haja vista que, o ato médico e
até de outros profissionais da área da saúde, não se realizam sem a ação da enfermagem. No
entanto, percebemos que se o SER-ENFERMAGEM conseguiu sua afirmação, diga-se,
necessária, para o reconhecimento científico, o SER-ENFERMEIRO encontra-se, ainda,
tateando em busca de organização para tentar assegurar, o mínimo indispensável à sua
sobrevivência: quer sejam condições dignas de trabalho e remuneração adequada. Para tanto,
necessário se faz que esse SER-ENFERMEIRO entenda o seu desafio maior, que é o de tentar
sobreviver ética e profissionalmente, nesse mercado de trabalho que aí se apresenta.
Entretanto, a leitura da realidade do mercado de trabalho nos leva ao entendimento de
quão sucateados estão todos os setores que compõem as áreas ditas das Ciências Sociais,
como sendo: a educação, a saúde e a própria ação social. O Estado, detentor maior da
demanda deste mercado, descompromete-se com o seu papel e atem-se a privilegiar os
detentores do capital. Com isto, vemos, a cada dia, agravar-se a situação de pobreza dos
trabalhadores, cujo poder aquisitivo está aquém de suas condições mínimas de sobrevivência.
A desvalorização profissional, as péssimas condições de trabalho e o descompromisso político
para com as transformações são elementos que devem ser interpretados à luz dos aspectos
éticos, morais, conjunturais e históricos para que ultrapassemos a crítica e cheguemos às
ações viáveis.
Parece-nos, portanto, que, dentro desta perspectiva, o papel do profissional da
enfermagem, torna-se, ainda mais essencial, pois se amplia com esta realidade, a importância
desta profissão que é tão antiga quanto a própria humanidade e, que tem, substancialmente,
evoluído do ponto de vista técnico-científico, ético e pedagógico e que, a cada dia, cumula
novos conhecimentos, não apenas no ponto de vista técnico, enquanto execução de práticas
manuais dispensadas no ato de cuidar, mas, sobretudo, do ponto de vista científico e social,
quando elabora e se apropria do conhecimento elaborado de sua área específica, bem como do
conhecimento elaborado no campo das ciências afins e o propaga e o dissemina, através dos
seus vários saberes, que no pensamento de Dermeval Saviani (1983) são a competência
técnica e a competência política.
Na primeira, a competência técnica, o trabalhador apropria-se do saber elaborado e
acumulado historicamente. Na segunda, a competência política, o trabalhador supera a
reflexão da crítica e a análise polêmica da reflexão da realidade, superando, também, a fase
meramente negativa da crítica e da denúncia para chegar à ação, ou seja, à intervenção da
realidade.
Esta realidade no sistema capitalista, que é para nós, enfermeiros, permeada de
conflitos e contradições que precisam ser superados no sentido de servirmos de força de
pressão para sua transformação, uma vez que, a cada dia, exacerba-se mais, o caótico quadro
das condições dos serviços de saúde, onde fica difícil e, por vezes, impossível, a realização do
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mais simples e elementar procedimento pela equipe de enfermagem. Associadas a estas
questões, encontram-se, não menos importantes, o aspecto salarial que, sempre mais defasado,
obriga-nos, a nós, trabalhadores da enfermagem, acumularmos dois ou mais empregos para a
satisfação de nossas necessidade básicas e de nossos familiares, acumulando, também,
exaustivas horas de trabalho, mesmo que, ainda, em um só emprego, haja vista que 40 horas
semanais dedicadas ao cuidar de pessoas, geralmente, adoecidas, constituem carga horária
excessiva que, por conseguinte, interfere negativamente na qualidade do cuidado prestado ao
paciente/cliente. Para cuidar é preciso ser cuidado e entende-se que este cuidado que deveria
ser prestado aos profissionais da enfermagem (e da saúde como um todo), perpassa,
exatamente, pelas condições dignas de trabalho, incluído as técnico-materiais e psicológicas,
remuneração e jornada de trabalho adequadas e tempo disponível para estudos e educação
permanente.
Assim, é preciso termos claro, o papel social, político e técnico do enfermeiro que
ganha forma e se concretiza como função, especialmente, transcendental porque sai da sua
visão estreita do cuidar e explora as várias vertentes e possibilidades sociais para caracterizar
este cuidar dentro desta Sociedade dita do Conhecimento que a cada dia se transforma e se
complexifica, dadas as muitas e novas descobertas que, por conseguinte, exige do
profissional, não só da enfermagem, mas de todas as áreas do conhecimento, uma postura, no
mínimo, voltada para o entendimento dessas novas tecnologias.
Por fim, gostaria, apenas, de acrescentar que o ser-enfermagem é, em sua plenitude,
essencialmente, transcendental, pois com ela, estão:
A dor, mas também a alegria;
O choro, mas também o riso;
O cansaço, mas também o descanso;
A morte, mas, essencialmente, a vida.
REFERÊNCIAS
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A Aprendizagem sobre a Condição Humana para os Profissionais de Saúde em o
Pequeno Príncipe
The Learning of Human Condition for Health Professional in The Little Prince
Elane da Silva Barbosa1. Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte - UERN. Professora do Curso de Enfermagem e Coordenadora dos Cursos de
Especialização da área da Saúde da FVJ. E-mail: [email protected]
Ailton Siqueira de Sousa Fonseca. Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP. Professor do
Departamento de Ciências Sociais e Política da UERN. Professor do Programa de PósGraduação em Educação, nível mestrado e do Mestrado Interdisciplinar em Ciências
Sociais e Humanas da UERN.
Camila de Araújo Carrilho. Mestranda pelo Programa de Cuidados Clínicos em
Enfermagem e Saúde da UECE.
Jocasta Maria de Oliveira Morais. Mestre em Saúde e Sociedade pela UERN. Tutora do
Curso de Enfermagem da Universidade Potiguar – UnP.
RESUMO
A busca pelo conhecer a si mesmo tem sido esquecida, o que vem repercutindo nos vários
âmbitos da vida, inclusive no profissional. Na saúde, o cuidado construído pelos
profissionais está se tornando tecnicista e racionalista. A literatura, por sua vez, pode
ajudar os seres humanos a encontrarem a sua identidade humana, ao abordar as
singularidades de personagens inseridos num tempo e espaço. Este artigo objetiva pensar
como o romance O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, pode contribuir para a
reflexão sobre a condição humana, particularmente a dos profissionais de saúde. A
presente reflexão alicerçar-se-á em dois personagens que o príncipe encontra ao passear
pelos planetas: o rei e o homem de negócios, os quais personificam as ações humanas
quotidianas, inclusive no exercício de uma profissão. Na saúde, podem ser facilmente
identificados. A fragmentação do ser humano em sistemas ou em órgãos ou sua redução a
uma patologia são exemplos das certezas criadas pela ciência, representada pelo rei. A
fragilidade das relações entre profissional e usuário exemplifica a postura do homem de
negócios na saúde. Sendo assim, o romance O pequeno príncipe conduz a uma reflexão
poética e filosófica sobre a vida, as relações humanas, a ética, a prática profissional.
Palavras-chave: Condição humana; Profissional de Saúde; O Pequeno Príncipe.
ABSTRACT
The quest for knowing oneself has been forgotten, which has repercussions in all areas of
life, including professional. In health, the care built by the professionals are becoming
technical and rationalist. The literature, in turn, may help humans find their human
identity. This article aims to consider how the novel The Little Prince, of Antoine de SaintExupéry, can contribute to reflection about our human condition, particularly of the health
1
Autora correspondente. Artigo recebido em 20 de maio de 2014. Aprovado em 23 de junho de 2014.
Avaliado pelo sistema double blind review.
Revista Interfaces da Saúde · Aracati · CE · ano 1 · nº1 · Ago 2014
A Aprendizagem sobre a Condição Humana para os Profissionais de Saúde em o Pequeno Príncipe |58
professionals. This reflection rest in two characters that the prince finds when touring
planets: the king and the businessman, which personify the everyday human actions,
including the exercise of a profession. In health, can be easily identified. The
fragmentation of the human in systems or organs or their reduction to a pathology are
examples of the certainties created by science, represented by the king. The fragility of the
relationship between professional and patient exemplifies the attitude of businessman in
health. Thus, the novel The Little Prince leads to a poetic and philosophical reflection on
life, human relations, ethics, professional practice.
Keywords: Human Condition; Health Professional; The Little Prince.
INICIANDO A REFLEXÃO...
O desenvolvimento técnico-científico está ocasionando inúmeras transformações na
vida das pessoas. Pode-se dizer que se trata de uma revolução. Uma poderosa revolução
nos valores humanos. Luz (2004) diz que novos valores estão vindo à tona, em
compensação outros estão sendo perdidos ou colocados em segundo plano. A busca pelo
ter, pela acumulação de bens materiais prevalece. A busca pelo conhecer a si mesmo, pelo
ser, tem ficado em segundo plano.
Esse paradigma de valores humanos que vem se consolidando no nosso contexto
societário repercute nos vários âmbitos da vida, inclusive no profissional. No setor saúde
não é diferente. O cuidado construído pelos profissionais de saúde está se constituindo num
cuidado meramente tecnicista, que se reduz a procedimentos racionalistas, nos quais a
subjetividade inerente à relação entre humanos é negada. Por isso, amplamente vem se
discutindo a necessidade da humanização ou do resgate do cuidado na produção do serviço
em saúde, numa tentativa de valorizar o ser humano.
É importante fazer algumas ponderações acerca da discussão da humanização e do
resgate do cuidado. Muitas vezes, essa é restringida apenas ao ser profissional. É preciso
recordar que o ser profissional não abraça ou expressa toda a condição humana. Aquele é
somente uma dimensão pequena dessa condição. Esperidião (2001) defende que os
profissionais de saúde só serão capazes de reconhecer o outro – o usuário - como ser
humano, se forem capazes de reconhecer a sua própria condição humana.
A crise vivenciada no setor saúde não é simplesmente uma crise do profissional que
está perdendo seus valores éticos, mas é, antes de tudo, uma crise ética do humano. Morin
(2007a) apresenta o argumento de que, para vivenciarmos a ética nas relações sociais,
precisamos, a priori, de uma auto-ética, uma ética de si mesmo.
Não há como repensar os avanços nem os aspectos nefastos da civilização, da
ciência e da tecnologia, nem fazer uma crítica ao projeto excêntrico da cultura
humana se não nos auto-interrogarmos e reformarmos nossa visão de mundo
(ALMEIDA, 2003a, p. 195).
Ajudar os sujeitos a assumir sua condição humana, eis uma das finalidades da
educação defendida por Morin (2003). É preciso (re)ligar os saberes. Unir as ciências
humanas às ciências da vida, permitindo uma visão integral do ser humano, isto é, um ser,
ao mesmo tempo, biológico, cultural, histórico, econômico, psíquico, mítico, marcado pela
razão, pelas emoções e pelos instintos (MORIN, 2007b).
A literatura pode ser uma escola da vida, isto é, uma estratégia para auxiliar os seres
humanos a encontrarem a sua identidade humana. A literatura tem o poder de revelar a
universalidade da complexa condição humana, ao abordar as particularidades de
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JOCASTA MARIA DE OLIVEIRA MORAIS
personagens inseridos num tempo e espaço. Em toda obra da literatura há um grande
pensamento sobre a condição humana (MORIN, 2003).
Objetivamos, pois, neste artigo pensar como a literatura pode contribuir para que os
profissionais de saúde reflitam sobre a sua condição humana. O romance O pequeno
príncipe será o operador cognitivo que permitirá pensar sobre essas questões.
CONHECENDO O PEQUENO PRINCÍPE...
O pequeno príncipe foi publicado no ano de 1943, pelo francês Antoine de SaintExupéry. Aparentemente, como o próprio autor prefacia, parece destinado exclusivamente
para crianças, mas, quando fala em infância, não se refere à fase cronológica da vida. Todo
ser humano guarda em si o ser criança. Como diz Morin (2007b, p. 86): “[...] através da
multiplicidade sucessiva das idades, cada um, sem perceber, carrega, presente em todas as
idades, todas as idades”.
A beleza do livro talvez seja a de resgatar a criança adormecida que existe em nós,
fazendo-nos enxergar o encanto do quotidiano e, por meio disso, exercitar o olhar sensível
e a razão poética capazes de perceber o “humano do humano” que habita em nós.
O romance aborda a estória de um príncipe que vivia em outro planeta e decide
visitar a Terra. O narrador anônimo desse livro se encontra com ele quando o seu avião cai
no deserto do Saara, na África. Enquanto o narrador se empenha para consertar seu avião,
ouve o príncipe chamando-o para desenhar uma ovelha. Então, nasce uma relação de
amizade entre os dois (SAINT-EXUPÉRY, 2007).
No seu planeta, o príncipe tinha uma rosa que ele muito amava, por isso a protegia.
As exigências da flor eram proporcionais à sua beleza. Um dia, cansado de ouvir seus
reclames, o príncipe deixou o seu pequeno planeta, o asteroide B12, para conhecer outros
lugares. Antes de chegar à Terra, visitou muitos planetas, os quais eram habitados por
pessoas que viviam isoladas: um rei, um vaidoso, um homem de negócios, um bêbado, um
acendedor de lampiões, um geógrafo. Ao chegar ao planeta Terra, encontra uma raposa que
lhe dá alguns ensinamentos sobre o amor, dizendo que, embora encontre um jardim cheio
de flores, a sua flor sempre será única, pois criaram laços. Com saudades da sua rosa, ele
retorna ao seu planeta. O narrador, por mais que tenha ficado triste com a sua partida,
entende que sempre serão amigos e que, ao olhar para as estrelas do céu, se recordará do
seu pequeno príncipe (SAINT-EXUPÉRY, 2007).
A fim de apresentar aprofundadamente as nossas ideias, optamos por trabalhar com
dois personagens que o príncipe encontra ao passear pelos planetas: o rei e o homem de
negócios.
O REI: A AUTORIDADE RACIONAL NEGA O OUTRO
O primeiro planeta que o príncipe visitou era habitado por um rei que, embora
morasse sozinho, acreditava que todos eram seus súditos.
Ah ! Eis um súdito, exclamou o rei ao dar com o principezinho.
E o principezinho perguntou a si mesmo:
Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu?
Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito simplificado. Todos os homens
são súditos.
Aproxima-te, para que eu te veja melhor, disse o rei, todo orgulhoso de poder ser
rei para alguém (SAINT-EXUPÉRY, 2007, p. 19).
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A Aprendizagem sobre a Condição Humana para os Profissionais de Saúde em o Pequeno Príncipe |60
O monarca começou a dar ordens ao príncipe, porque fazia questão de ser obedecido.
Para convencer o príncipe a ser seu súdito, ofereceu-lhe um cargo de Ministro da Justiça. O
príncipe lhe interrogou a quem julgaria se ele morava sozinho no planeta. “Tu julgarás a ti
mesmo, respondeu-lhe o rei. É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a si mesmo que
julgar os outros. Se consegues julgar-te bem, eis um verdadeiro sábio” (SAINTEXUPÉRY, 2007, p. 21). Isso mostra que, por mais que o rei fosse autoritário em alguns
momentos, dava ordens permeadas por conhecimentos importantes para a vida. Mas o
príncipe não aceitou as propostas do monarca e continuou seu passeio por outros planetas.
Como uma criança que era, o príncipe não pensava ainda sobre si mesmo, não julgava a si
próprio. Como toda criança, ele queria descobrir, brincar, viajar, se encantar, viver. Porém
a sua viagem se torna também uma viagem de descoberta de profundas e elementares
aprendizagens da vida.
Na condição de seres humanos, agimos assim. O rei encarna os ideais da ciência.
Quando nos vestimos com as vestes reais da ciência, passamos a acreditar que só nós
temos o conhecimento, que só tem valor o que nós falamos, que somente nós temos a
autoridade necessária para discorrer sobre um tema e todos devem ficar submissos à nossa
autoridade científica, cumprindo as nossas ordens.
O conhecimento científico trouxe muitos progressos. A ciência nos permitiu
desvendar mundos inexplorados. Conhecer realidades sequer imaginadas. A ciência, no
entanto, também trouxe consequências negativas para a humanidade (MORIN, 2007c).
É perceptível nesse contexto a necessidade de superar a visão que polariza a ciência
como algo bom ou como algo ruim. Ela apresenta pontos negativos e positivos (MORIN,
2007). O rei bem sabe disso:
É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade
repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão
todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens
são razoáveis (SAINT-EXUPÉRY, 2007, p. 20).
Um aspecto positivo e negativo do desenvolvimento científico pode ser observado
na criação de disciplinas. Se por um lado compartimentar os saberes em disciplinas
permitiu ao homem alcançar um conhecimento extremamente específico sobre
determinadas temáticas, por outro lado gerou não apenas a divisão do trabalho, mas a
superespecialização, que leva à perda da visão generalista e à fragmentação dos saberes.
Cada vez se sabe mais sobre cada vez menos. Além disso, a superespecialização gera um
enclausuramento (MORIN, 2007c). Um isolamento não só dos saberes, mas de quem
produz os saberes. Era por isso que o rei vivia sozinho em seu reino, porque suas verdades
científicas o isolaram da vida com-os-outros. O rei, por viver sozinho no seu planeta, criou
suas próprias regras e acreditou que todos deveriam segui-las sem questioná-las por causa
da sua autoridade.
Nós fazemos a mesma coisa. Estudamos, pesquisamos, produzimos conhecimentos e,
por isso, passamos a acreditar que temos autoridade científica e os outros devem seguir
nossos pensamentos, nossas ideias, nossos ideais. Desvalorizamos o conhecimento do
outro, porque não está vestido com o manto aristocrático da ciência que nós acreditamos
como “a verdadeira e única”. Ao fazer isso, esquecemo-nos de que “nossas ideias não são
reflexos do real, mas traduções dele” (MORIN, 2007c, p. 145). Cometemos o pior erro:
crer que possuímos a verdade absoluta. Essa atitude nos impede de enxergar nossos erros.
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JOCASTA MARIA DE OLIVEIRA MORAIS
Assim fez o rei: impôs sua verdade ao príncipe. Nunca assumiu seu limite: não tinha
súditos. Morava sozinho no planeta.
Enquanto profissionais de saúde estamos incorporando o estereótipo do rei em
nosso dia a dia. Temos dificuldade de assumir que somos limitados, que somos falíveis,
que não podemos fazer nada em alguns casos. “As capacidades da ciência, bem como o
poder médico, parecem sem limites, ou quase, pelo menos nas esperanças dos
pesquisadores” (PAUL, 2008, p. 36).
É como se as certezas fossem o amuleto capaz de espantar o fantasma dos limites,
das impossibilidades, da imprevisibilidade; as certezas são as âncoras das verdades
cotidianas e científicas. Na saúde, os amuletos preferidos são a fragmentação do ser
humano em sistemas/em orgãos e a redução dele ao quadro clínico, isto é, a sinais e
sintomas de uma patologia. Cada especialista sabe cada vez mais sobre um sistema, um
órgão e cada vez menos sobre o ser humano na sua integralidade. Conhece as partes, mas
não o todo que há nas partes e as partes que formam o todo.
O homem é reduzido a um corpo compartimentado, fragmentado, dividido. Um
corpo biológico que está doente. Incapazes de controlar tudo aquilo que nos cerca, nós nos
apegamos àquilo que podemos controlar:
Absorvemo-nos em observar “os sete sinais do câncer” ou “os cinco sintomas da
depressão”, ou em exorcizar o espectro da hipertensão e do colesterol alto, do
estresse ou da obesidade. Em outras palavras, buscamos alvos substitutos, nos
quais possamos descarregar o excesso de medo impedindo de ter acesso aos
escoradouros naturais, e encontramos esses paliativos nas cuidadosas precauções
contra a fumaça do cigarro, a obesidade, a comida da lanchonete, o sexo
desprotegido ou a exposição ao sol (BAUMAN, 2004, p. 92).
Nesse sentido, “a medicina tende mais a preocupar-se com os mecanismos da
doença do que com a pessoa” (PAUL, 2008, p. 39), porque é mais fácil, mais simples, mais
previsível conhecer a fisiopatologia, os sinais e sintomas de uma doença do que se
aventurar a conhecer a condição humana. Como nos alertam Boff e Leloup (2001, p. 18):
“E algumas vezes nós estudamos demais o ser humano a partir de suas doenças, quando
poderíamos conhecê-lo melhor a partir de seu estado de matização”. É preciso cuidar
daquilo que não está doente. “Cada sintoma pede uma interpretação em diferentes planos,
evitando o encerramento da pessoa num único nível” (LELOUP, 2009, p. 22).
Sob essa perspectiva, é compreensível que os profissionais de saúde tenham
dificuldade de conseguir a participação dos sujeitos em ações educativas. Os usuários
questionam o sentido de participar de atividades nas quais sua realidade é negada, seus
saberes são desprezados, sua voz é o silêncio. São dadas apenas orientações a serem
seguidas. Orientações acerca dos cuidados em relação a patologias, e não cuidados em
relação à vida. Mais do que os próprios trabalhadores da saúde, os usuários sabem que a
vida não se reduz a doenças. Talvez estejam fazendo como o pequeno príncipe: “Como o
rei não dissesse nada, o principezinho hesitou um pouco; depois, suspirou e partiu”
(SAINT-EXUPÉRY, 2007, p. 21).
O HOMEM DE NEGÓCIOS: A FRAGILIDADE DAS RELAÇÕES
INTERPESSOAIS
O Príncipe visitou outros planetas. “O quarto planeta era o do homem de negócios
que estava tão ocupado que sequer levantou a cabeça” (SAINT-EXUSPÉRY, 2007, p. 24),
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A Aprendizagem sobre a Condição Humana para os Profissionais de Saúde em o Pequeno Príncipe |62
num comportamento típico dos homens de negócios de hoje que não tem tempo para nada
nem para ninguém, fala com o outro como se falasse com uma máquina. O homem de
negócios preocupava- se em contar, contar, contar. Contar o número de estrelas. Não tinha
tempo para apreciá-las.
São pois quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e
trinta e um.
Quinhentos milhões de quê?
Hem? Ainda estás aqui? Quinhentos e um milhões de... eu não sei mais ... Tenho
tanto trabalho. Sou um sujeito sério, não me preocupo com ninharias! Dois e
cinco, sete... (SAINT-EXUSPÉRY, 2007, p. 24).
A cultura de nossa época, a educação de nosso tempo nos estimula a nos comportar
como o homem de negócios. Não podemos perder tempo. Dedicamos mais, mais e mais
horas para o trabalho e esquecemos o restante da nossa vida. Fazemos da profissão a nossa
vida. Reduzimos a nossa vida ao trabalho. O importante são os dígitos na nossa conta
bancária, os bens acumulados. Privilegiamos o ter, em detrimento do ser. Necessitamos do
ter para viver. É interessante, no entanto, pensar que o ter precisa se alicerçar no ser. Vida
cheia de ter, às vezes, fica vazia de ser. Ter sem ser é sinônimo de vida sem sentido.
É pertinente a percepção de Bauman (2004) ao afirmar que vivemos numa sociedade
moderna líquida, cuja principal característica é a fragilidade dos vínculos entre os seres
humanos. Os relacionamentos interpessoais são rompidos com a mesma rapidez que se
estabelecem. “Velocidade, e não duração é o que importa” (BAUMAN, 2004, p. 15). Na
vida líquida, transferimos a lógica do mercado para os relacionamentos. O homem de
negócio dá pouca importância aos relacionamentos e uma grande prioridade a lógica
mercadológica. “A vida líquida é uma vida de consumo” (BAUMAN, 2004, p.15). Na
sociedade de consumo, somos levados a consumir cada vez mais os produtos das
prateleiras das lojas. O importante é ter. Ter cada vez mais e com um lucro cada vez maior.
“Como se esvazia o sentimento de ser, é preciso ter. E muito. Sempre mais” (ALMEIDA,
2003a, p. 297). As pessoas passam a ser números. Objetos a serem consumidos.
O homem de negócios é um exemplo do ser humano movido pelos ideais da
sociedade de consumo. Para ele importava somente saber o número das estrelas, e não a
intensidade do brilho delas. Admirar a sua beleza não tinha valor. “Eu sou um sujeito sério.
Gosto de exatidão” (SAINT-EXUPÉRY, 2007, p. 24).
Para Buber (2001), o eu, o ser humano, estabelece dois tipos de relacionamentos:
com outro ser humano, chamado de tu, e com objetos, o isso. Precisamos dos dois tipos de
relacionamentos. Em alguns casos, quando perdemos a compreensão da condição humana
do outro, tratamos o “tu” como se fosse “isso”. Ou nos relacionamos apenas com o “isso”,
esquecendo o “tu”. “E com toda seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem
isso, mas aquele que vive somente com o isso não é homem” (BUBER, 2001, p. 39).
Quando nos relacionamos só com o “isso”, não sabemos nos relacionar com o “tu”. O
Homem de negócios é um exemplo disso. Eis um trecho de um diálogo dele com o
pequeno príncipe:
Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões
que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está extinto. A gente
nunca sabe. É útil para os meus vulcões, e útil para a minha flor que eu os
possua. Mas tu não és útil às estrelas...
O homem de negócios abriu a boca, mas não achou nada a responder, e o
principezinho se foi... (SAINT-EXUPÉRY, 2007, p.24).
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O homem de negócios não sabia que as coisas importantes da vida não podem ser
quantificadas. “E isto porque existem inúmeros domínios da condição humana não
contábeis: nem tudo é produto para o mercado” (ALMEIDA, 2003b, p. 302). “A
quantificação não indica nada sobre as qualidades” (MORIN; TERENA, 2004, p. 31);
ensina o pequeno príncipe ao homem de negócios: “Eu, se possuo um lenço, posso colocálo em torno do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colher a flor e levá-la
comigo. Mas tu não podes colher as estrelas” (SAINT-EXUPÉRY, 2007, p.24).
Restrepo (1994) diz que fugir do amor é facilmente perceptível na figura do
empresário, do executivo, isto é, do homem de negócios, que, por ter medo de viver a
ternura, se refugia no trabalho, criando uma espécie de couraça que o protege. Fugimos do
amor com medo de ficarmos dependente do outro (CYRULNIK, 1995). Esquecemos que
só se torna autônomo quem é dependente (MORIN, 2007c). Ou seja, só podemos nos
tornar nós mesmos, graças ao outro, porque ele nos faz perceber quem somos
(CYRULNIK, 1995). “O homem se torna eu na relação com o tu” (BUBER, 2001, p. 32).
Da mesma forma que o homem de negócios reduz as estrelas a números, o
profissional de saúde, muitas vezes, reduz o ser humano a um número ou um dado. A
pessoa passa a ser um número de um quarto ou uma informação no prontuário. Leloup
(2009, p.28) nos recorda: “[...] a pessoa não é somente um caso, uma enfermidade, a
doença do quarto 23, mas se trata de alguém, de um ser”. Assim como o homem de
negócios, o profissional de saúde pode ser movido pelos ideais da sociedade de consumo.
Os seres humanos ocupam o papel de paciente, cliente, usuário. Paciente é aquele que está
resignado, que está conformado, que espera alguma coisa. Cliente: compra algum produto
ou serviço. Alguém que usufrui de alguma coisa a que tem direito, esse é o sentido da
palavra usuário. Em síntese, o ser humano que procura uma instituição de saúde, muitas
vezes, é visto apenas como um consumidor que espera, usufrui, compra um serviço.
Está sendo estabelecida uma relação pobre de vida, carente de afeto, desprovida de
emoções e sentimentos entre profissional e usuário. Uma relação que se reduz a alguém
que vende um serviço para o qual tem competências e habilidades técnico-científicas para
realizar: o profissional e alguém que precisa desse serviço, por isso o compra: o paciente/o
usuário/o cliente. É importante refletir sobre esses detalhes. “Podem parecer pequenos
detalhes, mas a vida é feita de pequenas particularidades, da mesma forma que a felicidade.
E, talvez a cura passe por estes detalhes” (LELOUP, 2009, p. 28).
O profissional de saúde tem mais uma semelhança com o homem de negócios: a
couraça para protegê-lo dos relacionamentos interpessoais. O médico para se defender da
ternura cria uma couraça: não deve sentir como sua a dor do paciente (RESTREPO, 1994).
“No meio médico, às vezes, nós fazemos como que uma blindagem em nós mesmos. Há
tanto sofrimento que, para não se deixar levar, podemos nos endurecer, criando uma
armadura em nossa volta” (LELOUP, 2009, p. 69).
Deixamos de observar que “os que evitam o apego para evitar a infelicidade evitam,
também, a felicidade” (MORIN, 2010, p. 332). Trata-se de uma questão muito intrigante
para os profissionais de saúde: como se envolver com os sofrimentos, as dores, as
angústias do outro sem deixar que isso prejudique a produção do cuidado em saúde?
Leloup (2009, p.69) pode nos ajudar a responder: “O nosso coração é como uma esponja.
Quando necessário, tomamos a dor do outro como se fosse nossa, mas, como ela não nos
pertence, não vamos guardá-la, então, é preciso espremer a esponja”.
A clínica ampliada coloca-se como uma das alternativas tanto para superar a relação
tecnicista, racionalista entre profissional e usuário bem como para produzir ações em saúde
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que não se centrem na doença. A clínica ampliada, conforme Brasil (2007), preocupa-se
com o sujeito que está doente, e não com a doença do sujeito. O ser humano não é visto
como um ser que tem subjetividade, sentimentos e emoções, uma cultura, uma afetividade,
uma família, um emprego, enfim uma história singular que deve ser levada em
consideração para o tratamento da sua doença.
Não existe clínica ampliada se o profissional de saúde não cria o espaço para que o
usuário deixe de ser um mero caso clínico e seja ele mesmo, um ser humano. Na clínica
ampliada, o profissional entende que afetos e vínculos, inevitavelmente, são tecidos no
momento em que um atendimento está sendo realizado (BRASIL, 2007). Não há como
separar o ser profissional do ser humano. Confundimos dissociar com distinguir. Dissociar:
separar, fragmentar, dividir. Distinguir: diferenciar, assinalar, marcar. É preciso distinguir
até onde vai o ser profissional no ser humano e de que modo o ser humano está no ser
profissional. Mas é impossível dissociar, fragmentar, dividir, separar um do outro. Há uma
fronteira tênue entre ser profissional e ser humano. Não se pode eliminar a fronteira. É
preciso entender que muitas vezes um vai invadir o espaço do outro e que, provavelmente,
será isso que fará o profissional ser capaz de enxergar o outro como humano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O rei e o homem de negócios simbolizam o ser humano no século XXI, movido
pela autoridade científica e pelos ideais da sociedade de consumo. Pensa que tudo pode ser
explicado racionalmente, que a ciência é a única resposta para as questões da humanidade,
logo suas ordens devem ser seguidas sem contestação. Pensa que tudo pode ser
quantificado, traduzido em números.
O rei e o homem de negócios estão personificados nas nossas ações quotidianas,
inclusive no exercício de uma profissão. Na saúde, podem ser facilmente identificados. O
profissional que deseja que suas orientações sejam, fielmente, seguidas pelos usuários, sem
quaisquer questionamentos. A fragmentação do ser humano em sistemas ou em orgãos ou
sua redução a uma patologia, são exemplos das certezas criadas pela ciência. A fragilidade
das relações entre profissional e usuário exemplifica a postura do homem de negócios na
saúde. Por ter medo de se envolver, esconde-se no tecnicismo, na objetividade, no
racionalismo, na negação da afetividade, no desprezo dos sentimentos e das emoções.
O romance O pequeno príncipe conduz a uma reflexão poética e filosófica sobre
isso. A literatura tem essa magia de humanizar, de nos fazer imergir nas profundezas da
nossa condição humana. E de nos fazer emergir mais de nós mesmos, conhecendo os
limites, as virtudes, as dores, os prazeres, o sapiens e o demens que habitam em nós. A
literatura pode se constituir numa estratégia pertinente a ser utilizada na formação dos
profissionais de saúde. Não apenas na formação em nível de graduação, mas na educação
permanente. Pode ser um caminho a ser trilhado pelos profissionais de saúde para se
(re)encontrarem com a sua essência humana e, então, reconhecer o outro como humano.
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