a lei da palmada, a dignidade humana da

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A Lei da palmada...
Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 3
A LEI DA PALMADA,
A DIGNIDADE HUMANA DA
CRIANÇA E A INTERVENÇÃO
ESTATAL NA FAMÍLIA
4 //
A Lei da palmada...
Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 5
Andréa Silva Albas Cassionato
Fernando Cézar Lopes Cassionato
Jose Francisco de Assis Dias
A LEI DA PALMADA,
A DIGNIDADE HUMANA DA
CRIANÇA E A INTERVENÇÃO
ESTATAL NA FAMÍLIA
Primeira Edição E-book
Editora Vivens
O conhecimento a serviço da Vida!
Maringá – PR – 2016
6 //
A Lei da palmada...
Copyright 2016 by
Andréa Silva Albas Cassionato; Fernando Cézar Lopes
Cassionato; Jose Francisco de Assis Dias
EDITOR:
Daniela Valentini
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR
Prof. Dra. Daniela Menengotti Ribeiro - UNICESUMAR
Prof. Dra. Lorella Congiunti – PUU - Roma
REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Prof. Antonio Eduardo Gabriel
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
C345l
Cassionato, Andréa Silva Albas.
A lei da palmada, a dignidade humana
da criança e a intervenção estatal na
família. / Andréa Silva Albas Cassionato,
Fernando Cézar Lopes Cassionato, José
Francisco de Assis Dias. - 1. ed. ebook Maringá,PR : Vivens, 2016.
106 p.
Modo de Acesso: World Wide Web:
<http://www.vivens.com.br>
ISBN 978-85-8401-061-5
1.Direitos da criança. 2. Direitos
humanos. 3. Lei 13.010/2014. I. Título.
CDD 22.ed.346.0135
Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi
Bibliotecária CRB/9-1610
Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
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CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596
http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................................
09
INTRODUÇÃO....................................................................
11
I = EVOLUÇÃO CULTURAL
E CONSTITUCIONAL
A RESPEITO DA CRIANÇA...............................................
15
II = A DIGNIDADE HUMANA DA CRIANÇA......................
33
2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA....................
33
2.2 A CRIANÇA COMO PESSOA......................................
44
2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS
FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA........................................
56
2.3.1 Direito à convivência familiar......................
67
2.3.2 Direito à profissionalização
e à proteção no trabalho.......................................
68
III = A LEI 13.010/2014:
A AUTONOMIA FAMILIAR
E A INTERVENÇÃO ESTATAL.........................................
71
3.1 A AUTONOMIA FAMILIAR
E A INTERVENÇÃO ESTATAL.........................................
71
3.2 A LEI 13.010/2014........................................................
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................
93
REFERÊNCIAS..................................................................
97
8 //
A Lei da palmada...
Com essas duas mãos, minha mãe me pega no colo, cuida
de mim, e eu amo isso... Com essas duas mão, minha mãe
me bate – e isso eu odeio.
Menina no Leste Asiático
APRESENTAÇÃO
A presente obra, “A lei da palmada, a dignidade
humana da criança e a intervenção estatal na família”, nos
convida a refletirmos sobre o eterno problema da
educação da criança sem violência.
Educar, do latim “educere”, significa conduzir fora,
portanto, trata-se de um processo eminentemente positivo
direcionado a fazer aflorar o que a criança possui de
melhor e não aniquilá-la através da agressão física ou
psíquica.
A criança é uma pessoa humana, em ato, limitada
à fase própria de sua idade; porém, em potência, a
caminho da sua plena realização pessoal. A educação
entra neste processo de como instrumento adequado a
serviço da atuação da sua plena dignidade humana.
No primeiro capítulo, é trabalhada a “evolução
cultural e constitucional a respeito da criança”; no segundo
capítulo, é trabalhada a “dignidade humana da criança”,
onde é colocado em debate o “princípio da dignidade
humana”, “a criança como pessoa”, os “direitos humanos
e direitos fundamentais da criança”
No terceiro capítulo, é trabalhada, através da Lei
13.010/2014, “a autonomia familiar e a intervenção estatal”
e “a autonomia familiar e a intervenção estatal”.
Boa leitura!
10 //
A Lei da palmada...
INTRODUÇÃO
A Lei da Palmada (Lei 13.010/2014), também
conhecida como a Lei do Menino Bernardo, tem como
objeto proibir a prática de castigos físicos moderados
como método educacional nos lares brasileiros.
Apesar de o ordenamento jurídico punir os castigos
físicos imoderados bem como toda espécie de violência
contra a criança, houve a “necessidade” de se legislar a
respeito de castigos físicos ou violências psicológicas que
não deixam rastros aparentes, mas que poderiam
acarretar em graves consequências à psique desse
pequeno indivíduo em desenvolvimento.
O costume de se utilizar do castigo físico como
método educacional existe na sociedade há muito tempo.
Nas antigas sociedade gregas e romanas têm o
exercício de um poder imensurável do pater. O chefe de
família possuía autoridade para julgar e punir as condutas
de qualquer dos membros de sua família. O Estado jamais
intervia nessa relação e, portanto, era absolutamente
alheio às decisões do pater, convalidando seu poder,
inclusive, de determinar a morte de seus familiares.
No Brasil, o uso do castigo físico como método
educacional não teve sua origem entre os indígenas, mas
sim dentre os jesuítas que, durante suas missões,
acreditavam ser esse um método eficaz de “educar” as
crianças indígenas que estavam sendo catequizadas.
Assim, o costume de “bater” tornou-se aceito pela
sociedade de forma muito natural, sendo assim até os dias
atuais.
Paralelamente a todo esse contexto histórico, a
teoria neoconstitucionalista pós-positivista sofreu grande
impulso no Brasil. Referida teoria foi responsável pela
compreensão da importância dos princípios para o Direito.
Ronald Dworkin e, posteriormente, Robert Alexy,
fundamentaram o neoconstitucionalismo defendendo o
12 //
A Lei da palmada...
princípio como norte para produção de qualquer norma
jurídica.
Diante disso, a dignidade humana tornou-se um
princípio e, ante sua grande importância, tornou-se o
princípio dos princípios, ao passo que toda teoria ou norma
jurídica criadas devem preservar sua integridade. Além
disso, o princípio da dignidade humana passou a ser o
principal ponto de partida para solução de qualquer
espécie de antinomia jurídica.
Obviamente que a criança, tal como os adultos,
passou a ser amparada por esse princípio de forma
inconteste, inclusive nas relações familiares. Para se
chegar a essa conclusão faz-se necessário um breve
estudo jusfilosófico sobre o conceito de pessoa para
compreensão exata do objeto a ser protegido pelo
princípio da dignidade humana.
Portanto, a problematização do tema apresentado
consiste nas seguintes questões: a forma de educar
escolhida pelo responsável legal da criança sofre
influência dos costumes da sociedade? Diante disso, o
Estado pode intervir nessa relação tão íntima e nos
costumes tão consolidados na sociedade? a Lei da
Palmada (Lei 13.010/2014) contempla uma excessiva
interferência estatal na família?
Diante disso, o objetivo principal do presente
trabalho é analisar uma possível limitação à intervenção
estatal na família em face de sua autonomia, fundamental
para o bom exercício do poder familiar, considerando o
respeito obrigatório da dignidade humana da criança.
Para atingir seu objetivo é necessário encontrar a
origem do costume de “bater” para educar, tratar da
dignidade humana da criança como princípio dos
princípios, analisar a sua capacidade de determinar a
intervenção do Estado na família, elucidar o princípio da
intervenção estatal mínima na família, e analisar se a Lei
da Palmada (Lei 13.010/2014) constitui ou não excessiva
intervenção estatal na família.
Introdução...
// 13
O presente trabalho adotou como método de
abordagem o dedutivo, uma vez que se partirá do geral,
consistente da análise de leis e princípios, para o
particular, referente as relações paterno filiais.
Os métodos de procedimento a adotados foram o
histórico, posto que houve descrição de acontecimentos
históricos, e o estrutural, por partir de um fato concreto,
que foi elevado a um nível abstrato através da construção
de um modelo que representa o objeto de estudo, e
retomou ao concreto como uma realidade estruturada e
relacionada com a experiência do sujeito social.
Por fim, teve-se como métodos de investigação o
bibliográfico e documental.
14 //
A Lei da palmada...
=I=
EVOLUÇÃO CULTURAL E CONSTITUCIONAL A
RESPEITO DA CRIANÇA
Os tempos mais antigos da humanidade, desde
que a raça humana surgiu na Terra, desde a primeira
procriação, existe a família em seu conceito mais singelo
e primário.
Portanto, o indivíduo humano sempre teve a função
de proteger e criar sua prole.
Obviamente que essa função foi evoluindo
juntamente com a humanidade e, além de proteger e
prover a subsistência dos filhos, os pais ou cuidadores
passaram a ter a função de dar afeto e educação. Essa
função tornou-se obrigação moral e, depois, obrigação
legal.
Nos tempos mais remotos, na Grécia e Roma
antigas, o genitor era a lei na família. O pai tinha poder de
vida e morte sobre os membros daquele núcleo familiar, e
estava sujeito, apenas, ao julgamento da cidade. Não
existe nada semelhante ao poder do pai nos dias atuais.
Era nele em que residia toda a forma de “governar” aquela
pequena sociedade que se formava debaixo do mesmo
teto.
Afora isso, dentro do lar, a palavra do pai era lei e
assim eram os costumes daquela época. O vínculo com a
família originária era eterno e, enquanto o pai vivesse, os
filhos a ele deviam obediência. Afinal, para a lei os filhos
adquiriam a maioridade, mas para a religião não. Assim, é
natural que a criança necessite de alguém para cuidar de
suas necessidades físicas e morais, mas fugia à natureza
tamanha obediência e submissão que se estendia
enquanto o pai tivesse vida.
16 //
A Lei da palmada...
Fustel de Coulanges, em sua obra “A cidade
antiga”, elucida de forma clarividente a respeito dos
costumes iniciais da sociedade e, também, da família.
Ao tratar do poder do pai na família elucida que:
Esse direito de jurisdição, que o chefe de família exercia
em sua casa, era total e sem apelação. Podia condenar
à morte, como o magistrado o fazia na cidade:
nenhuma autoridade tinha o direito de modificar sua
sentença. “O marido, diz Catão, o Antigo, é o juiz de sua
mulher; seu poder não sofre limitação; pode o que quer.
Se a mulher cometeu qualquer falta, ele a castiga; se
bebeu o vinho, condena-a; se teve relações com outro
homem, mata-a”. Quanto aos filhos, o direito foi o
mesmo. Valério Máximo cita Atílio que matou sua filha
culpada de impudicícia, e todo mundo conhece aquele
pai que matou o filho, cúmplice de Catilina.1
A origem do direito de família, portanto, não foi
oriunda do Estado legislador, mas sim do pai da família: o
conhecido pater. Até mesmo porque o direito privado
existe antes do Estado. Quando a sociedade organizou-se
no intuito de formar uma cidade o direito privado já estava
presente e, por essa razão, o Estado teve que se adequar
ao sistema até então vigente.
A convivência de várias pessoas em um mesmo
espaço obrigam-nas a estabelecer regras de conduta a fim
de que os negócios, a propriedade privada e a família
fossem respeitados em sua integralidade.
Desse modo, nota-se que a família é sim fruto do
direito privado e, mais do que isso, dos costumes
familiares que ditavam as regras de conduta. Não foi o
Estado que criou as regras e as impôs às famílias, mas o
contrário.
1
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o
direito as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Jonas
Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975, p. 74.
Evolução cultural e constitucional...
// 17
Ainda citando Coulanges sobre esse tema, segue
seus ensinamentos:
O antigo direito não é obra de um legislador: o direito,
pelo contrário, impôs-se ao legislador. Na família teve
sua origem. Nasceu ali espontaneamente e inteiramente
elaborado nos antigos princípios que a constituíram.
Derivou das crenças religiosas universalmente
admitidos na idade primitiva desses povos e exercendo
domínio sobre as inteligências e sobre as vontades.2
Desde então observa-se o poder do pai em,
inclusive, castigar fisicamente a mulher e os filhos tanto
como forma de punição, como meio de educar.
No Brasil, a origem de sua sociedade está na
miscigenação de três etnias: portugueses, índios e
africanos. Os portugueses chegavam no Brasil carentes de
calor humano, uma vez que viajavam por meses em seus
navios totalmente solitários e deixavam seus lares, seus
amigos e familiares em Portugal.3
Nesse contexto, o índios foram de grande
importância para a formação da sociedade brasileira, e
coube as índias assumirem o papel de grandes matronas
no início da colonização. Era com elas que os portugueses
começaram a procriar e formar suas famílias, fato esse
que ocorria de forma muito natural visto que os
portugueses já estavam ambientados à miscigenação de
raças (culturas árabe, romanas e judias) justamente pela
localização geográfica do país.
Com o tempo e a exploração da terra os
portugueses começaram a conquistar certos confortos e,
assim surgiu a casa-grande do engenho, tanto nas
plantações de cana de açúcar no nordeste do Brasil,
quanto nas plantações de café e soja no sul do país.
2
Idem, p. 68.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família
brasileira sobre o regime da economia patriarcal. Apresentação de
Fernando Henrique Cardoso. 47ª ed. rev. São Paulo: Global, 2003.
3
18 //
A Lei da palmada...
Na casa-grande viviam o Senhor do engenho, seus
filhos, o capelão e as mulheres.
Os índios, por sua vez, criavam seus filhos sem
disciplina paterna, uma vez que aos homens cabia a
responsabilidade de prover o sustento material da tribo.
Portanto, os cuidados com a família eram de
responsabilidade exclusiva da índia, que criava seus filhos
sem qualquer castigo físico, inclusive dos filhos tidos com
os portugueses.
A sociedade brasileira herdou
[...] o melhor de sua cultura indígena. O asseio pessoal.
A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. [...] a
rede, em que se embalaria o sono ou a volúpia do
brasileiro.4
No entanto, não herdou justamente a forma de
educar seus filhos: “longe do castigo físico”.
Quando a produção de açúcar ganhou força no
Brasil através da utilização de mão de obra escrava
proveniente do continente africano, isso já no século XIX,
a figura da índia foi substituída pela da escrava negra.
Ao escravo negro cabia a “função” de executar os
trabalhos pesados e de procriação, para que o “rebanho”
de escravos do senhor do engenho aumentasse.
Nesse contexto, a situação da criança sofria uma
mudança drástica. As crianças negras, nascidas na
senzala eram batizadas e, ainda assim, consideradas
seres sem alma. Passavam, portanto, a ser objeto de
violência por parte de seus “senhores” e, principalmente,
dos filhos brancos dos Senhores do Engenho.
Já os filhos bastardos, provenientes das relações
intimas entre o senhor e negras escravas, cresciam à
revelia do genitor na senzala até seu falecimento, quando
então deixava para eles à carta de alforria.
4
Ibidem, p. 163.
Evolução cultural e constitucional...
// 19
Enquanto isso, os jesuítas estabeleciam-se no
Brasil com o objetivo de catequizar os índios. Ao tratar com
as crianças, os jesuítas defendiam a forma rígida de
educar a demonstração mais efetiva de afeto. Como
consequência
dessa
forma
rígida
utilizava-se
costumeiramente o castigo físico como punição pelas
“transgressões” cometidas pelas crianças.5
A cultura do Brasil tornou-se, portanto, a do castigo
físico como forma “eficaz” de educar a criança.
Nesse contexto é importante destacar que a
palavra cultura, de origem latina, possui vários conceitos,
sendo que o mais importante para o tema é:
CULTURA [...] 5. Num grupo social, conjunto de sinais
características do comportamento de uma camada
social (linguagem, gestos, vestimenta, etc.) que a
diferenciavam da outra: cultura burguesa, cultura
operária.6
Sob o ponto de vista filosófico, “A cultura é um
sistema unitário e integral de valores.”7. Ou ainda, segundo
Miguel Reale, a cultura nada mais é do que “Tudo aquilo
que o homem realiza na História, na objetividade de fins
especificamente humanos [...]”.8
Como demonstrado é justamente o que ocorreu no
Brasil: o comportamento de bater para educar tornou-se
reiterado e valorado como válido e eficaz em sua
finalidade.
5
PRIORE, Mary Del. O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia.
In: História da criança no Brasil. PRIORE, Mary Del. (org.) São Paulo:
Contexto, 1991, p. 10-25.
6 ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda.,
1998, vol. 7, p. 1730.
7 ROCHA, Walmir Rodrigues; FRANÇA, Amilton de. A justiça e o direito
na história da filosofia e do direito. Leme/SP: Anhanguera Editora
Jurídica, 2010, p. 55.
8 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 213.
20 //
A Lei da palmada...
A cultura constitui uma realidade humana, e não
natural, do dever-ser. Tudo que é proveniente da natureza
apenas é, enquanto que o que é da cultura é mutável e
valorado. Portanto, o desenvolvimento social gera
mudanças de comportamento e, consequentemente, a
transformação de valores, dinâmica esta que culmina na
modificação da cultura de uma sociedade.
A cultura é, portanto, criada pelo costume que é
constituída pelo elemento material (corpus), consistente na
prática social reiterada de forma constate e uniforme, e
pelo elemento psicológico (animus), que nada mais é do
que a estrita convicção de que essa conduta é obrigatória.
Os costumes são, então, a fonte precípua do direito
costumeiro, segundo o qual o costume é uma regra não
escrita e, para essa ciência, o costume é classificado
quanto à sua natureza (costume erudito e popular) e
quanto ao seu conteúdo (praeter legem, secundum legem
e contra legem).
A classificação do costume quanto ao conteúdo
merece especial atenção, posto que podem atribuir ao
costume poder de guiar a interpretação da norma a ser
realizada pelo operador do direito.
Os costumes praeter legem são condutas
praticadas de acordo com a lei, apesar de não existir
previsão expressa. Nesse contexto, o costume poderá ser
utilizada como fundamento para aplicação do Direito ao
caso concreto em caso de omissão legislativa nos termos
do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Lei 12.376/2010).9
Os costumes previstos expressamente na lei são
os conhecidos como secundum legem.
Já os costumes que são praticados pela sociedade
mas que são contrários as leis vigentes são classificados
como contra legem, abrogatório ou desuetudo.
9
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Evolução cultural e constitucional...
// 21
O costume contra legem nada mais é do que a
consequência de uma lei que não está de acordo com
dinâmica social do grupo a que se destina. Obviamente
que esse tipo de costume não é capaz de revogar leis.
Mas, ainda que de forma primária, é capaz de fundamentar
a não incidência de determinada norma ao caso concreto
em face de uma interpretação contemporânea do Direito.
Essa condição é capaz de dar à sociedade o poder
de mudar o Direito ou de cria-lo, haja vista que o que deve
ser normatizado são justamente as condutas práticas de
forma reiterada em uma sociedade, ou para obrigar sua
prática ou para proibir que essa seja infringida.
A experiência jurídica, antes ainda da racionalidade
da Ciência do Direito, demonstra a tendência de se
proteger os valores criados pelo homem. A normatização
constitui justamente na intenção do homem de que
determinado valor se efetive e que seja protegido
incondicionalmente – é o dever ser. Portanto, o Direito não
somente está intimamente ligado à cultura, como por ela é
criado.
No Brasil as constituições promulgadas evidenciam
os valores atribuídos aos direitos da criança ao longo dos
acontecimentos históricos.
A Constituição Imperial de 1824 foi a primeira
Constituição do Brasil após a proclamação da
independência.
A sociedade que elaborou a Constituição era
patriarcal e obviamente essa condição ficou translucida em
toda a sua elaboração. Ante o recém rompimento com a
colônia, o Imperador preocupou-se em formular um
documento eminentemente político. A família, portanto,
não tinha qualquer tutela constitucional: limitou-se a tratar
da família imperial nos artigos 105 a 115.10 Essa omissão
demonstra o caráter não intervencionista do Estado.
10
CAPÍTULO III. Da Familia Imperial, e sua Dotação.
Art. 105. O Herdeiro presumptivo do Imperio terá o Titulo de "Principe
Imperial" e o seu Primogenito o de "Principe do Grão Pará" todos os
22 //
A Lei da palmada...
A segunda Constituição promulgada no Brasil foi a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
em 1891. Elaborada em decorrência da Proclamação da
República em 1889, essa Constituição ainda foi elaborada
mais terão o de "Principes". O tratamento do Herdeiro presumptivo será
o de "Alteza Imperial" e o mesmo será o do Principe do Grão Pará: os
outros Principes terão o Tratamento de Alteza.
Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de
idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas
Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica
Apostolica Romana, observar a Constituição Política da Nação
Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.
Art. 107. A Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no
Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa uma
Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade.
Art. 108. A Dotação assignada ao presente Imperador, e á Sua Augusta
Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes
não permittem, que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro
de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação.
Art. 109. A Assembléa assignará tambem alimentos ao Principe
Imperial, e aos demais Principes, desde que nascerem. Os alimentos
dados aos Principes cessarão sómente, quando elles sahirem para fóra
do Imperio.
Art. 110. Os Mestres dos Principes serão da escolha, e nomeação do
Imperador, e a Assembléa lhes designará os Ordenados, que deverão
ser pagos pelo Thesouro Nacional.
Art. 111. Na primeira Sessão de cada Legislatura, a Camara dos
Deputados exigirá dos Mestres uma conta do estado do adiantamento
dos seus Augustos Discipulos.
Art. 112. Quando as Princezas houverem de casar, a Assembléa lhes
assignará o seu Dote, e com a entrega delle cessarão os alimentos.
Art. 113. Aos Principes, que se casarem, e forem residir fóra do Imperio,
se entregará por uma vez sómente uma quantia determinada pela
Assembléa, com o que cessarão os alimentos, que percebiam.
Art. 114. A Dotação, Alimentos, e Dotes, de que fallam os Artigos
antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Público, entregues a um
Mordomo, nomeado pelo Imperador, com quem se poderão tratar as
Acções activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa
Imperial.
Art. 115. Os Palacios, e Terrenos Nacionaes, possuidos actualmente
pelo Senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus
Successores; e a Nação cuidará nas acquisições, e construcções, que
julgar convenientes para a decencia, e recreio do Imperador, e sua
Familia.
Evolução cultural e constitucional...
// 23
sob a forte influência da família patriarcal. Por essa razão,
preocupou-se apenas com a criação de um Estado laico, e
o fez através do reconhecimento do casamento civil como
o único casamento válido, e isso somente em 1926,
através da Emenda Constitucional nº 3.
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 4º A Republica só reconhece o casamento civil, cuja
celebração será gratuita.
Continuou sem um capítulo específico sobre a
família e, consequentemente, sobre a criança.
A Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil de 1934 surgiu em decorrência da Revolução de
1930, responsável por colocar Getúlio Vargas no poder, e
da Revolução Constitucionalista de 1932. Essa
Constituição foi marcada pelo intervencionismo estatal.
Até então, as Constituições não tratavam de questões
sociais. A Constituição de 1934 inovou nesse sentido. Pela
primeira vez aparecem no texto constitucional direitos
sociais e, dentre eles, estão previstos a obrigação conjunta
da União, dos Estados e dos Municípios em amparar a
maternidade e a infância11, e a proibir o trabalho a menores
de 14 (quatorze) anos.12 Também pela primeira vez há um
11
Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos
das leis respectivas: [...] c) amparar a maternidade e a infância; [...] f)
adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a
moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a
propagação das doenças transmissíveis;
12 Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as
condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a
proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. §
1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de
outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] d)
proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a
24 //
A Lei da palmada...
capítulo específico sobre a família (artigos 144 a 147)13 e
há previsão da responsabilidade da família e dos Poderes
Públicos pela educação.
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser
ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos,
cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que
possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica
da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana.
Em 1937 foi outorgada nova Constituição
Republicana em decorrência do golpe de Estado
promovido pelo então Presidente da República Getúlio
Vargas. Nesse documento legal existiram poucas
menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a
mulheres;
13 Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob
a proteção especial do Estado. Parágrafo único - A lei civil determinará
os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre
recurso ex officio, com efeito suspensivo.
Art 145 - A lei regulará a apresentação pelos nubentes de prova de
sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais do
País.
Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O
casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito
não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia,
os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a
autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos
impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as
disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro
será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a
transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do
casamento.
Parágrafo único - Será também gratuita a habilitação para o casamento,
inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os Juízes
Criminais ou de menores, nos casos de sua competência, em favor de
pessoas necessitadas.
Art 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer
selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a
impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos.
Evolução cultural e constitucional...
// 25
alterações a respeito da família, uma vez que, apesar de
ter sido elaborada sem a participação popular, manteve a
mesma ideologia do então Presidente da República. Os
artigos 124 a 12714 trataram especificamente da família,
referindo-se à educação como direito e dever dos pais:
Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever
e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho
a esse dever, colaborando, de maneira principal ou
subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as
deficiências e lacunas da educação particular.
Do mesmo modo, manteve o amparo do Estado à
infância e juventude nos seguintes termos:
Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de
cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que
tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes
condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso
desenvolvimento das suas faculdades.
O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da
juventude importará falta grave dos responsáveis por
14
Art 124 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob
a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas
compensações na proporção dos seus encargos.
Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito
natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever,
colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua
execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.
Art 126 - Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei
assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos
e deveres que em relação a estes incumbem aos pais.
Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e
garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas
destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de
harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral,
intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos
responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de
provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação
física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio
e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole.
26 //
A Lei da palmada...
sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de
provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à
preservação física e moral.
Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio
e proteção do Estado para a subsistência e educação da
sua prole.
Assim, o Estado continua legislando sobre a família
e a educação das crianças, intervindo de forma incisiva
nos casos em que os responsáveis legais colocavam-nas
em risco.
A Constituição Republicana de 1946 surgiu com o
fim do governo autoritário implantado por Getúlio Vargas,
fim este ocorrido por forte influência do fim da Segunda
Guerra Mundial, quando todos os governos autoritários
sofreram derrocada.
Primando pela democracia, o tema família
manteve-se inalterado. Com um capítulo específico sobre
a família, o dever do Estado de amparar a infância e a
obrigação da família e do Estado de prover à educação
das crianças foram mantidos:
Art 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a
assistência à maternidade, à infância e à adolescência.
A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa.
[...]
Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no
lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana.
Com a ditadura militar foi outorgada segundo
alguns, e semi-outorgada segundo outros, a Constituição
Republicana de 1967. Com o objetivo precípuo de garantir
o poder dos revolucionários militares, não houve qualquer
preocupação com os direitos sociais. Assim, a família
continuou presente na Constituição, mas foi reduzida a um
único artigo com seus quatro parágrafos:
Evolução cultural e constitucional...
// 27
Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá
direito à proteção dos Poderes Públicos.
§ 1º - O casamento é indissolúvel.
§ 2º - O casamento será civil e gratuita a sua celebração.
O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados
os impedimentos e as prescrições da lei, assim o
requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto
que seja o ato inscrito no Registro Público.
§ 3º - O casamento religioso celebrado sem as
formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a
requerimento do casal, for inscrito no Registro Público
mediante prévia habilitação perante, a autoridade
competente.
§ 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à
infância e à adolescência.
Mesmo com a Emenda Constitucional nº 1 em
1969, nome dado à todas as emendas constitucionais
formuladas pelo governo militar à Constituição Federal de
1964, as normatizações a respeito da família mantiveramse incólumes de mudanças.
Art. 175 [...]
§ 4º Lei especial disporá sôbre a assistência à
maternidade, à infância e à adolescência e sôbre a
educação de excepcionais.
Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade
nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade
humana, é direito de todos e dever do Estado, e será
dada no lar e na escola.
Mudou apenas algumas palavras, mas o conteúdo
continuou o mesmo.
Finalmente, com o fim do governo ditatorial, foi
promulgada a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
Obviamente, em um contexto histórico peculiar,
uma vez que a sociedade tinha acabado de encerrar um
regime ditatorial, autoritário e assassino, essa Constituição
28 //
A Lei da palmada...
foi considerada pelos estudiosos como a Constituição
Cidadã.
Destaca-se nela a previsão de direitos e garantias
fundamentais em um rol extenso elencado no artigo 5º, de
direitos sociais, previstos basicamente no artigo 7º, isso
sem considerar que os inúmeros direitos e garantias
individuais e direitos sociais previstos ao longo de todo o
texto constitucional.
Preocupou-se em legislar sobre a família e os
grupos chamados de vulneráveis de forma ímpar. Esse
fato, aliado a todo o cerne da Constituição Federal de
1988,
demonstra
um
Estado
absolutamente
intervencionista, não obstante o previsto no artigo 4º,
inciso IV, da Constituição Federal.15
O capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal
foi destinado para tratar da família, e, após emendas
constitucionais a fim de adequar a lei superior à conduta
da sociedade, dedicou-se à família, à criança, ao
adolescente, ao jovem e ao idoso. Extremamente
complexa, o legislador constituinte realmente deu a família
a tutela constitucional que merecia.
Como já dito, além de inúmeras previsões estarem
ao longo da Constituição Federal, há os artigos específicos
que tratam do tema. No entanto, nos interessa mais saber
sobre a proteção constitucional da criança.
Pouco ou nunca a figura da criança ganhou tanto
destaque nas Constituições brasileiras. A preocupação
das Constituições anteriores era basicamente com a
modificação de procedimentos e órgãos gestores da
Federação. A Constituição Federal de 1988 tratou de
forma muito pormenorizada os direitos sociais e familiares.
A começar, os direitos da criança passam a ser
valorizados com o reconhecimento de vários tipos de união
marital como família. Obviamente que isso já proporcionou
15
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: [...] IV - não-intervenção;
Evolução cultural e constitucional...
// 29
maior respeito à criança como pessoa digna de ser
amparada pela lei.
Há ainda a:
[...] proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores
de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de quatorze anos; [...] (artigo 7º, inciso XXIII, da
Constituição Federal de 1988).
Ainda tratando especificamente sobre à criança, a
Constituição Federal previu no artigo 24, inciso XV, a
competência da União, dos Estados e do Distrito Federal
legislar de forma conjunta sobre a proteção da infância e
da juventude.16
O artigo 203 da Constituição Federal estabelece
que:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
O dever de respeitar o direito à educação é do
Estado e da família nos termos do artigo 205 da
Constituição Federal.
E, por fim, o artigo 227 que merece ser transcrito
em face da grande importância que possui em relação aos
direitos da criança e do adolescente:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
16
Art. 24, XV: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre a proteção à infância e à juventude.
30 //
A Lei da palmada...
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Este dispositivo constitucional concentra todos os
direitos básicos da criança e do adolescente, sendo que
estes são os mínimos necessários para que haja respeito
à dignidade humana desses indivíduos que estão em
pleno processo de desenvolvimento de sua personalidade.
É justamente durante a primeira infância que a
criança adquire consciência de si mesma e, portanto,
começa a formar sua personalidade.
Segundo Carl Gustav Jung a criança apenas cria
consciência de sua individualidade, de sua psique
independente da mãe, entre os três e cinco anos de
idade.17 Diante disso, proporcionar às crianças dessa faixa
etária um relacionamento familiar equilibrado e um
ambiente benéfico é imprescindível para que desenvolva
uma personalidade salutar à sua psique. Isso porque a
criança estabelece como padrão de conduta o que os pais
e o ambiente dela esperam.
Os pais são idealizados pelas crianças, quer sejam
bons quer sejam maus. Trata-se de uma proteção psíquica
e, também, resultado da ausência de discernimento.
Por essa razão, a criança agredida entende que a
única responsável pela agressão é ela própria: se
apanhou, apanhou porque mereceu. Nessa dinâmica, a
própria criança iniciará um processo tormentoso de
sempre buscar a aprovação dos pais, circunstância essa
que poderá continuar ao longo da vida.18
Indubitável, portanto, as possíveis consequências
do convívio da criança em um lar desajustado: graves
17
JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. [S.n.t.].
XAVIER, Leandro. A criança interior. Disponível em:
http://www.artigonal.com/psicoterapia-artigos/a-crianca-interior2877207.html. Acesso em: 23 set. 2015.
18
Evolução cultural e constitucional...
// 31
danos em sua personalidade, tais como baixa autoestima,
ansiedade, insegurança e problemas afetivos.
Obviamente que toda essa condição reflete tanto
no texto constitucional quanto nos textos legais, de tal
forma que se nota com clarividência a valoração da
infância como fase da vida que merece a mais absoluta e
prioritária proteção. O pleno e saudável desenvolvimento
do indivíduo humano nesse momento é primordial para a
formação de uma sociedade produtiva e ética. Uma vez
realizada a valoração, criou-se um objetivo a ser
alcançado – um dever ser em relação à efetivação e tutela
dos direitos da criança.
32 //
A Lei da palmada...
= II =
A DIGNIDADE HUMANA DA CRIANÇA
2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana pode ser analisada, então, em
duas dimensões: uma interna, ligada a sua origem, e uma
externa, relacionada ao contexto histórico.
A origem da dignidade humana está na filosofia que
a compreendia como um conceito ligado a moralidade e a
ética. O contexto histórico, por sua vez, está relacionado
ao fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, segundo Luís
Roberto Barroso, somente a dignidade humana externa é
passível de ofensas e violações.1
Apesar do estudo da dignidade ser oriundo dos
tempos mais remotos da humanidade, este somente
ganhou destaque no cenário internacional após a Segunda
Guerra Mundial (1939 – 1945).
Este, que foi o marco histórico na luta pela garantia
dos direitos e liberdades fundamentais, expôs ao mundo
as atrocidades que foram cometidas por um Estado contra
seus governados. Genocídio, torturas, cárceres privado,
trabalho forçado, destituição de nome, propriedade,
família, e tantos outros crimes demonstraram o total e
absoluto desrespeito às garantias fundamentais do
indivíduo humano.
Aqueles que não eram arianos não eram
considerados pessoas e, por essa razão, podiam ser
tratados como animais. Eram capturados, destituídos de
qualquer personalidade, perdiam sua identidade e seu
nome e ganhavam um número através do qual eram
1
BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à
luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.
34 //
A Lei da palmada...
reconhecidos. E o mais aterrorizante é que tudo o que foi
feito era absolutamente LEGAL.
Os países que formavam o Eixo2 editaram leis que
justificavam toda a atrocidade ocorrida em seus territórios.
Essa experiência histórica demonstrou os danos
imensuráveis que um governante tirano pode causar à
seus governados. Nesse sentido, há de se notar a
“importância” da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen3
para fundamentar o sistema de governo dos nazistas e dos
fascistas.
Com o fim da guerra os líderes mundiais
vencedores (os Aliados)4 uniram-se no intuito de produzir
documentos internacionais capazes de afirmar e garantir
os direitos e liberdades fundamentais em todo o mundo.
Eduardo Carlos Bianca Bittar ressalta que nesse período
“[...] a pessoa humana é posta novamente em foco, e sua
valorização recupera foros de decência social mínima.”5
A dignidade da pessoa humana tornou-se, a partir
daí, o principal bem jurídico a ser amparado pelo Direito
em todo o mundo.
Nesse sentido, de forma extremamente elucidativa
Gustavo Vinícius Camin e Zulmar Antonio Fachin, no artigo
denominado “Dignidade da pessoa humana: o princípio
dos princípios”6, concluem que:
[...] principalmente após as atrocidades da segunda
guerra mundial, passou-se a dar uma atenção especial
à dignidade da pessoa humana, elevando-a a princípio
dos princípios e como núcleo essencial a ser protegido
pelo Direito dos Países.
2
Alemanha, Itália e Japão.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista
Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 427p.
4 Estados Unidos da América, União Soviética e Reino Unido.
5 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade e
reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009, p. 300.
6 PEGINI, Adriana Regina Barcellos (Org.). Direito e pessoa humana.
Maringá/PR: Editora Vivens, 2014, p. 365.
3
A dignidade humana da criança
// 35
Instrumentos legais surgiram no intento de garantir
direitos ao ser humano, sendo que nesse respeito merece
destaque a Carta das Nações Unidas de 1945 e a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Quando elaborada em São Francisco, nos Estados
Unidos da América, a Carta das Nações Unidas teve como
fundamento justamente a união dos países para preservar
a paz mundial e lutar, se necessário, pelos direitos e
liberdades individuais7.
Vale transcrever o belo introito:
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS,
RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,
que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe
sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé
nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no
valor do ser humano, na igualdade de direito dos
homens e das mulheres, assim como das nações
grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as
quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de
tratados e de outras fontes do direito internacional
possam ser mantidos, e a promover o progresso social
e melhores condições de vida dentro de uma liberdade
ampla.
A Declaração de Direitos do Homem de 1948 já
tratou, em seu primeiro artigo, de garantir a liberdade e
dignidade do indivíduo, nos seguintes termos8:
Artigo 1.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.
7
8
Carta das Nações Unidas - ONU, 1945.
Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU, 1948.
36 //
A Lei da palmada...
Indiscutível a dificultosa efetividade desses
direitos. Mas fato é que houve adesão em massa aos
principais documentos internacionais que tratam dos
direitos e garantias fundamentais do indivíduo e da
coletividade. Além disso, todo o indivíduo humano deve ter
seus direitos fundamentais garantidos, sendo ou não
signatários dos documentos internacionais.
Sobre o assunto, Daniel Sarmento leciona que:
Por isso, consideramos, sobre todos os aspectos,
preferível a idéia de que os direitos humanos, conquanto
tenham se originado de fato do pensamento ocidental,
se universalizaram e constituem imperativos éticos que
protegem
todo
e
qualquer
ser
humano,
independentemente do seu país ou cultura. 9
Por essa razão que a dignidade humana ganhou o
cenário mundial com o principal objetivo a ser alcançado
por todo e qualquer Estado. Mas, no que consiste essa
dignidade?
A palavra dignidade tem origem do latim dignitas,
“o que tem valor”, e seu conceito é multifacetado:
DIGNIDADE s.f. (Do lat. Dignitas, dignitatis, mérito,
dignidade.) 1. Qualidade de quem é digno; nobreza;
respeitabilidade. – 2. Cargo ou título de alta graduação.
– 3. Respeito que merece alguém ou alguma coisa: a
dignidade da pessoa humana. – 4. Honra, decência,
brio.10
Esses conceitos demostram exatamente a
evolução do termo ao longo dos tempos.
Inicialmente
a
palavra
dignidade
estava
diretamente relacionada com o status do indivíduo em uma
9
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 6.
10 ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda.,
1998, vol. 8, p. 1907.
A dignidade humana da criança
// 37
sociedade: somente era digno o nobre, o cidadão (que
possuía a prerrogativa de exercer direitos políticos).
Em seu brilhante estudo, Tomás de Aquino atribuiu
ao ser humano o direito a ser respeitado em face de seus
valores e de sua liberdade de escolha. Portanto, a
dignidade humana como conhecemos atualmente surgiu
com a doutrina cristã do Evangelho.
No humanismo renascentista coube a Pico della
Mirandola conceder a dignidade humana um conteúdo
racional. Segundo seu entendimento o ser humano é digno
porque é o único indivíduo no reino animal que possui
razão, podendo, assim, utilizá-la para fazer suas escolhas
de forma livre e independente.11
Por fim, Immanuel Kant contribuiu de forma ímpar
para o estudo da dignidade humana na filosofia iluminista
através do imperativo categórico, que atribui valor sem
qualquer condição. Ele simplesmente é. É justamente o
que ocorre com a dignidade humana: o ser humano é
digno pelos simples fato de ser humano. O valor do
indivíduo não possui qualquer preço e, se não tem preço,
é digno.12
Eduardo Carlos Bianca Bittar entende a dignidade
como um atributo dado ao indivíduo “desde fora” e “desde
dentro”: “desde fora” é a dignidade que se confere ao outro
para ser dignificado; “desde dentro” consiste na dignidade
que se confere a si mesmo refletindo na auto aceitação e
na auto valoração do indivíduo.13
Mas, independentemente do conceito de dignidade
própria que cada um possua (dignidade desde dentro),
todo indivíduo é, germinalmente, dela merecedor, bem
11
MIRANDOLA, Pico della. A dignidade do Homem. São Paulo: Editora
Escala, [s. d.].
12 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Lisboa. Editora: Edições 70, 2007.
13 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade e
reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009, p. 300.
38 //
A Lei da palmada...
como agente qualificado para demanda-lo do Estado e
do outro (dignidade desde fora), pelo simples fato de ser
pessoa, independente de condicionamentos sociais,
políticos, étnicos, raciais, etc.14
Ocorre que ambas as dimensões da dignidade,
quais sejam, desde fora e desde dentro, estão interligadas
e, por essa razão, é necessário que o indivíduo possua
condições externas propícias para se atribuir dignidade.
Por essa razão que o Estado possui o dever, a
obrigação de proporcionar aos seus cidadãos o mínimo
necessário para possuírem uma vida que, em primeiro
lugar, tornar-lhes dignos para si mesmos.
Essa visão sobre a dignidade é interessante ao
passo que consegue atribuir ao Estado dever social em
relação aos seus governados.
Entretanto, não é o suficiente para conceder à
dignidade um conceito concreto que possa ser utilizado
como referência para garantia de direitos em todo o
mundo.
Nesse sentido, é importante o estudo de Luís
Roberto Barroso15 na tentativa de conceituar a dignidade
de forma mais concreta em benefício de todo o Direito.
Para tanto, estabelece um conteúdo mínimo no conceito
de dignidade humana: o conceito deve incorporar valor
intrínseco, autonomia e valor comunitário.
O valor intrínseco da dignidade humana deve ser
tanto sob o ponto de vista filosófico quanto sob o ponto de
vista jurídico.
Para a filosofia, o valor intrínseco da dignidade
humana é de ser um conjunto de características que
concede ao homem o valor que o torna único no mundo.
As consequências desse valor são tornar o homem um
indivíduo antiutilitarista (ou seja, não deve ser útil a
14
Idem, p. 301.
BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à
luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.
15
A dignidade humana da criança
// 39
ninguém, mas apenas a si mesmo16), e também
antiautoritário (ou seja, “[...] é o Estado que existe para o
indivíduo, e não o contrário”17).
Juridicamente, a dignidade humana consiste na
origem de todos os direitos fundamentais tais como o
direito à vida, à igualdade perante a lei e na lei, direito à
integridade física e psíquica ou mental.
A autonomia refere-se à liberdade do ser humano
de tomar suas próprias decisões. Filosoficamente, a
autonomia a compor o conceito de dignidade humana é a
autonomia pessoal, que compreende o uso da razão para
se fazer escolhas de forma absolutamente independente.18
Juridicamente, a autonomia deve compreender a
autonomia privada (liberdades básicas), pública (direito à
participação política) e o mínimo existencial (satisfação
das necessidades básicas para que a autonomia seja
plena)19.
Por fim, o valor comunitário deverá estar presente
no conceito de dignidade humana ao passo que esta
funciona como um limitador da autonomia privada. Através
desse valor, a dignidade humana também está em
respeitar a dignidade de terceiros e em proteger os valores
sociais compartilhados.
Uma vez atendidos esses “requisitos” ainda é
necessário observar que o conceito de dignidade humana
construído atenda a todas as culturas, leis e moral do
planeta.
16
A visão antiutilitarista do indivíduo expressado por Barroso retrata o
imperativo categórico de Kant.
17 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à
luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 77.
18 Nesse ponto, o autor deixa de utilizar da autonomia moral de Kant
para adotar a concepção muito próxima dos conceitos de Pico della
Mirandola.
19 Seria a concretização da dignidade desde fora de Eduardo C. B.
Bittar.
40 //
A Lei da palmada...
Para isso, esse conceito deverá laico, neutro e
universal. Laico se apresentar uma visão racional e
humanitária em detrimento da religiosa. Neutro caso o
conceito for aceito por qualquer ideologia ou política. E
universal se houver respeito às diferentes etnias,
religiosidades e culturas.
Nota-se a complexidade da construção de um
conceito de dignidade humana que atenda todas essas
exigências. A análise de cada um desses pontos em um
caso concreto dará mais segurança quanto ao direito a ser
protegido. E essa é justamente a sugestão de Barroso em
sua obra.20
No mais, a construção de um conceito de dignidade
humana dar-se-á com o tempo, através de muitos estudos
desenvolvidos sobre o tema.
Para fins desse trabalho, a dignidade humana será
compreendida como um valor intrínseco de todo e
qualquer ser humano, justamente pelo fato de ser um
humano (imperativo categórico de Kant), sendo este valor
inatingível e irrenunciável, e que deve ser protegido pelo
Estado através da promoção de medidas capazes de
garantir a efetividade de todos os direitos fundamentais.
Através do conceito modestamente formulado de
dignidade humana nota-se a busca pela efetividade de sua
garantia, e essa efetividade dar-se-á justamente pela
condição jurídica de ser um princípio.
O princípio ganhou nova roupagem no Direito
através do neoconstitucionalismo pós-positivista, que
constitui uma nova forma de interpretar e aplicar as
constituições dos Estados e seus preceitos.
O pós-positivismo jurídico consiste em um
pensamento jusfilosófico responsável por inovar as
definições dos pilares básicos do constitucionalismo.
Essas inovações são importantes para melhor
20
BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à
luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.
A dignidade humana da criança
// 41
compreensão das consequências do pós-positivismo no
constitucionalismo contemporâneo.
Dentre os pilares do constitucionalismo vale citar as
teorias da norma, das fontes e a da interpretação.
Na teoria da norma, a norma jurídica foi destituída
de toda a carga positivista abrangendo, além das leis, das
decisões judiciais, dos costumes, da jurisprudência e da
doutrina, os princípios. Entender os princípios como uma
norma jurídica reformula toda a teoria da norma.
Na teoria das fontes ocorre o mesmo processo de
valorização dos princípios, que deixam de ser fontes
secundárias e passam a ser fontes primárias do Direito e,
consequentemente, tornam-se capazes de regular
condutas.
Na teoria da interpretação foram acrescentados
como meios de interpretação das normas jurídicas a
hermenêutica, a argumentação jurídica e a tópica. Diante
disso, passa a ser evidente a influência direta da
jusfilosofia no processo de interpretação jurídica.
O pensador norte americano Ronald Dworkin21 foi
o primeiro a defender os princípios como oposição ao
positivismo jurídico, propondo, assim, uma ruptura com o
sistema positivista. O pós-positivismo é, portanto, o oposto
do positivismo na medida em que não sustenta a
separação do direito com a moral e a política, e se afasta
do jusnaturalismo ao passo que está fundado na
racionalidade, como ocorre, por exemplo, na solução de
conflitos entre princípios através da ponderação de
interesses.
Para o positivismo, a grosso modo, a aplicação do
Direito resume-se a uma simples fórmula matemática: se
o caso concreto for A, deve-se aplicar a lei A, se B, a lei B.
Ocorre que o Direito não é uma ciência exata. Uma
afirmação tão óbvia mas tão necessária para fundamentar
o pós-positivismo. Nele, o princípio é uma norma jurídica e
21
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson
Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
42 //
A Lei da palmada...
pode ser aplicado a toda e qualquer situação em qualquer
lugar do planeta. Assim, os países que possuem
interesses em comum, tais como o de garantir o respeito à
dignidade humana aderem ao princípio não mais como
meio de auxiliar na interpretação das normas, mas sim
como principal objetivo a ser atingido pelo Direito22.
Os princípios passaram, portanto, a ser aplicáveis
integral e imediatamente em todas as situações, sem a
necessidade de normas que a deem eficácia. Nota-se que
há nesse processo uma evidente aproximação do Direito
com a moral e os valores, o que não ocorria há muito
tempo.
A dignidade humana: o objetivo do planeta desde o
fim da Segunda Guerra Mundial. Impossível considerar
esse princípio apenas como um meio de interpretação das
normas jurídicas. Rebaixar este princípio à menos do que
a lei é inconcebível.
Por esse motivo que a teoria de Dworkin é tão clara
e aceita pelos juristas atualmente. A dignidade humana é
um valor fundamental na ordem jurídica e é capaz de
intervir de forma absoluta nas demais normas justamente
por ser o “valor dos valores”23, motivo pelo qual sua
efetividade deve ser promovida pelos Estados.
A fim de atender aos anseios ideológicos tanto
internos quando externos, o Brasil incluiu a dignidade
humana em sua Constituição Federal como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
I - a soberania;
22
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 57/61.
23 REIS, Calyton; PINTO, Simone Xavier. O abandono afetivo do filho,
como violação aos direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar.
Mestrado, Maringá, v. 12, n. 2, p. 503-523, 2012.
A dignidade humana da criança
// 43
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. 24
Graças ao pós-positivismo jurídico a dignidade
humana ganhou o status que lhe cabe tanto nas normas
jurídicas internas dos Estados quanto nos documentos
internacionais.
A localização topográfica da dignidade humana na
Constituição Federal de 1988 indica justamente sua
importância para o ordenamento jurídico brasileiro. A
dignidade humana passou a ser a matriz principiológica de
todo o texto constitucional e do ordenamento jurídico.
Tornou-se o princípio dos princípios.
Como princípio a dignidade humana é o:
[...] mais relevante da nossa ordem jurídica, que lhe
confere unidade de sentido e de valor [...]. Além disso, o
princípio em questão legitima a ordem jurídica,
centrando-a na pessoa humana, que passa a ser
concebida como “valor-fonte fundamental do Direito”.
Dessa forma, alicerça-se o direito positivo sobre
profundas bases éticas, tornando-o merecedor do título
de “direito justo.25
Inicialmente a proteção da dignidade humana era
tarefa dos poderes Legislativo e Executivo. Mas conforme
foi sendo incorporada em textos legais e tornando-se um
conceito jurídico essa função passou rapidamente para o
Poder Judiciário.
O que favoreceu de fato a ascensão da dignidade
24
Original sem grifos.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 86.
25
44 //
A Lei da palmada...
humana como princípio foi justamente o pós-positivismo.26
Considerando tudo o que foi apresentado até o momento,
nota-se que já é entendimento pacífico de que as soluções
claras e acabadas do direito positivo não são mais
suficientes para solucionar as questões altamente
complexas da atualidade. Assim, o princípio ganha status
de norma jurídica e, como tal, deve possuir aplicação
imediata sob qualquer circunstância.
Há quem entenda que a dignidade humana
constitui um valor absoluto. Principalmente na Alemanha.
Entretanto, “[...] no direito não há espaço para absolutos.
[...]”27. Se há exceções, não é absoluto. A dignidade
humana é um princípio que contempla diversos direitos
fundamentais, tais como a liberdade, que pode ser
restringida em caso de prisão.
Assim, a dignidade humana não é um valor
absoluto, mas sim um valor fundamental, intrínseco a todo
indivíduo humano de modo a fazer parte de todo o
conteúdo essencial de todos os direitos fundamentais.
2.2 A CRIANÇA COMO PESSOA
Inicialmente a pessoa era considerada no Direito
algo meramente formal: a matéria prima do direito,
juntamente com os fatos e objetos.28
Entretanto, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 prevê em seu Artigo VI, que: “Todo ser
26
Conforme Luís Roberto Barroso. Dignidade da pessoa humana no
direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito
jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.
27 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à
luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 64.
28 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e
autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007 (Coleção Professor
Agostinho Alvim / coordenação Renan Lotufo).
A dignidade humana da criança
// 45
humano tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa perante a lei.”29.
Assim, nota-se a especificidade do termo “pessoa”
no texto da Declaração. Obviamente que essa expressão
representa mais que um conceito puramente biológico.
A Constituição Federal pátria trata como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito a
dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III). Mais
uma vez adota o termo pessoa ao invés de homem,
indivíduo ou cidadão.
Por fim, o Código Civil utilizou do termo pessoa
natural para distingui-la da pessoa jurídica, e inaugura o
texto legal dizendo que “Toda pessoa é capaz de direitos
e deveres na esfera civil”.
Diante disso, pessoa passou a ser o sujeito de
direitos.30 Tão somente isso.
Não há dúvida, portanto, da importância de se
conhecer o conceito de pessoa, uma vez que este foi o
termo escolhido pelas principais normas protetivas, motivo
pelo qual esse simples conceito legal não é suficiente para
compreender a dimensão do objeto tutelado pelo Direito.
Ao conceituar direitos de personalidade Carlos
Bittar31 frisa que:
Consideram-se como da personalidade os direitos
reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e
em suas projeções na sociedade, previstos no
ordenamento jurídico exatamente para a defesa de
valores inatos no homem, como a vida, a higidez física,
a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.
Mais uma vez fica clara a necessidade de conhecer
29
Original sem grifo.
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:
disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009
31 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1989, p. 1.
30
46 //
A Lei da palmada...
o conteúdo ôntico de pessoa, até mesmo porque esta
precisa ser protegida em sua individualidade.32 Não
satisfaz mais entender pessoa apenas como matéria prima
do Direito ante sua extrema complexidade.
Nesse interim, vale citar o Professor José de
Oliveira Ascensão, autor do prefácio da obra de Diogo
Costa Gonçalves, que concluiu:
(...) se todo o Direito é constituído para o Homem, e o
Homem é Pessoa, se não tivermos consciência do que
a Pessoa é todo o progresso do Direito é vão. 33
Nota-se que o conceito de pessoa não é simples.
O ser humano é complexo e sua complexidade natural é
transferida para qualquer campo científico ou filosófico.
O desafio e a dificuldade em conhecer a natureza
humana existem desde o início dos tempos. É uma busca
filosófica constante e nem sempre bem sucedida ao longo
da história da humanidade.34 Inúmeros estudiosos se
dispuseram a tentar definir o conceito de pessoa e o cerne
da questão gira em torno justamente da natureza humana
a fim de diferenciar a pessoa da mera existência da vida.
Etimologicamente, inobstante a origem duvidosa
da palavra “pessoa” os estudiosos remontam seu
surgimento do latim persona, que se referia a máscara
utilizada pelo ator durante encenação com o objetivo de
representar alguém e de ampliar sua voz.35 Essa
expressão originou não somente a palavra “pessoa”, como
também a palavra “personagem”.
32
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Tradução de
Afonso Celso Furtado Rezende. São Paulo: Quorum, 2008.
33 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade:
fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008,
p. 12.
34 ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto
Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007
35 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia
filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo:
Paulus, 1980, p. 291.
A dignidade humana da criança
// 47
A Grande Enciclopédia Larousse Cultural36 define
pessoa como:
PESSOA s.f. (Do lat. persona) 1. Ser humano, sem
distinção de sexo (homem ou mulher); indivíduo: [...] – 2.
Indivíduo considerado por si mesmo. – 3. Indivíduo
considerado enquanto ser particular, físico e moral [...]
Dir. Quem é capaz de gozar de direitos e de contrair
obrigações e que pode ser ou um indivíduo (pessoa
física) ou uma entidade coletiva (pessoa jurídica). [...].
Referido conceito contempla a pessoa tanto sob o
ponto de vista filosófico quanto sob o contexto jurídico.
Ontologicamente, a filosofia clássica grega foi
importante para definir a individualidade do Homem.
Contudo, não se preocupou em definir a “pessoa”.
Na antiga Grécia, em seu período clássico (séculos
VI a IV a.C.) a palavra persona referia-se a todo e qualquer
ser humano, livre ou escravo, o que motiva o reestudo do
conceito tradicional dos civilistas de que o escravo era
considerado apenas res.37
Coube ao Cristianismo colaborar de forma ímpar
para construção do conceito de pessoa quando explicou a
Santíssima Trindade. Segundo os estudiosos (Santo
Agostinho) Cristo possuía a natureza humana e divina em
uma única pessoa.38 Nota-se, então, pela primeira vez a
utilização da palavra pessoa de forma autônoma. Nesse
sentido, pessoa já não é mais a mesma coisa que Homem.
Tertuliano, Santo Agostinho, Boécio, São Tomás de
Aquino e Escoro foram os principais contribuintes para a
36
ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda.,
1998, vol. 19, p. 4577.
37 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2ª ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 28/31.
38 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade:
fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008,
p. 26.
48 //
A Lei da palmada...
conclusão de que, para a teologia cristã, pessoa é o ser
amado por Deus em sua individualidade.39
No pensamento moderno há uma desconstrução
da noção de pessoa. Passa-se, então, a identificá-la como
uma realidade psíquica, emotiva e subjetiva. Os principais
responsáveis pela construção desse novo conceito foram:
Descartes, que entende pessoa como ser psíquico
dependente, apenas, de seu juízo mental (penso, logo,
existo)40; Locke que designava “pessoa” como “consciência”41; Hume para o qual a pessoa é a consciência humana
formada pelas sensações e percepções do indivíduo42;
Kant que também defende que a pessoa é consciência,
mas esta é moral43; Hegel que entende o homem como
parte da humanidade44; Kierkegaard que voltou a priorizar
a individualidade do ser humano, bem como sua liberdade
oponível apenas diante de Deus45; e Nietzsche que, por
fim, excluiu o Homem de qualquer questão filosófica ao
afirmar que o Homem é um ser totalmente
indeterminado.46
Todos esses pensadores e suas teses foram
fundamentais para a construção do que conhecemos hoje
39
Idem, p. 27/28.
DESCARTES, René. Discurso do método. Brasília: UnB, São Paulo:
Ática, 1989.
41 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o
governo; Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril
Cultural, 1983.
42 HUME, David (1739). Tratado da Natureza Humana. Tradução
Déborah Danowski, Ed. Unesp / Imprensa Oficial do Estado: São Paulo,
2000. Original: A Treatise of Human Nature.
43 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Lisboa. Editora: Edições 70, 2007.
44 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à história da filosofia.
São Paulo: Hemus, 1983.
45 KIERKEGAARD, Sören. Temor y Temblor. Traducción de Jaime
Gringberg. Buenos Aires: Editorial Losada, 1958.
46 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. 4. ed., rev.
São Paulo: Martin Claret, 2008.
40
A dignidade humana da criança
// 49
como pessoa sob o ponto de visto jurídico.47
Para que se possa trazer para o Direito uma
definição consistente é necessário, primeiramente,
desconstruir todo e qualquer conceito pronto sobre
pessoa. Principalmente os conceitos legais que, ante sua
finalidade, são sucintos e objetivos. Somente então é
possível reconstruir esse conceito partindo de sua origem
histórica, dos estudos filosóficos, bem como do conteúdo
normativo.
Contemporaneamente, na doutrina brasileira há o
ensinamento de Miguel Reale que ao lecionar sobre
Filosofia do Direito48, entende pessoa como o homem que
é e que deve ser. Ao nascer se é ser (existência biológica
no mundo) e torna-se pessoa através do dever ser, que
nada mais é do que o exercício rotineiro de valores
intrínsecos, consistentes na ética (justo), na estética (arte)
e na verdade (busca constante). Estes valores agregados
constituem a dignidade.
Javier Hervada contribui ao afirmar que o homem
vive esse ser de forma tão intensa que possui absoluto
domínio sobre si mesmo.49 Esse seria o conceito de
pessoa quanto a seu valor.
A liberdade de ser, de escolher o modo como se
vive, dá ao homem autonomia plena de sua vida. Como já
dito, essa liberdade dá ao homem dignidade.50 Possuir
consciência dessa autonomia dá ao homem a condição de
pessoa.
47
BORGHETTI, Cibele Stefani. Pessoa e personalidade humanas: uma
reflexão histórico-dogmática do seu reconhecimento e proteção
jurídicos, na perspectiva da teoria da relação jurídica e das teorias dos
direitos de personalidade. Curitiba: UFP, 2006. 316 f. Tese (Mestrado
em Ciências Jurídicas) - Programa de Pós-Graduação em Direito,
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
48 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva,
2002.
49 HERVADA, Javier. Crítica introdutória ao direito natural. Tradução de
Joana Ferreira da Silva. Porto/Portugal: RÉS-Editora, s.d.
50 MIRANDOLA, Pico della. A dignidade do Homem. São Paulo: Editora
Escala, [s. d.].
50 //
A Lei da palmada...
Nos dizeres de Miguel Reale:
[...] o homem como único ente, que só pode ser
enquanto realiza seu dever ser revela-se com “pessoa”
ou unicidade espiritual, sendo a fonte, a base de toda a
Axiologia, e de todo processo cultural, pois pessoa não
é senão o espírito na autoconsciência de seu pôr-se
constitutivamente como valor.51
A pessoa é, portanto, um ser “[...] dotado de
autonomia quanto ao ser, de autoconsciência, de
comunicação
e
de
autotranscendência”.52
A
transcendência, segundo Battista Mondin, consiste na
espiritualidade da qual o homem é titular, condição essa
que o permite sempre estabelecer e superar suas metas.53
Também é interessante destacar a definição
construída por Diogo Costa Gonçalves54, segundo a qual
pessoa o é através de suas vontades, escolhas,
comportamentos, características e valores intrínsecos.
Dono de si, possuidor de absoluta razão e capacidade de
raciocínio, o homem torna-se pessoa e, assim, é protegido
de forma unânime pelo Direito.
[...] Pessoa é aquele ente que, em virtude da especial
intensidade do seu acto de ser, autopossui a sua própria
realidade ontológica, em abertura relacional constitutiva
e dimensão realizacional unitiva. 55
O conceito oferecido por Diogo Costa Gonçalves
51
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 205.
52 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia
filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo:
Paulus, 1980, p. 303.
53 Ibidem, p. 304.
54 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade:
fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008,
p. 64.
55 Ibidem, p. 64.
A dignidade humana da criança
// 51
contempla tanto a consciência de si quanto a capacidade
de interagir com o mundo exterior e, ainda, a possibilidade
de se realizar. Nele estão presentes todos os elementos
presentes no conceito de Mondin e no estudo formulado
por Reale.
Quanto a realidade ontológica do homem
mencionada por Gonçalves cabe citar Eduardo Vera-Cruz
Pinto ao defender que somente o homem é pessoa:
De todas as formas de vida na Terra o homem tem uma
única que lhe confere um estatuto jurídico exclusivo, pois
o Direito é uma criação do homem para o homem, no
imenso espectro de implicações que a afirmação
comporta. Só o homem pode proteger com direitos
outros seres da criação. [...] Só pelo Direito o Homem é
Pessoa.56
Impossível ignorar, portanto, a importância da
Filosofia para a construção do Direito, uma vez que sua
função é sempre buscar soluções para questões aflitivas
do ser humano que, em quase sua totalidade, prescinde
de reflexões e análise de juízos de valor por parte dos
juristas.57 Apesar disso, ainda assim é necessário formular
conceitos concretos para que o Direito possa proporcionar
efetividade à mesma sociedade que dele necessita.
Ser reconhecido como pessoa confere ao indivíduo
humano dignidade de ser algo além de um ser existente
no globo terrestre: autonomia para fazer suas escolhas,
capacidade de se inter-relacionar e de se reconhecer
como ser capaz de criar, conquistar e recriar objetivos.
Portanto, o indivíduo humano está sendo pessoa.
Ser pessoa é uma construção deveras dificultosa que não
se completa, mas que se inicia desde o nascimento.
[...] a pessoa não é resultado já adquirido desde o
56
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso livre de ética e filosofia do direito.
S.l.: Principia, 2010, p. 211-213.
57 NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
52 //
A Lei da palmada...
nascimento, mas é, antes, mina riquíssima de
possibilidade, pelo qual a pessoa é, em larga medida,
conquista.58
Pode-se, então, concluir que a criança é pouco ato
e muita potência utilizando a lição de Aristóteles. Ou seja,
é um indivíduo com vida própria, que é em sua essência,
mas obviamente com infinitas limitações por ainda não
possuir todos os seus sentidos, funções biológicas e
inteligência desenvolvidos. Em face dessas limitações e do
pouco tempo de vida a criança tem pouquíssimas
realizações no mundo fático, ao passo que tem ainda
muito a fazer, a aprender, no que se transformar. Portanto,
tem a potência para realizar seus valores intrínsecos,
respeitando
sempre
suas
características,
suas
oportunidades e suas escolhas.
Pela teoria do ser e do dever ser de Miguel Reale59,
a criança é pelo simples fato de existir, e sempre deverá
ser para que se construa como pessoa. E esse processo é
constante em qualquer ente humano, quer seja
adolescente, jovem, adulto, idoso ou criança.
Ao nascer o ser humano está para o mundo como
qualquer outro animal vivo, interagindo com o meio
ambiente através dos sentidos. Contudo, a diferença entre
o indivíduo humano e o animal é a capacidade de se
transcender através da linguagem.60
A criança faz bolos de areia, mas é uma fortaleza que
ela constrói, sobre a qual reina e povoa de criaturas
inventadas por ela. Ela está ali na praia, mas, pela
história que conta a si, está muito longe, no tempo dos
58
MONDIN, Battista. O homem: quem é ele?: elementos de
antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari.
São Paulo: Paulus, 1980, p. 304.
59 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva,
2002.
60 SUPIOT, Alain. Homos juridicus: ensaios sobre a função
antropológica do Direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado
Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 5.
A dignidade humana da criança
// 53
cavaleiros, numa profunda floresta, ou então
transportada por um foguete para outro planeta. Pelas
palavras que cochicha a si mesma, ou que troca com
seus colegas de brincadeira, conhece a embriaguez de
uma liberdade que nenhum animal jamais conheceu,
a de reconstruir a seu bel-prazer um outro mundo
possível, onde ela pode voar no ar, desdobrar-se, ficar
invisível, ou ogre, ou gigante... Um mundo onde ela
confere sentido aos objetos que modela ou aos
desenhos que traça e que se tornam a marca visível de
seu espírito.61
Sobre a formação da pessoa humana, Tomás de
Aquino define a educação como a contribuição para o
amadurecimento da criança até atingir seu perfeito estado
de homem. A finalidade da educação é, portanto, a
formação da pessoa humana, uma vez que é através do
conhecimento adquirido e desenvolvido que a criança
torna-se um homem livre para fazer escolhas conscientes
em todos os planos de sua vida. É através da educação
que a criança cria autoconsciência, autonomia, adquire a
capacidade de se comunicar e de auto transcender,
tornando-se, portanto, pessoa na concepção de Miguel
Reale. Para Tomás de Aquino a criança, como ser humano
que é, está aberta ao infinito e isto é sinal da perfeição de
sua forma, perfeição essa que indica sua semelhança
ontológica com Deus.62
Assim, tanto a criança como qualquer indivíduo
humano que não possui autonomia e inteligência plenos
hão de ser considerados pessoa e, portanto, portadores de
dignidade humana, pela auto transcendência:
[...] é justamente a autotranscendência que leva o
homem continuamente para além do que já é e possui,
61
Ibidem, p. 5. Original sem grifos.
SOUZA, Nivaldo Alves de. A criança como pessoa – na visão de
Tomás de Aquino e Matthew Lipman. Florianópolis/SC: Sophos, 2001,
p. 108/111.
62
54 //
A Lei da palmada...
propondo-lhe
conquistas.63
sempre
novos
objetivos
e
novas
Outro fundamento para determinar a condição da
criança como pessoa está na doutrina da imago Dei64, que
ganhou força a partir do Concílio Vaticano II (1962-65).
Através da “Comunhão e serviço: a pessoa
humana criada à Imagem de Deus” (2004), o Vaticano
dividiu a imago Dei em imago creationis (naturae), imago
recreationis (gratie) e imago similitudines (Christi). A imago
creationis diz respeito à natureza do homem: o homem é a
imagem de Deus porque ele é. A imago recreationis referese à graça de Deus: o homem é a imagem de Deus pela
Sua graça e por livre e espontânea vontade. Por fim, a
imago similitudines acrescenta a semelhança à imagem de
Deus através do cristianismo: é o agir como Deus queria
que agíssemos e conforme os ensinamentos do Deus filho.
A imago Dei concebida nessas três dimensões
constitui o fundamento ontológico dos Direitos Humanos.
Sob o manto dessa doutrina, impossível conceber
a criança como não sendo pessoa. Ela foi feita a imagem
e semelhança de Deus e, portanto, possui a dignidade
originária da divindade.
[...] concebido à imagem de Deus, o homem não é Deus.
Sua dignidade particular procede não de si mesmo, mas
de seu Criador, e ele a partilha com todos os outros
homens.65
Inobstante a todo o exposto, a discussão acerca da
condição de a criança ser pessoa ficou na esfera
63
MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia
filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo:
Paulus, 1980, p. 304.
64 O homem feito a imagem e semelhança de Deus.
65 SUPIOT, Alain. Homos juridicus: ensaios sobre a função
antropológica do Direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado
Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 15.
A dignidade humana da criança
// 55
jusfilosófica, uma vez que o ordenamento jurídico
brasileiro reconhece como criança a pessoa de até 12
(doze) anos de idade incompletos conforme previsto no
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade.66
Há, ainda, o Código Civil brasileiro segundo o qual
a personalidade civil da pessoa inicia-se com o nascimento
com vida, apesar de garantir os direitos do nascituro desde
a concepção.
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.
Portanto, o Direito brasileiro, ao garantir à criança
a proteção de todos os seus direitos desde o nascimento
com vida, salvaguardando, ainda, os direitos do nascituro,
confere-lhe a condição de pessoa e, portanto, atribui ao
Estado o dever de respeitar sua dignidade humana e de
garantir tudo o que for necessário para o desenvolvimento
pleno e sadio de sua personalidade.
Nesse sentido, Eduardo Vera-Cruz Pinto leciona
em nota de rodapé:
[...] o Direito cuida da criança como pessoa, dando
dignidade jurídica à infância. Logo, atendendo a direitos
da criança que se sobrepõem a quaisquer outros de
outras pessoas, mesmo os pais.67
Portanto, a criança há de ser reconhecida como
pessoa pelo Direito e pela Filosofia do Direito,
66
67
Original sem grifo.
Original sem grifos.
56 //
A Lei da palmada...
compreendendo, a partir daí, a essência legislativa e
doutrinária da defesa integral, absoluta e incontestável dos
direitos da criança com plena prioridade.
2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
DA CRIANÇA
Após todas as conclusões estabelecidas até este
momento do trabalho científico, é possível entender por
direitos fundamentais todos os direitos que são
necessários para que a pessoa exerça plenamente sua
dignidade. Impossível, assim, ter sua dignidade respeitada
se não há garantia do direito à vida, ou a integridade física,
ou do direito à moradia ou à alimentação. São condições
imprescindíveis para o desenvolvimento sadio da
personalidade do indivíduo e, portanto, fundamentais à
sua existência digna.
Para tratar dos direitos fundamentais da criança é
necessário fazer um breve introito sobre a construção
histórica desses direitos.68
O primeiro documento escrito que iniciou o
processo de reconhecimento dos direitos fundamentais foi
a Carta Magna de 1215 do Rei João-Sem-Terra. Referido
rei, juntamente com os bispos e barões, elaborou a Carta
Magna com objetivo de garantir respeito por parte do
Estado aos direitos e liberdades do homem livre e da
Igreja.
Já no século XVII as principais declarações de
direitos foram a Petição de 1628 enviada pelo parlamento
inglês ao Rei Carlos I, a Lei do Habeas Corpus de 1679 e
a Bill of Rights de 1689 também elaborada pelo parlamento
inglês.
A Petição de 1628 que o parlamento inglês enviou
ao rei Carlos I reclamava dos impostos ilegais e pleiteava
68
FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 2013.
A dignidade humana da criança
// 57
o reconhecimento da liberdade física ante as queixas de
invasão de soldados e de prisões aleatórias.
Em 1679 foi publicada na Inglaterra a Lei do
Habeas Corpus na qual se estabeleceu um procedimento
para garantir a liberdade física, uma vez que o instituto já
estava previsto na Magna Carta de 1215.
A Bill of Rights de 1689 foi elaborada pelos
parlamentares ingleses com o principal objetivo de limitar
ainda mais os poderes da autoridade real e evitar o
fechamento do parlamento sem justo motivo. A Bill of
Rghts foi o resultado da Revolução Gloriosa, que pôs fim
à monarquia absoluta na Inglaterra.
Esses quatro documentos surgiram na Inglaterra e
influenciaram o mundo, motivo pelo qual a Inglaterra
passou a ser considerada o berço do direito à liberdade
fundamental. O direito à liberdade na Inglaterra, portanto,
foi fundamentalizado, e não constitucionalizado como na
maioria dos países.
A Magna Carta, a Petição de Direito, a Lei do
Habeas Corpus e a Declaração de Direitos foram de
extrema importância para a defesa dos direitos
fundamentais, razão porque inspiraram Montesquieu,
Voltaire e Rousseau à motivar a luta pela independência
dos ingleses que viviam na América.
Assim, foi elaborada a Declaração dos Direitos dos
Povos da Virgínia, conhecida como Carta de
Independência de 1776. Nesse período seis colônias
americanas rebeladas (Virgínia, Maryland, Carolina do
Norte, Vermon, Massachusetts e New Hampshire)
proclamaram seus direitos e Thomas Jefferson redigiu
uma carta de independência, na qual afirmava o direito de
lutar pela liberdade, ainda que para isso tivessem que
pegar em armas.
Referida Carta é tão formidável que, além de ser
incorporada à Constituição dos Estados Unidos da
América, também representou o ato inaugural da
democracia moderna segundo a qual o representante é
58 //
A Lei da palmada...
eleito pelo povo. A Declaração dos Direitos dos Povos da
Virgínia criou um novo Estado e instituiu a democracia
representativa com a preocupação de limitar poderes
através de um regime democrático de direito e do respeito
aos direitos humanos.
Na Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, publicada em 1789 em decorrência da
Revolução Francesa há, pela primeira vez, a proteção de
todo o gênero humano, e não apenas de um grupo
específico de pessoas. Sob forte influência de Rosseau
(artigo 1º)69 e de Montesquieu (art. 16)70, a Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão foi utilizada como
princípio pela maioria dos Estados do mundo ocidental.
A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão
representou a superação do absolutismo, criou direitos
religiosos, protegeu a propriedade privada (art. 17), a
segurança, a liberdade em diversos aspectos, tais como a
liberdade contratual, liberdade de manifestação de
pensamento, liberdade religiosa, liberdade de reunião e
liberdade de associação.
Infelizmente o direito a igualdade previsto nessa
Declaração não foi efetivo após a sua publicação.
Após foi elaborada a Declaração de Direitos do
Povo Trabalhador Explorado de 1918 como resultado da
revolução Soviética.
Essa Declaração foi responsável pela formação da
União Soviética como um novo Estado. O valor nuclear era
a igualdade, que passou a se expressar em vários direitos.
Para que esse valor fosse efetivo, extinguiu o direito à
propriedade privada uma vez que essa era um obstáculo à
sociedade igualitária, e preocupou-se em estabelecer os
mínimos direitos trabalhistas, tais como limite da jornada
de trabalho e remuneração mínima pelo trabalho.
“Os homens nascem e permanecem livre e iguais em direitos”.
“A sociedade em que não estiver assegurada a garantia dos direitos,
nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.”
69
70
A dignidade humana da criança
// 59
No cenário pós guerra tem-se a já citada Carta das
Nações Unidas de 1945 responsável pela criação da ONU
–
Organização
das
Nações
Unidas
–
e,
consequentemente, pela criação de uma base normativa
de proteção dos direitos fundamentais. Depois de 1945,
houve uma vasta produção normativa a respeito dos
direitos
fundamentais,
surgindo,
assim,
a
internacionalização dos direitos fundamentais. Como
consequência, a soberania dos Estados foi relativizada: a
pessoa passou a ser mais importante que o Estado. A
lógica disso é que os direitos humanos, que são inerentes
às pessoas, se sobrepõem à soberania do Estado.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 foi o primeiro documento importante sobre direitos
humanos após a Segunda Guerra Mundial. Formalizou um
grande consenso universal sobre determinada base de
valores e influenciou países à adotar um rol de direitos
fundamentais de liberdade e de igualdade em seus
Direitos internos.
Os Pactos Internacionais de Direito Humanos
firmados em 1966 correspondem aos pactos elaborados
com o objetivo de garantir direitos civis e políticos, bem
como direitos econômicos, sociais e culturais. Foi
necessária a elaboração de dois pactos ante a “Guerra
Fria” existente entre os Estados Unidos da América e a
União Soviética. A diferença de ideologias impediu o
consenso sobre os termos de um pacto internacional que
tinha como meta garantir direitos fundamentais.
A solução encontrada foi a elaboração de dois
Pactos Internacionais. Um foi o Pacto Internacional dos
Direitos Civil e Políticos, que atendia os anseios dos
Estados Unidos da América e dos países que a ele eram
simpáticos. Tinha como valor nuclear a garantia à
liberdade. Outro foi o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, cujo valor nuclear era a
garantia do direito à igualdade, como preconizava a União
60 //
A Lei da palmada...
Soviética e os Estados a ela ligados e formaram a Carta
Internacional de Direitos Humanos.
Ambos os pactos foram ratificados pelo Brasil
apenas de 1992.
A Declaração de Teerã de 1968 é o resultado da
primeira conferência mundial de direitos humanos
realizada pela ONU. Durante a Guerra Fria, firmada
apenas dois anos após a formalização dos pactos
internacionais de 1966, a conferência tinha como grande
preocupação a garantia da indivisibilidade dos direitos
humanos fundamentais.
Assim, aos Estados foi atribuída a obrigação de
garantir todos os direitos fundamentais, quer sejam
sociais, econômicos e culturais, quer sejam a respeito dos
direitos civis e políticos.
Os países presentes comprometeram-se em
garantir todos os direitos fundamentais indistintamente: os
países liberais comprometeram-se a combater a
desigualdade, e os países comunistas comprometeram-se
a incentivar a liberdade.
A Declaração e Programa de Ação de Viena de
1993 teve como meta elaborar um plano de ação para a
concretização dos direitos humanos.
Foi o resultado da Segunda Conferência Mundial
de direitos humanos realizada pela ONU, que entendeu
por bem reunir os países para atualizar seus
compromissos com a democracia, com a busca pelos
direitos humanos fundamentais e com o desenvolvimento.
Isso porque a situação geopolítica do mundo havia sofrido
profundas mudanças desde 1968: a União Soviética havia
sido desintegrada, a Alemanha reunificada, as ditaduras
na América Latina tinham se encerrado, tal como os
regimes comunistas do leste europeu, etc.
O Estatuto de Roma em 1988 criou o Tribunal
Penal Internacional para processar e julgar os crimes mais
graves cometidos contra os direitos fundamentais, como
por exemplo o crime de genocídio, os crimes contra a
humanidade e os crimes de guerra.
A dignidade humana da criança
// 61
Estabeleceu uma jurisdição penal internacional,
que é subsidiária e incide sobre todos os países membros
da ONU.
Pela análise superficial da evolução histórica dos
direitos fundamentais nota-se uma divisão em relação aos
temas desenvolvidos: nos séculos XVII e XVIII o foco foi o
direito à liberdade; na primeira metade do século XX a
preocupação foi com o direito à igualdade; e na segunda
metade do século XX o destaque foi para a fraternidade.
A liberdade, a igualdade e a fraternidade instruem
os direitos fundamentais uma vez que a garantia desses
direitos atende perfeitamente ao respeito da dignidade
humana.
Conceder esses direitos e garanti-los através de
procedimentos eficazes é obrigação do Estado. Do mesmo
modo, os direitos fundamentais também implicam na
imposição de limites tanto ao Estado quanto ao terceiro.
Inicialmente, quando o Estado adotava apenas a
teoria liberal, os direitos fundamentais resumiam-se
justamente a serem limites do poder estatal. Com a
implantação da Estado social os direitos fundamentais
ganharam uma nova concepção. Além de servir como
limites jurídicos ao poder estatal também serve de
referência para sua atuação.71
Sob este prisma, passa-se a entender que não basta
que os Poderes Públicos se abstenham de violar tais
direitos, exigindo-se que eles os protejam ativamente
contra agressões e ameaças provindas de terceiros.
Além disso, caberá também ao Estado assegurar no
mundo da vida as condições materiais mínimas para o
exercício efetivo das liberdades constitucionais, sem as
quais tais direitos, para os despossuídos, não passariam
de promessas vãs. Ademais, o Estado tem o dever de
formatar seus órgãos e os respectivos procedimentos de
71
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.106.
62 //
A Lei da palmada...
um modo que propicie a proteção e efetivação mais
ampla possível aos direitos fundamentais.72
Assim, é possível concluir que os direitos
fundamentais são aqueles direitos da pessoa humana que
refletem o que é necessário para respeitar sua dignidade
humana, direitos esses que devem ser garantidos pelo
Estado tanto em face de terceiros como em face do próprio
Poder Público.
No Brasil os direitos fundamentais podem ser
expressos (previstos nos artigos 5º ao 17 da Constituição
Federal), ou implícitos (apesar de não serem nominados
como direito fundamental estão localizados ao longo do
texto constitucional).
Os direitos fundamentais possuem como principais
características:
a) A fundamentalidade: que pode ser formal
(estão presentes no ordenamento jurídico) ou material
(possuem uma base axiológica no núcleo normativo);
b) A historicidade: os direitos fundamentais
surgiram com o cristianismo, passaram pelas diversas
revoluções até chegar aos dias atuais;
c) A universalidade: uma vez que existem em
todos os tempos, em todos os lugares e são inerentes a
todos os seres humanos;
d) A inalienabilidade: não podem ser doados,
permutados, transferidos porque são inerentes à pessoa.
A pessoa não tem autonomia para abdicar de um direito
fundamental;
e) A inexauribilidade: inobstante estar expresso
na Constituição, o rol dos direitos fundamentais não se
exaure;
f) A positividade: decorre da Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. As
Constituições dos Estados continham a separação de
72
Ibidem, p. 107.
A dignidade humana da criança
// 63
poderes e um rol de direitos individuais que foram
ampliados para os direitos fundamentais
g) A transindividualidade: há certos direitos que
não são titularizados por uma só pessoa, mas por uma
pluralidade de pessoas ao mesmo tempo. Eles
transcendem uma esfera de um indivíduo
h)
A
complementariedade:
os
direitos
fundamentais complementam um ao outro;
i) A imprescritibilidade: os direitos fundamentais
não prescrevem;
j) A indivisibilidade: seu conteúdo elementar não
pode ser tocado, cindido ou fragmentado;
k) A vinculatividade: os direitos fundamentais
vinculam tanto os poderes estatal e privado quanto os
indivíduos.
No Brasil a Constituição Federal possui um rol,
como visto não taxativo, de direitos fundamentais e atribuiu
a eles aplicação imediata, conforme disposição expressa
do artigo 5º, §1º:
Art. 5º [...]
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.
Isso quer dizer que esses dispositivos são
aplicáveis desde a entrada em vigor da Constituição e
independem de qualquer norma para torna-lo aplicável:
possuem aplicabilidade imediata.
Em que pese a inexauribilidade dos direitos
fundamentais, pode-se dizer que os direitos fundamentais
que o são por excelência estão previstos no caput do art.
5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
64 //
A Lei da palmada...
Os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade são garantidos a todos,
indistintamente. Por óbvio que a criança não está excluída
da titularidade desse rol de direitos fundamentais. São,
portanto, direitos fundamentais comuns aos adultos e as
crianças.
No entanto, para que não haja dúvidas quanto a
titularidade da criança dos direitos fundamentais previstos
na Constituição Federal, o artigo 3º do Estatuto da Criança
e do Adolescente estabelece que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.73
Os
direitos
fundamentais
direcionados
especificamente à criança e ao adolescente estão
previstos tanto na própria Constituição Federal quanto no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
É possível observar que ao tratar dos direitos
fundamentais em seu Título II, o Estatuto da Criança e do
Adolescente nomeia esses direitos em seus capítulos, que
são os direitos à vida e à saúde (capítulo I), à liberdade, ao
respeito e a dignidade (capítulo II), à convivência familiar e
comunitária (capítulo III), à educação, à cultura, ao esporte
e ao lazer (capítulo IV) e a profissionalização e a proteção
no trabalho (capítulo V).
Enquanto alguns dos direitos, como dito, são
comuns aos adultos, há outros direitos fundamentais
específicos à criança.
73
Original sem grifo.
A dignidade humana da criança
// 65
A especificidade de direitos fundamentais decorre
de um sistema especial de proteção desses direitos
quando o titular é a criança ou o adolescente. Esse sistema
é regido pelos princípios da proteção integral da criança e
do adolescente e da absoluta prioridade dos interesses do
menor.
Ambos
os
princípios
estão
previstos
originariamente, no ordenamento jurídico brasileiro atual,
no já citado artigo 227 da Constituição Federal.
A absoluta prioridade do menor trata mais
especificamente da prevalência dos direitos fundamentais
da criança em relação aos dos adultos e também está
prevista no artigo 100, parágrafo único, inciso V do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 100. [...]
Parágrafo único. São também princípios que regem a
aplicação das medidas:
[...]
IV - interesse superior da criança e do adolescente:
a intervenção deve atender prioritariamente aos
interesses e direitos da criança e do adolescente, sem
prejuízo da consideração que for devida a outros
interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos
interesses presentes no caso concreto;
Todos os direitos previstos no caput do artigo 227
também são direitos fundamentais dos adultos. No
entanto, a criança terá a garantia desses direitos efetivada
de forma prioritária justamente pela condição peculiar de
ser pessoa em desenvolvimento. Obviamente a criança
não goza de liberdade e autonomia absolutos, tais como
os adultos capazes, circunstância essa que lhe atribui uma
vulnerabilidade intrínseca74. Por essa razão, a criança
possui prerrogativa nas obrigações positivas da família, da
sociedade e do Estado.
74
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças
e adolescentes e os direitos humanos. Barueri/SP: Manole, 2003, p.
382.
66 //
A Lei da palmada...
O princípio da proteção integral, por sua vez,
também previsto no artigo 100, parágrafo único, inciso II
do Estatuto da Criança e do Adolescente75, possui um viés
procedimental. Esse princípio visa assegurar que medidas
sejam adotadas para que os direitos fundamentais dos
menores sejam efetivados. Para tanto, foi necessária a
promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente que se
destinou a tratar tanto dos direitos fundamentais quanto
das formas de torna-los ativos.
Sobre o assunto Andréa Rodrigues Amin leciona
que:
Regulamentando e buscando dar efetividade à norma
constitucional foi promulgado o Estatuto da Criança e do
Adolescente, microssistema aberto de regras e
princípios, fundado em dois pilares básicos: 1- criança e
adolescente são sujeitos de direitos; 2 – afirmação de
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 76
Uma vez respeitados os princípios alhures, nota-se
que a criança possui ainda mais direitos fundamentais do
que o adulto por sua condição especial de ser em
desenvolvimento, direitos esses que serão tratados
separadamente.
75
Art. 100. [...] Parágrafo único. São também princípios que regem a
aplicação das medidas: [...] II - proteção integral e prioritária: a
interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei
deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que
crianças e adolescentes são titulares;
76 AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: Curso de
direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2006, p. 13.
A dignidade humana da criança
// 67
2.3.1 Direito à convivência familiar
O primeiro direito fundamental a ser tratado é o
direito à convivência familiar estabelecido originalmente
no artigo 227 da Constituição Federal, cuja redação sofreu
grande influência da Convenção das Nações Unidas sobre
os Direitos da Criança, justamente porque os Estados
Partes obrigaram-se a zelar pela manutenção da criança
no seio familiar.
Art. 9º, I: Os Estados-Partes deverão zelar para que a
criança não seja separada dos pais contra a vontade dos
mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as
autoridades
competentes
determinarem,
em
conformidade com a lei e com os procedimentos legais
cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse
maior da criança.
Essa prioridade constitucional foi retratada no
Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 4º, 16,
inciso V e em todo o Capítulo III do Título II.
A necessidade de priorizar a convivência familiar
da criança implica em permitir que esta possua um
desenvolvimento saudável junto à pessoas que lhe dão,
além do sustento material e intelectual, o afeto.
Por convivência familiar entende-se tanto a família
natural (biológica) quanto a família substituta.
Inquestionável a insistência da legislação vigente a
respeito da manutenção da criança com sua família de
procedência biológica, a ponto de realizar diversas
medidas para recuperação dos pais que, por algum
motivo, estão desprovidos de condições (emocionais,
psicológicas ou físicas) para cuidar de sua prole. No
entanto, uma vez que não é mais possível a convivência
familiar genética (primeiro com os pais e, depois, com
qualquer parente próximo), a ponto de destituir o poder
familiar dos genitores, haverá a colocação da criança em
68 //
A Lei da palmada...
família substituta e essa, então, passará a ser família para
todos os efeitos legais e, obviamente, afetivos.
Desta sorte, a convivência em família constitui-se em um
porto seguro para a integridade física e emocional de
toda criança e todo adolescente. Ser criado e educado
junto aos pais biológicos ou adotivos deve representar
para o menor de 18 anos estar integrado a um núcleo de
amor, respeito e proteção.77
O direito fundamental à convivência familiar
contempla garantir que a criança se desenvolva com afeto
familiar, sem o qual sua personalidade poderá
desenvolver-se de forma distorcida, comprometendo a
moral e a ética daquela criança.
2.3.2 Direito à profissionalização e à proteção no
trabalho
Mais uma vez considerando os princípios da
proteção integral do menor a Constituição Federal
preocupou-se em proibir o trabalho da criança até os 14
(quatorze) aos nos seguintes termos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
[...]
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos;
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do
Adolescente preconiza que:
77
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito fundamental à
convivência familiar. In: ______. Curso de direito da criança e do
adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2006, p. 69.
A dignidade humana da criança
// 69
Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de
quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
Obviamente que a presente medida teve por
finalidade acabar com o trabalho infantil tão problemático
no Brasil.
Assim, a proibição do trabalho infantil foi um
avanço inquestionável para o Direito brasileiro.
Entretanto, nota-se que a Constituição Federal e o
Estatuto da Criança e do Adolescente abrem exceção ao
trabalho da criança e do adolescente desde que o faça na
condição de aprendiz.
Isso porque a criança possui, ainda, direito
fundamental à profissionalização, e o trabalho do menor
aprendiz reflete a satisfação desse direito fundamental.
Além disso, há uma conotação ocupacional no
trabalho do menor aprendiz. Ocupar a criança e o
adolescente com treinamento sadio para o trabalho
através de cursos teóricos e de estágios contribui de forma
imensurável para o seu desenvolvimento sadio. “[...] Às
vezes, por desocupação ou extrema necessidade, a
população infanto-juvenil se vê às voltas com a
criminalidade, [...].”78
Portanto, o direito à proteção no trabalho impede
que a criança exerça funções que prejudiquem o seu
desenvolvimento físico, mental e psicológico, ao passo
que o direito à profissionalização confere ao adolescente a
partir dos 14 (quatorze) anos justamente condições de se
desenvolver de forma saudável por tirá-lo da ociosidade
perigosa e de prepara-lo para se tornar um indivíduo
78
OLIVA, José Roberto Dantas. O princípio da proteção integral e o
trabalho da criança e do adolescente no Brasil: com as alterações
promovidas pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, que ampliou
o limite de idade nos contratos de aprendizagem de 24 anos. São Paulo:
LTr, 2006, p. 161.
70 //
A Lei da palmada...
produtivo para si, para sua família, para a sociedade e para
o Estado.
= III =
A LEI 13.010/2014
A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO
ESTATAL
Uma vez esclarecido a respeito de toda evolução
cultural e constitucional da criança na sociedade brasileira,
de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
de sua dignidade e direitos fundamentais, passa-se a
analisar a Lei 13.010/2014 em face da autonomia familiar
e da intervenção estatal sob a luz da dignidade humana e
dos direitos fundamentais da criança.
3.1 A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO
ESTATAL
A Constituição Federal inaugura seu texto
justamente estabelecendo que o Brasil é um Estado
Democrático de Direitos.
Há, portanto, a “fusão” entre o Estado de Direito e
o Estado Democrático.
O Estado de Direito está diretamente ligado ao
liberalismo, uma vez que prima pela aplicação da lei, pela
distribuição de poderes e pela previsão e proteção dos
direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.
O Estado Democrático, por sua vez, possui relação
direta com a soberania popular através da participação
popular efetiva que se dá pelo voto e pela garantia de
direitos que permitem ao indivíduo acesso ao poder
público.
Portanto, o Estado Democrático de Direito tem
como principal objetivo alcançar a justiça social através de
políticas públicas que permitem aos seus governados
desenvolver sua personalidade de forma plena o que,
72 //
A Lei da palmada...
consequentemente, proporciona-lhes o exercício pleno de
sua dignidade.1
Ante essa meta intrínseca do Estado Democrático,
o legislador constituinte denominou o Título VIII da
Constituição Federal como “Ordem Social”, na qual
estabelece meios de se atingir a justiça social.
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
É inquestionável o aspecto liberal e social que
fundam o Estado Democrático de Direito no Brasil.
O termo “liberal” é proveniente do latim liber, que
se refere a pessoa livre, ou não escravizada. O liberalismo,
que se originou no século XVII e teve como precursor o
filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), constitui um
sistema político-econômico que se fundamenta na
liberdade individual em todas as esferas de vida do ser
humano: econômico, político, religioso e intelectual.
Justamente por primar pela liberdade, o liberalismo
defende a não intervenção estatal nas relações privadas.
O aspecto social do Estado Democrático de Direito
brasileiro aproxima-se do socialismo, segundo o qual a
prioridade é a busca pela igualdade plena, igualdade essa
que não diz respeito ao sistema de governo, mas à busca
pela garantias dos direitos individuais. A preocupação do
poder constituinte de inserir no texto constitucional a
obrigação do Estado de proporcionar a seus governados o
necessário para se ter uma vida digna evidencia o aspecto
social do atual regime político brasileiro.
Atualmente o Estado Democrático de Direito prima
tanto pela liberdade, fundada no liberalismo político,
quanto pela igualdade, através da participação de todos no
processo político e na busca pela satisfação do mínimo
1
FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 2013, p. 201.
A LEI 13.010/2014...
// 73
necessário para que todos, indistintamente, vivam de
forma digna.
Tratando-se especificamente do Direito de Família,
estão presentes nas legislações que regem a matéria tanto
o liberalismo quanto o socialismo.
O Direito de Família consiste em um ramo do
Direito subordinado ao direito privado, e não ao direito
público. Não obstante a importância da família para o
Estado, há de se reconhecer que em um Estado
Democrático de Direito impera a liberdade individual.
Obviamente que, sempre que houver necessidade
da intervenção estatal, esta ocorrerá de forma a garantir
os direitos individuais dos membros da família.
Do que se trata nesse momento é sobre a liberdade
familiar, segundo a qual os membros que a constituem
possam agir com liberdade para escolher a forma de
constituição da família (se decorrente de matrimônio ou de
união estável), para realizar um planejamento familiar
(escolha de quantos filhos integrarão à família), para optar
pela escola dos filhos, etc.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
[...]
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.2
Para que o Estado não se aproxime de uma forma
de governo autoritária faz-se necessário encontrar um
equilíbrio entre os interesses estatais e os interesses
2
Original sem grifo.
74 //
A Lei da palmada...
familiares, o que não é simples quando da análise de
casos concretos.
Pode-se citar como interesse do estado o já
mencionado planejamento familiar e a paternidade
responsável previstos no artigo 226, § 7º da Constituição
Federal. A primeira intervenção ocorre porque o controle
de natalidade facilita as ações do Estado que tem por
intuito diminuir as taxas de mortalidade infantil.
Obviamente que esse tema é de interesse social e,
portanto, merece a intervenção do Estado, ainda que de
forma sutil como está no texto constitucional. A segunda
visa essencialmente garantir à criança uma infância digna,
próxima de seu genitor e que o torne conhecedor de suas
origens genéticas e afetivas.3
Ainda é interessante acrescentar que a existência
de normas cogentes no direito de família não
descaracterizam sua condição de direito privado até
mesmo porque várias normas de direito privado são
cogentes em detrimento do direito público.
Assim, a democracia é o alicerce que sustenta a
autonomia familiar em relação à intervenção estatal. Sobre
o tema o Relatório realizado para a ONU em 20064
menciona que:
A privacidade e autonomia da família são valorizadas em
todas as sociedades e o direito a uma vida privada e
familiar, a um lar e a correspondência é garantido em
instrumentos internacionais de direitos humanos.5
3
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito
de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório do especialista
independente para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência
Contra Crianças. (onu/a/61/150 e Corr. 1, 26 de agosto de 2006), 2006,
p. 14.
5 O texto cita em nota de rodapé como exemplo de instrumentos
internacionais de direitos humanos que garantem o direito a uma vida
privada e familiar o artigo 8º da Convenção sobre a Proteção dos
Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e o artigo 17 da
Aliança Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
A LEI 13.010/2014...
// 75
Ainda sobre a intervenção estatal mínima na
família, José Sebastião de Oliveira elucida de forma
exemplar:
Observamos que o Estado que opta como regime
político por uma Democracia Social - exemplo do Brasil
- não assume função intervencionista na família, a não
ser para, paralelamente à liberdade assegurada aos
seus membros, garantir condições mínimas à sua
manutenção.6
No campo do direito privado o direito civil trata da
família no Livro IV do Código Civil, que prescreve em seu
artigo 1.513 do Código Civil:
É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito
privado interferir na comunhão de vida instituída pela
família.
Este é o fundamento legal do princípio da não
intervenção ou da liberdade no direito de família, que
possui relação estreita com o princípio da autonomia
privada. Nos ensinamentos de Flávio Tartuce:7
Por certo que o princípio em questão mantém relação
direta com o princípio da autonomia privada, que deve
existir no âmbito do Direito de Família. O fundamento
constitucional da autonomia privada é a liberdade, um
dos principais atributos do ser humano (art. 1º, III).
A liberdade, que consiste em um direito
fundamental por excelência de qualquer indivíduo
humano, se estende para a família proporcionando-lhe
dignidade plena. Portanto, a liberdade familiar é
6
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito
de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 284.
7 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 990.
76 //
A Lei da palmada...
imprescindível para o desenvolvimento saudável e pleno
das crianças e para a convivência harmônica entre todos
os membros que a constituem.
Qualquer ofensa ao direito à autonomia familiar o
será ao direito à liberdade garantido tanto pela
Constituição Federal quanto por diversos documentos
internacionais como já elencados seção terciária 3.3 do
presente trabalho.
Por essa razão, a intervenção estatal poderá
ocorrer apenas em casos em que sua atuação é
necessária e adequada, nos termos do artigo 100,
parágrafo único, incisos VII e VIII do Estatuto da Criança e
do Adolescente:
Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em
conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se
aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
Parágrafo único. São também princípios que regem a
aplicação das medidas:
[...]
VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser
exercida
exclusivamente
pelas autoridades
e
instituições cuja ação seja indispensável à efetiva
promoção dos direitos e à proteção da criança e do
adolescente;
VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção
deve ser a necessária e adequada à situação de perigo
em que a criança ou o adolescente se encontram no
momento em que a decisão é tomada;
IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser
efetuada de modo que os pais assumam os seus
deveres para com a criança e o adolescente;8
Assim, a intervenção estatal na família nos casos
em que envolva a criança e o adolescente deverá ocorrer
apenas nos moldes estabelecidos na legislação em vigor.
8
Original sem grifos.
A LEI 13.010/2014...
// 77
Por fim, cabe destacar Pontes de Miranda que
sustenta a forma mais adequada de governo:
Liberdade (fundo), igualdade (fundo) e democracia
(forma) são três conceitos distintos, precisos, claros.
São como três caminhos, três dimensões, pelas quais se
anda: sobe-se por uma; por outra, vai-se para os lados;
pela terceira, marcha-se para frente, ou para trás. Não
se pode por uma só linha caminhar pelas três; nem
avançar de um ponto, por uma delas, significa avançar
pelas três. Cada uma existe independente das outras. A
evolução tem de se processar nas três. Em certos
momentos históricos, avança-se mais por uma. Noutras,
por uma das outras. A Grã-Bretanha realizou mais
liberdade. Os Estados Unidos da América, mais
democracia. A Rússia, mais igualdade.
Quem diz democracia, liberdade e maior igualdade
refere-se, necessariamente, às três estradas. Estrada
larga, subindo, é fusão das três. Mais, ainda aí, não se
confundiram as dimensões, isto é, os três conceitos. 9
A liberdade na família é extremamente necessária
para que seus membros exerçam sua dignidade de forma
plena. No entanto, para que a igualdade e o respeito entre
os seus membros se efetivem é imprescindível que o
Estado esteja presente de forma a fiscalizar e intervir
quando necessário em prol do mais frágil. Somente assim
que se atinge a igualdade ao buscar uma efetiva proteção
dos mais frágeis nas relações familiares.
Não há dúvidas de que a criança é uma das partes
mais frágeis na relação familiar, e mais suscetível a
qualquer forma de abuso e de desrespeito aos seus
direitos básicos.
Em sua condição psicológica e física, a criança
está sujeita a qualquer imposição dos adultos. Como
explanado até o momento, ao longo de todo o texto, é
9
MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade. Campinas:
Bookseller, 2002, p. 220.
78 //
A Lei da palmada...
forçoso concluir que a criança é sim um ser em
desenvolvimento, suja personalidade está em formação
durante a primeira infância e, portanto, tudo o que
acontece dentro do lar é de forte interesse estatal e social.
Danos psicológicos e físicos à criança podem resultar em
danos irreversíveis.
Não há o que reverta a perda de um indivíduo para
a marginalidade, para os vícios e para as doenças
psicológicas tão em voga na atualidade. As consequências
da perda da cidadania para uma criança são de fato
imensuráveis tanto para esse ser de forma individual
quanto para a sociedade, sob o ponto de vista produtivo e
participativo quanto, também, para o Estado, que deixa de
ter em sua população um indivíduo que acresce para o
crescimento econômico do país.
A liberdade do indivíduo é sim uma conquista social
atingida após vários séculos de lutas, até mesmo pegando
em armas, o que a tornou, de fato, em um direito
fundamental garantido a qualquer indivíduo: basta ser
humano para que se tenha direito à liberdade. É um dos
valores intrínsecos da dignidade humana e, portanto,
nascerá e morrerá com o indivíduo.
No entanto, essa liberdade jamais poderá ser
exercida as custas de prejudicar o outro e, principalmente,
se esse outro for mais frágil. O limite do direito fundamental
está, justamente, em respeitar o direito fundamental do
outro, o que mais uma vez justifica a afirmativa de que a
dignidade humana é o “limite dos limites”.10
Ainda sobre o limite da liberdade na família Álvaro
Villaça Azevedo entende que:
10
CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade:
disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 239.
A LEI 13.010/2014...
// 79
[...] a liberdade, em direito, não pode ser totalmente
desapegada de regulamentação; há que se condicionar,
pois a de um vai até onde a de outro começa.11
Nesse diapasão a intervenção estatal se justifica de
forma a garantir que a liberdade não se torne libertinagem.
O interesse social e estatal, no caso da criança, é sim
maior que a autonomia familiar. Qualquer ato que possa
prejudicar o livre e saudável desenvolvimento da criança
há de ser reprimido e punido pelo Estado.
3.2 A LEI 13.010/2014
A Lei nº 13.010 de 26/06/2014 alterou o artigo 13 e
acrescentou os artigos 18-A, 18-B e 70-A ao Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) com o intuito
evidente de coibir a imposição de castigos físicos, de
tratamento cruel ou degradante à criança e ao
adolescente, ainda se forem praticados com finalidade
exclusivamente pedagógica.
Nesse caso, nota-se que há intervenção estatal
direta no âmbito familiar no que diz respeito a escolha dos
pais ou cuidadores sobre o método pedagógico aplicado
no processo educacional.
A educação familiar, por sua vez, é de
responsabilidade dos pais ou responsáveis legais
detentores do poder familiar.
Se por um lado a educação é direito da criança e
do adolescente, por outro lado é obrigação dos pais,
conforme previsto no artigo 229 da Constituição Federal e
no artigo 1.634, inciso I, do Código Civil Brasileiro:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
11
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de açodo com
o novo código civil, Lei nº 10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 239.
80 //
A Lei da palmada...
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação; [...]
Portanto, a educação familiar constitui um dever
dos pais ou responsáveis legais no exercício do poder
familiar. Se descumprido poderão até mesmo perder o
poder familiar conforme previsão contida nos artigos
1.637, caput, e 1.638, inciso VI, do Código Civil, cuja
redação é a seguinte:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,
faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os
bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente,
ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça
reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até
suspendendo o poder familiar, quando convenha. [...]
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou
a mãe que:
[...]
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.
Nesse ponto é importante distinguir a educação
formal da informal para fins do presente trabalho.
A educação formal trata da educação perpetrada
nas instituições de ensino. Essa educação é dever da
família, da sociedade e do Estado e sobre ela há tanto
previsões internacionais quanto constitucionais e
infraconstitucionais.
Há uma série de leis e normas que tratam do tema
e torna inquestionável o direito da criança à educação e a
obrigação do Estado de providenciar à família condições
de proporciona-la à criança.
A LEI 13.010/2014...
// 81
Já a educação informal refere-se a educação
ocorrida dentro dos lares. Pais e cuidadores tem a
obrigação precípua de transmitir à criança ensinamentos
éticos, morais e culturais de maneira a formar uma pessoa
em tudo o que essa denominação abrange. Abrange o
acompanhamento diário da criança e do adolescente a fim
de conduzir seu comportamento e conduta de forma
acertada, de acordo com a moral e os bons costumes da
sociedade a qual pertence, bem como transmitir-lhes
conhecimentos culturais e torná-los cidadãos sociáveis e
produtivos.
Eduardo Julio Pettigiane elenca como uma das
características da família “La significación funcional de la
famila como transmissora de cultura: La familia es
essencialmente educadora.”12
Os ensinamentos de Denise Damo Comel são
extremamente elucidativos a respeito do tema e merecem
ser transcritos:
De qualquer forma, a educação acontece em dois
planos: o formal e o informal. Informalmente, a educação
acontecerá mediante atuação direta e permanente dos
pais na vida do filho, no contato diário que mantém com
ele. Essa forma de educação é extremamente
importante à boa formação do filho, além de muito mais
determinante ao desenvolvimento da personalidade do
que a educação formal. É por meio dela que o pai vai
passar ao filho os valores que tem como importantes na
vida, transmitindo-lhe um ideário filosófico e religioso,
bem como vai promovendo o desenvolvimento de
virtudes e habilidades que, depois, serão moldadas e
ampliadas na educação formal. Reveste-se de
significativo conteúdo afetivo e emocional, à medida que
acontece
espontaneamente,
na
convivência
estabelecida com o filho, também de relevante valor na
12
PETTIGIANI, Eduardo Julio. Familia. In: Enciclopedia de derecho de
familia. URIARTE, Jorge A. (org.). Tomo II. Buenos Aires: Editorial
Universidad, 1992, p. 168.
82 //
A Lei da palmada...
aspecto intelectual e social, refletindo, enfim, na
formação do cidadão como um todo e no
amadurecimento e aprimoramento da personalidade,
com a transmissão de noções e conceitos que se
integrarão de modo relativamente estável e duradouro
na personalidade do filho. Aliás, é dessa estreita
comunhão que resulta o ditado popular, tal pai, tal filho,
ressaltando a importância, a gravidade e a extrema
responsabilidade dos pais no tocante à educação do
filho.13
A família é responsável pela educação, enquanto
que as instituições de ensino são responsáveis pela
informação. No entanto, para que essa educação produza
frutos é necessário que os cuidadores da criança possuam
um método pedagógico de aprendizado. Seria o dever de
corrigir, que está incutido no dever e educar dos pais e
cuidadores que exercem o poder familiar ou a guarda
sobre a criança.
Posto esse conceito prévio, nota-se a absoluta
impossibilidade de dissociar do dever de educar do dever
de corrigir.
Sobre o dever de correção não existe qualquer
previsão legal, e nem poderia haver, já que o assunto é
muito mais de foro íntimo familiar do que estatal.
Nesse sentido, ainda vale citar Denise Damo
Comel (202):
[...] integra, também, a função educativa, pela própria
natureza, o ofício de correção, ainda que não haja
previsão legal expressa, pois é correlato ao dever de
educar.14
13
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003, p. 103.
14 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003, p. 202.
A LEI 13.010/2014...
// 83
E apesar de inexistir previsões legislativas a
respeito é justamente sobre o dever de correção que o
Estado atua de forma incisiva na autonomia familiar.
A Lei 13.010/2014 trata justamente dessa
educação: a informal, e a formal de corrigir os
comportamentos inadequados.
Como visto no desenvolvimento do primeiro
capítulo, é culturalmente aceita a punição da criança
através do castigo físico moderado. Àquela criança que
não obedece é imposto um castigo físico que pode ser uma
“palmada”, uma “chinelada”, um “puxão de orelhas”, etc.
São todos castigos físicos que incutem na criança o medo,
a dor física, mas sem deixar qualquer marca visível ou
danos físicos irreversíveis.
A legislação brasileira sempre permitiu o castigo
físico moderado, não por legislação expressa, mas por
entendimento a contrario sensu.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai
ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons
costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.15
Se a punição está em castigar imoderadamente,
então se entende que será permitido o castigo moderado.
E assim, o Estado sempre tolerou o castigo físico
como punição no processo educacional informal.
Desse mesmo modo, vários países não proibiam
expressamente o castigo físico moderado, o que gerou um
movimento internacional no sentido de coibir esse tipo de
“violência” exercido dentro dos lares.
15
Original sem grifo.
84 //
A Lei da palmada...
Desde 1959 Pontes de Miranda já se manifestava
sobre o castigo físico moderado no dever de correção:
¿Têm os pais o direito de castigar moderadamente os
filos menores? O Código Civil, embora não enumere
entre os direitos do pai, não deixa dúvidas a respeito,
pois que considera causa de perda de pátrio poder o
“castigar imoderadamente o filhos” (art. 395). Alguns
Códigos Civis, o francês, por exemplo, admitem o direito
de deter o filho, mesmo por intermédio de autoridade
(art. 376). A lei brasileira não permite medidas tão
violentas, e a detenção em situações irrazoáveis, ou por
mais de um dia, é manifestamente castigo imoderado,
senão crime de cárcere privado.16
Ainda sobre o tema, Paulo Dourado de Gusmão em
1987 tratou do dever de correção da seguinte forma:
Têm os pais o dever de correção dos filhos menores,
sem o qual não seria possível educá-los. Por isso, têm o
direito de exigir, moderadamente, que o filho lhes
obedeça e lhes respeite. O uso imoderado desse poder,
desproporcional à falta, é abusivo. O castigo corporal
causador de lesões corporais que afete a saúde do
menor é considerado como imoderado, sendo motivo de
suspensão ou de perda do pátrio poder. Mas, o castigo
moderado não é abusivo.17
Está demonstrado, portanto, que tanto a legislação
quanto a doutrina entendiam de forma uníssona que o
castigo moderado era adequado ao processo educacional.
Assim, inúmeros documentos internacionais
passaram a ser elaborados no intuito de coibir o uso de
castigo físico no processo educacional.
16
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte especial.
Tomo IX. Direito de Família: Direito parental. Direito protectivo. Rio de
Janeiro: Editor Borsoi, 1959, p. 120.
17 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Dicionário de direito de família. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 1987, p. 803.
A LEI 13.010/2014...
// 85
A Convenção sobre os Direitos da Criança adotada
pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de
novembro de 1989, e promulgado no Brasil através do
Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990, prevê em
seu artigo 19:
Artigo 19
1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas
legislativas, administrativas, sociais e educacionais
apropriadas para proteger a criança contra todas as
formas de violência física ou mental, abuso ou
tratamento negligente, maus tratos ou exploração,
inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver
sob a custódia dos pais, do representante legal ou
de qualquer outra pessoa responsável por ela.
2. Essas medidas de proteção deveriam incluir,
conforme apropriado, procedimentos eficazes para a
elaboração de programas sociais capazes de
proporcionar uma assistência adequada à criança e às
pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para
outras formas de prevenção, para a identificação,
notificação,
transferência
a
uma
instituição,
investigação, tratamento e acompanhamento posterior
dos casos acima mencionados de maus tratos à criança
e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.18
Diante disso, vários relatórios e comentários gerais
foram elaborados pela Organização das Nações Unidas.
Dentre eles, destaca-se o Comentário Geral nº 08,
divulgada na 42ª sessão do Comitê dos Direitos da
Criança, em Genebra, de 15 de maio a 2 de junho de
2006.19
Esse comentário geral foi um dos fundamentos
para elaboração da Lei 13.010/2014 no Brasil, e trata do
“direito da criança à proteção contra o castigo físico e
outras formas cruéis ou degradantes de castigo”. Trata-se
18
19
Original sem grifo.
Anexo B.
86 //
A Lei da palmada...
de um estudo sobre os artigos 19 (acima transcrito), 28(2)
(respeito à dignidade humana da criança no ambiente
escolar) e 37 (zelo pela criança privada de sua liberdade)
da Convenção sobre os Direitos da Criança.20
Nos interessa o comentário a respeito do artigo 19,
e em seu item 11 define o castigo físico da seguinte forma:
O Comitê define o castigo “corporal” ou “físico” como
qualquer castigo no qual a força física é usada com a
intenção de causar algum grau de dor ou desconforto,
por mais leve que seja. A maior parte deles envolve
bater nas crianças (“dar palmadas”, “tapas”, “bater”) com
a mão ou algum objeto – chicote, vara, cinto, sapato,
palmatória, etc. Mas pode também envolver, por
exemplo, chutar, sacudir ou empurrar a criança, arranhála, beliscá-la, mordê-la, puxar seus cabelos ou torcer sua
orelha, forçar a criança a permanecer em posições
desconfortáveis, queimá-la, escaldá-la ou forçá-la a
ingerir algo (por exemplo, lavar a boca da criança com
sabão ou forçá-la a engolir condimentos picantes). Na
visão do Comitê, o castigo físico é invariavelmente
degradante. Além disso, há outras formas de castigo não
físico que também são cruéis e degradantes, portanto
incompatíveis com a Convenção. Esses incluem, por
exemplo, castigos que diminuam, humilhem, denigram,
expiem, ameacem, assustem ou ridicularizem a criança.
Nota-se a semelhança com a ideologia existente na
Lei 13.010 no intuito de evitar qualquer tipo de castigo
físico no processo disciplinar. E ainda observa, no item 13
que o Comitê não é contra a disciplina, mas apenas é
favorável ao desenvolvimento saudável das crianças sem
o uso de violência ou forma de humilhação.
Essa ressalva foi importante para facilitar a
aceitação dessa ideia até então “inovadora” para as
famílias em todo o mundo.
20
Anexo A.
A LEI 13.010/2014...
// 87
O Comitê fundamenta seu comentário não somente
na Convenção sobre os Direitos da Criança, mas também
na Carta Internacional de Direitos Humanos, que engloba
tanto a Declaração Universal quanto os dois Pactos
Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que garantem o
direito de todos ao respeito pela sua dignidade humana.
Também atribui aos Estados partes da Convenção
sobre os Direitos da Criança a obrigação providenciar leis
e qualquer forma de eliminar o castigo físico e humilhante
da vida das crianças (item 22), até mesmo porque somente
a lei não é suficiente para tornar sua matéria efetiva.
Outro documento internacional de destaque é o
Relatório do especialista independente para o Estudo das
Nações Unidas sobre a Violência Contra Crianças
apresentado na Assembleia Geral da ONU ocorrida em 23
de agosto de 2006.
Nesse relatório ao tratar de uma série de violências
contra a criança menciona a violência praticada no
contexto de medida disciplinar, as constatações foram
realmente importantes ao passo que constatou que nos
lares e na família ocorre violência contra a criança.
A violência contra crianças na família pode
frequentemente ocorrer no contexto de medidas
disciplinares e assumir a forma de castigo físico, cruel
ou humilhante. Tratamentos e castigos duros na família
são comuns tanto em países industrializados quanto em
desenvolvimento. [...] É extremamente importante que
os pais sejam estimulados a só usar métodos de
disciplina não violentos.21
Justamente por ser de extrema importância
estimular os cuidadores das crianças a banir os métodos
21
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório do especialista
independente para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência
Contra Crianças. (onu/a/61/150 e Corr. 1, 26 de agosto de 2006), 2006,
item 41.
88 //
A Lei da palmada...
violentos da família que recomenda aos Estados Partes
que:
(c) Desenvolvam programas educacionais para pais
sensíveis ao gênero que enfoquem métodos
disciplinares não violentos. Esses programas [...] devem
orientar os pais no sentido de que adotem métodos
disciplinares construtivos e positivos e abordagens que
promovam o desenvolvimento da criança, levando em
consideração suas capacidades em formação e a
importância de respeitar suas opiniões. (Item B, 1, c).
Essa pequena análise dos principais documentos
que influenciaram a criação da Lei nº 13.010/2014 é
suficiente para perceber forte ideologia reproduzida nos
dispositivos legais. Inclusive no que diz respeito a
obrigação do Estado de orientar os cuidadores das criança
como disciplinar sem a utilização de castigo físico.
Nos estudos sobre a violência da criança no
mundo, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a
infância) elaborou o relatório denominado “Ocultos a plena
luz: Un análisis estadístico de la violencia contra los niños”.
O estudo constatou que 6 a cada 10 criança (cerca
de 1 bilhão em todo o mundo), entre 2 e 14 anos sofrem
castigos físicos de seus cuidadores, e que na maioria dos
casos há combinação de castigos físicos e agressões
psicológicas, e que 3 a cada 10 adultos acreditam no
castigo físico como meio necessário para educação da
criança. O mesmo estudo constatou que quanto menor a
escolaridade mais se acredita no castigo físico como forma
de educar.
É citado como exemplo o Yemen, país em que 51%
dos pais sem escolaridade acham que o castigo físico é
necessário, enquanto que 21% dos pais com escolaridade
secundária ou superior defendem o castigo físico como
forma de educação.
A LEI 13.010/2014...
// 89
Em 3 de cada 4 países com os dados disponíveis,
os pais de baixo nível econômico tendem a apoiar mais os
castigos físicos do que os pais mais ricos.
No Brasil Julio Jacobo Waiselfisz elaborou um
“Mapa da violência 2012 – Crianças e adolescentes do
Brasil” no qual analisou cerca de cem mil casos no ano de
2011.22 Constatou que:
a) 63,1% dos casos atendidos no SUS de violência
contra a criança e ao adolescente a agressão física
ocorreu em sua própria residência.
b) 40,5% do atendimento no SUS é de violência
física.
c) 39,1% dos responsáveis pela agressão são os
pais/padrasto/madrasta.
d) 50% das agressões feitas pelos pais são em
crianças de até 9 anos.
Todas as estatísticas apresentadas demonstram
de forma muito clara a intenção do legislador quando da
elaboração da Lei 13.010/2014: banir o castigo físico,
ainda que leve, das famílias brasileiras como meio de
disciplinar a criança.
Como ser em desenvolvimento que é, a criança é
absolutamente dependente de seus cuidadores e,
portanto, a proteção da saúde física, emocional e
psicólogica da criança é mais importante para o Estado do
que a autonomia familiar.
As consequências da lei ainda não são visíveis.
A sociedade ainda rechaça a ideia de educar suas
crianças sem poder utilizar do castigo físico moderado
como meio de disciplina.
Além disso, a lei não estabeleceu nenhum tipo de
punição aos pais e cuidadores que forem denunciados
e/ou surpreendidos usando do castigo físico moderado na
educação de suas crianças.
22
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012. Crianças e
adolescentes do Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos, 2012.
90 //
A Lei da palmada...
Diz a lei ao alterar o artigo 18 do Estatuto da
Criança e do Adolescente:
Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada,
os responsáveis, os agentes públicos executores de
medidas socioeducativas ou qualquer pessoa
encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes,
tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo
físico ou tratamento cruel ou degradante como formas
de correção, disciplina, educação ou qualquer outro
pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão
aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de
proteção à família;
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou
psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de
orientação;
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento
especializado;
V - advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo
serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de
outras providências legais.
Não há coerção na lei. Tudo se resume a apenas
uma orientação que dificilmente será seguida. Ainda mais
porque o Estado está falhando em promover programas
que incentivem a informem aos pais e cuidadores como
realizar um processo educacional sem utilizar o castigo
físico moderado como correção.
Maria Berenice Dias esclarece que:
Não houve a criminalização dos pais e responsáveis
que agridem sob qualquer pretexto: correção, disciplina
ou educação. Foi vetada a única apenação pecuniária
que constava no projeto, e que consistia na aplicação de
multa, no valor de três a 20 salários mínimos, aos
profissionais da saúde, da assistência social, da
A LEI 13.010/2014...
// 91
educação ou a qualquer pessoa que exerça cargo,
emprego ou função pública, que deixasse de comunicar
ao Conselho Tutelar a suspeita ou confirmação da
ocorrência de atos de violência contra menores ou
adolescentes.23
Sem a criminalização ou a sanção é praticamente
impossível que a lei insira novos costumes na sociedade.
No entanto, a mesma doutrinadora entende que o grande
legado da Lei 13.010/2014 é a revogação do inciso I do
artigo 1.638 do Código Civil que ao proibir o castigo
imoderado autorizava, implicitamente, o castigo
moderado.
De qualquer modo a Lei tem o mérito de acabar com a
absurda permissão que o Código Civil outorgava aos
pais de castigar os filhos, ainda que moderadamente.
Isto porque só o castigo imoderado ensejava a perda do
poder familiar (CC 1.638 I). Ou seja, o castigo moderado
era admitido. Agora não mais. Quem impinge castigo
físico ou tratamento cruel ou degradante fica sujeito a
cumprir medidas de caráter psicossociais. 24
Ainda não existem jurisprudências sobre o tema,
mas é forçoso concluir que a alteração legislativa
introduzida pela Lei 13.010/2014 ainda não foi
suficientemente eficaz em sua proposta.
23
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10 ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 475.
24 Ibidem, p. 475-476.
92 //
A Lei da palmada...
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
presente
trabalho
apresentou
um
questionamento a respeito da Lei da Palmada, que possui
a finalidade de proibir o castigo físico moderado como
opção de método pedagógico no processo educacional.
Uma análise perfunctória da referida lei conclui que
há um excesso de interferência do Estado na intimidade
de seus governados, já que seu dever de proteger a
criança de qualquer espécie de violência está sendo
cumprido em face do ordenamento jurídico brasileiro
vigente.
No entanto, um estudo mais profundo sobre o tema
proposto propõe uma reflexão sobre um costume
verdadeiramente incutido nos lares brasileiros: o uso da
palmada como meio de se educar crianças.
A partir da promulgação da Lei da Palmada, um
costume que era prater legem passou a ser contra legem
e, como visto no decorrer do trabalho, o costume contra
legem não possui o poder de revogar lei. Não é possível
eximir-se da obrigação de respeitar a lei com o fundamento
de que se praticou um costume. Portanto, o castigo físico
moderado, conhecido popularmente como a “palmada”,
configura uma conduta ilegal.
A lei em estudo não foi proposta e promulgada ao
mero acaso. Esta foi motivada por estudos nacionais e
internacionais, e em recomendações realizadas por
órgãos internacionais.
A realidade demonstra que a violência não deixa de
ser violência por ser moderada ou imoderada, física ou
psicológica.
Não obstante o entendimento comum de que a
palmada, a chinelada, o puxão de orelha, os gritos, os
xingamentos, etc, é algo normal e, até mesmo, benéfico à
criança, há de ser considerado que a criança, como
94 //
A Lei da palmada...
pessoa, é merecedora de proteção integral à sua
dignidade humana.
Definitivamente não é digno submeter uma criança
a tapas e a gritos sob a justificativa de educa-la. Se não é
digno fazê-lo com um adulto, obviamente não é digno fazêlo com uma criança.
O mesmo argumento usado para defender o uso do
castigo físico moderado como meio de educar é o mesmo
que justifica o seu não uso: a criança é um ser frágil, em
desenvolvimento físico e emocional, e está passiva a
qualquer situação que lhe é imposta pelos adultos.
A criança é digna, e isso é um fato incontestável.
Então, porque ela merece apanhar para ser educada? Se
esse não é um meio adequado a ser utilizado nas
instituições de ensino, porque o é para ser utilizado nos
lares, no processo de educação familiar?
Não obstante a isso, há um outro viés considerado:
a intervenção estatal na família.
A autonomia familiar é um direito à liberdade
garantido pelo direito brasileiro através do princípio da não
intervenção (art. 1.513 do Código Civil) e a Lei da Palmada
constitui uma evidente interferência do Estado nas
escolhas dos membros da família sobre a forma de se
educar suas crianças.
Certa ou errada, a forma de se educar é uma
faculdade dos cuidadores das crianças, e essa se dá na
intimidade da família, instituto que historicamente goza de
extrema liberdade em face do Estado.
Assim, após a análise de todos os fundamentos
apresentados, conclui-se que a Lei da Palmada constitui
uma efetiva intervenção do Estado na tentativa de extirpar
o castigo físico moderado dos lares brasileiros, mas sem
muito sucesso.
Sua promulgação foi capaz de levar a população a
discussão sobre o tema, mas ainda não surtiu efeitos no
comportamento da grande maioria dos pais ou cuidadores
das crianças.
Considerações finais
// 95
Apesar de a intervenção estatal na família ser
extremamente justificada, posto que o objetivo do Estado
é o de garantir o respeito à dignidade humana da criança,
garantindo-lhe o direito a ter uma infância longe de
qualquer espécie de violência, justamente por ser uma lei
em oposição aos costumes, tenderá a cair em desuso.
Apenas a imputação de punições efetivas e a
realização de fiscalizações eficazes é que poderiam,
talvez, modificar o costume, atualmente contra legem, da
palmada.
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