Por que a ocorrência de mastite é maior no pós-parto?

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Q u a l i da de
Marcos Veiga dos Santos
Professor Associado da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da USP, Campus Pirassununga, SP.
Por que a ocorrência de mastite
é maior no pós-parto?
Doença apresenta grande potencial de prejuízo mesmo
em rebanhos bem manejados
U
Taxa de novas infecções
m dos principais desafios para o chance duas vezes maior de desenvol- imunossupressão das vacas leiteiras no
controle da mastite ocorre no pe- ver mastite no pós-parto do que vacas período do peri-parto.
ríodo de transição entre a secagem da sadias. Além da cetose, outras doenças
Pesquisas desenvolvidas nessa área
vaca e a lactação seguinte. Logo após como febre do leite, retenção de pla- têm demonstrado que a função imunolóa secagem, há um aumento de pressão centa ou problemas de casco também gica das células de defesa (neutrófilos e
intramamária pelo acúmulo de leite, o aumentam o risco de ocorrência de linfócitos) e dos anticorpos apresentam
que, associado à demora na formação mastite no pós-parto.
alterações que reduzem a capacidade
do tampão de queratina dos tetos (1 a
As dificuldades de controlar a mas- de resposta da vaca. A alta incidência
2 semanas pós-secagem), compõem os tite no pós-parto são evidentes. Mesmo de mastite nas semanas imediatamente
fatores que aumentam o risco de apa- em rebanhos bem manejados, a doen- após o parto é uma das consequências da
recimento de mastite no período pós- ça apresenta grande potencial de pre- redução da capacidade imune da vaca.
-parto. Assim, uma vaca com produção juízos. Uma considerável parcela de
Próximo ao parto (duas semanas do
de leite na secagem de cerca de 18 kg/ microrganismos causadores de mastite pré-parto até duas a três semanas de lacdia aumenta em 77% o risco de infec- é oportunista e, normalmente, causa tação) os riscos de infecção intramamáção intramamária causada por bactérias a doença apenas quando as defesas ria aumentam de forma significativa (Fiambientais em relação a uma vaca com naturais e a imunidade da vaca estão gura 1). Nessa fase, o início da secreção
produção de leite na secagem de 12,5 reduzidas. Esse quadro de redução da de colostro, com abertura prematura do
kg/dia.
capacidade imune é o que caracteriza a canal do teto, aumenta em muito o risco
As vacas leiteiras
de infecções intramano período do perimárias. Ao mesmo temFigura 1. Distribuição do número de casos de mastite
-parto, que inicia duas
po, ocorre uma série de
em relação a data do parto
semanas antes e estenmudanças hormonais,
de-se por duas semanas
diminuição no consumo
após o parto, apresene aumento das exigêntam elevada incidência
cias nutricionais, além
de doenças metabólida redução na capacicas e infecciosas, dendade de defesa do orgatre elas uma das prinnismo contra infecções
cipais é a mastite. Os
(imunidade do animal).
estudos epidemiológiO diagnóstico de
cos indicam que existe
mastite pós-parto deve
uma associação entre
levar em conta as caraco desenvolvimento de
terísticas do leite nesse
Secagem Parto
Parto
doenças metabólicas e
período. Por exemplo,
Lactação
a ocorrência de mastia contagem de células
Período seco
te. Por exemplo, vacas
somáticas (CCS) aprecom cetose têm uma Fonte: Santos e Fonseca, 2006
senta-se normalmente
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Mundo do Leite
Abr-Mai/2013
A melhor estratégia para reduzir a mastite no período do peri-parto
passa pela redução do estresse do animal, proporcionando um ambiente
confortável, limpo e seco, associado a uma adequada nutrição.
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s
elevada logo após o parto e decresce avanço da lactação, as bactérias que de de ação desses componentes fica
após três a quatro dias. O teste do CMT mais prevalecem são de origem con- prejudicada devido às mudanças hor(California Mastitis Test) apresenta boa tagiosa, com predominância de Sta- monais e físicas que antecedem a pasensibilidade e especificidade para de- phylococcus aureus. Cabe ressaltar que rição. Associada a essas mudanças,
tectar infecções intramamárias aos qua- a intensidade da reação inflamatória ocorre grande produção de radicais
tro, cinco dias do pós-parto, podendo causada pelos coliformes no peri-parto livres essenciais no combate a infecser utilizado nessa fase para auxiliar é muito maior que a reação causada em ções. Contudo, em excesso, eles pono diagnóstico da mastite subclínica. vacas com lactação avançada.
dem reduzir a meia vida das células
Nos momentos que antecedem o parto,
imunes prejudicando ainda mais seu
amostras de leite podem ser coletadas
funcionamento.
Entendendo a resposta
e avaliadas pela cultura microbiológica
Em uma situação normal, a CCS
imune da vaca
para auxiliar no monitoramento da saúde vacas recém-paridas é de 1.000.000
de do úbere no período pós-parto.
Para entender como a imunossu- células/mL, mas diminui para cerca
A etiologia dos agentes bacterianos pressão durante o pós-parto influen- 100.000 cel/mL entre sete e dez dias
difere entre os rebanhos e entre vacas cia a resistência da vaca à mastite, é pós-parto. Quando ocorre a mastite,
primíparas e multíparas. De forma ge- necessário conhecer como funciona a as células de defesa, especificamente
ral, os maiores desafios para sanidade resposta imune da glândula mamária e os polimorfonucleares (PMN), são as
da glândula mamária no momento do as funções das células do sistema imu- mais importantes no processo de eliparto estão associados às bactérias am- ne. A defesa da glândula mamária pelo minação das bactérias causadoras de
bientais oportunistas, como coliformes sistema imune é complexa e envolve mastite, entretanto, essas células estão
e alguns estreptococos ambientais. A componentes celulares e solúveis. En- presentes em baixo número no leite de
taxa de novas infecções causadas por tre os principais componentes celulares animais sadios.
agentes ambientais é elevada nas duas estão as células de defesa, conhecidas
Já os macrófagos e linfócitos têm
semanas após a secagem, sendo que a como leucócitos. Como componentes a função de reconhecer a bactéria e
maioria dessas infecções permanece até solúveis pode-se mencionar a lactofer- informar ao sistema imune a presença
o momento do parto.
rina, lisozimas, peptídios antimicrobia- do patógeno. O sistema imune recruta
Esses agentes, caracteristicamente, nos e anticorpos.
um grande número de leucócitos PMN
estão presentes no ambiente da vaca e
Durante o peri-parto, a capacida- que, por meio da corrente sanguínea,
somente causam infecções
se encaminha para a glânde forma oportunista. Dessa
dula mamária. Os vasos
forma, numa situação prásanguíneos da glândula se
tica, a combinação de imudilatam para permitir um
nossupressão no período do
maior fluxo de sangue e o
peri-parto, de ocorrência de
melhor trânsito de leucócidoenças metabólicas e de
tos até o interior da glânducondições inadequadas de
la. Isso explica porque um
higiene nos lotes de vacas
quarto mamário com massecas e no pré-parto resultite aguda tem aumento de
tam em maior incidência de
temperatura e fica quente à
mastite durante esse período.
palpação.
Considera-se que o sistema
Os leucócitos PMN
imune atinge a sua menor
precisam atravessar a barcapacidade de resposta entre
reira do vaso sanguíneo até
a primeira e segunda semana
o interior da glândula; para
após o parto, período no qual
isso, são abertas passagens
algumas infecções subclíninas veias e artérias próxicas tornam-se clínicas.
mas à luz da glândula afeO diagnóstico de mastite pós-parto deve levar
Por outro lado, com o
tada, permitindo a entrada
em conta as características do leite nesse período
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Controle de mastite
no peri-parto
A utilização da terapia de vacas
secas no momento da secagem
pode reduzir a incidência de mastite pós-parto tanto pela eliminação
de agentes infecciosos presentes
na glândula mamária, impedindo
a rápida multiplicação dos microrganismos no momento do parto,
quanto pela proteção contra novas infecções no período seco. O
tratamento de vaca seca também
é uma ferramenta que pode ser
utilizada para o controle da mastite em novilhas, principalmente em
relação ao controle de agentes do
grupo dos estafilococos coagulase-negativa.
O manejo de vacas secas tem
grande influência na incidência de
mastite pós-parto. A dieta de vacas
secas durante o período de transição deve conter teores adequados
de minerais (selênio, cobre e zinco) e vitaminas (E e A) que desempenham papéis importantes na defesa da glândula mamária contra
infecções. O consumo de alimento
pelos animais não pode ser restringido, mas o excesso de alimentação pode aumentar o risco de doenças metabólicas no pós-parto.
Sendo assim, o monitoramento da
condição do escore corporal é uma
ferramenta importante para avaliar
a adequação da dieta. Além disso,
a manutenção do ambiente limpo,
seco, ventilado e confortável e a
separação de primíparas e multíparas em ambientes diferentes
podem auxiliar na prevenção da
mastite nesse período.
Dessa forma, a redução da
capacidade de resposta imune no
período peri-parto pode estar associada a uma série de fatores, os
quais, atuando em conjunto, resultam no aumento do risco de ocorrência de mastite.
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Mundo do Leite
O peri-parto inicia duas semanas antes e estende-se por duas semans após o parto
dos leucócitos, além de soro sanguí- significativamente o sistema imune.
neo que também consegue atravessar Essas alterações que preparam a glâne se misturar ao leite. A passagem dula mamária para a lactação geralmencrescente do soro sanguíneo é o que te iniciam cerca de três semanas antes
aumenta o inchaço da glândula afeta- do parto. As funções dos neutrófilos e
da, e, consequentemente, o desconfor- linfócitos podem ser então alteradas
to da vaca.
pelas mudanças nas concentrações de
Após a passagem – da corrente san- estrógeno, prolactina, somatotropina e
guínea para o leite – a função dos leu- insulina.
cócitos é a de identificar as bactérias
Durante esse período crítico, ocorpatogênicas e eliminá-las da glândula rem inversões no metabolismo, que
mamária. Dependendo da gravidade passa de baixa demanda de nutrientes
da infecção, esse processo pode ser mais
Muitas alterações hormonais e
ou menos demorado,
metabólicas que se desenvolvem
prolongando-se muitas
durante o período do peri-parto
vezes mesmo após a
eliminação da bactépodem afetar significativamente
ria. Por exemplo, uma
o sistema imunológico da vaca.
vaca sadia com CCS de
100.000 cel./mL, pode
passar a apresentar CCS > 1.000.000 à gestação para a alta demanda da laccel./mL em apenas algumas horas após tação, em particular quanto aos requeuma infecção por Escherichia coli. En- rimentos de energia e proteína. Sendo
tretanto, a bactéria pode ser rapidamen- assim, o balanço negativo de energia e
te eliminada, caso o sistema imune da de proteína no início da lactação pode
vaca consiga montar uma resposta in- contribuir para a disfunção imune, uma
flamatória adequada.
vez que uma parte significante dos nuMuitas alterações hormonais e me- trientes ingeridos é consumida para
tabólicas que se desenvolvem durante manutenção e reposição das células do
o período do peri-parto podem afetar sistema imune.
n
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