A hora da "dolorosa" Por Caio Megale – 23/01/2015 – Valor Econômico Uma das primeiras frases que aprendemos nos cursos de economia é que "não existe almoço grátis". Ela é usada para evidenciar os trade-offs (dilemas) presentes nas escolhas na economia. Para se obter um ganho, normalmente abre-se mão de outro. O custo de uma ação, mesmo que não seja claro à primeira vista, acaba aparecendo. A expressão tem origem no século XIX, mas foi popularizada pelo economista Milton Friedman (da Universidade de Chicago, a mesma em que estudou o ministro da Fazenda Joaquim Levy), que a transformou no título de seu livro publicado em 1975. As medidas fiscais anunciadas pela equipe econômica neste início de ano lembram essa frase. Em conjunto, representam um esforço grande para restaurar as contas públicas e realinhar preços relativos (especialmente tarifas), para que a economia volte a evoluir de forma sustentável. Estamos, na verdade, pagando a conta dos estímulos e subsídios oferecidos nos últimos anos, que foram exitosos em promover a expansão do consumo, mas geraram desequilíbrios que agora precisam ser corrigidos. Nos últimos anos, o consumo cresceu acima da renda, impulsionado por estímulos fiscais e para-fiscais (por meio de empresas e bancos públicos), e controle de preços. O resultado foi um déficit primário nas contas públicas em 2014 (o primeiro desde 1997), um aumento do déficit em conta corrente (pela aceleração das importações), e pressões inflacionárias – que por um tempo foram compensadas com tarifas artificialmente baixas e desonerações tributárias pontuais (que aceleraram deterioração das contas públicas). Hora de pagar a conta. Parte dela já foi endereçada no ano passado, com a alta da taxa Selic, a desaceleração do crédito, e o aumento dos preços de gasolina e energia, corrigindo parte do desalinhamento de preços. Mas ainda falta um bom pedaço, especialmente do lado fiscal. Este ajuste está começando para valer em 2015. E ele não é pequeno. Energia voltará a subir, em torno de 30%. Teremos que reverter um déficit primário em torno de R$ 10 bilhões de 2014 (o resultado final sai no fim deste mês), para um superávit de R$ 66 bilhões este ano. As diversas medidas anunciadas até agora representam um ganho em torno de R$ 45 bilhões, um bom volume, mas ainda não suficiente. Novas medidas, especialmente do lado do gasto, devem ser esperadas. Um ajuste destas proporções tende a representar um freio ao crescimento de curto prazo, mas que pode ser compensado por outros ganhos ao longo do tempo. Um estudo do FMI de 2010, que faz um resumo da pesquisa empírica sobre efeitos macroeconômicos de processos de consolidações fiscais, pode nos servir de guia (Will it hurt? Macroeconomic effects of fiscal consolidation). Segundo o estudo, um ajuste fiscal que se apoie mais em aumento de impostos do que em corte de gastos é mais doloroso para a economia. Isso acontece principalmente porque o aumento de impostos pressiona a inflação, deixando pouco espaço para o banco central cortar juros e suavizar o efeito da política fiscal contracionista. Neste aspecto, o caso brasileiro infelizmente não é favorável. Dada a rigidez dos gastos públicos e o uso extensivo de desonerações tributárias ao consumo nos últimos anos, o aumento de alíquotas é inevitável. Adicionalmente, o realinhamento de tarifas de energia elétrica e de ônibus urbano ora em curso e a depreciação recente da taxa de câmbio exercem pressão adicional nos preços. Desta forma, o banco central não apenas não tem espaço para reduzir, mas está precisando aumentar os juros. O estudo também sugere que o ajuste fiscal pode ser menos doloroso quando ajuda a reverter uma situação de risco soberano (por exemplo, pelo rebaixamento da nota do país pela agência de risco). A intuição é que, se o país tem risco de solvência, um ajuste fiscal contribui para reduzir esse risco, proporcionando uma queda nos juros de longo prazo e um melhor ambiente de negócios. De fato, o Brasil pode se beneficiar desse fenômeno. Apesar de não termos um risco de solvência significativo, os juros dos títulos brasileiros subiram nos últimos anos, e as agências de classificação de risco reduziram a perspectiva da nota do país. Neste sentido, o ajuste fiscal é importante para equilibrar a economia e restaurar a confiança dos agentes, abrindo espaço para a redução de juros e a volta do investimento. De fato, um ajuste fiscal bem feito pode ser importante para abrir espaço para ganhos futuros. O Brasil mesmo é um exemplo disso. Os anos de 1999 e 2003 assistiram importantes ajustes nas contas públicas, que representaram relevantes aumentos do superávit primário. Nas duas oportunidades, a consolidação fiscal foi seguida de um significativo aumento dos indicadores de confiança, o que impulsionou o crescimento econômico nos anos seguintes. Assim, a conclusão parece ser de que o ajuste de fato pesará sobre a economia em 2015. Vamos pagar pelos excessos dos últimos anos com mais um ano de crescimento perto de zero e a inflação em torno de 7%, pressionada pelo realinhamento de tarifas e aumento de impostos. Mas se formos persistentes e eficientes em implementar as mudanças necessárias, deixaremos o horizonte mais limpo para retomar o crescimento e começarmos a ver a inflação em queda. Não existe almoço grátis. Mas, com a conta paga, estaremos prontos para um merecido jantar. Caio Megale é economista do Itaú Unibanco.