Medicina Veterinária RELATO DE CASO Demodicose canina CANINE DEMODICOSIS Vanessa Luiza Sandoval1, Fernando Mattos², Milena Mendonça dos Santos 3 1 Aluna de graduação do Curso de Medicina Veterinária 2 Professor Mestre e Coordenador do curso de Medicina Veterinária 3 Professora Mestre do curso de Medicina Veterinária Resumo Introdução: A sarna demodécica canina é causada pela proliferação excessiva do ácaro comensal Demodex canis. Pode se manifestar de forma localizada ou generalizada no cão hospedeiro. Objetivo: O objetivo deste estudo foi relatar um caso de sarna demodécica canina, utilizando a doramectina a 0,6mg/kg por via subcutânea associado a banhos com shampoo a base de clorexidina. Materiais e métodos: Uma cadela da raça American Starfordrshire Terrier, com 4 meses de idade, apresentando lesões de pele localizadas na cabeça, no dorso e nos membros. O diagnóstico foi realizado por meio de raspados de pele profundos. Resultados: Nos raspados foram visualizados ácaros da espécie Demodex canis por microscopia ótica. O animal foi submetido a um tratamento com doramectina a 0,6mg/kg por via subcutânea, em dose semanal durante 10 semanas, associado a banhos com shampoo a base de clorexidina a cada 15 dias. O tratamento obteve sucesso com remissão da doença. Conclusão: Assim como outros autores, conclui-se que a doramectina na dose de 0,6mg/kg tem eficácia no tratamento da demodicose canina. Palavras-Chave: Sarna; Demodex canis; doramectina. Abstract Introduction: The canine demodectic mange is caused by excessive proliferation of Demodex mite dinner canis. Can manifest in localized or generalized form in the host dog. Objective: The objective of this study was to report a case of canine demodectic mange using doramectin to 0.6 mg / kg subcutaneously associated with bathing with chlorhexidine shampoo base. Materials and Methods: A bitch American Staffordshire terrier breed, 4 months old, with skin lesions located on the head, back and limbs. The diagnosis was made by means of deep skin scrapings. Results: The scrapings were viewed mite Demodex canis species by optical microscopy. The animal was subjected to a treatment with doramectin 0.6 mg / kg subcutaneously, weekly dose for 10 weeks, the baths associated with shampoo chlorhexidine base every 15 days. Treatment with was successful with remission. Conclusion: As other authors concluded that doramectin at a dose of 0.6mg / kg is effective in treatment of canine demodicosis. Keywords: Scabies; Demodex canis; doramectin. Contato: [email protected] Introdução O ácaro Demodex canis faz parte da microbiota normal da pele canina, estando presente até nos animais sadios (MUELLER, 2004, CURTIS, 2004). Sua primeira descrição foi feita por Gustav Simon em 1842 (CRISSEY, 1981) A sarna demodécica é uma doença de pele parasitária causada pela proliferação excessiva do ácaro Demodex canis, que vive em folículos pilosos e glândulas sebáceas. (HEINE et al.,2005, DELAYTE et al. 2006; FORTON et al.,2010). Essa enfermidade parece ser multifatorial onde as alterações genéticas, nutricionais, utilização de drogas imunossupressoras, doenças debilitantes e estresse, especialmente em animais jovens podem estar relacionados com o desencadeamento da doença. Não existe predisposição sexual ou sazonal em relação a infestação (GHUBASH 2006, SANTAREM 2007). O Demodex canis pode ser transmitido aos filhotes pelo contato direto com as cadelas durante o aleitamento (CASWEEL et al.1997; DESCH et al, 2003) e também pode ocorrer por consequência de um defeito genético que leva a um controle deficiente das populações de Demodex pelo sistema imunológico do hospedeiro. O modo de herança genética e o defeito ou mutação que determina a alteração ainda estão sendo elucidados (MILLER et al, 2013; GROSS et al, 2005). O parasito está presente nos folículos pilosos e nas glândulas sudoríparas. Pode ocorrer uma infestação parasitária benigna, com poucos ácaros ou uma proliferação excessiva do ácaro, resultando em uma forma mais severa (CASWEEL et al, 1997; DESCH et al, 2003) mas os ácaros podem não causar efeitos adversos em seus hospedeiros, já que são considerados por diversos autores como comensais, mas podem agir como patógenos oportunistas (BAIMA et al, 2002; LACEY e al, 2012; FERRER et al, 2014). A doença é conhecida também como demoticose, demodicidose, sarna demodécica, além de sarna negra (CASWEEL et al, 1997; DESCH et al, 2003). A inflamação cutânea está associada com proliferação excessiva do número de ácaros, incluindo formas imaturas (ovos, larvas e ninfas) e a cura clínica é claramente associada ao tratamento parasiticida (MILLER et al, 2013; FORTON et al, 2012). solicitados exames de raspado profundo de pele das lesões e hemograma completo. A demodicidose pode ser classificada segundo sua distribuição corpórea sendo localizada ou generalizada (SCOTT et al, 2001). A localizada é considerada uma forma branda da doença caracterizada pela presença de áreas de alopecia e eritema, podendo se resolver espontaneamente na ausência de tratamento. A forma generalizada, que evolui a partir da localizada, uma forma mais grave da doença, é caracterizada por uma extensa reação inflamatória, associada a quadros de alopecia, eritema, edema, desqueratinização, piodermite e intenso prurido (MEDLEAU & WILLEMSE, 1995, HUGNET et al 2001). Fonte: Arquivo pessoal Vários medicamentos têm sido utilizados no tratamento da demodicose canina. O amitraz e as lactonas macrocíclicas são os medicamentos mais utilizados em vários protocolos diferentes. No geral esses medicamentos podem causar efeitos colaterais que pode impossibilitar a terapia completa. Outro problema é que alguns protocolos não são práticos, deixando de serem cumpridos por parte dos proprietários. Por diversos motivos, o tratamento da demodicose canina ainda é um assunto de discussão (MUELLER et al, 2012). O objetivo deste estudo foi relatar um caso de demodicose canina em um filhote tratado com doramectina 0,6mg/kg atendido no ambulatório veterinário da Faculdade Icesp/Promove localizada no bairro de Águas Claras em Brasília, Distrito Federal. Fonte: Arquivo pessoal Figura 01: Lesões na cabeça do filhote, fêmea de American Staffordshire Terrier, com 4 meses de idade. Figura 02: Ácaro Demodex canis encontrado em raspado de pele profundo. Descrição Relato de caso Uma cadela da raça American Starffordshire Terrier, de 4 meses de idade, pesando 14,5kg, em 21/09/2015 foi atendida no ambulatório veterinário da Faculdade Icesp Promove, localizada no bairro de Águas Claras em Brasília, Distrito Federal. Ao exame clínico, apresentou lesões cutâneas ovaladas localizadas na cabeça, no dorso e nos membros e temperatura corporal de 38,8º C. Ao exame dermatológico das lesões, observou-se uma leve hiperqueratose, alopecia e diâmetro de 1 cm (Figura 01). Após a avaliação clínica, foram Fonte: Arquivo pessoal Figura03: Após as 10 semanas de tratamento com doramectina 0.6mg/kg por viasubcutânea. Os exames de sangue não revelaram nenhuma alteração de importância clínica. Foram encontrados ácaros da espécie Demodex canis (Figura 02) nos raspados profundos de pele das lesões cutâneas observadas no animal. Foi realizado um protocolo de tratamento composto de 1 aplicação semanal de doramectina (0,6mg/kg) por via subcutânea (sc), totalizando 10 semanas e banhos com xampu a base de clorexidina a cada 15 dias. Após a primeira aplicação de doramectina, o animal apresentou apatia, diarreia, urina com odor fétido e aumento da frequência respiratória (ofegante). O linfonodo subescapular esquerdo e o pré-escapular direito apresentavam-se reativos. A cada 5 aplicações semanais foi realizado novo raspado de pele profundo onde não foram encontrados ácaros da espécie de Demodex canis. Após o tratamento com duração de 10 semanas, as lesões apresentaram uma melhora significativa, indicando que o tratamento teve sucesso (Figura 03). Discussão Os tratamentos mais usados em demodicoses caninas são o amitraz e as lactonas macrocíclicas (MUELLER, 2004). O amitraz é um acaricida e também um inseticida pertencente à família da formamidina, sendo o primeiro produto licenciado para o tratamento de demodicose generalizada em cães, permanecendo por mais de 20 anos como padrão terapêutico (LEMARIE, 1996; GHUBASH, 2006). Este fármaco tem toxicidade a partir de ingestão ou absorção cutânea, e por ser um agonista de receptores adrenérgicos alfa-2, está associado a quadros de hipotensão, sedação midríase, hipotermia, bradicardia, ataxia, vasoconstrição, êmese e diarréia (ANDRADE & SANTARÉM, 2002). Foi possível observar durante duas semanas, indícios de resistência parasitária com o uso de amitraz, decorrente provavelmente da aplicação incorreta do produto levando a seleção de ácaros resistentes (BURROWS, 2000). As lactonas macrocíclicas, que são agentes antiparasitários de amplo espectro e de uso sistêmico, são produzidas de forma fermentativa por vários actinomicetos (MUELLER, 2004). Elas se dividem em milbemicinas (milbemicina oxima e moxidectina) e avermectinas (ivermectina, doramectina e abamectina). A doramectina é uma lactona macrocíclica que vem sendo reportada como um tratamento positivo para demodicose canina. Foi testada com sucesso pela primeira vez por Pachaly (1999), este mesmo autor e colaboradores em 2004 empregaram o mesmo fármaco no tratamento da sarna sarcóptica canina e a sarna notoédrica felina. Um estudo semelhante, onde a doramectina foi administrada a 0,6 mg/kg semanalmente por via subcutânea em cães e gatos com um tempo médio de 8 semanas para obtenção do raspado profundo negativo das lesões. Sendo que nenhum dos animais apresentaram efeitos colaterais ao tratamento (JOHNSTONE et al, 2002). Em um segundo estudo onde foi administrado a mesma dosagem de doramectina por via oral semanalmente (MURAYAMA et al. 2010) com uma média de durabilidade do tratamento de 7 a 8 semanas até a total remissão do caso clínico. Neste estudo, dois cães que não tiveram melhora clínica com uma aplicação semanal de doramectina por via oral, responderam ao tratamento da mesma dosagem de doramectina por via oral com duas aplicações por semana, mas um deles, um Golden Retriever, desenvolveu ataxia e foi tratado subsequentemente com uma dosagem mais baixa (0,3mg/kg) de doramectina por semana. Baseado nestes estudos em conjunto com o presente relato, há evidências de que uma dose de 0,6 mg/ kg de doramectina por via oral ou subcutânea semanal pode ser utilizada com sucesso para o tratamento de demodicose. Mas não se deve esquecer dos efeitos adversos da doramectina, no presente estudo foi observado diarréia, apatia, odor fétido da urina e aumento da frequência respiratória. O efeito de 1 mg / kg doramectina em Ancylostoma caninum e Toxocara canis avaliado em cadelas Beagle grávidas, não sendo observado nenhum resultado indesejado (SCHNIEDER et al, 1996) Da mesma forma, cães Beagle foram tratados com 0,4 mg/ kg por via subcutânea doramectina para SpirocercaLupi sem efeitos colaterais (LAVY et al, 2002). No entanto, contraditoriamente, a doramectina subcutânea em 0,2 e 0,7 mg/ kg, respectivamente, causou graves sinais neurológicos em um cão Collie (YAS-NATAN et al, 2003) e dois cães Pastores Suíços Brancos cerca de 24 horas após uma única administração (GEYER et al,2007). Assim, é recomendado aumentar gradualmente a dose de doramectina para identificar cães sensíveis à droga de um modo semelhante as recomendações para a ivermectina e moxidectina (MUELLER et al, 2012). Conclusão O prognóstico para demodicose canina é bom. Existem diversos protocolos de tratamentos descritos na literatura, levando a uma ampla escolha de medicamentos e vias de administração. A doramectina a 0,6mg/kg em dose semanal por via subcutânea associada ou não a outro medicamento como no caso de xampu a base de clorexidina é um protocolo que leva a remissão dos animais acometidos por demodicose localizada, podendo ser utilizado em dosagens menores em casos de cães sensíveis a este medicamento. Agradecimentos À instituição de ensino que proporcionou as instalações necessárias para a realização do atendimento ao animal, aos proprietários, à médica veterinária Aline Dault que foi a responsável pelo atendimento no ambulatório da Instituição e aos estagiários envolvidos. Referências: 1- ANDRADE, S. F.; SANTARÉM, V. A. Endoparasiticidas e ectoparasiticidas. In: ANDRADE, S. F. Manual de terapêutica veterinária. 2. ed. São Paulo: Roca, 2002. p. 437-476. 2- BAIAMA B, STICHERLING M. Demodicidosis revisited. Acta Derm Venereol 2002; 82: 3–6. 3- BURROWS, A. K. Generalized demodicosis in the dog: the unresponsive or recurrente case. 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