CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MIRNNA VASCONCELOS DA SILVA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CREAS REGIONAL – FORTALEZA FORTALEZA 2013 MIRNNA VASCONCELOS DA SILVA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CREAS REGIONAL – FORTALEZA Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientadora: Profª Ma. Moíza Siberia Silva de Medeiros FORTALEZA 2013 S586a Silva, Mirnna Vasconcelos Atuação profissional do(a) Assistente Social no centro de referência especializado de assistência social – CREAS regional Fortaleza / Mirnna Vasconcelos Silva. Fortaleza – 2013. 135f. Orientador: Profª. Ms. Moíza Siberia Silva de Medeiros. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013. 1. Serviço Social. 2. Assistente Social – atuação profissional. 3. Trabalho – CREAS Regional. I. Medeiros, Moíza Siberia Silva de. II. Título CDU 364(813.1) Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 Aos meus Pais, pelo amor manifestado de diversas formas, inclusive pela educação. AGRADECIMENTOS Mesmo que se diga que a produção científica é uma tarefa solitária – em alguns momentos é de fato – a construção desta monografia também é fruto de um coletivo de pessoas que estiveram ao meu lado nesta etapa acreditando em mim e no resultado deste estudo. A Vocês quero agradecer: À Deus, autor da vida, fonte de todas as bênçãos. A Ti Senhor, quero agradecer pela inspiração e sabedoria que tão gratuitamente me concedeu para a realização deste trabalho. Por ter cuidado de mim e daqueles que me são caros ao longo deste caminho. Por ter chegado até aqui. A Ti ó Deus, toda honra e toda glória eternamente! Ao meu pai, Antônio Tabosa, pelo amor e apoio incondicional que sempre dispensou as suas filhas. Pelo esforço ao longo de toda a vida para nos garantir o estudo e que nada nos faltasse. Homem trabalhador e de um coração enorme. Meu referencial de honestidade e dedicação à família. Um exemplo de PAI. À minha mãe, Maria Auxiliadora, por todo carinho e amor que só uma MÃE sabe dar. Por seu silêncio edificante, sua paciência e cuidado tão zelosos. Por sempre acreditar em mim. Uma Doce Mulher. Forte e Meiga. Minha pérola preciosa. Ao meu esposo, Rafael Carneiro, companheiro de toda a vida. Por todo amor e compreensão que dispensou durante a elaboração desta monografia. Pela parceria e discussões fecundas sobre como fazer pesquisa. Pela escuta sempre atenta. Por enxugar as minhas lágrimas nos momentos em que achava que não iria conseguir. Por me amar e acreditar em mim quando eu mesma não acreditava. A você, meu amor, minha inspiração. Às minhas irmãs, cunhado e sobrinha, Marienne Vasconcelos, Maíres Vasconcelos, Odílio Oliveira e Maíara Olivieira. Minha família. Por entender minhas ausências. Pela torcida, amizade e companheirismo. Ao meu primo Jean, que durante a realização deste ensaio monográfico partiu desta vida e foi para junto de Deus. Agradeço por ter sido testemunha de seu processo de transformação, por isso não direi adeus, mas até logo com a certeza de que nos veremos novamente. À minha amiga Joelma, minha querida irmã de fé, que sempre me apoiou e esteve ao meu lado incentivando meus projetos, sonhos e lutas. À minha orientadora, Profª. Ma. Moíza Siberia, pela parceria na realização desta pesquisa. Pela admirável pessoa e profissional que você é. Agradeço por ter aceitado me orientar neste estudo e por ter me dado à honra de produzir esta pesquisa mediante suas orientações. Às professoras convidadas, Profª. Drª. Mônica Duarte Cavaignac e Profª. Ma. Paula Raquel da Silva Jales por terem aceitado compor a banca examinadora desta monografia. À Coordenação de Serviço Social da Faculdades Cearenses na pessoa da Profª Ma. Eliane Nunes, onde também referencio a Profª. Ma. Flaubênia Girão pela dedicação e o empenho para que o Curso de Serviço Social da FAC fosse valorizado e respeitado entre as instituições de ensino. À todas as professoras e professores da Faculdades Cearenses que participaram de minha formação profissional e contribuíram para meu crescimento acadêmico. Por incentivar um olhar crítico, não passivo às circunstâncias da vida. À minha supervisora de estágio supervisionado em Serviço Social, Assistente Social Luciana Mendes, pela generosidade a mim conferida no período de estágio e, acima de tudo, pela competência e o exemplo de profissional que você é para mim. À toda a equipe que compõe o CREAS Regional, de modo especial, as assistentes sociais do CREAS Regional que participaram deste estudo e as aquelas que pude conviver durante minha prática de estágio no CREAS Regional. Às minhas amigas de faculdade Maria Glaucineide, Marlúcia Rosendo, Jailma Rodrigues, Cristina Maria, Érika Lorena, Cristina Maia, Natathalie Liberato e Fernanda Braga. Queridas amigas que conquistei nestes quatro anos. Amizades preciosas que quero ter para toda vida. Juntas, buscamos com muita luta a concretização deste sonho. Pela vitória alcançada, mais do que merecida. À todos/as os/as companheiros/as da turma de Serviço Social. Por termos permanecidos juntos até aqui com a certeza que nos veremos novamente como assistentes sociais e colegas de trabalho. À todos que direta ou indiretamente contribuíram para que a produção desta monografia fosse possível. À Vocês, meu Muito Obrigada! “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança, Todo mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” Luís Vaz de Camões RESUMO Este ensaio monográfico teve como objetivo discutir sobre a profissão de Serviço Social e como esta categoria profissional se insere nos espaços ocupacionais. Para tanto, esta investigação teve como foco central investigar a Atuação Profissional do/a Assistente Social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza com a intenção de analisar o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Seus objetivos foram: Conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS, Analisar o significado da categoria Instrumentalidade para as participantes da pesquisa, Compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS e Investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. As categorias analíticas centrais que nortearam este estudo foram: Trabalho, Cotidiano, Instrumentalidade e Assistência Social. Para a consecução dos objetivos pretendidos empreendemos uma pesquisa eminentemente qualitativa do tipo bibliográfica, documental e empírica. Elegemos como método para a referida análise, o método dialético. Utilizamos nesta pesquisa, as técnicas da entrevista e do questionário. Participaram deste estudo, quatro assistentes sociais que exercem atividades laborativas distintas na instituição. A partir dos dados coletados e analisados, percebemos que as situações de violação de direitos sobre as quais os/as assistentes sociais incidem sua atuação profissional no CREAS requerem dos profissionais um trabalho social específico no campo da proteção social especial e exigem dos profissionais um olhar crítico e ampla leitura da realidade para a apreensão destas violações enquanto expressões da questão social que se apresentam no cotidiano. A apreensão da categoria instrumentalidade pelas profissionais entrevistadas não se deu em sua completude, pois o significado desta capacidade se reduziu a uma de suas dimensões, a saber, a dimensão técnicooperativa. Espaços do cotidiano institucional como o plantão social e o trabalho interdisciplinar realizado na instituição foram valorizados pelas participantes e reforçam o seu papel na instituição. No exercício de sua atuação profissional, o/a assistente social, em sua condição de trabalhador assalariado, condiciona-se a determinados limites institucionais que incidem na satisfação ou insatisfação na execução de suas atribuições quando estes limites interferem no posicionamento ético-político do profissional. Palavras-chave: Serviço Social. Assistente social. Atuação profissional. Trabalho. CREAS Regional. ABSTRACT This monographic essay aims to discuss the profession of social work and how this professional category fits in the occupational spaces. Therefore, this research focuses on investigating the social worker’s professional performance at the Center for Social Assistance Specialized Reference - Regional CREAS - Fortaleza with the intent of analyzing the social worker’s professional making in everyday at CREAS Regional – Fortaleza. Its objectives were: to know the powers and duties of the social worker at CREAS, to analyze the meaning of the category Instrumentality for research participants, to understand the role of the social worker within the interdisciplinary team at CREAS, and to investigate the limits and possibilities between working conditions and the social workers’ performance in the viability of rights. The core analytical categories that guided this study were: Labor, Everyday Life, Instrumentality and Assistance. To achieve the intended goals, we undertook a survey eminently qualitative, literature, documentary and empirical. We have chosen as a method for this analysis, the dialectical method. We used in this research, the techniques of interview and questionnaire. The study included four social workers engaged in different labor activities in the institution. From the data collected and analyzed, it was found that cases of violation of rights about which social workers focus on CREAS require a specific social work in the field of special social protection. This requires a critical view of professionals and wide reading of the reality to the apprehension of these violations as expressions of the social question that arise in everyday life. The seizure of the category instrumentality by professionals interviewed was not in its fullness, since the significance of this ability has been reduced to one of its dimensions, namely the technical operational dimension. Institutional spaces of everyday life, such as social duty and interdisciplinary work done in the institution were valued by participants and enhance their role in the institution. In the exercise of their professional, social worker in his capacity as employee determines himself to certain institutional limits that affect the satisfaction or dissatisfaction in the performance of their duties when these limits interfere in his ethical-political position. Keywords: Social Services. Social Worker. Professional Activities. Work. CREAS Regional. LISTA DE TABELAS 1. Tabela 1 – Parâmetros de referência para a definição do número de CREAS, considerando o porte do município........................................................................... 38 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social CEAS Centro de Estudos e Ação Social CF Constituição Federal CFESS Conselho Federal de Serviço Social CFP Conselho Federal de Psicologia CIAPREVI Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência contra a Pessoa Idosa CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Serviço Social DCA Delegacia da Criança e do Adolescente DCECA Delegacia de Combate a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social FAC Faculdades Cearenses FUNCI Fundação da Criança e da Família Cidadã IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LA Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida LBA Legião Brasileira de Assistência LOAS Lei Orgânica de Assistência Social NEVCA Núcleo de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes NOB/SUAS Norma Operacional Básica do SUAS NOB-RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PFMC Piso Fixo de Média Complexidade PNAS Política Nacional de Assistência Social PSB Proteção Social Básica PSC Prestação de Serviços à Comunidade PSE Proteção Social Especial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SER Secretaria Executiva Regional SESI Serviço Nacional da Indústria STDS Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social SUAS Sistema Único de Assistência Social TCC Trabalho de Conclusão de Curso UECE Universidade Estadual do Ceará URLBM Unidade de Recepção Luiz Barros Montenegro SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 CAPÍTULO I: PERCURSO METODÓLOGICO E PARTICULARIDADES DA PESQUISA: OS PRIMEIROS PASSOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ........... 17 1.1 Aproximação ao objeto de estudo ................................................................... 18 1.2 Contextualizando o Serviço Social Brasileiro nas políticas sociais ............. 22 1.3 Percurso Metodológico .................................................................................... 27 1.4 Conhecendo o Lócus da Pesquisa: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS ................................................................................. 33 1.5 Perfil das profissionais entrevistadas ............................................................ 45 CAPÍTULO II: O SERVIÇO SOCIAL COMO OBJETO DE ESTUDO: TRABALHO E COTIDIANO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................ 51 2.1 Concepções Clássicas e Contemporâneas acerca da categoria trabalho .. 52 2.2 A Atuação Profissional do Serviço Social como trabalho ............................ 63 2.3 O Cotidiano do trabalho do/a Assistente Social no CREAS ......................... 70 CAPÍTULO III: A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL .................................................................................................................................. 82 3.1 A Assistência Social como política pública da Seguridade Social .............. 83 3.1.1 A Proteção Social Especial .............................................................................. 94 3.1.2 A Instrumentalidade no trabalho do/a Assistente Social................................. 101 3.2 O Projeto Ético-Político do Serviço Social e as particularidades do trabalho do/a Assistente Social na Política de Assistência Social ................................. 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 117 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 123 ANEXOS ................................................................................................................ 129 14 INTRODUÇÃO (Re) aprender a olhar. Não olhar de qualquer modo ou mesmo não olhar. Mas, olhar de uma forma diferente. Olhar para de fato enxergar e então construir. Este foi o desafio ao qual que me propus na elaboração deste ensaio monográfico. Muito mais que descrever buscamos neste trabalho, enxergar, compreender e compartilhar as experiências proporcionadas nesta investigação científica, possíveis a partir de uma olhar mais apurado, um olhar científico capaz de produzir resultados que se plasmem da realidade onde foi gestada ao mundo acadêmico. Portanto, apresentamos a você leitor/a o fruto desse novo olhar. Neste ensaio monográfico nos propomos a investigar a atuação Profissional do/a Assistente Social com a intenção de contribuir acerca do debate sobre o trabalho do/a assistente social na sociedade, especificamente nos serviços públicos. O/A Assistente Social tem sido um/a profissional requisitado/a a desenvolver sua atuação nos mais diversos postos de trabalho, mas sabemos que historicamente o Estado é o maior empregador deste profissional requerendo sua atuação nas políticas sociais. Desse modo, nossa proposta de investigação científica escolheu como lócus de estudo para esta análise o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza, equipamento público que viabiliza os serviços sociais da Política de Assistência Social na Proteção Social Especial. Realizamos a pesquisa com quatro assistentes sociais, do sexo feminino, que laboram nos acompanhamentos sociais, setor de denúncia e equipe volante da referida Unidade. Tomamos por base neste estudo o método dialético, caracterizando-se como eminentemente qualitativo com a utilização das técnicas de pesquisa: a entrevista e o questionário. Almejamos com esta discussão destacar a relevância do Serviço Social em um equipamento da proteção social especial. Desse modo, apresentamos ao/a leitor/a como principal objetivo deste ensaio monográfico analisar o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Mediante esta indagação, procuramos discutir e contribuir, a partir de situações 15 concretas do cotidiano de trabalho dos/as assistentes sociais como a profissão vem exercendo sua atuação profissional e as formas que esta atuação vem assumindo no campo das políticas sociais. Destacamos como título desta produção o termo “Atuação Profissional” para designar o trabalho do/a assistente social, por entendermos que esta nomenclatura contempla todas as outras formas de dizer sobre o que faz o Serviço Social. Consideramos que a referida nomenclatura em nada agride o saber fazer da profissão, haja vista que as entidades representativas da profissão utilizam comumente o termo “atuação” para intitular a elaboração de seus documentos normativos. Este termo diz respeito, no nosso entendimento, ao campo onde o Serviço Social pode empreender o seu trabalho, que neste caso, refere-se ao CREAS Regional. Para tanto, esta monografia está estruturada em três capítulos, conforme o/a leitor/a poderá apreciar posteriormente. No Capítulo I: Percurso metodológico e Particularidades da Pesquisa: os primeiros passos na investigação científica, apresentamos as motivações que impulsionaram a elaboração desta pesquisa, o percurso metodológico que tracei nesta investigação, a contextualização do Serviço Social na realidade brasileira, as particularidades do lócus da pesquisa e o perfil das profissionais que fizeram parte deste estudo. No Capítulo II: Serviço Social como objeto de estudo: trabalho e cotidiano da atuação profissional, o/a leitor/a terá acesso as considerações de autores clássicos e contemporâneos acerca da categoria trabalho para compreender o lugar que esta categoria ocupa na sociedade e nesta discussão, a fim de elucidar, portanto, o Serviço Social como profissão circunscrita na divisão social e técnica do trabalho e sua atuação como trabalho na sociedade. Posteriormente, tomando como base de discussão a categoria cotidiano, apresentamos reflexões acerca do espaço cotidiano do CREAS Regional e as implicações que este equipamento incide positiva e/ou negativamente na atuação profissional. No Capítulo III: A Assistência Social como política pública no Brasil, destacamos o histórico e as particularidades da política de assistência social no país 16 como um dos eixos estruturantes da seguridade social, a partir dos marcos legais que a constituíram. Trazemos ainda alguns apontamentos sobre como esta política pública vem se estruturando atualmente na sociedade, bem como a estruturação da proteção social especial na política de assistência social. Continuando a discussão, apresentamos breves considerações sobre a categoria instrumentalidade destacando sua importância na atuação profissional dos/as assistentes sociais como também buscamos descobrir o entendimento das interlocutoras da pesquisa sobre esta categoria. Encerrando este capítulo, escrevemos sobre a relação entre o Projeto Ético-Político do Serviço Social e as particularidades do trabalho do/a Assistente Social neste campo específico da Política de Assistência Social, de modo a elucidarmos as exigências que este projeto imprime na atuação dos/as assistentes sociais. Ao longo da investigação apresentamos as falas das interlocutoras desta pesquisa, testemunhas oculares que permitiram através deste estudo uma compreensão sobre a atuação profissional do/a assistente social, que embora imersa em contradições, encontra-se comprometida com a direção social abraçada pela categoria. Os relatos das participantes da pesquisa foram elementos cruciais para o entendimento do lugar que a profissão vem ocupando no campo das políticas sociais. Por fim, nas considerações finais, retomamos os objetivos da pesquisa para responder a pergunta de partida deste estudo, onde realizamos algumas sínteses das questões expostas e as principais conclusões elucidadas que possibilitarão que este estudo contribua no debate da atuação profissional na política de assistência social e na proteção social especial. Não temos a intenção de esgotar a discussão do tema com este estudo, por isso, com esta produção traçamos alguns elementos que podem subsidiar outras produções sobre o tema proposto. Sinta-se convidado, caro/a leitor/a a conhecer este constructo produzido com afinco e dedicação, a fim de fazê-lo/a entender um pouco mais sobre a profissão de Serviço Social, a partir dos achados que podemos desvelar nesta investigação. Desejamos a você uma prazerosa leitura! 17 CAPÍTULO I PERCURSO METODÓLOGICO E PARTICULARIDADES DA PESQUISA: OS PRIMEIROS PASSOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA “[...] a postura científica não é algo de apenas alguns eleitos, podendo ser exercida em qualquer campo de estudo. Metodologia Científica é muito mais do que algumas regras de como fazer uma pesquisa. Ela auxilia a refletir e propicia um ‘novo’ olhar sobre o mundo: um olhar científico, curioso, indagador e criativo”. Mirian Goldenberg 18 1.1 Aproximação ao objeto de estudo A motivação para a escolha desta temática para este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) deu-se a partir de duas experiências que para mim foram bastante significativas: a primeira, a participação na Conferência Municipal de Assistência Social do município de Fortaleza em agosto de 2011. A segunda, a experiência de estágio supervisionado em Serviço Social realizada no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) Regional – Fortaleza. O ano de 2011 destacou-se como um ano de realização de conferências. Na perspectiva do direito e da participação social, as conferências constituem-se em um importante dispositivo para que as Políticas Sociais e, no caso, a Assistência Social seja efetivada, conforme prescrito na Constituição Federal (CF) de 1998 como um direito social e uma política pública de responsabilidade do Estado. Estava cursando o 5º período do curso de Serviço Social quando aconteceu, no mês de agosto, a IX Conferência Municipal de Assistência Social do município de Fortaleza com o tema: “Consolidar o SUAS e Valorizar seus Trabalhadores no Âmbito Municipal”. Nesta conferência participamos como convidada1 das discussões e debates acerca da Política de Assistência Social de Fortaleza e podemos perceber os diversos pontos de vista dos trabalhadores da assistência, sejam aqueles que trabalham diretamente com os usuários dos serviços, sejam aqueles designados à organização da política no município. Dentre as divisões dos eixos para elaboração das propostas de ação da conferência, participamos do eixo que propunha as discussões sobre a qualificação dos serviços socioassistenciais. Neste eixo tomamos parte in loco das propostas, discussões, sugestões, desafios e críticas que o envolviam e constatamos nas falas dos profissionais e usuários da política de assistência social, a persistência para que esta política realmente desempenhasse o seu papel na cidade. 1 De acordo com o Capítulo II, artigo 7º, parágrafo II do Regimento Interno da Conferência Municipal, a participação como convidada/o nas conferências concede apenas o direito à voz, sendo vetado o direito a voto. Cf. CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Regimento Interno da IX Conferência Municipal de Assistência Social. Fortaleza, 2011. 19 As discussões e debates ao longo de toda a conferência, fossem na plenária, fossem no espaço dos eixos, remetiam de uma forma ou de outra à valorização dos trabalhadores da assistência social, tema da atual conferência. Como pensar na efetividade de uma política sem pensar em seus articuladores? Como oferecer um serviço de qualidade sem qualificar os trabalhadores da assistência social? Esses foram apenas alguns de tantos outros questionamentos que surgiram na plenária da conferência. O espaço da conferência proporcionou não somente elaborar propostas para a melhoria dos serviços oferecidos pela Política de Assistência Social, mas sobremaneira, discutir os desafios e problemas que necessitavam ser vencidos, bem como construir estratégias de qualificação e valorização de seus trabalhadores – um dos braços articuladores da política. É inegável que os/as assistentes sociais compõem grande parte do número de trabalhadores da assistência social e, nesta conferência, observamos como estes/as profissionais buscam promover discussões acerca de sua atuação profissional, bem como de qualificação para todos os trabalhadores da Política de Assistência Social. Como estudante em processo de formação profissional, participar da conferência possibilitou ampliar a visão da atuação profissional do/a assistente social, como profissional comprometido/a com o seu “fazer” nas instituições de acesso aos serviços públicos. Mas, sobretudo, comprometido/a com a qualidade dos mecanismos que viabilizam sua atuação, de forma a contribuir para que a Política de Assistência Social de fato se constitua dia-a-dia na perspectiva do direito social. Não há dúvidas de que esta experiência suscitou a curiosidade em pesquisar o cotidiano de trabalho da profissão que abraçamos para exercer, fato que foi posteriormente aprofundado na prática de estágio. Concomitante ao mês em que ocorreu a conferência municipal, iniciamos a prática de estágio supervisionado em Serviço Social, mediante convênio firmado entre a instituição de ensino – Faculdade Cearense (FAC) – e a Secretaria de 20 Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), onde fora encaminhada por esta secretaria ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza. Permanecemos na referida instituição todo o período que compreende o estágio supervisionado, de acordo com a matriz curricular estabelecida no curso, a saber: 2011.2, 2012.1 e 2012.2. Estando na referida instituição, foi possível acompanhar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social no atendimento aos usuários dos serviços, bem como no fortalecimento da autonomia destes cidadãos como sujeitos de direitos. Ao participar das atividades empreendidas na instituição juntamente com a supervisora de campo, acompanhamos diversas situações que norteavam a sua atuação profissional e das demais assistentes sociais naquele espaço socioinstitucional. Situações essas que vão desde limitações institucionais – como a impossibilidade de realizar um encaminhamento por não haver vagas nos abrigos, por exemplo –, situações de risco – referentes a relativas “revoltas” de alguns usuários dos serviços – e até conquistas profissionais – como melhorias nas condições de trabalho e/ou o encerramento de um acompanhamento social que repercutiu em bons resultados para as famílias atendidas. Na condição de estagiária, foi possível conhecer e perceber as nuances da realidade – muitas vezes difíceis de serem transpostas – contidas naquele espaço, bem como o comprometimento das assistentes sociais com sua atuação profissional na viabilização dos direitos. Foi então, a partir do acompanhamento diário da atuação profissional às demandas institucionais que se apresentavam no CREAS – que acabou consolidando o interesse manifestado na participação da conferência – que nos instigou a pesquisar a atuação profissional do/a assistente social naquele espaço. No intuito de percebermos como se dá a relação do/a profissional de Serviço Social com os mais diversos determinantes que se apresentam no processo cotidiano de desvelamento das expressões da questão social2. Da mesma forma, compreendermos o reconhecimento do/a assistente social em sua identidade profissional como trabalhador circunscrito na divisão social e 2 No nosso entendimento a questão social constitui-se como o conjunto das desigualdades sociais produzidas pelo sistema capitalista de produção. Sobre a questão social, Cf. Martinelli (2001); Netto, (2011); Iamamoto & Carvalho (2011). 21 técnica do trabalho e a efetivação do projeto ético-político em sua atuação profissional. No dia a dia com as profissionais, visualizávamos as leituras e apontamentos teóricos dos autores de referência se plasmarem na realidade através dos limites, entraves, possibilidades e conquistas do cotidiano de trabalho das assistentes sociais, fazendo-nos refletir os elementos enigmáticos3 que envolvem essa profissão. Empreendemos, portanto, uma busca teórica a partir das categorias que acabaram se tornando base desta pesquisa, a saber: trabalho, cotidiano, instrumentalidade e assistência social na tentativa de analisarmos o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Sendo esta a principal indagação e pergunta de partida para este trabalho investigativo. Estas foram as bases de aproximação deste objeto de estudo e para tanto, estabelecemos como objetivos específicos que no nosso entendimento possibilitaram uma melhor compreensão sobre da pergunta de partida: conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS; analisar o significado da categoria instrumentalidade para as participantes da pesquisa; compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS; investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. Neste sentido, a pesquisa desenvolvida torna-se relevante para o Serviço Social, tendo em vista ser importante para o fortalecimento da profissão: perceber como a atuação profissional tem sido exercida nos mais diferentes espaços, neste caso especificamente, em um equipamento da política de proteção social especial, articulando esta atuação aos limites e possibilidades da realidade institucional. No entendimento de que discutir sobre a atuação profissional possibilita plasmar a visão de totalidade da realidade social, compreendida entre profissional-usuário-política, tão necessária para um exercício profissional comprometido com a direção social assumida pelo Serviço Social, a partir de seu projeto ético-político. 3 Sobre esses elementos, ou seja, o caráter contraditório em que a profissão é exercida na sociedade trataremos modestamente de clarificá-los no decorrer deste ensaio monográfico. 22 Da mesma forma, os resultados obtidos nesta pesquisa visam proporcionar à sociedade uma mudança de olhar sobre a atuação do Serviço Social nos serviços públicos, como profissão circunscrita na divisão social e técnica do trabalho. De modo algum temos a intenção de encerrar a discussão sobre a atuação das/os assistentes sociais com esta pesquisa. Tão pouco que as conclusões e posicionamentos desta investigação tornem-se algo acabado dentro do universo empírico. Assim, a intenção que vislumbra este ensaio monográfico é de que a pesquisa produzida seja apresentada em seminários, encontros científicos, conferências, encontros do Serviço Social, de forma a contribuir com as discussões acerca da temática estudada. Do mesmo modo, que seja disponibilizada no CREAS Regional, a fim de que o conhecimento produzido possa servir essencialmente àqueles que possibilitaram sua produção. Estimamos que a temática pesquisada torne-se linha de pesquisa para futuras pesquisas acadêmicas e a partir destas iniciativas, colaborar para uma melhor compreensão da realidade no que tange ao debate sobre a profissão de Serviço Social na sociedade. 1.2 Contextualizando o Serviço Social Brasileiro nas políticas sociais Discorridas as motivações que impulsionaram esta investigação, procuramos nos parágrafos seguintes situar o/a leitor/a acerca do objeto estudado, haja vista que para compreender as particularidades do Serviço Social, é interessante que possamos no desenvolvimento das políticas sociais neste país, especificamente no Sistema de Proteção Social Brasileiro com foco na Política Nacional de Assistência Social. Assim como na Europa e na América Latina, as protoformas do Serviço Social no Brasil estão intimamente ligadas à Igreja e a visão que esta possuía acerca dos “problemas sociais”4. Sob as diretrizes das encíclicas Rerum Novarum e 4 Ressaltamos que era dessa forma que a questão social era concebida na visão da Igreja, ou seja, os “problemas sociais” eram provenientes de um desajuste individual e moral do indivíduo. Cf. 23 Quadragesimo Anno5, começaram a surgir instituições assistenciais como, por exemplo, o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) que tinha a função de difundir a doutrina e a ação social da Igreja. Sob o viés da filantropia e da caridade, este centro atuava na minimização das refrações da questão social 6, devido à intensificação do processo de industrialização capitalista e aumento da urbanização na década de 1930 com o governo de Getúlio Vargas. De acordo com Jaccound (2009), o sistema de proteção social público surgiu a partir da agudização dos “riscos sociais”7 devido à expansão das relações de trabalho oriundas do processo de industrialização e urbanização. Neste período, a proteção social emergia por parte da sociedade através das ações da filantropia e da caridade. Na medida em que se expandia a industrialização, aumentava o “risco social” das famílias caírem na miséria devido à dificuldade de se conseguir um emprego. Salienta-se que o sistema de proteção social, como mecanismo de acesso aos “direitos sociais”, organizou-se por meio do seguro social. Os benefícios e serviços eram obrigatoriamente concedidos pelo Estado àqueles que estivessem impedidos de garantir a sua subsistência pela via do trabalho. Na década de 1930, as transformações decorrentes da industrialização no Brasil – que se deu de modo tardio – ocasionaram o avanço das forças produtivas do capital e da divisão do trabalho, aumentando na mesma medida as diversas formas de exploração do trabalho. Para conter as manifestações do movimento operário – que reivindicava melhores condições de trabalho – e os demais problemas sociais advindos do processo industrial, o Estado propõe políticas de proteção social para o enfrentamento da questão social na tentativa de controlar os ânimos da classe operária e, ao mesmo tempo, isentar o ônus da burguesia com custos na produção. Assim, define-se Proteção Social como “um conjunto de CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 5 A Encíclica Rerum Novarum trazia em discussão o enfrentamento à questão operária cabendo à própria Igreja a tarefa de combatê-la. A Encíclica Quadragesimo Anno abordava a urgência de se criar uma ação voltada para combater o paganismo e a secularização. Cf. (Ibid., 2008). 6 Neste período a questão social era vista sob uma perspectiva individual e como questão de polícia. 7 Jaccound (2009) destaca que as situações de risco social seriam múltiplas, a saber, doença, velhice, desemprego, morte. Cf. JACCOUND, Luciana. Proteção Social no Brasil: Debates e Desafios. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e Gestão da proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Unesco, 2009. p. 57-86. 24 iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais” (JACCOUND, 2009, p.58). É neste contexto que o Serviço Social se insere nas instituições sociais e assistenciais8 do Estado, ampliando seu campo de trabalho e atuando nas formas de enfrentamento à questão social, a saber, as políticas sociais. Assume então “um lugar na execução das políticas sociais emanadas do Estado e, a partir desse momento, tem seu desenvolvimento relacionado com a complexidade dos aparelhos estatais na operacionalização das políticas sociais” (YAZBEK, 2009, p.132). Conforme afirma Iamamoto e Carvalho (2011, p. 83-84), [...] é nesse contexto, em que se afirma a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a chamada “questão social”, a qual se torna a base de justificação desse tipo de profissional especializado. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. Posterior à década de 1940, o sistema de proteção social manteve-se inalterado, ou seja, continuou organizado pelo seguro social deixando diversos grupos sociais à margem do acesso aos serviços e benefícios por não pertencerem ao seguro previdenciário, sendo atendidos pela filantropia 9 ou pela lógica da benemerência10. Era incumbência destas o atendimento aos pobres e necessitados constituindo-se como um mecanismo assistencialista e de favor do Estado. Concernente à década de 1960, Bulla (2003) destaca que as implicações do modelo econômico desenvolvimentista redefiniram a conjuntura do país, haja vista que os investimentos do capital estrangeiro dinamizaram significativamente a 8 Dentre estas instituições podemos destacar a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), ambos criados em 1942, e o Serviço Social Nacional da Indústria (SESI), em 1946. 9 Segundo Mestriner (2008), a filantropia em seu sentido restrito ocupa-se com a preocupação do favorecido com o outro que nada tem e, em seu sentido amplo, pressupõe o sentimento mais humanitário, vinculado à garantida condição digna de vida. Cf. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 10 Esta lógica pauta-se no pressuposto de que para os pobres qualquer coisa basta. Cf. YAZBEK, Maria Carmelita. Estado, Políticas Sociais e Implementação do SUAS. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. SUAS: Configurando os Eixos de Mudanças. Vol. 1. Brasília: MDS, 2008. p. 79-135. 25 economia brasileira com repercussões na área administrativa, tecnológica e financeira. A implantação desse modelo permitiu a acumulação e expansão capitalista e suas formas de controle social e político. Por essa razão repercute na ditadura militar um período de repressão, censura e autoritarismo, fazendo com que os direitos políticos fossem visivelmente suprimidos e, em contrapartida, fossem ampliados os direitos sociais como mecanismo compensatório através das políticas sociais. Durante os anos da ditadura militar as políticas sociais possuíram em seu interior o objetivo de legitimação do sistema autoritário vigente, com caráter fragmentário, setorial e emergencial, se sustentava na necessidade de dar legitimidade aos governos que buscavam bases sociais para manter-se no poder. Neste período, passava-se a ideologia de que o desenvolvimento social seria decorrente do desenvolvimento econômico (DALLAGO, 2007, p.3). Sposati (1991 apud JACCOUND, 2009) aponta que até a década de 1970 o sistema de proteção social passou pelo chamado Estado de Bem Estar Ocupacional, onde os direitos universais eram substituídos pelo direito contratual. Vale ressaltar que na década de 1980, o sistema de proteção social – nele inserido a previdência social, a assistência social e a saúde – era fragmentado. Não se tinha o caráter de seguridade social e de universalidade proposto pela Constituição Federal de 1988. “Esta é precisamente a experiência do Brasil que, por quase cinco décadas no século passado, foi um dos países que mais rápido conseguiram expandir sua economia no mundo, sem obter, todavia, resultados consideráveis no âmbito social.” (POCHMANN, 2004, p. 7). A Constituição Federal de 1988 introduziu o conceito de seguridade social ao sistema de proteção social, sendo entendido como um conjunto de medidas públicas contra privações econômicas e sociais (JACCOUND, 2009). Estas medidas articulavam a garantia do direito à saúde, à previdência e à assistência social, pilares fundamentais à estabilidade da sociedade democrática. A constituição Federal de 1988 ao afiançar direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual (SPOSATI, 2009, p. 13). 26 A inclusão da assistência social na seguridade social proporcionou a ampliação dos direitos sociais, ressaltando o seu papel no cenário brasileiro enquanto política pública de direito do cidadão e responsabilidade do Estado e não mais como benemerência ou uma atividade focalizada. Além disso, tornou-se um novo campo na formulação de estratégias para promoção do acesso aos serviços e benefícios pelos cidadãos brasileiros. Nos marcos legais da Política de Assistência Social destacam-se: a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)11, que estabelece as diretrizes da Assistência Social, especificando a regulamentação de uma estratégia política descentralizada; a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)12, que legitima o Sistema Único de Assistência Social (SUAS); a Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/SUAS)13, aprovada em 2005 pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) que disciplina a PNAS e normatiza o SUAS; e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais14, fruto da deliberação da VI Conferência Nacional de Assistência Social em 2007. O SUAS tem por funções essenciais: a proteção social, a vigilância e a defesa dos direitos socioassistenciais. No que tange à proteção social, aborda dois eixos: a proteção social básica e a proteção social especial. A primeira atua junto às famílias e seus membros, cujos direitos não foram violados, mas que estão em situação de vulnerabilidade social. A segunda atua na modalidade de média complexidade quando os direitos já foram violados, mas os vínculos familiares ainda não foram rompidos e na modalidade de alta complexidade, quando ocorre a violação de direitos e o enfraquecimento e/ou quebra de vínculos (SIMÕES, 2010). Inúmeros avanços foram conquistados na Assistência Social, mas ainda há muitos desafios a serem enfrentados, pois a eficácia da política depende de um esforço mútuo e contínuo de todos os agentes envolvidos, tendo em vista que ainda 11 Lei nº 8.742/1993 que fora complementada pela Lei nº 12.435/2011. Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004 (DOU 28/10/2004). 13 Resolução nº 130, de 15 de Julho de 2005. Em 2013, esta resolução fora revogada pela Resolução CNAS nº33/2012 que aprova a nova NOB/SUAS. 14 Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social que caracteriza os serviços a serem ofertados na proteção social básica e na proteção social especial. 12 27 existem resistências na consolidação da Assistência Social como política pública que viabiliza direitos. Outro entrave a ser enfrentado é a concepção conservadora e neoliberal que atribui a transversalidade desta política ao acesso material àqueles supérfluos para o capital, e não como política pública que prioriza a garantia do direito ao trabalho. É nesse campo de efetivação dos mecanismos de viabilização da assistência social e demais políticas sociais – nos dizeres de Iamamoto (2009), tensionado entre desigualdade, rebeldia e conformismo – que os/as assistentes incidem sua atuação, o que requer uma leitura crítica e um repensar constante de sua atuação na efetivação dessa política, como estratégia de enfrentamento das desigualdades sociais. Da mesma forma, é “impossível uma leitura da assistência de per si, sem atentar para as determinações sociais e históricas do significado da assistência como política governamental, de sua imbricação com as relações de classe e destas com o Estado”. (SPOSATI et al., 2010, p. 25). 1.3 Percurso Metodológico Delimitado, portanto, o objeto de estudo, suas motivações e os pressupostos que norteiam esta investigação, empreendemos esforços para traçarmos a metodologia de pesquisa que melhor se adequaria a elucidação das indagações do referido objeto. “O que determina como trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar” (GOLDENBERG, 2004, p.14). Compreende-se a metodologia como um caminho a se percorrer no processo de fazer ciência. Trata-se do cuidado com os procedimentos e ferramentas para a abordagem da realidade. Assim, “a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador” (MINAYO, 1994, p.16). A inserção na realidade é que nos impulsiona à produção do conhecimento. Neste sentido, o Serviço Social tem alçado voos na pesquisa social, 28 consolidando seu caráter não apenas interventivo, mas também investigativo na análise dos processos que envolvem a realidade social. Partindo do entendimento que a realidade não se apresenta de forma estática, mas ao contrário, é dinâmica e repleta de contradições com nuances que a todo instante se modificam e trazem um novo significado à realidade elegemos como método de análise desta pesquisa o método dialético, uma vez que: Esse método de apreensão da realidade social não se atém a procedimentos de raciocínio apologéticos ou contemplativos, mas tem como premissa a construção de um saber que põe em primeiro momento as condições sociais reais do homem e suas formas de existência (LARA, 2007, p.79). Citando Lukács, Lara (2007) reafirma a importância do método dialético no que concerne a sua capacidade reflexiva, que possibilita apreender as dimensões do ser e da consciência dos sujeitos sociais como um processo histórico movido por contradições, haja vista que: A ciência autêntica extrai da própria realidade as condições estruturais e as suas transformações históricas e, se formula leis, estas abraçam a universalidade do processo, mas de um modo tal que deste conjunto de leis pode-se sempre retornar – ainda que frequentemente através de muitas mediações aos fatos singulares da vida. É precisamente esta a dialética concretamente realizada de universal, particular e singular (LUKÁCS, 1970, p. 81 apud LARA, 2007, p.79). Desse modo, o método dialético possibilitou refletir sobre o universo de atuação das assistentes sociais no CREAS Regional com os determinantes estruturais que se relacionam à processualidade histórica que envolve a profissão no cotidiano da realidade social. Neste sentido, partimos dos seguintes objetivos: conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS; analisar o significado da categoria instrumentalidade para as participantes da pesquisa; compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS e investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. Optamos, portanto, por uma análise de pesquisa do tipo qualitativa, a fim de compreendermos como se apresenta no 29 cotidiano a atuação profissional dos/as assistentes sociais e os fenômenos sociais que circundam esta realidade. “Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social” (GOLDENBERG, 2004, p.49). Tendo em vista a busca pela profundidade na compreensão dos fenômenos sociais que circundam os atores escolhidos para esta análise, Martinelli (1999)15 destaca três considerações sobre a pesquisa qualitativa, a saber: o caráter inovador da pesquisa qualitativa para traduzir os significados atribuídos pelos atores; a dimensão política e de construção coletiva que este tipo de análise de pesquisa traz consigo, haja vista que parte da realidade dos atores e a eles retorna criticamente; e o fato de que este caráter político e coletivo não se apresenta como algo restrito, mas complementar. Explicitada a natureza qualitativa deste ensaio monográfico utilizamos como técnicas de pesquisa a entrevista e o questionário. No que concerne à entrevista, esta é uma técnica de pesquisa “em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação” (GIL, 2011, p. 109). Já o questionário, é uma técnica que prioriza demonstrar os objetivos da pesquisa em questões específicas, emergindo de suas respostas a descrição das características do grupo pesquisado (GIL, 2011). Os instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa foram a aplicação do questionário e do roteiro semiestruturado de entrevista. Nesta investigação, o questionário foi utilizado com o intuito de apresentar o perfil do processo de formação das profissionais e as particularidades de sua atuação profissional. Utilizamos o roteiro semiestruturado por entendermos que nos ajudaria a obter informações sobre o que os sujeitos da pesquisa sabem, sentem e suas explicações sobre a realidade na qual estão inseridos. Da mesma forma, a utilização 15 Cf. MARTINELLI, Maria Lúcia. O uso de abordagens qualitativas na pesquisa em serviço social. In: MARTINELLI, Maria Lúcia (Org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras Editora, 1999. p. 19-27. 30 do roteiro possibilitou que possíveis lacunas percebidas nas respostas das entrevistadas fossem mais bem exploradas durante as entrevistas. Considerando que na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador deve estar voltada para “o aprofundamento da compreensão do grupo social” (GOLDENBERG, 2004, p.14), tivemos máxima atenção aos relatos das interlocutoras desta pesquisa, como também perceber os elementos velados nestes relatos, seus comportamentos, gestos, silêncio e as nuances do universo empírico. Assim, fizemos uso do diário de campo como uma das ferramentas elucidativas das nuances por observadas. Concernente o ingresso na pesquisa de campo, apresentamos-nos a supervisora do CREAS em 05/04/2013 levando o ofício da Instituição de Ensino e o Termo de Autorização da pesquisa expedido pelo Laboratório de Inclusão da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, órgão público ao qual o CREAS é subordinado. Expusemos à referida supervisora as intenções que suscitaram esta pesquisa, os objetivos do estudo, bem como a intenção em entrevistar as profissionais de cada âmbito de atuação na unidade. Conversamos sobre a intencionalidade da pesquisa e fomos autorizadas a aplicá-la na instituição. A pesquisa de campo compreendeu os meses de abril e maio do corrente ano. Não tivemos dificuldades para adentrar ao campo de pesquisa, haja vista que o espaço institucional escolhido era conhecido por haver sido nosso campo de estágio. É fato que as situações que observamos durante este período motivaram a iniciar esta pesquisa; contudo, retornar à instituição como pesquisadora incutiu a responsabilidade de um olhar científico às mesmas questões que outrora observara. Quanto ao contato propriamente dito com as interlocutoras da pesquisa, estas se fizeram em três visitas a unidade – e não encontrei resistências por parte das profissionais em participar da investigação. Antes da concessão das entrevistas, foi firmado entre mim e as profissionais entrevistadas um Termo de Consentimento de participação da pesquisa científica, que garantia o anonimato de suas identidades, bem como a aceitação das 31 interlocutoras para a gravação das entrevistas – o que nos auxiliaria a observar outros elementos na coleta de dados. Inicialmente encontramos dificuldade para agendar as entrevistas devido à peculiaridade pela qual a instituição estava passando, o que ocasionou mudança na escala de trabalho dos profissionais da unidade16. Constatamos que houve dificuldade de algumas interlocutoras em responder certas perguntas do roteiro 17, mesmo sendo melhor explicitadas, mas esse fato em nada foi estranho, ao contrário, constituiu-se como mais um importante elemento para análise, pois acreditamos que as circunstâncias do processo formativo e do próprio cotidiano de trabalho acabam ocasionando estranhamentos e/ou entendimentos restritos a determinados conceitos. A utilização de instrumentos, como por exemplo, o gravador de voz, também foi uma relativa dificuldade apresentada na coleta de dados pelo constrangimento inicial que a sua presença causava. Contudo, depois de esclarecida a utilidade científica do equipamento para o desenvolvimento da entrevista, tornava-se algo secundário às entrevistadas. Ressaltamos que apenas uma das profissionais comunicou que concederia a entrevista, mas não desejava que esta fosse gravada. O que fazer então? Como a pesquisa científica também exige criatividade do pesquisador e, mediante o inesperado, acabamos por redigir suas respostas, fato que nos limitou no que concerne a perceber com maior profundidade particularidades do momento da entrevista, levando-nos a refletir e a constatar que no universo empírico devemos estar sempre preparados ao que a realidade nos apresenta. Salientamos que a transcrição da entrevista não prejudicou a elucidação do objetivo central do estudo. Considerando que esta pesquisa constitui-se como eminentemente qualitativa, ou seja, procura uma maior aproximação com o objeto estudado para 16 Chegando ao CREAS Regional percebemos que a unidade estava muito vazia, tanto de profissionais quanto de usuários dos serviços. A supervisora da Unidade nos informou que a instituição estava passando por uma particularidade que era a falta de pagamento dos salários dos trabalhadores do CREAS há dois meses, fato que fez com que a supervisão reorganizasse a escala de trabalho dos profissionais para dirimir o ônus da falta de pagamento. Coincidentemente a demanda de usuários também havia diminuído. (Diário de Campo 05/04/213). 17 Neste caso, as perguntas sobre a categoria Instrumentalidade. 32 torná-lo mais explícito (Gil, 2002), os tipos de pesquisa que nortearam este estudo foram pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo. Conforme Gil (2002) a pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador cobertura acerca dos fenômenos, pois se baseia nas contribuições de diversos autores sobre determinado assunto. Dito isto, estabelecemos como categorias analíticas: trabalho, cotidiano, instrumentalidade e assistência social, sendo estas categorias que subsidiaram as apreciações desta pesquisa, a partir do diálogo com os autores. A pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico” (GIL, 2002, p.45), mas que possibilitam dados que evitam a perda de tempo. Nesta técnica de pesquisa realizamos leituras acerca das leis e instrumentos normativos que envolvem os espaços de trabalho e a própria atividade laborativa dos/as assistentes sociais. A pesquisa de campo consiste no recorte do pesquisador em termos de espaço com a realidade empírica a ser pesquisada, pois “Ela realiza um momento relacional e prático de fundamental importância exploratória, de confirmação ou refutação de hipóteses e construção de teorias” (MINAYO, 1994, p.26). O Campo em que se aplicou a referida pesquisa foi o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional, localizado no bairro Presidente Kennedy, no município de Fortaleza. Os sujeitos da pesquisa foram os/as profissionais que trabalham no CREAS. No que tange as participantes da pesquisa, estabelecemos os critérios de escolha com base nas atividades laborativas desenvolvidas pelas assistentes sociais na instituição. Assim, a pesquisa contou com a contribuição de quatro participantes: uma assistente social plantonista, que trabalha em um dos municípios que o CREAS dá suporte; duas assistentes sociais diaristas responsáveis pelos atendimentos sociais às demandas que chegam à instituição; e uma assistente social diarista que atua no setor de denúncia da unidade e exerce uma atividade de cunho mais administrativo. 33 Inicialmente minha intenção era entrevistar seis profissionais, sendo duas de cada campo de atuação, a fim de perceber congruências e divergências no relato das profissionais de cada campo de trabalho na instituição. Porém, devido à incompatibilidade no agendamento das entrevistas, contei com a participação de quatro profissionais (Diário de Campo 15/05/2013). Ressaltamos que os dados obtidos na pesquisa de campo encontram-se diluídos ao longo de todo o ensaio monográfico, onde foram analisados à luz das categorias analíticas propostas neste estudo, servindo, assim, de base para clarificar e/ou refutar os objetivos específicos delineados nesta pesquisa e, consequentemente, elucidar a pergunta de partida que norteia esta investigação. 1.4 Conhecendo o Lócus da Pesquisa: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS O locus escolhido para análise da atuação do/a assistente social nesta pesquisa foi o CREAS Regional – Fortaleza, equipamento vinculado à Proteção Social Especial (PSE)18 que atua na média complexidade. O Censo SUAS 201119 informou que existem no Brasil 52 CREAS Regionais e 2.057 CREAS municipais, registrando um aumento de 519 unidades em relação ao censo realizado no ano anterior. A região Nordeste é a região que possui o maior número de CREAS, a saber, 792 unidades municipais e 42 unidades regionais20 (BRASIL, 2011a). Na cidade de Fortaleza existem atualmente 04 unidades municipais, sob a responsabilidade da prefeitura municipal e 01 unidade regional, sob a responsabilidade do Estado. O Centro de Referência Especializado de Assistência Social é uma unidade pública de abrangência municipal ou regional que presta atendimento a indivíduos e/ou famílias em situação de risco pessoal ou social por violação de direitos. Suas ações se desenvolvem pela oferta de serviços que necessitam de 18 Sobre a Proteção Social Especial, abordaremos mais adiante no capítulo III. Os dados apresentados foram retirados do Censo SUAS CREAS do ano de 2011 no site do MDS. (Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/Desen/>. Acesso em: 28. Mar. 2013). 20 Convém ressaltar que no período da pesquisa do Censo SUAS CREAS de 2011 estavam cadastrados 2.109 unidades CREAS. 19 34 intervenções especializadas e que requerem uma maior estruturação técnica na área da proteção social especial (BRASIL, 2011b). A regulamentação dos serviços ofertados pelo CREAS está prescrita na Lei do SUAS21 que, consolidada a LOAS, referencia o CREAS como a unidade responsável pelas ações da proteção social especial de média complexidade. Além da legislação mencionada, existem outras normatizações22 que clarificam o papel e as competências do CREAS na Política Nacional de Assistência Social e no Sistema Único de Assistência Social. Segundo o documento de Orientações Técnicas do CREAS (BRASIL, 2011b, p.23), o papel do CREAS no âmbito do SUAS destina-se a Ofertar e referenciar serviços especializados de caráter continuado para famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, conforme dispõe a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais; A gestão dos processos de trabalho na Unidade, incluindo a coordenação técnica e administrativa da equipe, o planejamento, monitoramento e avaliação das ações, a organização e execução direta do trabalho social no âmbito dos serviços ofertados, o relacionamento cotidiano com a rede e o registro de informações, sem prejuízo das competências do órgão gestor de assistência social em relação à Unidade. É o equipamento que, no âmbito do SUAS, destina-se à implementação de serviços de caráter continuado que trabalhem o fortalecimento dos vínculos de indivíduos e/ou grupos, amenizando os impactos das situações de risco social que culminam em atos de violação de direitos23. Neste sentido, os serviços especializados ofertados pelo CREAS são norteados sob a garantia das seguranças socioassistenciais previstas na PNAS e na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, a saber: segurança de acolhida, segurança de convívio ou vivência familiar e segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia. 21 Lei nº 12.435/2011 conhecida como “Lei do SUAS” que institucionaliza as ações do Sistema Único de Assistência Social - SUAS na LOAS. 22 Dentre as quais podemos citar: A Constituição Federal, NOB/SUAS, NOBRH/SUAS, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso, Lei Maria da Penha, dentre outras. 23 Por violação de direitos destacamos os seguintes eventos: violência física, psicológica, negligência, abandono, violência sexual (abuso e exploração), situação de rua, trabalho infantil, práticas de ato infracional, fragilização ou rompimento de vínculos, afastamento do convívio familiar, dentre outros (BRASIL, 2011b). 35 No que concerne ao CREAS, a segurança de acolhida deve ser garantida dando aos usuários dos serviços todas as condições de escuta e de qualificação técnica da equipe para recepcioná-lo e ouvi-lo em suas demandas e necessidades, de modo a conhecer as suas particularidades e, a partir delas, proceder as informações e o trabalho social necessário para acessar seus direitos (BRASIL, 2011b). O CREAS deve proporcionar ao usuário na segurança de convívio ou vivência familiar, a oferta de serviços de forma contínua sempre direcionando o trabalho social ao fortalecimento dos vínculos familiares, comunitários e sociais (BRASIL, 2011b). Na segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia, as ações do CREAS devem pautar-se pela primazia da autonomia dos indivíduos e/ou famílias, de forma que o atendimento especializado deste órgão contribua na elevação do grau de independência e qualidade dos laços sociais, bem como na ampliação das potencialidades dos usuários no enfrentamento das problemáticas, articulando-as à oferta dos serviços, benefícios e programas de transferência de renda (BRASIL, 2011b). A Política de Assistência Social tem como um de seus objetivos afiançar a proteção social na perspectiva destas seguranças e, em se tratando de um equipamento como o CREAS que diariamente lida com situações de fragilização e violação de direitos, estas seguranças não podem ser perdidas de vista pela equipe técnica e nem pelos gestores públicos. Sabemos, no entanto, que existem outros processos24 para além da dimensão legal e normativa que estão imbricados para o bom funcionamento do equipamento, mas estes não devem sobrepor os elementos que garantem o acesso integral aos serviços, programas e projetos disponíveis. O documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b, p.25) aponta, ainda, que os objetivos do CREAS prescritos sob a garantia das seguranças 24 Processos que envolvem dimensões econômicas – no que tange ao orçamento público –, dimensões políticas – no que diz respeito ao interesse dos representantes políticos de implementação das políticas públicas – e dimensões sociais – no enfrentamento prático das condições objetivas e subjetivas da política de assistência social. 36 supracitadas são imprescindíveis no desenvolvimento de seu papel no SUAS, possibilitando ainda clarificar o papel do CREAS e fortalecer sua identidade na rede; evitar sobreposição de ações entre serviços de naturezas e até mesmo áreas distintas da rede que, evidentemente, devem se complementar no intuito de proporcionar atenção integral às famílias e aos indivíduos; evitar a incorporação de demandas que competem a outros serviços ou unidades da rede socioassistencial, de outras políticas ou até mesmo de órgãos de defesa de direito; qualificar o trabalho social desenvolvido. Dessa forma, é importante não apenas conhecer as atribuições e papéis delegados ao CREAS do ponto de vista normativo, mas, sobretudo, perceber a aplicabilidade destas atribuições na realidade social para que seja fortalecida a identidade do equipamento nas políticas públicas. Aos profissionais que, devido ao cotidiano profissional, conhecem as fragilidades e potencialidades do trabalho social, recai a incumbência de através da execução de suas atividades contribuírem para que a visão normativa e a visão social25 do equipamento não sejam incongruentes, mas, ao contrário, estabeleçam real significado entre serviços, projetos e programas ofertados com a viabilização de direitos dos usuários dos serviços. Na tentativa de compreender o entendimento que as interlocutoras da pesquisa26 possuem sobre o CREAS, ao serem indagadas sobre o seu significado verbalizaram a seguinte definição: O CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social. Ele é um órgão do Governo de Estado do Ceará e o seu objetivo é atender pessoas que estejam com os direitos violados e com os vínculos fragilizados. O objetivo também é que esse vínculo possa ser resgatado, reestruturado para que a violação de direitos não venha mais a ocorrer. (Ágata). (grifo nosso). É um órgão que trabalha com direitos violados. Dentro desse público, costumamos trabalhar no interior com adolescentes em LA e PSC. (Lápis Lazuli). (grifo nosso). 25 No que diz respeito ao caráter útil do equipamento. Os nomes fictícios das participantes da pesquisa estão vinculados aos nomes de pedras preciosas que serão esclarecidos na seção seguinte intitulada como: Perfil das profissionais entrevistadas. 26 37 O CREAS é Centro de Referência Especializado de Assistência Social que tem como objetivo tratar as questões sociais de uma maneira mais especializada quando não é mais possível resolvê-las na atenção básica. (Pedra do Sol). (grifo nosso). O CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social, onde a gente atende aquele público com os direitos violados. Quando a proteção é rompida esse público chega ao CREAS para aquele atendimento mais especializado, ou seja, as vítimas de abuso, ou idoso quando é negligenciado, ou uma mulher violentada, entre outros. (Ônix). (grifo nosso). Três interlocutoras ressaltam que o CREAS trabalha sobre os direitos violados e uma interlocutora, Pedra do Sol, fez uma leitura macroestrutural dessas violações destacando-as como questão social, o que remete a pensar que as situações de violação de direitos sobre as quais o CREAS atua constituem-se, de modo particular, como expressões da questão social e esta constatação não pode ser perdida de vista pelas/os profissionais do CREAS. É esta visão que possibilita uma leitura crítica das violações que chegam à instituição ao passo que são fruto de um processo de desigualdade social e econômica vivenciado na sociedade, as quais repercutem nas dimensões microestruturais dos sujeitos, ou seja, em seu ambiente de convívio familiar e/ou comunitário, desencadeando, no nosso entendimento, situações degradantes de violação de direitos geradoras de violência. No que concerne à caracterização do trabalho do CREAS feito pelas interlocutoras, Ágata, Lápis Lazuli e Ônix ficou evidenciado em suas falas, a reprodução do discurso institucional que retrata o CREAS como um equipamento destinado a atuar sobre os direitos violados sem, contudo, abrir espaço para se discutir o que vem a ser esse direito violado e suas repercussões em nossa sociedade. Haja vista que paralelo às situações geradoras de violência – que retratam o direito violado em sua forma mais gritante – emergem outras situações de violação de direitos que precisam ser tratadas com a mesma relevância, a fim de construir estratégias para o seu enfrentamento nos espaços institucionais. Faz-se necessário, portanto, compreendermos que o que está oculto às violações de direitos são processos antagônicos de luta de classes que incidem na vida dos sujeitos das mais variadas formas, requerendo do/a assistente social 38 capacidade crítica, investigativa e interventiva em sua atuação. E mediante esse processo o/a assistente social é convocado a incidir seu trabalho sobre as expressões da questão social como matéria-prima do Serviço Social. O fortalecimento da identidade do CREAS requer ainda um trabalho intersetorial com os demais órgãos da rede de proteção social, clarificando as competências de cada um deles, estabelecendo protocolos, fluxos e linhas de ação para as situações mais adversas que se apresentem. Ou seja, a compreensão do território de atuação e das particularidades sociais de cada área é fundamental para que os devidos encaminhamentos sejam dados garantindo não apenas a efetividade das ações do CREAS e sua legitimidade, como também a efetividade de toda a rede socioassistencial (BRASIL, 2011b). Conforme o documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b), considerando a diversidade do território brasileiro, a PNAS aliada à portaria nº 843 de 28 de dezembro de 201027, prevê a distribuição das unidades do CREAS a partir do porte populacional das localidades, como aponta a tabela abaixo: Tabela 1 – Parâmetros de referência para a definição número de CREAS, considerando o porte do município. Porte do Município Número de Habitantes Parâmetros de Referência Cobertura de atendimento em CREAS Pequeno Porte I. 20.000 Regional; Ou implantação de CREAS Municipal quando a demanda justificar. Pequeno Porte II. 20.001 a 50.000 Implantação de Pelo Menos 01 CREAS. Médio Porte. 50.001 a 100.000 Implantação de Pelo Menos 01 CREAS. Grande Porte, Metrópoles e Implantação de 01 CREAS a cada A partir de 100.001 DF. 200.000 habitantes. Fonte: Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, 2011. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. As situações que propiciam a criação de um CREAS com abrangência regional ocorrem quando a demanda dos municípios não justifica serviços especializados de forma contínua, ou quando o município não apresenta condições 27 Dispõe sobre o cofinanciamento federal, por meio do Piso Fixo de Média Complexidade (PFMC), dos serviços socioassistenciais ofertados pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, a partir dos níveis de gestão e porte dos municípios. 39 de ofertar um serviço especializado individualmente, devido ao porte ou nível de gestão28 (BRASIL, [2010]). A implantação do CREAS Regional se dá por iniciativa do Estado ou por um conjunto de municípios, ficando sob a responsabilidade do Estado a regulação do equipamento no âmbito regional com a participação dos municípios envolvidos. Sua implantação pode também ocorrer através de uma cooperação intermunicipal para fixar os serviços, desde que a ocorrência de situações de violação de direitos justifique a articulação com outros municípios. Neste caso, os municípios se comprometem a executar conjuntamente os serviços, bem como as condições operacionais para fazê-lo. Atenta-se ao fato de que, para ambos os casos, deve ser observado o critério geográfico, tanto para viabilizar o deslocamento da equipe técnica quanto para auxiliar o acesso dos usuários aos serviços disponíveis (BRASIL, [2010]). Nesta pesquisa trata-se do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza29, localiza-se na Rua Tabelião Fabião, nº 114, bairro Presidente Kennedy. O referido bairro faz parte da Secretaria Executiva Regional (SER) III30, regional composta por dezesseis bairros, a saber: Amadeu Furtado, Antônio Bezerra, Autran Nunes, Bonsucesso, Bela Vista, Dom Lustosa, Henrique Jorge, João XXIII, Jóquei Clube, Padre Andrade, Parque Araxá, Pici, Parquelândia, Quintino Cunha, Rodolfo Teófilo e Presidente Kennedy. Concentra uma população de 398.382 habitantes que corresponde a 16,5% da população do município31. 28 Os municípios possuem três níveis de gestão que propiciam o repasse de recursos da União, a saber: gestão inicial, gestão básica e gestão plena. Cf. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: [s.n], 2005. p. 69-175. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-socialsnas/cadernos/politica-nacional-de-assistencia-social-2013-pnas-2004-e-norma-operacional-basicade-servico-social-2013-nobsuas>. Acesso em: 20. jan. 2013. 29 Ressaltamos que as informações sobre as atividades específicas do CREAS Regional Fortaleza e a organização de trabalho da unidade foram coletadas a partir da experiência de estágio supervisionado em Serviço Social na instituição, no período de 2011.1 a 2012.2. 30 Divisão territorial estabelecida na cidade de Fortaleza para sua organização geográfica e administrativa. Atualmente em Fortaleza existem 07 SER’S (I, II, III, IV, V, VI e Centro). 31 Dados obtidos no Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza – Perfil da SER III, elaborado em 2011 pelo Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará-LabVida-UECE; Laboratório de Estudos da Conflitualidade da Universidade Estadual do Ceará-COVIO-UECE e Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará-LEV- 40 O CREAS Regional - Fortaleza foi instituído inicialmente em 1992 com a nomenclatura de SOS Criança. Vinculado à Secretaria do Trabalho e Ação Social, atual Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, o SOS Criança tinha como objetivo viabilizar alternativas de atuação no enfrentamento as violações de direitos contra crianças e adolescentes e seus familiares. Era composto pelo setor de denúncias, setor de recepção e setor de desaparecidos32 (BRASIL & SOUSA, 2010). Acerca do trabalho desenvolvido pelo SOS Criança que fora herdado pelo CREAS Regional, uma das participantes da pesquisa ressaltou: Pelo CREAS já ter um histórico de atuação neste complexo quando funcionava o SOS Criança, as pessoas já chegam aqui sabendo que vão ter alguma resposta ou alguma orientação e com isso muitas demandas acabam chegando e nós procuramos dar os devidos encaminhamentos (Lápis Lazuli). Em 2001 foi criado em âmbito nacional o Programa Sentinela, que tinha por objetivo cumprir metas do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, ou seja, sua tarefa consistia na prestação de um atendimento integral às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, a partir da articulação de uma rede de serviços que viabilizassem este atendimento (BRASIL & SOUSA, 2010). Em Fortaleza existiam dois Programas Sentinela33, um vinculado à antiga Secretaria do Trabalho e Ação Social e outro vinculado a Prefeitura Municipal de Fortaleza. Este sob a responsabilidade da prefeitura municipal era desenvolvido pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI). Aquele sob a responsabilidade da secretaria estadual era desenvolvido pelo SOS Criança. Atualmente este serviço é desenvolvido apenas no âmbito municipal. No ano de 2005, o SOS Criança transformou-se em Núcleo de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes (NEVCA), que, UFC. (Disponível em: <http://www.uece.br/covio/dmdocuments/regional_III.pdf>. Acesso em: 30. Mar. 2013). 32 Atualmente esses setores ainda permanecem no CREAS Regional. 33 Desde 2008, na primeira gestão da Ex-Prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, o Programa Sentinela passou a denominar-se Rede Aquarela. 41 subordinado à Coordenação de Proteção Social Especial da STDS, passou a incorporar as atribuições do antigo SOS Criança e do Programa Sentinela. Sua institucionalização para CREAS Regional ocorreu em 2007, posterior à aprovação da PNAS, em 2004, e da NOB SUAS, em 2005, sendo suas atividades direcionadas pela Política Nacional de Assistência Social. O CREAS Regional – Fortaleza integra o complexo de Articulação e Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes, juntamente com a Delegacia de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (DCECA), a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) e a Unidade de Recepção Luiz Barros Montenegro (URLBM). A DCECA promove suas ações junto a crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados e a DCA volta-se para o atendimento de crianças e adolescentes que cometeram ato infracional. Já a ULRBM destina-se a acolher provisoriamente os adolescentes acusados de prática de ato infracional enquanto a medida socioeducativa é estabelecida judicialmente. Todas as demandas do CREAS Regional dentro da atuação da equipe técnica são direcionadas ao Serviço Social. É partir da análise dos assistentes sociais que as demandas são atendidas e/ou redirecionadas para outros profissionais num trabalho interdisciplinar, ou até mesmo encaminhadas a outras unidades da rede de proteção social. A Unidade Regional do CREAS divide sua atuação na PSE em Fortaleza com outros quatro CREAS Municipais, localizados nas SER’S II, III, V, VI. Dessa forma, a organização do atendimento às violações de direitos ocorre a partir de uma divisão de atendimento entre os bairros, ou seja, para cada regional existem bairros que o CREAS Regional atende preferencialmente. Sobre a diversidade do público atendido e as violações de direitos mais frequentes, uma das interlocutoras destacou: A quebra do vínculo que mais reincide no CREAS é a violência intrafamiliar. Nosso maior público para os atendimentos especializados foram vítimas de violência de alguém próximo de seu convívio [...]. O CREAS atende o público de violência sexual, psicológica, física, PCD, idosos, mulheres, mas o nosso maior público é violência sexual contra criança (Ônix). 42 No que concerne exclusivamente aos casos de violência sexual, os serviços oferecidos para atendimento desta demanda dividem-se entre o CREAS Regional e a Rede Aquarela34. A Rede Aquarela possui uma equipe de referência na DCECA, havendo da mesma forma, uma divisão de atendimento por bairros para cada SER. Ressalta-se ainda que a unidade regional não executa, em Fortaleza, os serviços de LA e PSC, sendo estes desenvolvidos pelas unidades municipais, conforme afirmou uma das participantes da pesquisa: Com relação à tipificação dos serviços aqui no CREAS nós não fazemos a execução das mediadas socioeducativas de PSC e LA aqui. Se foi feito algum acordo eu não sei. O que eu sei é que essas medidas já antes eram executadas pela Prefeitura e pela Pastoral do Menor [...]. Deve ter sido por conta da municipalização dos serviços e aí esse serviço ficou mais para o município (Ágata). As ações do CREAS Regional na PSE de média complexidade não se limitam apenas ao município de Fortaleza. Existe o trabalho realizado por equipes volantes para atender alguns municípios que não possuem um CREAS implementado, devido às condições de implantação do equipamento que já citamos anteriormente. Neste sentido, o CREAS Regional disponibiliza equipes de referência para os municípios de Chorozinho, Pindoretama, Acarape e Barreira, sendo estas equipes compostas por Assistentes Sociais e Psicólogas. Nesses municípios, as equipes de referências acompanham os serviços de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviço a Comunidade (PSC), segundo relatou uma das profissionais: Atuamos também com algumas equipes no interior, nos municípios de Pindoretama, Chorozinho, Acarape e Barreira. Lá, as equipes do CREAS Regional executam as medidas socioeducativas. Essas equipes se deslocam para o interior porque nesses municípios não há um quantidade populacional necessária para a implantação de um CREAS. Daí o CREAS Regional de responsabilidade do Estado desloca uma equipe a essas localidades para realizar os atendimentos da proteção social especial (Ágata). Ao todo são três equipes, entre as quais uma atende o município de Chorozinho, outra referencia o município de Pindoretama e a terceira atua nos municípios de Acarape e Barreira. As profissionais – uma assistente social e uma psicóloga para cada equipe – trabalham durante a semana nessas localidades e 34 A Rede Aquarela é um programa vinculado a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura Municipal de Fortaleza que executa e coordena ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 43 uma vez por semana se deslocam ao CREAS Regional para elaboração de seus relatórios e demais procedimentos. Sobre a dinâmica de trabalho das equipes volantes do CREAS Regional, uma de nossas interlocutoras disse: Eu trabalho no município de Chorozinho fico lá dois dias da semana e um dia aqui na Sede Regional. Existem outros municípios que são atendidos pelo CREAS que são os municípios de Pindoretama, onde a equipe também fica dois dias no município e um dia na sede e os municípios de Acarape e Barreira, onde uma equipe acompanha esses dois locais e fica um dia em cada um deles (Lápis Lazuli). O CREAS Regional também atende o “Projeto Cavaleiros do Futuro”, elaborado pelo Esquadrão de Polícia Montada Coronel Moura Brasil da Polícia Militar do Ceará em parceria com a STDS. Este projeto possui uma escola de equitação para atender crianças e adolescentes das comunidades do entorno do esquadrão da polícia montada, que estejam fora da escola e distante do convívio familiar. Sua finalidade é transmitir conhecimentos técnicos sobre equitação e fazer com que as crianças permaneçam na escola disciplinarmente. O CREAS auxilia este projeto disponibilizando um sociólogo e uma pedagoga, que realizam o acompanhamento das crianças e adolescentes. A idade para inserção no projeto é de oito anos de idade, com permanência até quatorze anos. As denúncias que chegam ao CREAS Regional provêm de demandas espontâneas – sendo estas atendidas no Plantão Social –, do Disque Denúncia Estadual – que possui um setor que integra o CREAS Regional – e de encaminhamentos dos órgãos que compõem a rede de proteção. O CREAS oferta ainda, o serviço de atendimento a pessoas desaparecidas realizando o registro do desaparecimento nos atendimentos do plantão social e faz a veiculação da imagem do desaparecido nos meios de comunicação. Compõem a equipe de referência da unidade: 1 supervisora, 9 assistentes sociais, 2 advogados, 1 pedagoga, 6 psicólogas e 79 educadores sociais. Trabalham na instituição 1 agente administrativo, 3 assistentes administrativos, 1 instrutor educacional, 3 técnicos educacionais, 1 auxiliar administrativo, 2 instrutores de ofício, 1 atendente infantil, 12 motoristas, 1 motociclista, 3 auxiliares de serviços gerais e 6 assistentes técnicos totalizando 132 trabalhadores. Se contabilizarmos os 44 profissionais35 que estão à disposição em outros órgãos (9 profissionais), o CREAS totaliza 141 trabalhadores36. Em se tratando do espaço físico, a unidade regional conta com 3 salas para atendimento social, 1 sala lúdica para atendimento psicológico, 1 auditório, 1 sala para os atendimentos do plantão social, 1 sala dos educadores sociais, 1 sala do Serviço Social, 1 sala da Psicologia, 1 sala do Direito, recepção, brinquedoteca, banheiros, cozinha, refeitório, setor de denúncia, setor administrativo e uma sala para a supervisão da Unidade. Quando a instituição era chamada de SOS CRIANÇA os atendimentos relativos a denúncias de violação de direitos a crianças e adolescentes já aconteciam, sendo, portanto necessária à presença de profissionais de Serviço Social. Atualmente, a presença de assistentes sociais, bem como o trabalho do Serviço Social, apresenta particularidades interessantes de serem analisadas, haja vista que as assistentes sociais exercem ocupações profissionais bem distintas. Assim, mediante as características que compõem a execução dos serviços do CREAS Regional na proteção social de média complexidade, torna-se este universo um terreno fértil e um espaço ocupacional extremamente propício para a análise da atuação profissional das/os assistentes sociais no empreendimento de um trabalho social congruente com a direção social profissional. Sob este prisma é que sinalizamos esta instituição como um espaço escolhido para a análise das indagações elencadas neste estudo. Desse modo, depois de delineados os traços que compõem o CREAS Regional na execução de suas atividades, bem como os traços específicos que constituem o CREAS Regional – Fortaleza, convidamos o/a leitor/a a conhecer o perfil das interlocutoras desta pesquisa que tornaram possível validar que o conhecimento teórico em nada se torna estranho ao conhecimento empírico. 35 Esses profissionais são: 01 advogado, 04 assistentes sociais, 01 educador social, 01 instrutor educacional, 01 psicóloga e 01 técnico educacional. As razões que demandaram seus remanejamentos a outros órgãos, não puderam ser coletadas na pesquisa de campo. 36 Fonte: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza. 45 1.5 Perfil das profissionais entrevistadas O caráter da pesquisa qualitativa se dá justamente pelo conteúdo das informações obtidas pelos interlocutores da pesquisa, pois são carregadas de subjetividade que traduzem o seu ser, modo de viver e o seu olhar diante das circunstâncias que os cercam. Partindo do princípio de que o ato de compreender está ligado ao universo existencial humano, as abordagens qualitativas não se preocupam em fixar leis para se produzir generalizações. Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. (GOLDENBERG, 2004, p.28) Assim, procuramos delinear as interlocutoras desta investigação científica com base em critérios que auxiliassem a clarificar as indagações suscitadas na pergunta de partida. Desse modo, os contatos com as assistentes sociais e a aplicação das entrevistas e questionários tiveram base nas três dimensões de atuação desenvolvidas pelas assistentes sociais na instituição. Investiguei a atuação profissional de quatro assistentes sociais que trabalham no CREAS Regional, sendo uma assistente social que trabalha em um município do interior, duas assistentes sociais que trabalham nos acompanhamentos sociais realizados na instituição e uma assistente social que trabalha no setor de denúncia da instituição. A descrição do perfil das interlocutoras da pesquisa tem por objetivo apresentar as particularidades do processo de formação acadêmica e de atuação das profissionais colhidas na aplicação dos questionários. De um modo geral, após a análise dos dados apresentados nos questionários e relatos das entrevistas podemos destacar já inicialmente o predomínio do gênero feminino na instituição. Das quatro entrevistadas, duas são casadas e duas são solteiras. Três professam a religião católica e uma não destacou religião. A faixa etária das assistentes sociais situa-se entre 29 e 39 anos. Todas trabalham na instituição sob o vínculo empregatício de terceirização. Trabalham sob 46 o regime das 30horas semanais, de acordo com lei nº 12.317/201037. Três graduaram-se na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e uma no Instituto Camillo Filho no estado do Piauí. Todas concluíram sua graduação entre os anos de 2007 e 2008. Duas não tiveram outra experiência profissional e duas já trabalharam em outras instituições. Por fim, todas mencionaram como referência teórica para sua atuação profissional a autora Marilda Villela Iamamoto e uma mencionou a referência teórica de Karl Marx. Assim, traçamos algumas informações gerais sobre cada profissional participante da pesquisa. Ressaltamos que para garantir o anonimato das entrevistadas substituirei seus nomes por nomes fictícios vinculados a pedras preciosas. A escolha das pedras preciosas, portanto, busca traduzir a subjetividade dessas mulheres captadas no momento das entrevistas, pois adentrar no universo das interlocutoras da pesquisa fez-nos sentir em uma expedição a procura de tesouros e com a imensa satisfação de tê-las encontrado. Desse modo, Lápis Lazuli38, Ágata39, Ônix40 e Pedra do Sol41 serão seus nomes. Lápis Lazuli: 30 anos, solteira. Professa a religião católica. É assistente social terceirizada da instituição e trabalha sob o regime das 30horas semanais. Compõe a equipe técnica de referência e trabalha há 5 anos no CREAS Regional. Foi estagiária da instituição e não teve outra experiência profissional além desta que exerce no CREAS. Concluiu sua graduação em 2007.2 na Universidade Estadual do Ceará. Dentre as atividades propostas em sua 37 Lei que acrescenta dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. 38 Lápis Lazuli simboliza confiança e segurança na tomada de decisões importantes. Conhecida como a pedra dos Faraós, abre o campo mental estimulando a inteligência e autocontrole na tomada de decisões. (Disponível em: <http://www.pedramistica.com.br/significado-pedraspreciosas/default.asp?let=L>. Acesso em: 05. Mai. 2013). 39 Ágata remete a proteção, amizade, justiça e vitalidade. Desenvolve a coragem e a autoconfiança. Os antigos romanos acreditavam que as Ágatas em forma de anéis poderiam oferecer-lhes poder e riqueza. (Disponível em: <http://www.pedramistica.com.br/significado-pedraspreciosas/default.asp?let=A>. Acesso em: 05. Mai. 2013). 40 Ônix simboliza a concentração e proteção. Traz sabedoria em decisões que precisam ser tomadas. (Disponível em: <http://www.pedramistica.com.br/significado-pedras-preciosas/default.asp?let=O>. Acesso em: 05. Mai. 2013). 41 Pedra do Sol faz alusão ao sucesso nas realizações, reconhecimento e autoestima. Traz fama e sucesso para aqueles que desejam reconhecimento pessoal em qualquer atividade. Inspira autoestima, confiança e certeza nas realizações. (Disponível em: <http://www.pedramistica.com.br/significado-pedras-preciosas/default.asp?let=P>. Acesso em: 05. Mai. 2013). 47 graduação realizou estágio supervisionado em Serviço Social. Em sua atuação profissional já participou de encontros do conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), Conselhos de Direitos e Conferências Municipais. Destacou como autores de referência de sua atuação profissional Vicente de Paula Faleiros, José Paulo Netto, Marilda Villela Iamamoto e Cynthia Andersen Sarti. Não exerce supervisão de estágio na instituição. Utiliza como instrumentos/procedimentos técnicos para sua atuação profissional os relatórios sociais, visitas domiciliares e pareceres sociais. Participa semestralmente das capacitações oferecidas pela instituição. Informou que mensalmente são realizadas reuniões da equipe técnica, das quais participa. As atribuições específicas da profissão que exerce na instituição são acompanhamento de pessoas vítimas de violação de direitos e acompanhamentos de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. As questões éticas que norteiam seu trabalho cotidiano são o respeito à autonomia e escolhas dos usuários, compromisso com os serviços prestados e com a autonomia do assistente social, atenção para executar apenas aquilo que é de competência da profissão. Destacou que escolheria outra profissão com relação a sua identificação com outras áreas, mas se identifica com a profissão que exerce e que gosta do que faz. Ágata: 29 anos, casada. Professa a religião católica. É assistente social terceirizada da instituição e trabalha sob o regime das 30horas semanais. Compõe a equipe técnica de referência e trabalha há 4 anos no CREAS Regional. Foi estagiária da instituição e não teve outra experiência profissional além desta que exerce no CREAS. Concluiu sua graduação em 2007.2 na Universidade Estadual do Ceará. Dentre as atividades propostas em sua graduação realizou estágio supervisionado em Serviço Social, estágio extracurricular e participou de eventos científicos sem publicação de trabalho. Em sua atuação profissional já participou de encontros do conjunto CFESSCRESS e Conferências Estaduais. Destacou como autores de referência de sua atuação profissional Raquel Raichelis, Maria Carmelita Yazbek, Marilda Villela Iamamoto e Ivanete Boschetti. Exerce supervisão de estágio na instituição. Utiliza como instrumentos/procedimentos técnicos para sua atuação profissional os relatórios sociais, reuniões de equipe e outros 48 instrumentos concernentes ao setor de denúncia. Participa semestralmente das capacitações oferecidas pela instituição. Informou que participa mensalmente das reuniões da equipe técnica. As atribuições específicas da profissão que exerce na instituição são atendimentos sociais do plantão social e relatório social. As questões éticas que norteiam seu trabalho cotidiano são o sigilo profissional, defesa intransigente dos direitos humanos, utilização do número de registro, respeito as normas e princípios dos outros profissionais, ausência de preconceitos, entre outros. Destacou que não sabe se escolheria outra profissão. Ônix: 33 anos, solteira. Não citou religião. É assistente social terceirizada da instituição e trabalha sob o regime das 30horas semanais. Compõe a equipe técnica de referência e trabalha há 2 anos no CREAS Regional. Já trabalhou no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no Projeto Projovem Urbano em um município do estado do Piauí. Concluiu sua graduação em 2008 no Instituto Camillo Filho em Teresina/Piauí. Dentre as atividades propostas em sua graduação realizou estágio supervisionado em Serviço Social, estágio extracurricular, eventos científicos sem publicação de trabalho, iniciação científica, atividades de extensão e movimento estudantil. Em sua atuação profissional já participou de Conferências Municipais e Conselhos de Direitos. Destacou como autores de referência de sua atuação profissional Marilda Villela Iamamoto e José Paulo Netto. Não exerce supervisão de estágio na instituição. Utiliza como instrumentos/procedimentos técnicos para sua atuação profissional os relatórios sociais, visitas domiciliares, reuniões de equipe e entrevista. Participa semestralmente das capacitações oferecidas pela instituição. Informou que participa mensalmente das reuniões da equipe técnica. Destacou como atribuição específica da profissão que exerce na instituição os benefícios eventuais. As questões éticas que norteiam seu trabalho cotidiano são o respeito e valorização das famílias atendidas, o interesse em resolver, encaminhar e orientar as demandas atendidas. Destacou que escolheria outra profissão pela desvalorização e precarização existente na profissão, como também desenvolvimento e crescimento profissional. pela falta de incentivo no 49 Pedra do Sol: 39 anos, casada. Professa a religião católica. É assistente social terceirizada da instituição e trabalha sob o regime das 30horas semanais. Compõe a equipe técnica de referência e trabalha há 4 anos no CREAS Regional. Teve outra experiência profissional antes da atual, a saber, no CREAS do município de Quixadá. Concluiu sua graduação em 2008.2 na Universidade Estadual do Ceará. Dentre as atividades propostas em sua graduação participou do movimento estudantil, estágio supervisionado em Serviço Social, estágio extracurricular e participou de eventos científicos sem publicação de trabalho. Em sua atuação profissional já participou de encontros do conjunto CFESS-CRESS e Conferências Estaduais, Conferências Municipais e Conselhos de Direitos. Destacou como autores de referência de sua atuação profissional Marilda Villela Iamamoto, José Paulo Netto e Karl Marx. Exerce supervisão de estágio na instituição. Utiliza como instrumentos/procedimentos técnicos para sua atuação profissional os relatórios sociais, visitas domiciliares, pareceres sociais, reuniões de equipe, entrevista, palestras e acrescentou a facilitação de capacitações. Participa semestralmente das capacitações oferecidas na instituição. Informou que participa mensalmente das reuniões da equipe técnica. Não destacou as atribuições específicas da profissão e nem as questões éticas que norteiam seu trabalho cotidiano. Destacou que não escolheria outra profissão porque a profissão de Serviço Social contempla dentre os conhecimentos a satisfação de sua escolha, tendo a teoria em muitos momentos distante da prática, mas em outros a resolutividade na prática de muitas denúncias. Estas são as participantes deste estudo, testemunhas oculares do universo que pretendemos desvendar. Desta feita, procuramos neste capítulo apresentar a você leitor/a, as motivações e inquietações que impulsionaram a realização deste estudo, bem como o contexto em que se situa o recorte deste objeto, os passos empreendidos no percurso metodológico, o conhecimento do lócus da pesquisa e quem são os atores sociais que compõem esta investigação. Todos estes elementos possibilitaram traçar um desenho inicial sobre esta inquietação que nos motiva – a atuação da/o assistente social – e serviram de alicerce para as mediações que buscamos plasmar e as descobertas que surgiram neste estudo. 50 Convidamos o/a leitor/a a adentrar neste universo instigante da pesquisa, onde procuraremos nos capítulos seguintes articular o desenho inicial traçado com as respectivas reflexões teóricas que possibilitaram a melhor compreensão e dialética sobre a atuação profissional das/os assistentes sociais no referido lócus, a saber, CREAS Regional, recorte que na verdade, traduz a atuação da categoria profissional. 51 CAPÍTULO II O SERVIÇO SOCIAL COMO OBJETO DE ESTUDO: TRABALHO E COTIDIANO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL “Todo começo é difícil em qualquer ciência.” Karl Marx. 52 Na intenção de traçarmos um desenho teórico que auxilie reflexões acerca deste objeto de estudo, tratamos neste capítulo de compartilhar com o/a nobre leitor/a posicionamentos de autores clássicos e contemporâneos sobre a categoria trabalho – desde sua concepção clássica às repercussões do mundo do trabalho no modelo de produção capitalista contemporâneo –, articulando aos estudos produzidos e defendidos pelo Serviço Social nesse âmbito. Não obstante, buscaramos refletir através da categoria cotidiano como as particularidades do espaço sócio-ocupacional incidem sobre a atuação dos/as assistentes sociais e como esta atuação profissional se mantém e/ou se transforma nos referidos espaços. Consideramos estas concepções teóricas pertinentes para o delinear científico que pretendemos apresentar. Refletir sobre o lugar que esta profissão ocupa na realidade social mediante suas configurações – seja no mundo do trabalho, nas políticas sociais, na conjuntura brasileira e na própria categoria profissional –, bem como a incidência de sua atuação profissional nessas configurações são aspectos que buscaremos trazer em discussão no posicionamento defendido de que a atuação do/a assistente social é trabalho que repercute mediações importantes no cotidiano profissional e institucional. 2.1 Concepções Clássicas e Contemporâneas acerca da categoria trabalho O homem42 tem necessidades e anseios, contudo, diferente dos outros animais, sempre buscou satisfazê-los encontrando formas e/ou maneiras de concretizá-los a partir dos recursos de que dispõe. Para a satisfação destas necessidades, o homem relaciona-se com a natureza de tal forma que se torna capaz de transformá-la e objetivá-la materialmente. A esta inter-relação dá-se o nome de trabalho. 42 Ao destacar ao longo deste ensaio monográfico o termo “homem”, não estamos nos referindo à variação de gênero que remete ao masculino, mas ao sinônimo deste termo a outros destacados nesta monografia como, por exemplo, gênero humano, ser humano, ou seja, trata-se da espécie humana, da humanidade. 53 Para Marx (1987, p. 202), “o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. Qualquer que seja a ação realizada por outros animais, estas são apenas formas de adaptações destes seres ao próprio ambiente. Ao contrário, a interrelação estabelecida entre o gênero humano e a natureza pelo trabalho pressupõe uma possibilidade de desenvolvimento ulterior43 conferindo-lhe um nível de sociabilidade que situa o gênero humano no processo histórico de reprodução da vida social. É pelo trabalho que o homem defronta-se com a natureza e incide sobre esta todas as suas potencialidades físicas e mentais, a fim de se apropriar dos recursos que a natureza disponibiliza para transformá-los em algo útil para sua vida (MARX, 1987). Esta atividade desenvolvida pelo ser humano é oriunda de uma dimensão teleológica, que podemos defini-la como a capacidade de objetivar antecipadamente na consciência o que anseia transformar para a reprodução de sua vida. Atua, portanto na causalidade – relações complexas de causa e efeito – dos objetos naturais. Como destaca Marx (1987), em sua comparação entre abelha e o arquiteto, o que os distingue é o fato de o arquiteto já idealizar em sua mente a construção do objeto antes de transformá-lo materialmente. Imprime a este objeto todas as características anteriormente pensadas constituindo “a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade” (MARX, 1987, p. 202). Por este processo o gênero humano evidencia a sua práxis, como ação consciente e crítica executada de forma ordenada em todo o processo de trabalho para concretizar o que outrora foi idealizado, “atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza” (MARX, 1987, p.202). Assim, o trabalho constitui-se como atividade comum a todos os seres 43 Este desenvolvimento ulterior pode ser definido como o nível de sociabilidade estabelecido entre os homens pelo trabalho. 54 humanos, que garante a reprodução da vida material, sendo eminentemente ontológico44 a estes seres como mediação entre a necessidade e a realização desta. Corroborando com Marx, Lukács (2010)45 aponta importantes considerações acerca do caráter ontológico do trabalho. O autor destaca como uma das novidades do pensamento marxiano a inter-relação estabelecida pelo trabalho entre o ser social e as formas orgânicas e inorgânicas da natureza. Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente transitório. Ele é em sua natureza uma inter-relação entre homem e (sociedade) e natureza, tanto com a natureza inorgânica (...), quanto com a orgânica, inter-relação (...) que se caracteriza acima de tudo pela passagem do homem que trabalha, partindo do ser puramente biológico ao ser social (...). Todas as determinações que, conforme veremos, estão presentes na essência do que é novo no ser social estão contidas in nuce no trabalho. O trabalho, portanto, pode ser visto como um fenômeno originário, como modelo, protoforma do ser social (...). (LUKÁCS, 1980 apud ANTUNES, 1999, p. 136). (grifo nosso). Para Lukács (2010), o trabalho é a atividade humana que apresenta a especificidade de transformação de uma atividade puramente natural em uma atividade objetiva, pensada previamente a um fim estabelecido, ou seja, o pôr teleológico. “O trabalho é a unidade entre o pôr efetivo de uma dada objetividade e a atividade ideal prévia diretamente regida e mediada por uma finalidade específica” (LUKÁCS, 2010, p.20). No que concerne à causalidade e à teleologia46, Lukács (2010) também reforça os pressupostos apontados por Marx. Segundo aquele autor, a capacidade de ideação teleológica do trabalho sobre as condições causais da natureza 44 Netto (1978, p. 70-71) destaca o entendimento de Lukács sobre ontologia como sendo “a modalidade real e concreta da existência do ser, a sua estrutura e movimento. O marxismo é posto por Lukács, nesta perspectiva, como a pesquisa materialista e dialéctica da ontologia do ser social — pressupondo, necessariamente, uma dialéctica da natureza. Para Lukács, aliás, todos os enunciados concretos [de Marx]... em última análise... são enunciados directos sobre um tipo de ser— isto é, são puras afirmações ontológicas”. Cf. NETTO, José Paulo. Lukács e a Crítica da Filosofia Burguesa. Lisboa: Seara Nova, 1978. 45 Em sua obra A Ontologia do Ser Social, Lukács (2010, p.22) procura “reexaminar passo a passo as categorias fundamentais do pensamento de Marx, iniciando pela retomada das considerações marxianas acerca do trabalho como complexo central decisivo do ser social, passando pelo problema da reprodução, da ideologia, e culminando no tratamento da alienação”. Cf. LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Tradução de: Lya Luft e Rodnei Nascimento. Supervisão editorial de: Ester Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010. 46 Cf. LUKÁCS, 2010, p. 39-40, nota de rodapé. 55 possibilitam o salto transformador da condição humana, e o surgimento de uma nova objetividade que constitui o trabalho como uma categoria qualitativamente nova na ontologia do ser social. [...] o trabalho introduz no ser a unitária inter-relação, dualisticamente fundada, entre teleologia e causalidade; antes de seu surgimento havia na natureza apenas processos causais. Em termos realmente ontológicos, tais complexos duplos só existem no trabalho e em suas conseqüências sociais, na práxis social. O modelo do pôr teleológico modificador da realidade torna-se, assim, fundamento ontológico de toda práxis social, isto é, humana. (LUKÁCS, 2010, p. 40-41). Sobre a práxis social, Lukács (2010, p. 292-293) acrescenta: Temos aqui à nossa frente ambos os lados da conditio humana que Marx concebe. De um lado, o referente ao ser, a atividade, a práxis como aquilo que torna humanos os seres humanos, aquilo que faz surgir, da dialética interna de sua práxis associada, o mundo dos seres humanos; do outro lado, as objetividades dadas, socialmente mediadas, dos objetos de uma tal práxis nas objetividades dos fatos naturais, já elaboradas pela práxis social ou ainda intactas. Na interação entre os dois “mundos” realiza-se a práxis, a atividade humana. Dela emerge a consciência sempre relativa, como precondição indispensável da nova adaptação ativa ao ambiente. A consciência é, em sua gênese no plano ontológico, nada mais do que o momento fundante indispensável desse novo processo de ser. (grifos originais). Assim, concordamos com Marx e Lukács ao afirmarem que o trabalho é o ato produzido pelo homem que lhe confere uma identidade social, pois só será possível “falar razoavelmente em ser social quando entendermos que sua gênese, seu elevar-se em relação à sua própria base e a aquisição de autonomia, se baseia no trabalho, na realização contínua de posições teleológicas”. (LUKÁCS, 1980, p. 9 apud ANTUNES, 1999, p. 137). Retomando as concepções de Marx, o autor afirma que o processo de trabalho além da relação homem-natureza também envolve o trabalho, o objeto de trabalho e os meios de trabalho47. Como já fora abordado, este processo atua para um determinado fim e se encerra ao materializar o produto. Todo produto oriundo do processo de trabalho possui um valor-de-uso, ou seja, torna-se um material da 47 Como trabalho, compreendemos a própria atividade já definida neste texto anteriormente; como objeto de trabalho, a matéria em que o trabalho incide, e como meios de trabalho, os mecanismos utilizados para dirigir a atividade laboral ao objeto. Aos três elementos que compõem o processo de trabalho chamamos meios de produção (MARX, 1987). 56 natureza transformado pelo gênero humano e com utilidade adaptada às necessidades humanas. E não somente isso, os produtos do trabalho assumem a forma de mercadoria48, adquirindo um duplo caráter de ser não apenas um valor-deuso, mas e, sobretudo, um valor-de-troca49, pois são produzidos para serem vendidos. Desse modo, o que se objetiva no processo de produção capitalista é o processo de valorização do capital, ou seja, a produção de mais-valia. Conforme Marx (1987, p. 210-211): [...] nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, uma artigo destinado a venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-las, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valorde-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais-valia). Desse modo, o valor-de-uso que produz um trabalho real e concreto não consegue refletir por ele mesmo a medida de valor nele corporificado. É preciso, portanto, separar o trabalho de sua forma real e concreta para visualizar o valor materializado no produto em sua dimensão abstrata. O trabalho então adquire um caráter dual, pois ao ser gerador de valor-de-uso e de valor, distingue e produz a inter-relação entre trabalho concreto e trabalho abstrato. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos nêles corporificados, desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se tôdas a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato. (MARX, 1987, p. 44-45). Todo trabalho concreto é, portanto, produtor de valor-de-uso. O ser humano não pode viver sem suprir suas necessidades e só pode fazê-lo na medida em que trabalha. “O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem, – quaisquer que sejam as formas de sociedade [...]” (MARX, 1987, p.50). Na apropriação privada da produção, o trabalho 48 “A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”. (MARX, 1987, p. 41). 49 “O valor-de-troca revela-se na relação quantitativa entre valores-de-uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação que muda no tempo e no espaço”. (Ibid., p.43). 57 deixa de ser atividade útil, livre e consciente para ser controlado e surgir como trabalho abstrato – gerador de valor – pela exploração máxima da força de trabalho, meios de produção e tempo de trabalho socialmente necessário 50 produzindo a chamada mais-valia, ou seja, o lucro gerado ao capitalista por esta máxima exploração. Conforme já pontuamos, o trabalho em seu sentido ontológico consitui-se como dimensão fundante do ser social, independente da forma de sociedade vivenciada. Contudo, “o trabalho também é historicizado. Ou seja, necessita ser situado sob determinada formação social” (ARAÚJO, 2008, p. 11). É importante ressaltarmos essa especificidade do trabalho, porque na sociedade capitalista o trabalho assume outro sentido sócio-histórico, diferente de seu sentido ontológico, qual seja o sentido de trabalho assalariado, não mais importa o seu caráter útil, pois é transformado em mercadoria e medido pelo seu tempo de duração (ARAÚJO, 2008). Desse modo, na particularidade da sociedade capitalista, as condições subjetivas de trabalho estão dissociadas das condições objetivas e essa constatação torna-se evidente quando o trabalhador assume sua “condição” de indivíduo livre. (ARAÚJO, 2008). Conforme Marx é liberdade: [...] em um duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho (MARX, 1985, p. 140 apud ARAÚJO, 2008, p. 11-12). O trabalho que antes era realizador, um bem para o homem, nas relações capitalistas de produção converte-se em trabalho assalariado. Sua alienação e estranhamento destitui o gênero humano de sua força de trabalho, fazendo-o submeter-se a quaisquer atividades por um preço que não contempla todo o seu esforço. Ao vender sua força de trabalho, não se reconhece o produto de seu labor, nem o faz de modo consciente, tão pouco este lhe pertence. Vejamos, portanto, qual 50 Por tempo de trabalho socialmente necessário compreendamos como o tempo de trabalho para a produção de um valor-de-uso nas condições normais de produção social (MARX, 1987). No modo de produção capitalista o tempo ideal para produção de um produto é excedido e utilizado para a produção de mais produtos pela exploração da força de trabalho. 58 a compreensão das interlocutoras da pesquisa acerca do lugar ocupado pelo trabalho em suas relações sociais. Deveríamos ser mais bem remunerados, pois nosso trabalho perpassa por situações muito delicadas que as pessoas vivem. Nosso trabalho não deixa de ser um trabalho de risco e aqui nós não temos segurança, não recebemos insalubridade, nada (Lápis lazuli). [...] se não nos prepararmos para conseguir um lugar no mercado de trabalho que é muito concorrido você vai ficar sempre “bitolado” no trabalho, trabalhando, mas de forma insegura onde a gente não sabe se vai ficar no emprego... Então assim... Vivemos de uma forma insegura (Ônix). A questão do salário... Nosso salário é muito baixo e assim... Não a nossa coordenação, mas a secretaria não olha para essa questão. A maioria dos trabalhadores são terceirizados, há a precarização, o salário é bem inferior. Os profissionais servidores aqui recebem 40% a mais de periculosidade enquanto que nós recebemos o salário somente. Com relação à terceirização esse ano ainda não aconteceu, mas o nosso contrato acaba e começa outro e aí não tiramos férias e apesar deles pagarem pelas nossas férias na rescisão, mas o que a gente quer é o descanso da gente (Ágata). A partir destas considerações, fica claro que as profissionais entrevistadas neste estudo identificam-se enquanto trabalhadoras assalariadas, ou seja, o reconhecimento do trabalho vincula-se à dimensão do salário que no modelo capitalista de produção adquire a forma de emprego mediante as relações de compra e venda da força de trabalho. O trabalho na sociedade capitalista é convertido em emprego a partir da relação salarial entre aquele que vende sua força de trabalho e aquele que dita às condições de realização do trabalho. É importante fazer essa ressalva da diferenciação de trabalho e emprego, a partir do relato das interlocutoras, pois comumente os sujeitos não percebem esta distinção. Estes relatos apontam como as transformações provenientes do mundo do trabalho ocasionadas pelo modelo de produção capitalista repercutem no reconhecimento do gênero humano nesta atividade51. Concernente às transformações contemporâneas no mundo do trabalho, Antunes (1999) destaca que a sociedade contemporânea tem vivido nas últimas décadas, profundas transformações que atingem tanto as condições objetivas – no 51 A partir do que pontuamos sobre a historicidade do trabalho – em sua caracterização como trabalho livre e trabalho assalariado – na sociedade capitalista, nossa linha de investigação parte em defesa do Serviço Social como trabalho, onde o leitor/a poderá conhecer nossas bases de argumentação na próxima seção. 59 âmbito estrutural do modo de produção vigente – quanto subjetivas – desta sociedade, em virtude das complexas relações da sociabilidade humana. A crise dos anos 1970, “teve suas raízes profundas numa crise secular de produtividade que resultou do excesso constante de capacidade e de produção do setor manufatureiro internacional” (BRENNER, 1999, p. 12-13 apud ANTUNES, 1999, p. 31). Suas expressões fenomênicas foram a crise do fordismo/taylorismo e do keynesianismo e tiveram como resposta de ação do capital a chamada reestruturação produtiva52 e o neoliberalismo 53 que trouxeram significativas mudanças para o mundo do trabalho como, por exemplo, condições precarizadas de trabalho,desemprego estrutural, dentre outros. Estas mudanças fragmentam cada vez mais a sociabilidade humana. Para Antunes (1999), estas são consequências de uma (des)sociabilização que introduzem novas dimensões de organização societal carregadas de elementos fetichizadores que vão [...] desde o culto da “sociabilidade democrática”, que teria finalmente realizado a utopia do preenchimento, até a crença da desmercantilização da vida societal, no fim das ideologias, no advento de uma sociedade comunicacional capaz de possibilitar uma interação subjetiva, por meio de novas formas de intersubjetividade. Ou ainda aquelas que visualizam o fim do trabalho e a realização concreta do reino do tempo livre dentro da estrutura global da reprodução societária vigente. (ANTUNES, 1999, p. 1516). (grifos originais). Esses discursos enfocam a “ideia” de que as consequências da reestruturação produtiva e do neoliberalismo devem ser internalizadas, pois as mudanças no mundo do trabalho são necessárias a uma sociabilidade “melhor para todos”. Contudo, o que está velado é o empenho e a permanência de uma 52 Antunes (1999, p. 36) destaca que a reestruturação produtiva do capital tratava-se de “reestruturar o padrão produtivo taylorista / fordista, procurando, desse modo, repor os patamares de acumulação existentes no período anterior, especialmente no pós-45, utilizando-se, como veremos, de novo e velhos mecanismos de acumulação.” Cf. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boi Tempo, 1999. 53 Segundo Sandroni (2004, p. 421), os neoliberais “defendem o disciplinamento da economia, não para asfixiá-la, mas para garantir-lhe sobrevivência, pois, ao contrário dos antigos liberais, não acreditam na autodisciplina espontânea do sistema. [...]. O disciplinamento da ordem econômica seria feito pelo Estado, para combater aos excessos da livre-concorrência, e pela criação dos chamados mercados concorrenciais”. Cf. SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. 13. ed. São Paulo: Best Seller, 2004. 60 sociabilidade que particularidades e (des)sociabiliza, os ou descaracteriza seja, em extrai seu dos indivíduos reconhecimento suas enquanto trabalhadores54. Fundamentando-se em Mészáros, Antunes (1999) destaca que no processo de reestruturação produtiva, o sistema de metabolismo social55 nasce desta subordinação do trabalho ao capital que se processou historicamente e que ocorreu independente de determinação ontológica. Este metabolismo apresenta-se dividido entre mediações de primeira ordem e mediações de segunda ordem. As mediações de primeira ordem buscam satisfazer as necessidades básicas do ser humano, em uma ação consciente e de inter-relação com a natureza. Nesta mediação não há aprisionamentos, o homem é livre para usufruir dos meios de produção disponíveis na natureza e estabelecer mediações “cuja finalidade é a preservação da vida e da organização societal” (ANTUNES, 1999, p. 19). As mediações de segunda ordem correspondem ao processo de (des)sociabilização que introduz “elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico” (ANTUNES, 1999, p. 20), haja vista que sua constituição ocorre paralelo a constituição do sistema do capital. Harvey (1992 apud ANTUNES, 2011) destaca que o processo de acumulação flexível do capital iniciado no pós década de 1970 caracteriza-se justamente pela flexibilidade – que não significa ausência de rigidez e sim intensificação mediante a variação dos mercados – dos processos de trabalho a partir do surgimento de novos setores de produção, novos fornecimentos 54 Em meio a este processo, Antunes destaca o discurso empreendido acerca da perda da centralidade da categoria do trabalho nas relações sociais, também conhecida como “fim do trabalho”. O referido autor não corrobora com esse discurso, ao contrário, argumenta que “[...] o que se pode presenciar no mundo contemporâneo é uma maior inter-relação, uma maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços entre as atividades laborativas e as atividades de concepção, que se expandem no contexto da reestruturação produtiva do capital. O que remete ao desenvolvimento de uma concepção ampliada para se entender sua forma de ser do trabalho no capitalismo contemporâneo, e não à sua negação.” (ANTUNES, 2011, p. 178). (grifos originais). Cf. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 55 Partimos do entendimento que o metabolismo social refere-se a uma mudança da natureza social instaurada, a partir da reestruturação produtiva incutindo à vida social novas formas fetichizadoras de sociabilidade. Antunes (1999) destaca as considerações de Mészáros sobre este conceito. Cf. MÉSZÁROS, István. Beyond Capital (Towards a Theory of Transition), Merlin Press, Londres, 1995. 61 financeiros, novos mercados e taxas intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. O autor desenvolve a tese de que sendo a acumulação flexível uma forma própria do capitalismo conserva três características desse modo de produção, quais sejam: 1) É sempre voltado para o crescimento; 2) Este crescimento se apoia na exploração do trabalho vivo; 3) O fato de o capitalismo manter uma intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional. Desse modo, as consequências da reestruturação produtiva a partir do modelo de acumulação flexível foram tão intensas no mundo do trabalho objetivamente e subjetivamente que julgamos pertinente apresentar algumas metamorfoses do mundo do trabalho indicadas por Antunes (2011) que exemplificam a incidência dessas transformações na classe-que-vive-do-trabalho56, classe onde as/os assistentes sociais se inserem. Houve uma desproletarização do trabalho industrial fabril, haja vista que, paralelo à diminuição do trabalhador industrial tradicional, ocorreu um expressivo aumento do trabalho assalariado pela ampliação do setor de serviços (ANTUNES, 2011). As implicações também ocorreram na dimensão de gênero com a heterogeneização do trabalho, ou seja, a inserção da mulher no mercado de trabalho que exacerbou a exploração de sua força de trabalho. O que leva a refletir que paralelo às contradições existentes entre indivíduo e sua classe, também persistem aquelas oriundas entre classe e gênero, diversificando e complexificando as relações de trabalho, de modo que além da relação capital/trabalho recaem sobre a mulher as tiranias contidas na relação homem/mulher. (ANTUNES, 2011). No que se refere à profissão de Serviço Social: 56 Termo utilizado por Antunes (1999) para dar legitimidade contemporânea ao conceito de classe trabalhado de Karl Marx. O autor pretende com este termo dar magnitude ao ser social que trabalha apreendendo sua processualidade histórica e enfatizando o sentido atual de classe trabalhadora mediante as inúmeras tensões que desejam desconstruir a noção de classe e o fim do trabalho. A classe-que-vive-do-trabalho, portanto, engloba os trabalhadores que vendem sua força de trabalho compondo os trabalhadores produtivos do capital na geração do trabalho manual direto e os trabalhadores improdutivos que não geram diretamente mais-valia, mas são utilizados pelo capital enquanto geradores de valor-de-uso como os trabalhadores dos setores de serviços. 62 [...] embora ainda existam hoje práticas voltadas a caridade, a filantropia que é aquela história da origem do serviço social, do seu surgimento como trabalho feminino. Até mesmo as pessoas para quem trabalhamos não tem a noção do que é o trabalho do assistente social [...]. Nosso trabalho é importante, mas não é tão valorizado. (Ônix). A subalternidade57 da profissão antes vista por ser estritamente feminina, insiste em permanecer na categoria de assistentes sociais com o acréscimo – no nosso entendimento – de novas justificativas como, por exemplo, que o trabalho do/a assistente social não é um trabalho especializado, pois “qualquer” pessoa pode exercê-lo e, desse modo, não se dá credibilidade aos/às assistentes sociais que, como os/as demais trabalhadores/as que vendem a sua força de trabalho, acabam tendo que se conformar com encargos que não contemplam o nível de sua especialização. Outras tendências também são evidentes, como o desemprego estrutural, que se estabelece em escala global, e a subproletarização, que expande alternativas informais de trabalho como, por exemplo, o trabalho parcial, temporário e terceirizado, imprimindo também formas desregulamentadas e flexíveis de direitos em uma estratégia de desregulamentação dos direitos na perspectiva da acumulação capitalista que permite ao capital controlar ainda mais as relações sociais. “Direitos flexíveis de modo a dispor desta força de trabalho em função das necessidades do mercado consumidor.” (ANTUNES, 2011, p.34). Uma das interlocutoras da pesquisa faz a seguinte leitura acerca das repercussões da terceirização do trabalho no Serviço Social: [...] a questão da terceirização é um fator negativo, por outro lado, o governo também não abre concurso e aí a situação vai ficando sempre desse jeito porque a gente também precisa de emprego. É aquela questão que Marilda sempre coloca “como profissional inserido no mercado de trabalho o assistente social acaba tendo que se adequar nessas circunstâncias”. (Ágata). Corroborando com as considerações de Ágata, Raichelis (2011, p. 431) ressalta que “os efeitos da tríade flexibilização/precarização/terceirização do trabalho 57 O caráter subalterno da profissão refere-se ao fato do Serviço Social constituir-se em suas protoformas como uma profissão exercida somente por mulheres. Netto (2011) destaca que a institucionalização do Serviço Social que ocasionou a ruptura com o voluntariado não propiciou, na mesma medida, a ruptura com a subalternidade da profissão como sendo eminentemente feminina. Cf. NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2011. 63 do assistente social se fazem sentir em níveis e intensidade antes desconhecidas pela profissão” e aponta alguns efeitos da terceirização para o trabalho social, a saber, a desconfiguração do significado do trabalho especializado do/a assistente social; o deslocamento das relações entre a população e a gestão estatal, tendo como intermediárias das relações contratuais as empresas particulares; a falta de fortalecimento de vínculos com os usuários dos serviços e/ou descontinuidades dos serviços mediante os limites contratuais e a separação entre direito e prestação de serviço (RAICHELIS, 2011). Essas são tendências presentes no trabalho do/a assistente social que na ótica do capital, o Serviço Social, como as demais profissões está inserido, mas não totalmente sujeito, pois é possível criar espaços de fortalecimento e de luta através de profissionais qualificados/as e conscientes de sua atuação profissional para enfrentar as pressões do capital. 2.2 A Atuação Profissional do Serviço Social como trabalho Por que discutimos as concepções de Marx, Lukács e Antunes até aqui? Porque estes são os rebatimentos que originalmente incidem sobre as/os trabalhadores/as e que persistem na contemporaneidade, assumindo novas formas de subordinação. Por isso, a historicidade do trabalho e sua importância para a sociedade não pode ser perdida de vista – principalmente ao se discutir sobre categorias profissionais –, a fim de se evitar a naturalização da história do trabalho. Como compreender a atuação profissional do/a assistente social a partir destes apontamentos? O Serviço social como profissão circunscrita na divisão social e técnica do trabalho também sofre os mesmos rebatimentos em sua atuação profissional que os demais trabalhadores. Faz-se necessário, portanto, compreender como a profissão se situa nesta sociedade e suas transformações no contexto histórico brasileiro. E ainda, a compreensão da historicidade da profissão articulada à historicidade do trabalho são elementos cruciais para materialização de sua atuação, ou seja, de seu trabalho na sociedade. 64 Temos a intenção de apresentar ao/a leitor/a nesta seção o caráter do trabalho contido na profissão de Serviço Social tomando como base para nossa discussão autores de referência da profissão. Estas argumentações articuladas aos elementos da pesquisa empírica revelam dados existentes entre as condições de trabalho e a atuação da profissão no lócus estudado mediante seus limites e possibilidades presentes nas relações sociais. O Serviço Social é definido como uma profissão “configurada como um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social e técnica do trabalho” (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011, p.77) que participa da reprodução das relações sociais e do processo contraditório contido historicamente nestas relações. Situar o Serviço Social neste contexto significa compreender estas relações sociais em seu próprio movimento e contradições que envolvem tanto os processos de reprodução da força de trabalho e dos meios de sua produção, quanto a dimensão de totalidade inerente a estes processos que abrangem as correlações de poder, os antagonismos de classes e os sujeitos com suas lutas sociais. O delinear histórico da atuação profissional do Serviço Social está vinculado pela passagem do viés caritativo e filantrópico ao viés institucional no momento em que “a questão social, pelo seu caráter de classe, demanda do Estado mecanismos de intervenção não apenas econômicos, mas também políticos e sociais” (RAICHELIS, 2011, p.423) com a prestação de serviços sociais. É nesta passagem que o Serviço Social afirma-se como profissão no Brasil, associando-se de modo particular ao setor público, mas também a outras instituições e/ou organizações privadas voltadas à prestação de serviços sociais à população. “A profissão se consolida, então, como parte integrante do aparato estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um assalariado a serviço das mesmas.” (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011, p. 86). Apesar da regulamentação do Serviço Social como profissão liberal 58, não se pode determinar esta regulamentação como característica que contemple totalmente a profissão. Se, de um lado, o caráter liberal incorpora certos traços à 58 Portaria nº 35 de 19 de abril de 1949 do Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio. 65 profissão – como, por exemplo, uma orientação normativa de posicionamento ético – em contrapartida, o/a assistente social não exerce de forma independente suas atividades, pois não detém as condições materiais para sua atuação nem, tão pouco, seu completo controle. O trabalho do Assistente Social se insere numa relação de compra e venda de mercadorias em que sua força de trabalho é mercantilizada. Aí se estabelece uma das linhas divisórias entre a atividade assistencial voluntária, desencadeada por motivações puramente pessoais e idealistas, e a atividade profissional que se estabelece mediante uma relação contratual que regulamenta as condições de obtenção dos meios de vida necessários à reprodução desse trabalho especializado. Passa esse agente a receber um salário, preço de sua mercadoria força de trabalho em troca de serviços prestados, determinado como o preço de qualquer outra mercadoria, ingressando sua atividade no reino do valor. Uma das précondições para tal ingresso é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu trabalho em atividade subordinada à classe capitalista, para efetivar-se à medida que, conforme já acentuamos, não se afirma historicamente como uma profissão liberal. (IAMAMOTO & CARVALHO, 2011, p. 92). Por este motivo, não é possível proceder qualquer análise da profissão sem inseri-la no contexto das instituições onde a atuação profissional é exercida correndo o risco de não abranger por completo as nuances existentes entre o Serviço Social, as referidas instituições e as relações sociais estabelecidas nestes espaços. Reduzir em si mesma a análise da atuação profissional, sem articular estes processos, é um equívoco. Assim, concordamos com Iamamoto e Carvalho (2011) na afirmativa de que o trabalho do/a assistente social se insere nas relações sociais mediante a relação de compra e venda de sua força de trabalho, que opera como mercadoria e como valor determinando sua atuação profissional especializada como atividade submetida ao empresariado e – com maior frequência – ao Estado para execução de diversas atribuições nas políticas sociais, haja vista que o Estado é o maior contratante do trabalho do/a assistente social. Reforçando esta afirmativa, uma das interlocutoras da pesquisa disse: O Estado deve dar subsídios para uma execução dos serviços satisfatória. Pena que nossos profissionais não são tão reconhecidos. (Lápis Lazuli). 66 Iamomoto (2011a) aponta que neste contexto das relações sociais, o trabalho do/a assistente social emerge na sociedade em uma dupla conjunção, a saber, como trabalho concreto e trabalho abstrato. Enquanto trabalho concreto a “dimensão teleológica do trabalho do assistente social” (IAMAMOTO, 2011a, p. 416) acontece mediante a execução plena de sua atividade naquilo a que a profissão se destina a fazer – atuar na viabilização dos direitos e na promoção da cidadania e emancipação humana. Sua utilidade social como trabalho concreto se reflete sobre a vida dos sujeitos através de serviços, programas e projetos, de forma a responder as necessidades sociais e materiais da população pela via das políticas públicas. Na execução destas atividades é que o Serviço Social aponta a qualidade específica de seu trabalho, imprimindo legitimidade – adquirida em sua formação universitária – a sua atuação profissional, firmando-se como sujeito profissional, pois se “trata de uma atividade inscrita predominantemente no terreno político e ideológico, com refrações nas condições materiais da existência dos sujeitos” (IAMAMOTO, 2011a, p. 418). Enquanto trabalho abstrato, o/a assistente social ingressa no mercado de trabalho como proprietário de sua força de trabalho. Contudo, sua atividade teleológica somente se efetiva quando articulada a condições e recursos necessários para sua realização, que se encontram à disposição dos empregadores institucionais. Desse modo, o/a assistente social se insere no contexto do trabalho coletivo, ingressando nestas instituições e estando sujeito aos ditames e às condições estabelecidas por seus empregadores, o que repercute diretamente em sua relativa autonomia (IAMAMOTO, 2011a). Assim, o Serviço Social, como uma profissão pertencente às relações sociais de produção, está sujeito às mesmas implicações do capital como outros trabalhadores e, do mesmo modo, geradora de mais-valia mediante a influência do trabalho abstrato em sua atuação. A partir desta particularidade do trabalho profissional do/a assistente social, Ônix destacou: [...] trabalhamos sob o regime das trinta horas e como estamos sob contrato terceirizado que tem um período para se encerrar o Estado não cria vínculo conosco e isso acaba tirando direitos que poderíamos adquirir com a 67 estabilidade no trabalho. Atuamos na violação de direitos e estamos sujeitos a todos os riscos, mas não temos insalubridade... Não somos valorizados enquanto profissionais. (Ônix). Segundo Araújo (2008, p. 15), o caráter de especialização do trabalho do Serviço Social surge para “suprir as necessidades que surgem do processo de produção e reprodução da vida social”. Com esta citação, ressaltamos que a dimensão do trabalho especializado do/a assistente social decorre de sua atuação tanto na dimensão daquilo que é material e palpável quanto daquilo que é imaterial, mas que é socialmente necessário59 como, por exemplo, a dimensão dos direitos e do acesso aos serviços sociais nas políticas públicas. Além desta particularidade o respaldo para este caráter especializado advém da conjuntura histórica na qual a profissão foi gestada, do processo de formação acadêmica que confere ao/a profissional arcabouço teórico e crítico para plasmar mediações – aliado aos instrumentos que o/a assistente social utiliza em sua atuação – e do direcionamento ético-político seguido pela profissão. Portanto, há de se considerar que em uma sociedade complexificada como a sociedade capitalista a utilidade social da profissão inevitavelmente recai sobre estas dimensões que são socialmente necessárias, mas que não são materialmente palpáveis, como “no campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura, que, por sua vez, têm efeitos reais interferindo na vida dos sujeitos”. (IAMAMOTO, 2011b, p. 68). Nestes termos, constatamos que a dimensão ontológica do trabalho também se estende a todas estas complexificações da sociedade. Dessa forma, a partir das argumentações sobre a caracterização do trabalho do Serviço Social na concepção de trabalho concreto e abstrato, bem como as argumentações desse processo de complexificação da sociedade que atribuem condições materiais e imateriais de intervenção, defendemos que as argumentações apresentadas dão o 59 Cf. Iamamoto (2011b). 68 devido suporte a tese que fundamenta a atuação do Serviço Social como trabalho na sociedade60. Um dos objetivos que traçamos nesta pesquisa foi investigar as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos, perspectiva que nos conduz a refletir sobre os limites e possibilidades que os espaços institucionais apresentam aos/as assistentes sociais no exercício de sua atuação profissional. Sob este prisma, Yazbek (2009) argumenta que a atuação profissional do/a assistente social realiza-se pela mediação entre Estado, instituição e classes subalternas. É a partir do desvelamento dessas mediações poderão ser apreendidos os espaços institucionais e suas políticas socioassistenciais. Corroborando com a autora supracitada, Barbosa et al (1998, p.111) destaca que o [...] argumento para a requisição do trabalho do assistente social está circunscrito às políticas sociais e às relações mantidas com as mesmas pelos sujeitos sociais carentes de recursos privados na reprodução espiritual e material no contexto das sociedades. Diante disso, o/a assistente social não pode fugir da relação contraditória que permeia sua atuação, ou seja, como participante dos interesses do capital e participante das reivindicações, lutas e respostas da classe trabalhadora. O espaço estatal, portanto, constitui-se como um espaço específico e grande estimulador da atuação profissional, “onde o assistente social é convocado a realizar as mais variadas atividades na administração de recursos e implementação de serviços” (RAICHELIS, 2009, p. 380). Contudo, como os demais espaços de trabalho, impõem determinadas condições objetivas à atuação profissional dos/as assistentes sociais. Estas condições apoiam-se na condição de assalariamento conferida aos assistentes sociais que podem ou não interferir em sua relativa autonomia, e consequentemente, na efetivação de seu projeto profissional61. 60 Existe outro discurso defendido por alguns autores de que o Serviço Social não se caracteriza como trabalho na sociedade, posicionamento que não será seguido nesta investigação. A este respeito, Cf. Lessa (2000; 2007). 61 Destacaremos algumas reflexões sobre o Projeto Profissional do Serviço Social no capítulo III deste ensaio. 69 Esta inserção, que inscreve o assistente social em uma relação de assalariamento e o integra ao mercado de trabalho como um dos agentes responsáveis pela execução de políticas engendradas no âmbito do Estado e voltadas ao atendimento de sequelas da “questão social” [...]. (YAZBEK, 2009, p. 11). Ao indagar as profissionais do CREAS Regional acerca do exercício de sua relativa autonomia, colhemos estes relatos: Existe. Conseguimos nos posicionar diante da instituição e em nosso trabalho social procuramos dar ao usuário condições para que ele também tome suas próprias decisões sem influenciá-lo. Mas, às vezes, nosso trabalho se confunde. (Lápis Lazuli). Aqui no CREAS eu visualizo que seja o profissional que for, consegue ter e exercitar uma autonomia no seu fazer. Até porque, se nossos superiores fossem tirar essa autonomia, então não adianta a gente tá aqui fazendo um trabalho que a gente só pode fazer o que der. Então, eu vejo que nós temos autonomia para decidir qual o melhor procedimento a ser tomado para os nossos encaminhamentos, qual a melhor maneira de acompanhar aquela demanda. (Ágata). [...] a instituição nos dá bastante espaço para que tenhamos autonomia para desenvolver nosso trabalho, mas o que atrapalha é essa rede de serviços que é muito fragilizada (Pedra do Sol). Em todas as falas as profissionais destacaram que as condições para o exercício da relativa autonomia não são cerceadas no espaço institucional do CREAS Regional, bem como as entrevistadas demonstraram segurança em suas respostas no momento das entrevistas. Ao mesmo tempo, em um dos relatos das profissionais citado acima é possível constatar um dos fatores das condições de trabalho que dificultam a atuação profissional, a saber, o que a Assistente Social Pedra do Sol destacou como a “fragilização da rede”. Na verdade o que se desvela é a fragmentação das políticas sociais que acabam dificultando a articulação das ações e o acesso dos usuários aos serviços sociais. Em outro momento da entrevista, mas ainda em relação a este assunto a referida profissional destacou: “Se eu tenho um equipamento funcionando de 7 às 22h eu preciso ter todos os departamentos funcionando” (Pedra do Sol). 70 As condições de trabalho vêm reestruturando as funções destinadas ao Serviço Social inserindo os/as profissionais nos mais diversos espaços sócioocupacionais e, consequentemente, a diversos empregadores e organizações de trabalho. Portanto, compreendemos a relativa autonomia dos/as assistentes sociais como elemento fundamental para a atuação profissional, pois é por meio desta habilidade que o/a profissional exercita sua capacidade de propor, de intervir, de mediar e de gerar consensos nos antagonismos de classes. Mas, sobretudo é por intermédio da relativa autonomia que se torna possível fazer a defesa do projeto profissional que baliza e dá sentido ao significado social da profissão na sociedade. A realidade institucional com suas rotinas burocráticas desafiam os/as assistentes a romper com a dimensão do instituído envolvendo “o assistente social como intelectual capaz de realizar a apreensão crítica da realidade e do trabalho no contexto dos interesses sociais e da correlação de forças [...]”. (RAICHELIS, 2011, p. 428). 2.3 O Cotidiano do trabalho do/a Assistente Social no CREAS Tratamos de apresentar nesta seção os apontamentos de alguns autores acerca da categoria cotidiano. À luz de suas concepções, buscamos elucidar algumas questões que perpassam as dimensões do cotidiano institucional das profissionais entrevistadas, questões essas, necessárias para compreendermos a relação entre o espaço cotidiano e a atuação profissional das assistentes sociais no CREAS Regional, a fim de descobrirmos as particularidades desta relação no campo investigado. Dizem que o cotidiano é rotina, pois são ações que repetimos todos os dias e que passam despercebidas e imersas no pragmatismo e na imediaticidade. Entendemos o cotidiano da vida como um espaço envolto de significados. Nossas atividades diárias, decisões, ações, pensamentos e sentimentos refletem o que somos e nos possibilitam entender por que somos desta ou daquela maneira, por que fazemos o que fazemos, ou ainda, perceber as repercussões de determinadas ações em nossas vidas. Contudo, esse mesmo cotidiano é mergulhado em forças 71 estranhas62 que nos apartam dessas dimensões sufocando-nos ante a oportunidade de reconstruí-lo e reinventá-lo pelas nossas próprias experiências. Acreditamos ser esse o desafio proposto à nossa sociedade: sobrepor a imediaticidade para reinventar o espaço do cotidiano. Portanto, pensar o Serviço Social no espaço do cotidiano dá margem ao processo reflexivo de compreender os significados da profissão e como emergem sobre os/as assistentes sociais mediante sua atuação profissional nos espaços ocupacionais das instituições reinventando seus significados nas dimensões que envolvem o seu trabalho profissional. [...] as experiências cotidianas parecem minúsculos fragmentos isolados da vida, tão distantes dos vistosos eventos coletivos e das grandes mutações que perpassam a nossa cultura. Contudo, é nessa fina malha de tempos, espaços, gestos e relações que acontece quase tudo o que é importante para a vida social. É onde assume sentido tudo aquilo que fazemos e onde brotam as energias para todos os eventos, até os mais grandiosos. (MELUCCI, 2004, p.13 apud STECANELA, 2009, p. 70). Ao se discutir sobre as repercussões do cotidiano na vida do ser social, Heller (2008) apresenta a vida cotidiana como a vida de todo homem no sentido de que são as ações cotidianas que nos conectam com nossa essência humanogenérica. A vida cotidiana também é definida pela autora como a vida do homem inteiro. Nesta concepção, o ser humano participa da vida cotidiana na sua integralidade e com todos os aspectos que dizem respeito a sua individualidade e personalidade, ou seja, o homem põe em ação na cotidianidade todos os seus sentidos e capacidades, mas o fato de exercê-los – ao mesmo tempo no cotidiano – ocasiona que estas capacidades não se realizem em sua plenitude. Acerca dos aspectos da vida cotidiana, Heller (2008) destaca no que se refere a sua significação e conteúdo, que o cotidiano é heterogêneo e hierárquico. A autora afirma que a heterogeneidade envolve em grande medida a realidade cotidiana, pois o homem possui uma imensidão de atividades, ou seja, partes de sua vida que se complementam. “São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social 62 Referimos-nos as forças alienantes e fetichizantes que consomem a essência ontológica do ser nesta sociedade capitalista. 72 sistematizada, o intercâmbio e a purificação.” (HELLER, 2008, p.32). Do mesmo modo, diante desta diversidade de atividades, em determinados momentos da vida privilegiamos algumas atividades em detrimento de outras, haja vista que “a forma concreta da hierarquia não é eterna e imutável, mas se modifica de modo específico em função das diferentes estruturas econômico-sociais” (HELLER, 20008, p. 32). Ambos os aspectos coincidem de modo que a heterogeneidade dê margem para que a hierarquia espontânea se mantenha em movimento. Olhando para a sociedade capitalista me remeto a perguntar: qual estrutura hierárquica vem sendo privilegiada na vida cotidiana? Ousamos responder que seja a ideologia da alienação que nos sucumbe de nós mesmos fazendo o capital extrair de nós, sem que percebamos, nossa essência como seres sociais. A cotidianidade é o espaço de inserção do homem, por essa razão o gênero humano adquire as habilidades necessárias para viver a cotidianidade em sociedade. É por meio dessas habilidades que “se evidencia que a assimilação da manipulação das coisas é sinônimo de assimilação das relações sociais”. (HELLER, 2008, p.33). Se a assimilação da manipulação das coisas (e, eo ipso, a assimilação do domínio da natureza e das mediações sociais) é já condição de “amadurecimento” do homem até tornar-se adulto na cotidianidade [...] Essa assimilação, esse “amadurecimento” para a cotidianidade, começa sempre “por grupos” [...]. E esses grupos face-to-face estabelecem uma mediação entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de outras integrações maiores. O homem aprende no grupo os elementos da cotidianidade [...] . (HELLER, 2008, p. 33-34). (grifos originais). Com esta citação, podemos atestar no que tange ao Serviço Social, que a assimilação da manipulação das coisas inerentes à profissão – no que concerne as ferramentas de execução de sua atividade laborativa, competências teóricas, leitura da realidade, atitude investigativa – permite ao/a assistente social a apreensão dos elementos da cotidianidade do espaço institucional assimilando na mesma medida seu papel nas relações sociais e sua identidade profissional pela execução de suas atribuições. O “amadurecimento” apontado por Heller (2008) quando contextualizamos ao cotidiano das assistentes sociais do CREAS Regional ocorre quando são capazes de imprimir em sua atuação profissional aquilo que é almejado 73 pela categoria e pelo seu grupo social. Sobre a afirmação do Serviço Social no espaço institucional do CREAS Regional, nossas interlocutoras verbalizaram: O assistente social é um dos principais profissionais para o desenvolvimento do trabalho social aqui no CREAS. Eu costumo dizer que antes de ser Assistente Social, você deve ser humano para ter sensibilidade e perceber que nosso trabalho passa pela noção de orientação, jamais pela noção de imposição de comportamento. (Lápis Lazuli). Embora as diferenças profissionais, eu percebo, eu visualizo sim o reconhecimento do nosso trabalho pelos outros profissionais. Tanto do setor da psicologia quanto do setor de direito e dos outros também. Tanto que muitas vezes nos procuram para tirar alguma dúvida, saber nossa opinião eu acho que isso é reconhecimento. Aqui não queremos nos sobrepor a eles nem eles a nós. (Ágata). Constatamos através dos relatos das participantes da pesquisa, que a profissão de Serviço Social, dentro da dinâmica de trabalho do CREAS – que engloba profissionais de distintas áreas do conhecimento para o trato das expressões da questão social – tem o devido reconhecimento das outras categorias profissionais na execução do trabalho social que permeia suas especificidades. As situações complexas do cotidiano imprimem e exigem dos/as assistentes sociais uma abordagem social específica para lidar com questões tão delicadas que permeiam a vida dos indivíduos, requerendo um preparo profissional e emocional para o acompanhamento destas realidades. Do mesmo modo, as instituições apresentam um cotidiano de ações e atividades que precisam ser incorporadas pelos/as assistentes sociais e a partir destas ditas ações, perceber as universalidades do cotidiano que exigem uma postura investigativa para desvelar possíveis mediações para um atendimento especializado. O documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b, p.96) acrescenta que: É preciso reconhecer as reais dificuldades dos profissionais na realização do acompanhamento especializado a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, nos serviços do CREAS, em decorrência das situações complexas com as quais se deparam e do impacto que este trabalho causa na vida dos trabalhadores. Uma das interlocutoras relatou: 74 Recebi uma denúncia uma vez de um professor que possuía 60 alunos e 30 estavam usando drogas, sendo que um deles o procurou com o desejo de recuperar-se justamente aquele que era tido como o influenciador dos outros. O professor tratou logo de nos procurar porque para ele, trabalhar a dependência deste rapaz poderia ajudar a influenciar também a recuperação dos outros. Infelizmente ficamos de mãos atadas. Não há CAPS em Chorozinho muito menos CAPS AD. O CAPS mais próximo é o de Cascavel. Mas na perspectiva da escuta e do acolhimento não poderíamos dar as costas a essa demanda e fizemos os encaminhamentos para o CAPS de Cascavel, pois era o que estava dentro das nossas possibilidades (Lápis Lazuli). A fim de conhecermos as atribuições do/a assistente social no CREAS como um dos objetivos propostos nesta investigação, pontuamos que estas atribuições contemplam àquelas ações descritas no documento de Orientações Técnicas do CREAS. Contudo, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) elaborou outros instrumentos normativos que direcionam a atuação dos trabalhadores da Assistência Social. O documento de Orientações Técnicas do CREAS descreve como principais atribuições dos profissionais na unidade especializada: Acolhida, escuta qualificada, acompanhamento especializado e oferta de informações e orientações; Elaboração, junto com as famílias/indivíduos, do Plano de Acompanhamento Individual e/ou Familiar, considerando as especificidades e particularidades de cada um; Realização de acompanhamento especializado, por meio de atendimentos familiar, individuais e em grupo; Realização de visitas domiciliares às famílias acompanhadas pelo CREAS, quando necessário; Realização de encaminhamentos monitorados para a rede socioassistencial, demais políticas públicas setoriais e órgãos de defesa de direito; Trabalho em equipe interdisciplinar; Orientação jurídico-social (advogado); Alimentação de registros e sistemas de informação sobre das ações desenvolvidas; Participação nas atividades de planejamento, monitoramento e avaliação dos processos de trabalho; Participação das atividades de capacitação e formação continuada da equipe do CREAS, reuniões de equipe, estudos de casos, e demais atividades correlatas; Participação de reuniões para avaliação das ações e resultados atingidos e para planejamento das ações a serem desenvolvidas; para a definição de fluxos; instituição de rotina de atendimento e acompanhamento dos usuários; organização dos encaminhamentos, fluxos de informações e procedimentos. (BRASIL, 2011b, p. 99). O CREAS Regional possui uma dinâmica específica de trabalho e uma das assistentes sociais relatou como se organizam as atribuições do Serviço Social: Existe a demanda espontânea e aí quando chega dependendo da necessidade fazemos o acompanhamento social, mas a maioria das ações do serviço social se dá pela denúncia. São feitas ligações pra cá denunciando, é feita a visita pelo educador social e ocorre o primeiro 75 atendimento passando a fazer parte das demandas do Serviço Social. Havendo necessidade, encaminhamos para outros profissionais para que eles também façam suas intervenções. Também chegam denúncias da DCECA, Disque 100 e de outros órgãos (Ônix). Ressaltamos que nem todas as assistentes sociais do CREAS executam as mesmas atividades e, portanto, não possuem as mesmas atribuições. Assim devemos considerar que paralelo a estas atribuições coexistem as condições objetivas de trabalho que pressionam o cotidiano institucional e podem refletir no nível de satisfação das profissionais na execução de suas atividades. Vejamos, portanto, o que as interlocutoras relataram sobre sua atuação: Eu gostava muito de fazer as visitas quando eu realizava atendimento social, hoje eu não faço porque eu trabalho no setor de denúncia e lá o direcionamento das minhas atribuições são outros (Ágata). O trabalho com os direitos violados é um trabalho realmente enriquecedor, a medida que a gente consegue avançar nessa fragilidade e trabalhar o seu fortalecimento (Pedra do Sol). Meu fazer profissional se pauta sempre na perspectiva de orientação com as pessoas (Lápis Lazuli). O que almejamos evidenciar a partir de suas falas é que as condições objetivas de trabalho devem necessariamente dar suporte para que a atuação do/a assistente social ocorra satisfatoriamente – haja vista que este/a profissional não detém os meios de trabalho. Desse modo, os/as assistentes sociais devem perceber “sob quais condições o Serviço Social tem possibilidade de contribuir na construção de formas de acesso aos recursos e informações sociais” (VASCONCELOS, 2002, p. 518 apud AMADOR, 2009, p. 131-132). Quando estas condições objetivas inexistem ou existem parcialmente e/ou até mesmo pressionam o cotidiano institucional ao ponto de chocar-se com a direção social da profissão acaba refletindo nas condições subjetivas dos/as profissionais gerando determinados níveis de satisfação ou de insatisfação no trabalho realizado. Entendemos que todas as atribuições elencadas, se executadas de modo satisfatório, contribuem para o fortalecimento do equipamento, garantia dos direitos dos usuários e legitimidade ao trabalho profissional. Por essa razão, é que merece 76 destaque em nossa reflexão a questão do exercício da interdisciplinaridade no cotidiano institucional. Consideramos a interdisciplinaridade uma das particularidades que perpassa tanto o âmbito do cotidiano das instituições quanto envolve a atuação dos/as assistentes sociais, haja vista que no caso especifico do CREAS Regional a ocorrência da interdisciplinaridade – mediante o trabalho da chamada equipe de referência – constitui-se como elemento chave para se discutir o trabalho do/a assistente social com outros profissionais. Neste sentido, o exercício da interdisciplinaridade é uma das atribuições do/a assistente social no espaço sócio institucional do CREAS Regional63 no atendimento as demandas sociais inerentes deste espaço. Relevantes são as considerações de Fraga (2010) a respeito desta dimensão do trabalho cotidiano do/a assistente social. A autora destaca que as profissões que executam os serviços sociais, de um modo geral, tem se preocupado com inviabilidade decorrente de um trabalho solitário sem abertura para discussão com outras áreas do saber. Por isso a “interdisciplinaridade precisa ser pensada como uma necessidade de interação e busca dos profissionais das diferentes áreas do conhecimento” (FRAGA, 2010, p.57)64. Todas as profissionais entrevistadas ressaltaram em seus relatos a importância e os aspectos positivos do trabalho interdisciplinar no trabalho social com violações de direitos o que se confirma, descrevemos nestas linhas: Hoje todas as violações de direitos que chegam no CREAS passam por um atendimento interdisciplinar: Serviço Social, Psicologia e Jurídico. As orientações jurídicas ocorrem quando são necessárias. O Serviço Social e Psicologia trabalham muito conjuntamente em todas as demandas... A gente trabalha com os atendimentos diretos às vítimas. Depois a gente tenta sentar e ver como a gente pode trabalhar para desenvolvê-lo melhor e 63 Conforme as orientações da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB-RH/SUAS), aprovada por meio da Resolução nº269, de 13 de dezembro de 2006, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e Orientações da Resolução nº 17 de 20 de junho de 2011 que ratifica a equipe de referência definida pela NOB-RH/SUAS e reconhece as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do SUAS. 64 “No vernáculo pátrio, a palavra interdisciplinar (inter + disciplinar) refere-se ao que é comum a duas ou mais disciplinas ou ramos do conhecimento, enquanto multidisciplinar (de mui + disciplina) abrange ou refere-se a muitas disciplinas” (FERREIRA, 1999 apud FRAGA, 2010, p 57). 77 ao final o acompanhamento é encerrado com um relatório onde cada profissional elabora o seu documento (Pedra do Sol). Mas assim... Essa interdisciplinaridade é muito importante aqui no CREAS, pois você acaba aprendendo com o outro, pois são outras visões que traduzem a complementaridade do todo que é aquele indivíduo. O atendimento em conjunto faz toda a diferença. As perguntas direcionadas a família são diferentes e se completam e é nisso que consiste a interdisciplinaridade (Ágata). Da mesma forma, colhemos nas entrevistas as indagações sobre outros aspectos do trabalho interdisciplinar que precisam ser revistos: Nos casos de violência sexual o atendimento especializado deve ser psicossocial para que a assistente social trabalhe o lado social da família e a psicóloga trabalhar os traumas e efeitos da violência na vítima. Como na nossa realidade atualmente estamos com um déficit de profissionais da psicologia, contamos com apenas duas profissionais, a agenda acaba ficando muito cheia né. A gente não consegue casar os atendimentos fazendo com que a gente atenda primeiro as famílias e deixando para marcar o atendimento psicológico um mês depois ou mais. Os atendimentos acabam ficando separados, distantes e dificultando o vínculo. O trabalho interdisciplinar com a psicologia ocorre, mas não como deveria ser (Ônix). Estes aspectos evidenciam que a complexidade do cotidiano também se alia inevitavelmente as condições objetivas de trabalho e as macroestruturas da Política de Proteção Social Especial. Como fazer um trabalho social se não há proporcionalidade entre a quantidade de profissionais e de demandas? Como exercer um trabalho interdisciplinar se não há possibilidades de um acompanhamento sistemático? Esses são questionamentos que devem ser problematizados no universo das instituições entre as categorias profissionais e seus empregadores, a fim de reivindicar e de construir estratégias para a superação destas dificuldades garantindo qualidade aos serviços oferecidos aos usuários. Um espaço do cotidiano do CREAS Regional que merece destaque em nossa análise é o espaço do Plantão Social, local onde os/as assistentes sociais realizam o atendimento as demandas espontâneas. Para discutir o espaço do cotidiano do plantão, Amador (2009) faz um resgate histórico sobre as concepções clássicas acerca do plantão. Inicialmente o plantão social emerge sob a perspectiva do atendimento emergencial, considerando os usuários como “clientes” onde a atuação profissional se limitaria a analisar a possibilidade de concessão dos pedidos de auxílio. Para Hollis (1979 apud AMADOR, 2009), o caráter emergencial refletia a 78 dimensão coercitiva das instituições sociais como “meio de se tomar o pulso da comunidade” (ibidem, p. 129) e a dimensão psicologizante cabendo ao/a assistente social “habilidade de entrevistar e conhecimento do método da primeira entrevista de modo que o máximo de compreensão da situação apresentada possa ser obtido pelo assistente social e, o máximo de ‘ajuda’ possa ser obtido pelo cliente” (ibidem, p.129-130). Por essa razão, Amador (2009) destaca que a forma como o equipamento dá resposta às demandas definirá o tipo de abordagem do plantão. “Os objetivos e a metodologia do trabalho dos assistentes sociais no plantão são influenciados pela filosofia de cada agência, seus conceitos, funções e pelo lugar no plano total da organização da comunidade para o bem-estar social.” (AMADOR, 2009, p. 130). Sobre o plantão social, as assistentes sociais do CREAS Regional fizeram a seguinte análise: No plantão social costumamos atender situações emergentes, mas avalio como um serviço extremamente válido. É o momento que... Mais até que os acompanhamentos sociais... Devemos exercitar o acolhimento e a escuta. Saber ouvir o outro, pois estamos lidando com as dores das pessoas, com pessoas que chegam desesperadas por uma orientação. Para os casos em que ocorrem encaminhamentos no plantão social comunicamos ao usuário todo o procedimento a ser realizado (Lápis Lazuli). Assim... Os usuários quando chegam ao plantão social boa parte deles não necessariamente chegam em busca do CREAS pelo que ele é. Muitas vezes chegam porque ouviram falar e muitos deles chegam apenas para pedir uma orientação sobre coisas simples como o bolsa família ou alguma orientação jurídica... Quando é uma demanda, por exemplo, uma família que vem da delegacia com boletim de ocorrência nós fazemos o atendimento inicial e fazemos o acompanhamento. Mas eu acho positivo o plantão social. Quando as pessoas chegam a gente procura dar toda a orientação para que o usuário não fique de instituição em instituição (Ágata). Constatamos nas falas das entrevistadas que, de modo geral, a concepção histórica do plantão social, anteriormente relatada em sua visão emergencial, vem sendo superada no cotidiano do CREAS Regional. Compreendemos a importância do espaço do plantão para todos os agentes envolvidos, principalmente aos usuários que chegam procurando orientação e um atendimento especializado para sua necessidade. Não podemos desconsiderar que o caráter emergencial reflete necessidades da população usuária, contudo, o que 79 deve ser diferente é a capacidade do/a assistente social de ir além do emergencial e enxergar a totalidade do ser social que está diante dele. Neste sentido, outros elementos puderam ser observados em seus relatos, como por exemplo, o destaque de Lápis Lazuli quando frisou que é preciso “saber ouvir o outro, pois estamos lidando com as dores das pessoas” ressaltando a dimensão da escuta nos atendimentos sociais e o respeito ao usuário em suas dores em um momento de fragilização. Do mesmo modo, Ágata destacou que nos atendimentos decorrentes do plantão social “muitos deles chegam apenas para pedir uma orientação sobre coisas simples como o bolsa família ou alguma orientação jurídica”, ou seja, existem demandas que necessitam apenas de um único atendimento, pois perpassam a dimensão da informação e/ou esclarecimento. Assim como, surgem demandas com maior complexidade que requerem um acompanhamento social que já se inicia no atendimento do plantão social, sendo dada continuidade posteriomente. “Quando é uma demanda, por exemplo, uma família que vem da delegacia com boletim de ocorrência nós fazemos o atendimento inicial e fazemos o acompanhamento”. Visualizamos no espaço cotidiano do CREAS Regional – entre atendimentos do plantão social e acompanhamentos sociais – uma relativa congruência entre os objetivos institucionais e os objetivos da profissão na medida em que as assistentes sociais conseguiam incutir em sua atuação profissional perspectivas de ação que plasmavam os princípios contidos no Código de Ética Profissional como também valores em defesa dos direitos humanos e da cidadania. Contudo, não podemos perder de vista que, apesar das possíveis congruências os objetivos institucionais e os objetivos profissionais refletem projetos societários opostos e que fatalmente em um momento ou outro entrarão em conflito. Ao serem indagadas acerca da distinção entre os objetivos profissionais e os objetivos institucionais, as interlocutoras narraram: Eu acho que não há distinção. Eu acho assim: o Serviço Social trabalha com garantia de direitos. O que a gente faz aqui no CREAS? A gente tenta minimizar a violação de direitos. Tentamos fazer com que esses direitos sejam garantidos. A gente tenta, por exemplo, que os direitos das crianças e adolescentes – que é nossa maior demanda – sejam garantidos, então, eu 80 acho que nesse sentido, os objetivos da profissão não se distinguem dos objetivos da instituição (Ágata). Aqui no CREAS eu vejo essa distinção na fragilidade da rede ou no fortalecimento da rede. Se a gente tivesse uma rede mais ativa se não tivesse tantos furos, mas eu não considero que tenha distinção (Pedra do Sol). Acho que é a mesma coisa. Antes de atuar na profissão a gente é munida apenas do conhecimento teórico e como experiência temos somente nosso estágio. Aprendemos sobre os direitos e a sua defesa. Profissionalmente quando trabalhamos em um serviço especializado os objetivos devem coincidir só que acabamos não executando tudo por conta dos limites (Ônix). Apesar dos relatos apresentados pelas profissionais de que os objetivos institucionais e profissionais não se distinguem partimos em defesa do contrário. Os objetivos da profissão são distintos dos objetivos institucionais, pois aqueles traduzem um vir-a-ser buscado, almejado e diariamente construído pela categoria profissional e que estão apoiados em uma visão mais reflexiva que dá amplo significado às demandas dos usuários sem desvinculá-las das condições estruturais, materiais e sociais que perpassam suas vidas. Para além de “meras” necessidades individuais, as demandas dos usuários são expressões da questão social e de tal modo devem ser consideradas, a fim de que não se percam de vista as relações contraditórias e o antagonismo de classes das lutas sociais. A distinção destes objetivos se confirma, inclusive, ao final do relato de Ônix, que, mesmo tendo afirmado que os objetivos profissionais e institucionais são semelhantes destacou: “só que acabamos não executando tudo por conta dos limites”. Ora, se os limites se fazem presentes na efetivação dos objetivos profissionais, isto se deve ao fato de que em algum momento eles não caminham em consonância com os objetivos institucionais. Os objetivos institucionais só poderão, em algum momento, coincidir com os objetivos da profissão quando aqueles proporcionarem condições para uma atuação profissional livre da perspectiva de “ajustamento”, livre da perspectiva do “bom funcionamento” da rotina institucional e livre do “olhar isolado” das singularidades dos usuários. Quando estes pressupostos são superados nas instituições, podemos afirmar que no espaço do cotidiano há convergência entre os 81 objetivos da Instituição e do Serviço Social. Não podemos deixar de mencionar o fato de os objetivos da profissão estarem intrinsecamente vinculados a um projeto profissional que se contrapõe àquele que é ideologicamente posto em nossa sociedade que acaba sendo plasmado de modo sutil nas políticas sociais65. Compreendemos que é a partir da própria complexidade da realidade do cotidiano que devem surgir forças para transformação das situações pragmáticas da realidade social das instituições. Diante das limitações institucionais a atuação profissional deve ser mediada evitando os extremos messiânicos e fatalistas, de modo a ir além da rotina institucional, viabilizando possibilidades de ação que traduzem uma atuação profissional comprometida ética e politicamente. 65 Percebemos esta sutileza na dimensão focalizada que caracteriza algumas políticas, nas condicionalidades que limitam o acesso aos serviços sociais, e entre outras, a dimensão orçamentária que não contempla todos os serviços sociais e ainda sofre consideráveis retrações. 82 CAPÍTULO III A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DA SEGURIDADE SOCIAL “O momento que vivemos é um momento pleno de desafios. Mais do que nunca é preciso ter coragem, é preciso ter esperanças para enfrentar o presente. É preciso resistir e sonhar. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los diaa-dia no horizonte de novos tempos mais humanos, mais justos, mais solidários.” Marilda Villela Iamamoto. 83 3.1 A Assistência Social como política pública da Seguridade Social Compartilhamos com o leitor/a nesta seção os aspectos constitutivos da Política de Assistência Social na realidade histórica brasileira e na seguridade social, bem como os marcos legais que legitimam a assistência social como política pública. Não obstante, à luz de estudiosos da assistência social buscaremos refletir também os direcionamentos dados a esta política na atualidade e as repercussões deste incurso na vida dos usuários e no trabalho dos/as assistentes sociais. Dentre os espaços de atuação possíveis para o exercício profissional dos/as assistentes sociais, o campo da seguridade social, é sobremaneira, o espaço que mais agrega estes profissionais. Esta constatação deve-se, sobretudo, a própria construção histórica das políticas sociais no Brasil e de como o Serviço Social foi se inserindo neste espaço para o enfrentamento das refrações da questão social, contribuindo para o desenvolvimento destas políticas em sua construção e fortalecimento. Segundo Boschetti (2009) os princípios estruturantes da seguridade social baseiam-se nos modelos bismarckiano e beveridgiano. O primeiro nasceu na Alemanha, considerado como um sistema de seguros sociais, destinando-se a manter a renda dos trabalhadores em momentos de risco social, ou seja, em momentos de perda da capacidade laborativa momentânea ou permanente. O segundo surgiu na Inglaterra, os direitos tinham um caráter universal destinando-se a garantir mínimos sociais a todos os cidadãos em circunstância de necessidade, tendo por objetivo a luta contra a pobreza. Os princípios do modelo bismarckiano vigoraram sobre a previdência social e em menor parcela da saúde66, bem como o modelo beveridgiano vigorou na assistência social e em grande parcela da saúde. Contudo, estas influências não incidiram de maneira paritária no Brasil, pois se percebeu uma considerável relevância do modelo bismarckiano. Ao analisarmos a constituição da proteção 66 Segundo Boschetti (2009) o modelo bismarckiano incidiu na saúde no auxílio doença comumente chamado de seguro saúde que é regido pelas regras previdenciárias. 84 social no Brasil, constatamos que de 1923 à Constituição de 1988, a lógica do seguro – pilar bismarckiano – estabeleceu critérios de acesso à previdência e à saúde (BOSCHETTI, 2009). O princípio dessa lógica é garantir a proteção, às vezes exclusivamente, e às vezes prioritariamente, ao trabalhador e à sua família. É um tipo de proteção limitada, que garante direitos apenas àquele trabalhador que está inserido no mercado de trabalho ou que contribui mensalmente como autônomo ou segurado especial à seguridade social (BOSCHETTI, 2009, p.326). Sob este prisma, a lógica do seguro apresenta duas características centrais: o acesso aos direitos se condiciona àqueles que contribuem mensalmente e o valor dos benefícios é relativo à contribuição efetuada (BOSCHETTI, 2009). Paralelo a essa lógica caminha outra, a saber, a lógica da universalização dos direitos que não submete os direitos sociais ao contrato contributivo. Assume uma lógica social que vem “assegurando direitos com base nas necessidades sociais, que não sejam condicionados a uma contribuição direta prévia, que não sejam proporcionais a uma contribuição efetuada anteriormente” (BOSCHETTI, 2009, p.327). Com a Constituição de 1988 a seguridade social foi formada a partir do tripé previdência social, saúde e assistência social. Contudo, as diretrizes constitucionais não conseguiram plasmar-se totalmente e/ou orientaram de forma equivocada as políticas sociais que adquiriram um caráter híbrido67, constatação que se deve ao desmonte da seguridade social na conjuntura social brasileira na década de 1990 (BOSCHETTI, 2009). E a assistência social? Como esta dimensão da seguridade social se articula no sistema brasileiro? A constituição da assistência social ao longo da história esteve associada a “uma ação pública desprovida de reconhecimento legal como direito, mas associada institucionalmente e financeiramente à previdência social.” (BOSCHETTI, 2009, p. 329). 67 Esse caráter agrega direitos oriundos e vinculados ao trabalho (previdência social), bem como direitos universais (saúde) e seletivos (assistência) (BOSCHETTI, 2009). 85 Apoiada por décadas na matriz do favor, do clientelismo, do apadrinhamento e do mando, que configurou um padrão arcaico de relações, enraizado na cultura política brasileira, esta área de intervenção do Estado caracterizou-se historicamente como não política, renegada como secundária e marginal no conjunto das políticas públicas. (COUTO et al, 2012, p. 55). A este respeito são interessantes as reflexões de Boschetti (2009) acerca da tensão entre assistência social e trabalho. O primeiro fator a ser destacado é que a lógica do seguro, como não consegue contemplar a todos trabalhadores – mas apenas aos que contribuem –, faz com que os trabalhadores informais e/ou os desempregados demandem os recursos da lógica social do direito não contributivo. Pensar na assistência social como a “política salvadora”, em detrimento das outras políticas que compõem o tripé da seguridade social, é um equívoco. Da mesma forma, admitir a importância do trabalho para a estruturação da vida não significa defender qualquer tipo de trabalho. Defender a seguridade social em sentido amplo, onde a lógica social se sobreponha a lógica securitária, requer reconhecer o espaço da assistência social em seu âmbito, sem superestimá-la e tampouco sem discriminá-la como um direito incompatível com o trabalho (BOSCHETTI, 2009, p.328). O ingresso da política de assistência social como um dos eixos estruturantes da seguridade social pela CF 1988 foi uma iniciativa inovadora, pois exigiu que a assistência social, sendo tratada como política pública de responsabilidade do Estado, seja capaz de enunciar o conteúdo dos direitos do cidadão. (SPOSATI, 2009). Os marcos legais que afirmam a assistência social no cenário brasileiro são: a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS); a Política Nacional da Assistência Social (PNAS); o Sistema Único da Assistência Social (SUAS); a Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/SUAS); a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH/SUAS) e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742 de 7/12/1993 ratificou os artigos 203 e 204 da CF, assegurando a instituição constitucional da assistência social pertencente à estrutura política do Estado. A LOAS possibilitou uma inovação ao vincular o caráter de direito não contributivo à assistência social, 86 de modo que a população em risco e/ou em situações de vulnerabilidade social se desvinculasse do caráter de “assistida” ou “favorecida” para se tornar “usuária” (COUTO et al, 2012). Sem dúvida um avanço ao permitir que a assistência social, assim posta, transite do assistencialismo clientelista para o campo da Política Social. Como política de Estado, passa a ser um campo de defesa e atenção dos interesses dos segmentos mais empobrecidos da sociedade. (YAZBEK, 1995, p. 10 apud COUTO, 2012, p. 55). A principal contribuição da LOAS reside no fato de que sua instituição viabiliza os direitos sociais, distanciando-se das práticas clientelistas e de benemerência (SIMÕES, 2010). “Um serviço que, portanto, não é uma simples prática, mas uma ação orientada institucionalmente e fundamentada numa concepção teórica que a transforma em uma ação política.” (SIMÕES, 2010, p. 297). Ressaltamos que em 2011 a LOAS sofreu alterações em sua redação pela Lei 12.435 de 6/7/2011 que promoveu a inserção do SUAS na LOAS institucionalizando este sistema, sendo esta lei conhecida como a “Lei do SUAS”. A Política Nacional da Assistência Social (PNAS), Resolução CNAS nº 145, de 15/10/2004, propõe-se a esclarecer as diretrizes para a concretização da Assistência Social. Mediante um modelo de gestão compartilhado entre os entes federados a PNAS explicita as atribuições das três instâncias governamentais (COUTO et al, 2012). Procura demarcar as particularidades, campos de ação, usuários e formas de operacionalização da Assistência Social, como política pública de proteção social. Seus objetivos compreendem: Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2004 apud COUTO et al, 2012, p.61). Com base na PNAS, o marco da implantação do SUAS ocorreu pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), Resolução CNAS nº 130, de 15/7/2005, que regula a organização do SUAS no 87 território brasileiro. Em 2013, a referida resolução fora revogada pela Resolução CNAS nº33, de 12/12/2012, que aprova a Nova NOB/SUAS trazendo inovações sobre a Política Nacional de Assistência Social, principalmente no que tange às competências atribuídas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, à gestão dos recursos destinados a ações, programas, projetos e benefícios e como serão financiados. O SUAS é o sistema responsável pela articulação dos serviços, responsabilidades, vínculos, hierarquia, benefícios e ações da assistência social. Possui um caráter permanente e uma estrutura descentralizada, participativa e articulada com as políticas públicas setoriais. Este sistema apresenta como funções assistenciais a proteção social, a vigilância social e a defesa social e institucional. “O SUAS materializa o conteúdo da LOAS, cumprindo no tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão social” (BRASIL, 2005b, p. 39). Segundo Mota et al (2010) existem ainda dois aspectos de superação que emergem com a instituição do SUAS, a saber, a superação histórica da cultura assistencialista e do ranço do favor, da ajuda e do nepotismo, bem como a superação ideológica da caridade mediante a operacionalização de parâmetros técnicos e de profissionalização para a efetivação da Assistência Social. Superar estes aspectos é um desafio que se apresenta cotidianamente a atuação dos/as assistentes sociais, para imprimir um trabalho social na perspectiva do direito distante do ranço assistencialista, conforme nos relata uma das interlocutoras da pesquisa, Pedra do Sol: Tem que ser trabalhado dia a dia a questão da assistência e do assistencialismo para que as práticas não se confundam (Pedra do Sol). Posterior às normatizações para a organização do SUAS buscou-se referenciar também os trabalhadores da Política de Assistência Social através da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH/SUAS), Resolução CNAS nº 269, de 13/12/2006. Esta normatização “representa um avanço no que diz respeito à profissionalização da política de assistência social, com vistas 88 a garantir aos usuários do Sistema Único de Assistência Social serviços públicos de qualidade.” (BRASIL, 2011c, p. 15). Por fim, mas não menos importante, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, Resolução nº 109, de 11/11/2009, é outro instrumento normativo da Política de Assistência Social que trata exclusivamente da organização dos serviços de proteção social do SUAS por níveis de complexidade: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Estabelece, ainda, para cada nível de complexidade serviços sociais específicos para os atendimentos às situações de vulnerabilidade social e risco social e pessoal das famílias e/ou indivíduos. Diante dos aparatos normativos elencados que no âmbito legal institucionalizam a Assistência Social – seus serviços e ações na viabilização dos direitos dos cidadãos –, é necessário que compreendamos que enquanto política social sua efetivação durante a constituição desses marcos legais, não fugiu do movimento histórico da realidade e das forças sociais que a empreendiam para entender as implicações dessa política na sociedade brasileira. Do mesmo modo, não podemos esquecer que o foco dessa política são os cidadãos que na condição de usuários usufruem dos serviços e benefícios que a assistência social efetiva. Devido às configurações atuais do capitalismo – como desemprego estrutural e desestruturação das proteções sociais, por exemplo –, Couto et al (2010) sinaliza uma redefinição no perfil dos usuários da assistência que reconfigura as relações de trabalho e consequentemente a pressionar o Estado a ampliar suas políticas para incorporar esses contingentes populacionais. Esse novo perfil passou a incorporar tanto a população inapta para o trabalho que demanda dos serviços assistenciais para a manutenção de sua vida quanto os trabalhadores aptos para o trabalho, mas devido à forte concorrência do mercado de trabalho, não encontram recolocação profissional (COUTO et al, 2010). Face à impossibilidade do direito ao trabalho, o Estado, na ampliação de seu campo de atuação, realiza um duplo movimento: incorpora esse novo perfil de 89 usuários em suas políticas sociais e, ao mesmo tempo, impõe critérios para acesso aos benefícios da assistência. “A Assistência Social passa a assumir, para uma parcela significativa da população, a tarefa de ser a política de proteção social, e não parte da política de proteção social.” (MOTA et al, 2010, p. 189). Com isso a identidade dos cidadãos, usuários da política, é então desmontada de suas bases de direito transformando nos termos de Sposati (2009, p. 23) “os cidadãos em necessitados sociais, ou em não cidadãos”. Neste sentido, Boschetti (2009, p.329) faz uma crítica ao posicionamento da política de assistência social no cenário contemporâneo brasileiro: [...] os benefícios assistenciais, sob a forma de programas de transferência de renda permanentes, passam a ter um papel de ‘substitutos’ dos rendimentos dos empregos inexistentes. Essa situação atual não resolve, ao contrário, agudiza, a histórica tensão entre o trabalho e assistência social, pois é a ausência de trabalho/emprego que provoca a demanda pela expansão da assistência, sem que essa seja capaz de resolver a questão do ‘direito ao trabalho’ e o direito a ter direitos, nos marcos do capitalismo. Assim, a assistência social não pode e não deve substituir o trabalho, mas pode ser um elemento intrínseco de um sistema maior de proteção social, complementar aos direitos do trabalho, podendo contribuir para transferir renda do capital para o trabalho. Do mesmo modo, Mota (2010) faz suas considerações acerca do papel desempenhado pela assistência social nas políticas públicas, que a partir da década de 1990 se constituíram em uma unidade contraditória. Na medida em que avançou o processo de privatização das políticas de previdência e saúde, a assistência social ampliou-se como política não contributiva, “transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil” (MOTA, 2010. p.134). A classe dominante ao centralizar a Assistência Social como a política salvadora das mazelas da sociedade: imprime um novo modo de tratar a 'questão social' brasileira, focando-a enquanto objeto de ações e programas de combate a pobreza à moda dos organismos financeiros internacionais, donde a centralidade dos programas de transferência de renda (MOTA, 2010, p. 140). 90 Essa estratégia apoia-se no argumento do aumento da pobreza aliado à impossibilidade financeira do governo de manutenção da previdência e da saúde, fazendo com que estas políticas se abram aos serviços complementares, enquanto que o combate à pobreza e à desigualdade ocorrem pela ampliação dos benefícios assistenciais e “ao focalizar os segmentos mais pobres da sociedade, imprime outro desenho à política de Assistência Social, principalmente porque na expansão tiveram centralidade os programas de transferência de renda” (MOTA, 2010, p. 134). Mota (2010) ressalta, ainda, a relevância dos mecanismos da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, como o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, todavia, questiona-se o papel ideológico e político que esta política pública vem assumindo ao tornar-se a única forma de enfrentamento da desigualdade. Tem-se então a pergunta: a quem este direcionamento favorece? Que grupos são beneficiados com este direcionamento? A resposta que se desvela a partir da atual conjuntura das políticas sociais, é que esta, como possibilidade de mediação para reprodução da vida social, tem ao longo do processo histórico da sociedade brasileira, servido não somente aos que dela necessitam diretamente – para acesso a determinados benefícios para o enfrentamento da pobreza –, mas também a burguesia brasileira que subordinando o Estado aos seus interesses, utilizou medidas relacionadas à proteção social para legitimar-se (MOTA, 2010). Não temos o propósito, com estes apontamentos, de descartar a importância da Política de Assistência Social àqueles que dela necessitam, mas propomos com estas indagações convidar você leitor/a a refletir sobre o papel que esta política tem assumido na conjunta brasileira, sendo plasmada como única alternativa para o enfrentamento das desigualdades sociais. Nossa proposta parte da premissa de se pensar em uma ação articulada com outras políticas setoriais para que de fato esta política pública obtenha o resultado esperado, qual seja, não substituindo outras políticas ou mesmo o trabalho, mas como mecanismo para atendimento de determinadas necessidades de proteção social. Conforme o exposto, faz-se necessário compreendermos como a atuação do/a assistente social situa-se na realidade e que direcionamento social vem 91 assumindo na aplicabilidade das políticas públicas, de modo particular na Política de Assistência Social em seus mais diversos equipamentos. Dito isto, tratamos de apresentar a avaliação das interlocutoras desta pesquisa sobre o papel do CREAS na Política de Assistência Social. Inicialmente, a apreciação de uma das profissionais foi a seguinte: Até discutimos isso em uma reunião da equipe técnica porque... Como às vezes não conseguimos ter tanto contato com os usuários e destacando o papel do CREAS na Política de Assistência, deveríamos trabalhar mais as atividades de mobilização social. Eu vejo o CREAS um pouco distante dessa realidade (Ônix). O relato da entrevistada remete a pensar no conceito de território que se constitui como uma das categorias essenciais para que as ações do SUAS se articulem nos equipamentos da assistência social de acordo com a realidade local a qual se instala. É preciso compreender também que estes equipamentos não estão alheios às ações macroestruturais promovidas pela política. Desse modo, as atividades de mobilização social, enquanto mecanismo de acesso a informações e direitos podem incidir resultados em dimensões sobre as quais os equipamentos porventura não conseguem alcançar. A este respeito o documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b, p.36) orienta: No que diz respeito às intervenções no território, pode-se destacar ações como campanhas intersetoriais de mobilização para a prevenção e o enfrentamento de situações de risco pessoal e social, por violação de direitos, organizadas a partir de um esforço coletivo da rede, envolvendo a sociedade civil organizada, as diversas políticas e os órgãos de defesa de direitos. O CREAS, por intermédio de sua coordenação e equipe, poderá incentivar, apoiar e participar da realização destas ações, que podem ser realizadas em diversos formatos. Não obstante, duas de nossas interlocutoras apresentaram outras considerações sobre o desempenho do CREAS Regional na Política de Assistência Social, quais sejam: Eu acho que o trabalho do CREAS, ele tenta trabalhar de acordo com o que sugere a política... O CREAS não está sendo omisso nas atribuições. Eu acho que se não fosse esses entraves o CREAS executaria plenamente suas funções. E mesmo assim podemos dizer que o Estado do Ceará ou pelo menos em Fortaleza as violações de direitos estão sendo trabalhadas (Ágata). 92 Dentro das atuais circunstâncias e no objetivo de garantir a proteção, o CREAS vem sim desempenhando seu papel, mas são poucos profissionais para executar os serviços, o que acaba sobrecarregando todos nós (Lápis Lazuli). Estas apreciações mostram que na ótica das interlocutoras, o CREAS vem desempenhando de modo satisfatório o seu papel na Política de Assistência. Contudo, é sabido que as repercussões do mercado sobre as políticas sociais limitam e enquadram a realidade institucional. Repercussões, que perpassam também pela dimensão da sobrecarga de trabalho, conforme pontuou Lápis Lazuli: “mas são poucos profissionais para executar os serviços, o que acaba sobrecarregando todos nós”. Mediante esses entraves os/as profissionais, por um compromisso ético e político, empreendem um esforço hercúleo para que os cidadãos que procuram os serviços do CREAS no trato com as questões referentes à violação de direitos tenham um atendimento de qualidade, conforme preconizam os instrumentos normativos e aqueles próprios reguladores de sua atuação profissional. Desse modo não há como pensar na valorização da política de assistência e/ou nos equipamentos que a compõem sem vincular esta discussão aos seus trabalhadores, em nosso caso específico, aos/as assistentes sociais trabalhadores/as da Política de Assistência Social. Sobre esta luta pela valorização dos trabalhadores da assistência social, Lápis Lazuli enfatizou: Nós enquanto profissionais, além do compromisso devemos procurar reivindicar melhorias para o nosso trabalho e não só ficar esperando do Estado (Lápis Lazuli). Neste sentido, precisamos esclarecer duas questões: Em primeiro lugar, é importante elucidar a confusa relação que ocorre entre Serviço Social e Assistência Social, haja vista que o Serviço Social, desde sua constituição, tem a política de assistência social como um dos campos de execução de seu trabalho na sociedade e atua no desenvolvimento das ações dos equipamentos socioassistenciais. Mesmo sendo no âmbito das políticas públicas intitulado nos termos de Netto (2011) como “executor terminal das políticas sociais”, o Serviço Social possui uma identidade profissional dinâmica que foi construída historicamente pelos/as profissionais em face às contradições sociais que configuram a sociedade capitalista. “[...] confundir e identificar o Serviço Social com a Assistência Social 93 reduz a identidade profissional, que se inscreve em um amplo espectro de questões geradas com a divisão social, regional e internacional do trabalho.” (CFESS, 2009, p. 10). Em contrapartida, a Política de Assistência Social é um mecanismo público de acesso aos serviços na perspectiva do direito social, da cidadania e da assistência a determinadas necessidades sociais. Diz respeito a ações macroestruturais que articulada a outras políticas garante proteção social aos cidadãos. Em segundo lugar, é preciso romper com dimensão assistencialista que comumente permeia a profissão e, sobretudo, ter clara a diferença entre assistência social e assistencialismo. Sob esta relação difusa, uma das interlocutoras destacou: O assistente social tem muitas vezes aparentado o caráter assistencialista principalmente quando realizamos o benefício eventual para uma família necessitada. (Pedra do Sol). Sposati et al (2010) pontua que comumente são caracterizadas como assistencialistas a concessão de benefícios eventuais – conforme frisou nossa interlocutora – e/ou atividades que não permitem continuidade da ação. Ao contrário, a assistência social “diz respeito a uma modalidade de produção de bens e serviços a uma classe social.” (SPOSATI et al, 2010, p. 58). Sob este prisma, a assistência social como elemento das políticas sociais é constantemente atravessada pelas lutas de classe. O assistencialismo constitui-se em uma modalidade de ação utilizada ao longo da histórica pelo capital para viabilizar os serviços da assistência social sob a lógica do controle, do favor, do paternalismo e do fetichismo. “Com isto a prática desenvolvida seria assistencialista enquanto reiteradora da dependência.” (SPOSATI et al, 2010, p. 67). O assistencialismo se faz presente na medida em que na atuação profissional torna-se não somente a execução de uma tarefa sem as devidas mediações, mas quando se torna a direção assumida na atuação profissional. Romper com as práticas assistencialistas na atuação profissional é o desafio proposto cotidianamente aos/as assistentes sociais trabalhadores/as da política de assistência, (re) orientando para uma prática assistencial que privilegie a 94 constituição de mediações, indo além do aparente e fazendo sobressair as particularidades entre as necessidades e seus determinantes. Ressaltamos que não foi possível obter das interlocutoras da pesquisa visões mais profundas e apuradas acerca do Serviço Social na Política de Assistência, haja vista que suas repostas se voltaram à análise do CREAS Regional na Assistência Social, conforme destacamos anteriormente e do CREAS Regional e a Proteção Social Especial, como veremos na próxima subseção. 3.1.1 A Proteção Social Especial Nesta subseção, apresentamos a proteção social especial e sua estruturação na política de assistência social no sentido de destacar alguns apontamentos entre aquilo que é proposto pela política de assistência social e o ponto de vista das profissionais sobre os limites e possibilidades de efetivação da referida proteção. A LOAS preconiza em artigo 2º que a assistência social tem como um de seus objetivos a proteção social visando “à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos”. A proteção social “se fundamenta na expansão de um padrão societário de civilidade que afiança um padrão básico de vida e respostas dignas a determinadas necessidades sociais” (SPOSATI, 2004, p. 43 apud BRASIL, 2011b, p.16). Dessa forma, a política de assistência social organiza-se garantindo a proteção social sob dois níveis, a saber, a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). O artigo 6º-A, incisos I e II da LOAS assim destaca esses níveis de proteção: I - proteção social básica: oferta um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011). II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a 95 proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011). (BRASIL, 1993, p.5) (grifo nosso). Enquanto a proteção social básica tem por objetivo trabalhar na prevenção de situações de risco pessoal e social e no fortalecimento dos vínculos familiares e/ou comunitários, a proteção social especial é uma modalidade de atendimento destinada a famílias que já se encontram em situação de risco pessoal e social que ocasionam violações de direitos. A referida legislação ressalta, ainda, em seu artigo 6º-B que os níveis de proteção social devem ser ofertados pela rede socioassistencial 68 mediante a articulação integrada dos equipamentos, entidades e organizações da assistência social, de acordo com suas especificidades. As ações da proteção social básica destinam-se a serem desenvolvidas no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e as ações da proteção social especial no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)69. (BRASIL, 1993). Sob este prisma, entendemos ser importante para o bom funcionamento da proteção social especial que, além do desenvolvimento dos serviços, programas e projetos de sua competência, mantenha-se um trabalho social compartilhado junto à proteção social básica. Em se tratando especificamente da articulação entre PSB e PSE, uma das interlocutoras mencionou: Eu penso que para a PSE dar conta de suas atividades é necessário que a PSB faça sua parte na área da prevenção e do fortalecimento dos vínculos. (Lápis Lazuli). Esta observação de Lápis Lazuli é pertinente para alguns apontamentos. Em primeiro lugar, a existência dos equipamentos de referência para o trabalho social representa “a afirmação da presença do Estado na condução da política de assistência social”. (COUTO, 2009, p. 207). Desse modo compete ao Estado a 68 Segundo a LOAS (1993, p.18) “Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. 69 A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais prevê um serviço especializado para pessoas em situação de rua de responsabilidade do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – Centro POP. 96 responsabilidade de fornecer aos usuários nos níveis de proteção o acesso à universalização e garantia dos direitos previstos constitucionalmente. Em segundo lugar, não basta à existência física dos equipamentos. É importante realizar discussões e debates com todos os agentes envolvidos – gestores, profissionais e usuários – acerca dos serviços, a qualidade do acesso, a estrutura dos equipamentos, a qualificação profissional, dentre outros aspectos necessários para materializar o significado social desses equipamentos na sociedade e se de fato estão desempenhando seu papel. (COUTO, 2009). Sob este aspecto, uma das participantes da pesquisa exprimiu sua avaliação: Por exemplo, eu sinto falta de um trabalho de prevenção na área da dependência química com os adolescentes e jovens daqui de Chorozinho. Se houvesse esse trabalho com certeza a demanda para LA e PSC – que em sua maioria tem como causa as drogas – reduziria bastante (Lápis Lazuli). Em terceiro lugar, Couto (2009) faz um alerta da necessidade de reflexão sobre o real papel das entidades da rede socioassistencial que muitas vezes resultam no desenvolvimento de programas fragmentados da realidade social a qual se instalavam e com um caráter centralizador e pouco participativo. A PSE considera as situações de riscos pessoais e sociais oriundas das vulnerabilidades sociais. É a partir do risco social que os programas, projetos e serviços da PSE são organizados considerando também a especificidade de cada território e do público em que incidem as violações de direitos70. Faz-se necessária a compreensão de que nas relações familiares e/ou comunitárias – em suas dimensões socioeconômica, cultural, histórica e política – podem ocorrer determinadas situações geradoras de conflitos que irão demandar um trabalho social mais especializado. (BRASIL, 2011b). Dentre estes conflitos podemos destacar: violência física, violência psicológica, negligência, abandono, violência sexual, situação de rua, trabalho 70 As categorias mencionadas neste parágrafo, a saber, risco social, vulnerabilidade social e território são elementos fundamentais na organização do SUAS. 97 infantil, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, afastamento do convívio familiar, etc. Para o cumprimento destes serviços o CREAS, portanto, constitui-se como o espaço destinado ao desenvolvimento destas ações. O “Creas é responsável por coordenar e fortalecer a articulação dos serviços especializados com a rede de assistência social e ainda com as demais políticas públicas e órgãos do sistema de garantia de direitos.” (IPEA, 2011, p.65). Mediante a complexidade dessas situações e o seu nível de gravidade a PSE subdivide-se em Proteção Social de Média Complexidade e Proteção Social de Alta Complexidade. “A divisão de competências entre estes se estabelece a partir das implicações da ameaça ou violação de direitos para o convívio familiar”. (IPEA, 2011, p. 65). A PNAS conceitua que os serviços da proteção social especial de média complexidade são destinados a famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas que ainda mantém vínculos familiares estando estes fragilizados. Alguns serviços previstos neste âmbito são: o Serviço de orientação e apoio sócio-familiar, o Plantão Social, o Abordagem de Rua, o Cuidado no Domicílio, o Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência, as Medidas sócio-educativas em meio-aberto (Prestação de Serviços à Comunidade - PSC e Liberdade Assistida – LA) (BRASIL, 2005b). Concernente à proteção social de alta complexidade, a PNAS considera como um serviço de proteção integral, a fim de garantir a famílias e/ou indivíduos toda a proteção necessária mediante situações de ameaça e de perda da referência familiar e/ou comunitária necessitando privar-se deste convívio. Os serviços são: Atendimento Integral Institucional, Casa Lar, República, Casa de Passagem, Albergue, Família Substituta, Família Acolhedora, Medidas sócio-educativas restritivas e privativas de liberdade (Semi-liberdade, Internação provisória e sentenciada), Trabalho protegido (BRASIL, 2005b). “A oferta de serviços da PSE de média e alta complexidade cabe aos 98 municípios/Distrito Federal e, nos casos específicos de oferta regionalizada de serviços, aos estados.” (BRASIL, 2011b, p. 20), o que se confirma pelo relato de nossa interlocutora: A proteção social especial é um direito social e o município não tem capacidade e nem porte para oferecer este serviço. Por essa razão ocorre a pactuação com o Estado (Lápis Lazuli). Emerge, portanto, o desafio à proteção social especial de além de desenvolver suas ações, articular-se também aos órgãos da rede de proteção social, como por exemplo, os Conselhos Tutelares, as Delegacias, os Juizados dentre outros, promovendo um trabalho social em conjunto com esses órgãos na minimização destas violações, tendo cada órgão ciência de suas atribuições. Em relação ao trabalho social do CREAS com a rede de proteção, nossas entrevistadas destacaram: Por exemplo, se é uma denúncia relativa à criança ou adolescente, encaminhamos ao conselho tutelar e este ao constatar a violação de direitos retorna a denúncia ao CREAS e partir daí começa nosso acompanhamento, por que é assim que deve proceder o trabalho do CREAS (Ágata). No interior fazemos acompanhamento da LA e PSC diferente daqui da sede regional que não executa este serviço. Mas existem suas falhas. Uma vez, um juiz me encaminhou a solicitação de elaboração de relatório de dois adolescentes que já haviam executado medida socioeducativa. Como é que eu iria fazer um relatório se não acompanhei o processo de execução da medida? São falhas como essas que muitas vezes, dificultam que a proteção social especial seja efetivada em sua plenitude (Lápis Lazuli). Segundo as participantes deste estudo não é possível a qualquer política ou serviço de proteção manter-se fechada em si mesma na proposição de respostas a população usuária dos serviços. Nem tão pouco executar por conta própria serviços que são de competência de outro equipamento correndo o risco de reduzir e imediatizar os resultados que se esperam alcançar na execução dos serviços, programas e projetos. A complementaridade dos serviços faz parte do processo de viabilização de direitos e todos os equipamentos públicos devem operar nesta dimensão. [...] os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e 99 compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo. (BRASIL, 2005b, p.37). Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2011), mesmo a PNAS havendo estruturado os níveis de proteção no âmbito da assistência social, fazia-se necessário um melhor esclarecimento acerca dos serviços a serem ofertados em cada nível de complexidade, pois [...] ressentia de uma regulamentação sobre o escopo desses serviços, que padronizasse minimamente conteúdo, usuários, objetivos e outros aspectos necessários à sua implementação em todo o território nacional. (IPEA, 2011, p.50). Assim, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais foi suscitada na IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2006, e é por seu intermédio que torna-se possível prever quais serviços devem ser ofertados pelos CREAS no regime de média complexidade e até mesmo quais destes serviços podem ser realizados através de parcerias com entidades e órgãos de gestão sem que o caráter da oferta de serviços do CREAS seja prejudicado. Da mesma forma, o documento busca descrever os serviços a serem oferecidos, sendo especificados o nome do serviço, descrição, usuários, objetivos, provisões, aquisições dos usuários, condições e formas de acesso, unidade, período de funcionamento, abrangência, articulação em rede, impacto social esperado e regulamentações, denominando de forma padronizada os serviços previstos no SUAS. Na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais71 o CREAS executa os seguintes serviços: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço 71 Cf. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 2009, 48 p. 100 de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias e Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua72. O Programa de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos deve ser ofertado obrigatoriamente em todas as unidades CREAS. O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade pode ser pactuado com outras unidades CREAS para aquelas localidades que possuem mais de uma unidade. O Serviço Especializado em Abordagem Social e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias podem ser oferecidos pelo CREAS ou por outras unidades específicas a ele referenciadas (BRASIL, 2011b). Dito isto, convém destacar que a efetivação satisfatória dos serviços da tipificação nacional dependem das condições estruturais favoráveis e do suporte necessário para a sua execução, ou seja, cada serviço possui sua especificidade tanto com relação ao público que se destina quanto em seus procedimentos operacionais. Vejamos as considerações pontuadas por uma interlocutora da pesquisa acerca dos serviços da tipificação nacional: Ainda existem falhas na execução de alguns serviços. É claro que há um esforço para se manter a qualidade do serviço, mas ainda existem falhas. Na metrópole eu percebo falha na articulação entre a PSE e a PSB e já no interior conseguimos fazer algumas articulações, mas não temos uma rede de proteção estruturada. (Lápis Lazuli). Assim atribui-se também ao CREAS a competência de coordenar os serviços a ele designados, bem como articular-se continuamente com as unidades a ele referenciadas na oferta de serviços, de modo que se garanta a complementaridade dos serviços nestas unidades. No que concerne ao CREAS Regional já pontuamos anteriormente que os serviços de LA e PSC não são executados em sua sede, haja vista que em Fortaleza estes serviços são de responsabilidade da instância municipal. Contudo, 72 Este serviço previsto na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais é ofertado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População de Rua – Centro POP. Não esmiuçaremos suas particularidades, por não ser o foco desta pesquisa. 101 as equipes volantes do CREAS promovem estes serviços nos municípios que recebem as equipes volantes. Com relação ao PAEFI, este serviço ocorre com maior frequência no CREAS, sendo sua maior demanda de trabalho social principalmente denúncias de violações de direitos cometidas contra crianças e adolescentes, o que se confirma com os relatos de nossas interlocutoras: O maior público de atendimento é criança e adolescente (Ágata). Quando a denúncia chega aqui são realizadas visitas domiciliares pelos educadores sociais, não são os assistentes sociais que fazem a 1ª visita. Nesta visita inicial eles coletam dados, informações sobre a denúncia e agendam atendimento. Esse atendimento, ele é agendado primeiramente para o Serviço Social principalmente quando se trata de violação de direitos por violência física, negligência e violência psicológica. No caso de violência sexual e quando há espaço nas agendas de atendimento dos profissionais é então marcado o atendimento psicossocial (Ágata). Para a execução do Serviço Especializado em Abordagem Social, o CREAS Regional possui Educadores Sociais que se deslocam para pontos estratégicos da cidade, a fim de identificar a incidência de trabalho infantil, situações de exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, dentre outras. Ao se constatar a evidência de algumas dessas ocorrências pela equipe de educadores, o CREAS faz os devidos encaminhamentos para a rede de proteção e/ou acompanhamento social na unidade. Para os Serviços de Proteção Social Especial para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias, o CREAS Regional procede um atendimento especializado a esse público tanto em sua sede quanto no interior. Nos atendimentos direcionados ao idoso, o CREAS conta a parceria do Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência contra a Pessoa Idosa (CIAPREVI). 3.1.2 A Instrumentalidade no trabalho do/a Assistente Social Nesta subseção, apresentamos a definição da categoria instrumentalidade e descrevemos de forma breve como a referida categoria contribui para a atuação profissional dos/as assistentes sociais no espaço do cotidiano 102 institucional. Não nos deteremos profundamente nesta subseção por considerar que esta categoria merece um estudo específico que aborde todos os seus elementos, de modo, que as discussões apresentadas procuram analisar o significado da categoria instrumentalidade para as participantes da pesquisa e a incidência da instrumentalidade na atuação profissional das assistentes sociais do CREAS Regional. Sobre a Instrumentalidade do Serviço Social, Costa (2008) 73 faz um resgate histórico acerca do debate desta temática na profissão e de como esta categoria foi adquirindo relevância no âmbito da atuação profissional. A autora destaca a década de 1990 como o período em que começaram a surgir as principais discussões sobre o referido assunto na tentativa de elucidar o lugar que ocupavam os instrumentos e técnicas na profissão de Serviço Social. O estabelecimento, no debate de 1980, da diferença entre a concepção teórico-metodológica e as estratégias e técnicas e procedimentos da intervenção profissional denotaram a preocupação em refletir sobre as técnicas e instrumentos no exercício profissional (COSTA, 2008, p. 22). Compondo o arcabouço teórico sobre instrumentalidade, Costa (2008) destaca as contribuições de Hélder Sarmento, Rosa Prédes Trindade, Sandra Campagnolli74 e Yolanda Guerra, sendo esta quem desenvolveu com maior profundidade a discussão da instrumentalidade, “a partir da compreensão das particularidades do surgimento do Serviço Social no marco da divisão social e técnica do trabalho”. (COSTA, 2008, p. 33). Nos termos de Guerra (2000, p.1), entende-se instrumentalidade como: uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano. 73 Cf. COSTA, Francilene Soares de Medereiros. Instrumentalidade do Serviço Social: Dimensões Teórico-Metodológica, Ético-Política e Técnico-Operativa e Exercício Profissional. 2008. 147 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 74 Para conhecer as linhas de produção destes autores, Cf. COSTA (2008). 103 Acerca das dimensões da instrumentalidade, Costa (2008) sistematiza-as de forma prática e didática na qual nos utilizaremos a guisa de definição para nosso estudo. A autora apresenta que estas dimensões devem ser entendidas horizontalmente, sem sobreposições de uma sobre as outras. A primeira dimensão referencia a apreensão de teorias que propiciem uma leitura crítica da realidade, fornecendo parâmetros para a atuação profissional. A segunda dimensão articula as grandezas política e ética da atuação profissional e confere a adesão ao projeto ético-político e projeto societário que contribua para a construção de uma emancipação humana futura. A terceira dimensão refere-se aos instrumentos técnicos utilizados na intervenção, devendo sua utilização ser constantemente aprimorada, a fim de contribuir satisfatoriamente aos objetivos do trabalho. Guerra (2011) apresenta alguns apontamentos sobre as referências recorrentes dos assistentes sociais acerca do instrumental técnico enquanto mecanismo facilitador ou limitador da atuação profissional, destacando duas ordens de razões. A primeira diz respeito ao fato de que a concretização das propostas de intervenção profissional perpassa necessariamente as condições objetivas de trabalho que, determinadas pelas relações de causalidade, apresentam-se de maneira extremamente adversa. Contudo, o fator subjetivo por vezes surge como um fator decisivo e modificador. Desse modo, a atuação profissional deve direcionarse ao estabelecimento de condições materiais indispensáveis para uma intervenção que supere a dimensão pragmática e burocratizada das instituições. (GUERRA, 2011). A segunda ordem remete à proposta metodológica marxiana. Sabe-se que a teoria marxiana tende a (re) produzir no nível do pensamento o movimento real do objeto, mas de modo algum tende a (re) produzir a realidade, haja vista que esta é plena de determinações. Com isso teoria e método não se confundem. A teoria, portanto, ilumina os processos reflexivos, a contrariedade e a negação das determinações, mas de modo algum oferece os “instrumentos profissionais de ação imediata sobre os fenômenos” (GUERRA, 2011, p. 29). Da mesma forma “a 104 concepção de método enquanto direção analítica” (ibidem, p. 29) não é concebida como “um conjunto de procedimentos ou como meio de aplicação imediata do conhecimento” (ibidem, p. 30). Existem na verdade, mediações que perpassam esses processos, bem como determinantes objetivos e subjetivos que até são desvelados pelo método, mas não são por ele resolvidos. Com esta definição, Guerra procura esclarecer que a discussão da instrumentalidade precede a discussão reducionista e equivocada de instrumentos e técnicas enquanto elementos potencializadores ou inibidores da atuação profissional, pois refletir sobre a instrumentalidade da profissão nos remete a ir além de definições estabelecidas, questionando “para que” e o lugar que os instrumentos técnicos ocupam na constituição da profissão, a fim de apreender as dimensões que, no nível mediato, as ações profissionais podem produzir (GUERRA, 2011). A partir destas considerações pontuamos a compreensão das interlocutoras da pesquisa sobre instrumentalidade: Para mim instrumentalidade é tudo aquilo que o profissional de Serviço Social se utiliza para exercer a sua prática. É tudo aquilo que ele precisa com relação a um documento, a uma entrevista, a um roteiro, o Código de Ética e todos os conhecimentos necessários para o seu fazer (Ágata). (grifo nosso). Instrumentalidade é tudo aquilo que se usa para fazer o exercício profissional. Por exemplo, reuniões de equipe, visitas, relatórios, pareceres, etc. Você só se adequa a instrumentalidade quando chega a demanda. Fiz algumas adaptações dos instrumentais que utilizamos aqui na sede para o trabalho social em Chorozinho. Também criei alguns instrumentais para LA e PSC. Para instrumentalidade também acho importante sempre fazermos uma autoavaliação do nosso trabalho (Lápis Lazuli). (grifo nosso). Os relatos das interlocutoras apontam questões importantes que merecem ser destacadas. É possível, portanto, verificar que a compreensão das profissionais sobre instrumentalidade, de modo geral, remete a “associar” instrumentalidade aos instrumentos técnicos. Esta “associação” é algo recorrente na profissão, que não pode ser encarada como algo comum. É preciso que seja esclarecida, a fim de não naturalizarmos tomando-a consequentemente simplificarmos a atuação profissional. como conceito e 105 Sob este aspecto, Guerra (2011) menciona que as ações instrumentais desenvolvidas pelo Serviço Social ocorrem mediante sua inserção na divisão social e técnica do trabalho e nos espaços institucionais, onde a partir de uma racionalidade formal-abstrata75 esta ampara e requisita as ações da profissão. Desse modo, ao mesmo tempo em que a instrumentalidade constitui-se como a razão de ser do Serviço Social, ou seja, traduz a funcionalidade da profissão para a qual a sociedade a convoca, “é o que lhe possibilita a passagem das teorias às práticas.” (GUERRA, 2011, p. 37). Os agentes profissionais, ao mesmo tempo em que produzem uma racionalidade objetiva mediante sua intervenção nas questões sociais, permeadas de racionalidade, incorporam-na, não como simples reflexo da realidade, mas mediados por procedimentos racionais que envolvem diferentes níveis de apreensão do real [...]. [...] os agentes profissionais recolhem as mediações postas nas objetividades sociais que produzem no plano interventivo, recriando, ao nível do pensamento, a dinâmica dos fenômenos e processos sobre os quais intervêm, estão inteligindo sobre suas ações (GUERRA, 2011, p. 35). Desse modo, a instrumentalidade constitui-se como uma racionalidade dialética76 de caráter reflexivo e operativo, construída pelo/a assistente social, sendo um “conduto de passagem e eixo articulador entre teorias e práticas”, ou seja, um espaço de mediações “onde os padrões de racionalidade e as ações instrumentais se processam” (GUERRA, 2011, p. 37-38). A “associação” feita pelas interlocutoras remete a uma das dimensões da instrumentalidade, a saber, a dimensão técnicooperativa, que articulada a outras duas dimensões, teórico-metodológica e éticopolítica efetiva, a instrumentalidade plasmando mediações dissonantes a atuação profissional. Devemos destacar também que, no primeiro relato, Ágata fez menção à dimensão ético-política ao referenciar o Código de Ética Profissional. Lápis Lazuli 75 Segundo Guerra (2011, p. 122) “o racionalismo formal-abstrato encontra seu substrato nos processos e relações que se estabelecem no/pelo trabalho nas formações sócio-econômicas capitalistas. Porém o seu desenvolvimento assume expressões peculiares nas diversas instituições e organizações da sociedade burguesa”. 76 “Por Razão dialética estamos entendendo o mais alto nível de razão e como tal, crítica e emancipatória. A razão humana é dialética, ou seja, incorpora a contradição, o movimento, a negatividade, a totalidade, as mediações, buscando a lógica de constituição dos fenômenos, sua essência ou substância. A razão dialética refere-se: a uma lógica objetiva que os processos sociais portam e às condições que permitem a reconstrução desta lógica, pela via do pensamento. No capitalismo esta razão é limitada a uma de suas dimensões: à dimensão instrumental.” (GUERRA, 2000, p. 14 – nota 7). 106 expressou em meio ao seu relato: “Você só se adéqua a instrumentalidade quando chega a demanda [...] Também criei alguns instrumentais para LA e PSC”. Ora, esta afirmativa de nossa interlocutora acaba sendo dissonante a afirmativa de Guerra (2011) sobre a finalidade da instrumentalidade, já citada anteriormente em sua definição, qual seja, que a instrumentalidade “possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais” (GUERRA, 2000, p.1). Algumas profissionais não souberam verbalizar sua compreensão de instrumentalidade e não foi possível extrair através de exemplos do cotidiano como a instrumentalidade se efetiva na atuação profissional das interlocutoras. Ponderamos que os silêncios, a falta de resposta e a associação de instrumentalidade a instrumentos podem traduzir circunstâncias do processo de formação profissional 77, bem como limites do cotidiano institucional podendo restringir a compreensão de determinados conceitos, haja vista que a instrumentalidade é uma categoria apreendida e exercitada tanto na formação quanto na atuação profissional. Mas, mediante o fato de não haverem conceituado a categoria em questão, não podemos afirmar – e isso seria leviano de nossa parte – que a instrumentalidade não se materializa na atuação profissional das assistentes sociais do CREAS Regional 78, ao contrário, a instrumentalidade se faz presente em toda atuação profissional. O que poderíamos questionar seriam quais os desdobramentos que a instrumentalidade refletirá em cada atuação profissional, ou seja, se será uma instrumentalidade dialética ou alienante. Vejamos o que as participantes da pesquisa pontuaram sobre a materialização da instrumentalidade em sua atuação: Silêncio da entrevistada... Como eu te falei, eu não vejo essa questão da instrumentalidade no meu fazer, porque a gente acaba não executando tudo que a gente vê na formação, mas teve um tempo em que eu via mais essa instrumentalidade no meu trabalho anterior, entendeu. No Projovem onde a gente tinha que executar ações com os jovens e com as famílias levando informações, mobilização. Nesse tempo eu conseguia ver mais, hoje não (Ônix). (grifo nosso). 77 Haja vista que o ensino superior também sofre rebatimentos da ofensiva neoliberal que incidem limitando as condições de realização da formação profissional. 78 Durante a experiência de estágio supervisionado em Serviço Social na instituição constatamos que a atuação profissional das assistentes sociais plasmava este conceito. 107 É como eu já venho dizendo... Eu não visualizo a materialização da instrumentalidade no trabalho atual que executo, pois qualquer pessoa poderia fazer (Ágata). (grifo nosso). Dito isto, podemos identificar que as condições objetivas de trabalho podem interferir na materialização da instrumentalidade profissional, o que causa um confronto entre a instrumentalidade do Serviço Social entendida como racionalidade dialética e a racionalidade da ordem burguesa em sua dimensão alienante. As falas das interlocutoras refletem esse confronto que diariamente é travado no âmbito das instituições para a efetivação do trabalho social, o que se confirma quando Ônix relatou: “mas teve um tempo em que eu via mais essa instrumentalidade” e Ágata “Eu não visualizo a materialização da instrumentalidade”, o que nos leva a questionar: Que situações estão sendo estabelecidas nas instituições para limitar e/ou impedir a efetivação de uma instrumentalidade dialética na atuação profissional? Esses elementos devem ser problematizados para fortalecer a instrumentalidade do Serviço Social na atuação profissional e não a sua descaracterização. Diante deste impasse, Guerra (2011, p. 30) sinaliza alternativas: Ainda neste nível – do mediato – entendemos que as requisições dos profissionais vislumbram uma modalidade de razão que permita atuar com as dificuldades, limitações e constrangimentos colocados pelas situações objetivas sob as quais a intervenção profissional se realiza; que possibilite operar com os dados coletados na intervenção profissional, transformá-los em conhecimento sobre a população atendida e revertê-los em conteúdo dos projetos sem que, contudo, o profissional tenha que capitular diante do pensamento conservador e reformista. (grifos originais). Em outras palavras: [...] o Serviço Social possui modos particulares de plasmar suas racionalidades que conforma um “modo de operar”, o qual não se realiza sem instrumentos técnicos, políticos e teóricos, tampouco sem uma direção finalística e pressupostos éticos, que incorporam o projeto profissional (GUERRA, 2011, p. 203). Na prática profissional percebemos como a instrumentalidade é um recurso valioso à intervenção dos/as assistentes sociais, pois inseridos nas relações sociais capitalistas extremamente contraditórias, os espaços institucionais em sua dinâmica rígida e conservadora apresentam inúmeras refrações da questão social 108 que desafiam os profissionais ao desvelamento de sua estrutura. Sem a apreensão da instrumentalidade, como possibilidade interventiva, é impossível ao/a assistente social realizar um movimento dialético articulador de mediações, correndo o sério risco de reproduzir ações que se limitarão ao alcance institucional. 3.2 O Projeto Ético-Político do Serviço Social e as particularidades do trabalho do/a Assistente Social na Política de Assistência Social Buscamos refletir com o/a nobre leitor/a, nesta seção sobre a configuração histórica do Projeto Ético-Político do Serviço Social e como os direcionamentos deste projeto se plasmam no trabalho do/a assistente social na política pública de assistência social ressaltando a compreensão das profissionais entrevistadas acerca da efetivação deste projeto em sua atuação profissional. Segundo Netto (1999) as raízes para materialização do Projeto ÉticoPolítico do Serviço Social situam-se em meio ao desenvolvimento do Serviço Social na América Latina – com o Movimento de Reconceituação – e a particularidade histórica brasileira datada entre a década de 1970 e 1980. Inicialmente é interessante que façamos uma breve distinção entre projeto societário e projeto profissional. Esses elementos são fundamentais para a composição do projeto éticopolítico das/os assistentes sociais. Por projetos societários compreendem-se aqueles projetos que remetem a uma imagem de sociedade a ser construída demandando determinados valores de uma coletividade; são projetos macroscópicos com propostas para o conjunto da sociedade. Apresentam uma dimensão política que envolve relações de poder. Outra característica dos projetos societários segundo Netto (1999, p. 3), refere-se a sua estrutura flexível e cambiante, ou seja, “incorporam novas demandas e aspirações, transformam-se e se renovam conforme as conjunturas históricas e políticas.” (NETTO, 1999). Entende-se por projetos profissionais aqueles que refletem a autoimagem de uma profissão mediante a eleição de valores que a legitimam na sociedade; apontam e demarcam os objetivos e ações da profissão formulando as balizes para 109 seu exercício. Balizes essas que direcionam as normas e os comportamentos profissionais – seja com o público-alvo de seu exercício profissional, seja com outras profissões e organizações ou instituições onde se efetiva sua atuação. Outro fator importante dos projetos profissionais é que estes envolvem todos os atores sociais 79 que dão concretude à profissão. Suas dimensões políticas ocorrem em sua amplitude – relacionando-se com os projetos societários – e em sua especificidade – considerando as particularidades de cada profissão (NETTO, 1999). No que concerne ao Serviço Social e ao seu projeto profissional sua contextualização ocorreu em meio a três condicionantes destacados por Netto (1999). A primeira condição diz respeito à recusa e a crítica ao conservadorismo profissional80 que se espraiou na categoria profissional. No momento de crise da ditadura brasileira e de efervescência política, em que a classe trabalhadora adentrou a cena pública em resistência à ditadura, o conservadorismo do Serviço Social brasileiro passou a ser questionado no corpo profissional. Ou seja, as inquietações e exigências políticas e sociais que se difundiam na sociedade também repercutiram na profissão. A segunda condição refere-se à produção de conhecimento que se consolida na área de Serviço Social, a partir do diálogo com as ciências sociais. Neste aspecto, a profissão pode aproximar-se de “matrizes teóricas e metodológicas compatíveis com a ruptura com o conservadorismo profissional” (NETTO, 1999, p. 12), bem como aderiu ao projeto societário da classe trabalhadora. A terceira condição apontada pelo referido autor está ligada à formação profissional, no sentido de adequá-la às novas configurações em que a profissão se inseria, tendo a preocupação de contribuir para um novo perfil profissional (NETTO, 1999). Estas conquistas foram, portanto, consolidadas no Código de Ética Profissional de 1986 que marcou o surgimento de uma vertente de ruptura com o conservadorismo e o compromisso assumido pela profissão com a classe trabalhadora. Este Código procurou contemplar discussões no campo da política e 79 A saber, Conjunto CFESS/CRESS, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO), Sindicatos e demais Associações de Assistentes Sociais. (NETTO, 1999). 80 Cf. Netto (2011). 110 da ética, mas esta não foi tão bem contemplada no documento. Somente com a sua revisão em 1993 que o Código de Ética Profissional pode ser contemplado pela acumulação teórica, política e ética (NETTO, 1999). “Em 1993, ético e político não são sinônimos; são compreendidos como uma unidade, mas seus componentes têm naturezas ontologicamente distintas.” (BARROCO, 2004, p. 35). É sabido que existem diferentes projetos societários em constante disputa, e este confronto é um movimento próprio do exercício político. Contudo, instaura-se em nossa sociedade um projeto societário – projeto neoliberal – que defende os interesses e legitima as liberdades políticas e econômicas para uma minoria, ao mesmo tempo em que dissemina sua ideologia à população. Em contraposição, existe outro projeto societário de uma maioria que defende condições de vida mais favoráveis para toda a sociedade. Compõem as defesas do projeto ético-político em questão, a saber: o reconhecimento da liberdade como eixo central, afirmando que “este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero.” (NETTO, 1999, p. 15). Em sua ótica política torna-se a favor da equidade e da justiça social sendo um projeto radicalmente democrático. Do ponto de vista profissional, compromete-se com a formação profissional de qualidade e com o aprimoramento intelectual constante das/os assistentes sociais. Privilegia a relação com os usuários e o compromisso com a qualidade dos serviços prestados (NETTO, 1999). Desse modo, o Projeto Ético-Político do Serviço Social organiza-se a partir de três grandes frentes: Político-organizativa, através das entidades representativas da profissão (ABEPSS, CFESS/CRESS e ENESSO); acadêmica, através das Diretrizes Curriculares, pesquisa e produção intelectual; jurídico-política, com os instrumentos de regulação jurídica e de mobilização profissional (MOTA & AMARAL, 2009). Assim, o Projeto Ético-Político do Serviço Social teve estas bases para sua constituição, mas dia a dia este projeto é afirmado pela categoria, haja vista ser um projeto em constante processo, a partir dos desdobramentos assumidos pela 111 categoria profissional e as tensões sofridas na realidade social. Da mesma forma, resslatamos que este projeto é um referencial hegemônico na profissão, mas que exige dos profissionais sua reafirmação diária, haja vista que outras tendências também existem no corpo da profissão. Enfim, o projeto assinala claramente que o desempenho ético-político dos assistentes sociais só se potencializará se o corpo profissional articular-se com os segmentos de outras categorias profissionais que compartilham de propostas similares e, notadamente, com os movimentos que se solidarizam com a luta geral dos trabalhadores (NETTO, 1999, p. 16). Mas, então surge o questionamento: Como materializar o projeto éticopolítico do Serviço Social na Política de Assistência Social? Quais as particularidades que implicam neste processo? Indagamos às interlocutoras da pesquisa acerca da materialização do projeto ético-político na atuação profissional, vejamos as respostas que as profissionais deram: Visualizo o Projeto Ético-Político se materializando diariamente no meu fazer. No compromisso que tenho com os usuários que atendo; no compromisso dos demais profissionais também; na autonomia que é dada ao usuário nos atendimentos, na liberdade; no oferecimento de um atendimento de qualidade; nos esclarecimentos que proporcionamos; nos encaminhamentos à rede de proteção, etc. (Lápis Lazuli). Não vejo visualizando 100%, pois é como já falei. Diante de todas as dificuldades que a gente encontra, acabamos não conseguindo por em prática tudo, mas parcialmente sim. Tem algumas coisas que a gente consegue estabelecer sim, mas acabamos não sendo eficazes 100% (Ônix). Não. É como eu já venho dizendo... O setor ao qual estou inserida é muito burocrático. Apesar de neste trabalho eu me utilizar de algumas ferramentas para desenvolvê-lo da melhor forma possível. Fomos remanejados para lá... Não sei se por conta do conhecimento que o assistente social tem... Eu procuro fazer o meu trabalho da melhor forma possível, mas eu estaria dando mais de mim se estivesse no acompanhamento. E por isso eu não visualizo (Ágata). É possível constatar visões diferenciadas sobre a materialização do projeto. Aquela que visualiza o projeto se efetivando na sua atuação profissional, outra que o vê materializar-se parcialmente e a seguinte que não visualiza a efetivação do projeto em sua atuação. O que ocorre para que profissionais de um 112 mesmo equipamento tenham posicionamentos antagônicos com relação ao projeto ético-político? Não deveriam ter a mesma opinião, visto que estão submetidas às mesmas condições de trabalho? A resposta que ousamos aludir é que de fato as condições objetivas – como já destacamos outras vezes – tornam-se um “Golias” para a atuação dos/as assistentes sociais, mediante os diversos limites da sua condição como trabalhadores assalariados. Contudo, no que concerne ao projeto ético-político, Mota (2011) explicita que a cisão entre o vir a ser do projeto e sua concretização no cotidiano institucional não está vinculado ao campo institucional no qual o/a assistente social está inserido. Desse modo, constitui-se como um desafio cotidiano dos profissionais que assumiram este projeto conseguirem efetivá-lo no dia a dia. Não pretendemos rechaçar que a insatisfação decorrente da não efetivação do projeto ético-político passa pela dimensão subjetiva, mas não deve estacionar neste nível, podendo-se debater e reavaliar as estratégias (re)definindo os rumos de sua atuação para plasmá-la de maneira qualitativa. O trabalho na assistência social inscreve-se no campo da produção de serviços que contemplam as necessidades sociais dos usuários e, consequentemente a efetivação dos direitos assistenciais. Apesar do aumento dos postos de trabalho – a partir das normatizações mencionadas na seção anterior – os rumos da assistência social nas políticas sociais, ao mesmo tempo em que imprimem limites de acesso aos usuários dos serviços, limitam o cotidiano de trabalho dos/as assistentes sociais, o que sinaliza que estes profissionais sofrem os mesmos rebatimentos nas condições de trabalho que os demais trabalhadores da sociedade capitalista no espaço institucional. A consequência desta inflexão na atuação profissional tem sido: A centralidade da Política de Assistência Social na proteção social brasileira que centra a intervenção na pobreza absoluta impacta diretamente o cotidiano profissional, [...] vem exigindo um profissional com um perfil cuja tendência é de fortalecimento das bases conservadoras do Serviço Social, e, portanto, de mero controle de parcelas da classe trabalhadora usuária desta política (SILVA, 2012, p. 180). O Serviço Social tem o compromisso ético e político de romper com esta dimensão de modo a fazer defesa de uma política de assistência social como um dos elementos da seguridade social, articulada à previdência e à saúde, bem como 113 assumir uma atuação profissional à luz de seu projeto profissional que postule intervenções críticas vinculadas aos direitos dos usuários e as suas demandas. Para isso, a/o assistente social deve distanciar-se das práticas funcionalistas e pragmáticas – que tratam as expressões da questão social como eventos individuais e sem articulação com o meio social – que reforçam a permanência de um conservadorismo refutado pelo corpo profissional. É preciso reconhecer a questão social como objeto de intervenção e matéria-prima (Iamamoto, 2011b) do Serviço Social para daí empreender esforços propositivos e críticos, a fim de decifrar os determinantes históricos, políticos e socioeconômicos que se aglutinam nas desigualdades sociais. Independente da política pública ou do espaço sócio-ocupacional no qual estão inseridas/os, as atribuições e competências dos/as assistentes sociais são regidas pelo Código de Ética Profissional81 e pela Lei de Regulamentação da Profissão82 devendo ser observadas tanto pelos/as assistentes sociais quanto pelas organizações e/ou instituições em trabalham estes profissionais. O Artigo 2º do Código de Ética inscreve como direitos dos/as assistentes sociais: a) garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código; b) livre exercício das atividades inerentes à profissão; c) participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais, e na formulação e implementação de programas sociais; d) inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação, garantindo o sigilo profissional; e) desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional; f) aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a serviço dos princípios deste Código; g) pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo quando se tratar de assuntos de interesse da população; h) ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções; i) liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos (CFESS, 1993, p. 26-27). 81 Resolução CFESS nº 273/93. Institui o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. 13 de março de 1993. 82 Lei 8.662. Dispõe sobre a profissão de assistente social e dá outras providências. Brasília, 7 de junho de 1993. 114 O Artigo 3º do Código de Ética inscreve como deveres dos/as assistentes sociais: a) desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade, observando a Legislação em vigor; b) utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da profissão; c) abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes; d) participar de programas de socorro à população em situação de calamidade pública, no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades (CFESS, 1993, p. 27). O CFESS objetivando o exercício da interdisciplinaridade na assistência social, em parceria com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), elaborou os “Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na Política de Assistência Social”. “Este documento aborda alguns parâmetros ético-políticos e profissionais com a perspectiva de referenciar a atuação de assistentes sociais e psicólogos/as no âmbito da política de Assistência Social.” (CFESS & CFP, 2007, p.8). Do mesmo modo, o CFESS considerando o campo específico de trabalho na Política de Assistência Social elaborou o documento intitulado “Parâmetros de Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social”. “Esses parâmetros têm como pressuposto que a definição de estratégias e procedimentos no exercício do trabalho deve ser prerrogativa dos (as) assistentes sociais, de acordo com sua competência e autonomia profissional.” (CFESS, 2009, p. 2-3). Estes instrumentos possibilitam uma aproximação do projeto ético-político a uma assistência social vinculada ao direito social, destinada a viabilizar os serviços sociais a quem dela necessitar. Corroborando com a Lei de Regulamentação da Profissão, os parâmetros de atuação requisitam competências gerais para o trabalho social na assistência social, quais sejam: • Apreensão crítica dos processos sociais de produção e reprodução das relações sociais numa perspectiva de totalidade; • Análise do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do Capitalismo no País e as particularidades regionais; • Compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; • Identificação das demandas presentes na sociedade, visando a formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre o público e o privado (ABEPSS, 1996 apud CFESS, 2009, p.17-18). 115 Destacamos o relato de uma das interlocutoras da pesquisa para exemplificar como estas competências são necessárias para uma intervenção crítica e propositiva na Política de Assistência Social e na Proteção Social Especial: Durante o atendimento a gente tenta perceber onde estão as lacunas daquela fragilidade daquele acompanhamento. Muitas vezes começamos com uma tipificação e terminamos com outra. Às vezes tentamos com muita propriedade encaminhar aos órgãos de defesa na tentativa de melhorar essa vulnerabilidade. A organização é feita pelo setor de denúncia. A execução é dessa maneira: acompanhamento social, muitas vezes também é psicossocial, o Serviço Social faz uma leitura daquela situação e trabalha todas as questões necessárias naquele primeiro atendimento e fazemos quantos atendimentos necessários para que a família supere a violação (Pedra do Sol). Pedra do Sol, ao relatar a sequência de um acompanhamento social no CREAS Regional, destaca importantes dimensões que se efetivam em sua atuação, a saber, a perspectiva de totalidade outrora citada, indo além do aspecto emergencial e aparente; capacidade crítica para decifrar os elementos ocultos nas situações de fragilidades, comprometimento com a população usuária, no sentido de possibilitar o acesso aos serviços que contemplem sua demanda; o trabalho interdisciplinar para apreender todas as nuances que perpassam as demandas dos usuários; e o acompanhamento contínuo e sistemático ao usuário para o fortalecimento dos vínculos e superação das violações. Todos estes elementos possíveis de citar mediante este relato tornam-se balizes para uma atuação profissional comprometida com a direção social assumida pela profissão plasmando-se, portanto, os aspectos centrais primados pela profissão e pelo projeto ético-político. Não podemos negar também que apesar de não mencionados, estão imbricadas ao processo de disputas societárias, correlação de forças entre instituição e profissionais e até mesmo entre o que deve ser realizado – enquanto política pública – e o que é “conveniente” a ser realizado – sendo esta política subordinada a interesses neoliberais que acabam por limitar a atuação profissional. É diante deste contexto que o/a assistente social se insere nas instituições devendo ter clareza teórica e política de que as contradições da 116 realidade incidem necessariamente nas particularidades da profissão, no cotidiano institucional e na vida dos usuários dos serviços, evitando, desse modo, o risco de associar a atuação profissional à agudização da crise83. Por estas razões é que Boschetti (2009) enfatiza que para se refletir sobre as condições de trabalho na assistência social e sua relação com o projeto éticopolítico implica pensar sobre a gestão do trabalho da assistência, ou seja, cogitar no âmbito global as condições de trabalho do/a assistente social na classe trabalhadora. Nesta concepção a autora ressalta que se faz necessário, em primeiro lugar, que a categoria reflita sobre qual concepção de assistência social vem orientando a atuação profissional e, em segundo lugar, o que está para além do trabalho cotidiano e o que se almeja alcançar com este trabalho. 83 Destacamos esse risco, a fim de evitarmos a vinculação do vir a ser da profissão às desigualdades sociais. 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS A guisa de finalização, apresentamos ao/a leitor/a os achados desta investigação científica delineados, a partir dos objetivos inicialmente traçados, bem como alguns apontamentos e questões importantes que podem ser melhor exploradas em futuras pesquisas. Procuramos ao longo deste caminho discutir sobre a profissão de Serviço Social e sua inserção nos equipamentos públicos, a fim de percebermos como a categoria de assistentes sociais tem exercido sua atuação profissional nestes espaços, mediante as especificidades que o envolvem. Nesta pesquisa, tratamos de investigar a atuação dos/as assistentes sociais no CREAS Regional e lançando o olhar sobre a atuação profissional neste espaço institucional. A pergunta de partida que norteou toda pesquisa fora analisar o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Quando se pesquisa sobre categorias profissionais e seus processos de afirmação e consolidação profissional nos remete a refletir sobre sua inserção na sociedade vinculando-a aos processos históricos que perpassam sua trajetória. Com o Serviço Social não é diferente. Não há como se pensar Serviço Social sem associá-lo às circunstâncias históricas em que emergiu a profissão – sob o tradicionalismo católico –; ao seu processo de institucionalização passando a ser requisitado pelo Estado para o trabalho nas políticas sociais; seu amadurecimento enquanto categoria profissional, mediante o rompimento com o conservadorismo profissional e sua adesão a um projeto de sociedade que vislumbra a emancipação. Estas foram algumas questões que procuramos pontuar – mesmo de forma breve – ao longo deste ensaio por entendermos serem necessárias para situar o/a leitor/a sobre como o Serviço Social vem exercendo sua atuação profissional na sociedade. Desse modo, atribuímos ser relevante descobrir como vem ocorrendo a atuação profissional do Serviço Social no CREAS Regional, mediante as particularidades desta instituição no trato com as situações de violação de direitos vinculadas à proteção social de média complexidade. 118 Nesta pesquisa procuramos clarificar os seguintes questionamentos: conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS; analisar o significado da categoria Instrumentalidade para as participantes da pesquisa; compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS; investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. Os resultados da pesquisa apresentaram que as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS exigem dos/as profissionais um trabalho social específico no trato das violações de direitos. Neste sentido, buscamos compreender qual o entendimento das participantes da pesquisa acerca do CREAS e de sua utilidade social. Podemos constatar que as situações de violação de direitos são, sobremaneira, expressões da questão social que se materializam nos espaços institucionais e, portanto, matéria-prima e objeto de trabalho do Serviço Social que refletem as desigualdades sociais e econômicas latentes em nossa sociedade. Violações essas que ao longo da pesquisa foram destacadas pelas participantes. Contudo, a reprodução do discurso institucional ainda se faz presente não permitindo reflexões mais profundas sobre as expressões da questão social que se apresentam no cotidiano institucional. Consideramos ser importante fazer essa constatação, a fim de que não se perca de vista que em meio a estas expressões o/a assistente social empreende cotidianamente suas potencialidades profissionais aprimorando seu olhar crítico as singularidades sociais evitando a naturalização das expressões da questão social e consequentemente a simplificação de sua atuação profissional. Constatamos que no espaço cotidiano do CREAS, a execução das atividades profissionais, pauta-se a partir dos instrumentos normativos que norteiam as ações da proteção social especial e da própria profissão. Contudo, podemos perceber que as profissionais possuem atribuições distintas no equipamento e que estas atribuições estavam atreladas as condições de trabalho estabelecidas na unidade que acabam por incidir no nível de satisfação e de insatisfação na execução de suas atribuições. O que podemos evidenciar é o fato de que as condições de 119 trabalho quando não estabelecidas de modo satisfatório interferem diretamente no nível de satisfação do/a assistente social devido a não efetivação da dimensão éticopolítica em sua atuação profissional. No espaço do plantão social, local onde o/a assistente social do CREAS também exerce suas atribuições, percebemos que de modo geral, a visão histórica do atendimento emergencial do plantão social, vem sendo superada pelas assistentes sociais, contudo permanece o desafio de romper com esta dimensão cotidianamente. Esta, inclusive, foi uma questão que chamou nossa atenção ao longo da pesquisa e sugerimos como proposta para futuras pesquisas, compreender as velhas e/ou novas configurações do plantão social no espaço institucional. Verificamos nesta pesquisa que o trabalho interdisciplinar é uma dimensão da atuação do/a assistente social exercida com frequência no espaço cotidiano do CREAS. Pela particularidade conferida ao Serviço Social de desenvolver seu trabalho nos serviços sociais, a interdisciplinaridade torna-se uma ferramenta importante ao/a assistente social que propicia um diálogo aberto com outras profissões para a leitura das diversas dimensões que perfazem o indivíduo. Neste sentido, visualizamos que as participantes da pesquisa ressaltaram a importância deste tipo de trabalho. Do mesmo modo, também foi possível perceber que as condições de trabalho também prejudicam o trabalho interdisciplinar, no que concerne ao número limitado de profissionais que dificulta o fluxo dos trabalhos no equipamento. Este ensaio monográfico teve como propósito enfatizar a importância da categoria trabalho para o ser social em sua dimensão ontológica, haja vista que diante das configurações contemporâneas do mundo do trabalho diversos determinantes conjunturais tem incidido sobre os trabalhadores de modo a descaracterizar a centralidade do trabalho nas relações sociais e na identidade das categorias profissionais. O Serviço Social como as demais profissões sofre os mesmos rebatimentos, inclusive o de não caracterizá-lo como trabalho na sociedade. Por essa razão, este ensaio parte da premissa do Serviço Social como trabalho inserido na sociedade e nas relações sociais que se estabelecem nos diversos espaços sócio-ocupacionais em que empreende sua atuação. 120 No que tange as inflexões da atuação profissional das assistentes sociais no CREAS, podemos evidenciar que as interlocutoras da pesquisa reconhecem o trabalho a partir da configuração histórica que esta dimensão do ser social assume nas relações capitalistas de produção, qual seja, o trabalho assalariado em seu caráter de emprego nas relações de compra e venda de sua força de trabalho. Sendo um dos condicionantes para a caracterização do Serviço Social como trabalho e de seu caráter especializado na sociedade. Esta é, portanto, uma das questões centrais da qual se deve refletir sobre o trabalho do/a assistente social. Na tentativa de investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos, procuramos discutir nesta pesquisa algumas questões que surgiram para responder esta indagação. Neste sentido, a atuação profissional do/a assistente social se evidencia na mediação entre o Estado, instituição e população usuária, não podendo fugir desta relação contraditória e inserido no espaço das instituições, os profissionais estão sujeitos aos ditames de seus empregadores que se apoiam na condição de assalariamento do/a assistente social. No que tange ao exercício da relativa autonomia, capacidade inerente à profissão, as profissionais entrevistadas destacaram que esta capacidade se faz presente em sua atuação. No que concerne distinção entre os objetivos institucionais e os objetivos profissionais, as interlocutoras da pesquisa destacaram a convergência entre esses objetivos. Do mesmo modo, constatamos que em alguns momentos estes objetivos convergiam, mediante a efetivação de princípios éticos abraçados pelas profissionais. Contudo, reforçamos a defesa de que os objetivos institucionais e profissionais são de fato distintos, haja vista que refletem posicionamentos de projetos societários que também são distintos. Concernente a Política de Assistência Social, a proposta traçada inicialmente nesta investigação fora também refletirmos sobre as condições de trabalho na assistência social, ou seja, qual a leitura das profissionais entrevistadas sobre as condições de trabalho nesta dimensão mais totalizante da política e a própria atuação do Serviço Social na política de assistência. Ressaltamos que não 121 obtivemos substratos para esta análise nas respostas das profissionais, haja vista que seus relatos nortearam tão somente a dimensão do CREAS Regional na Política de Assistência Social e a Proteção Social Especial. Neste sentido, confirmamos através das participantes da pesquisa, que o CREAS, de modo geral, vem desempenhando seu papel na Política de Assistência e isto se deve em grande parte ao esforço dos profissionais. Mas, não podemos esquecer que a lógica do mercado que norteia as políticas sociais estabelece limites e condicionalidades a estas políticas – como fora constatado por uma das entrevistadas a pouca participação do CREAS nas campanhas de mobilização social – e consequentemente limites à atuação profissional de seus trabalhadores. Com relação a proteção social especial, constatamos que o relato das interlocutoras da pesquisa trouxeram reflexões importantes que sinalizamos como propostas para futuras pesquisas, como por exemplo, a articulação entre os serviços da proteção social e da proteção social especial, bem como a intersetorialidade entre os órgãos de rede proteção social e a PSE. Sobre a categoria instrumentalidade, o que podemos evidenciar neste estudo foi o fato de que na compreensão das participantes da pesquisa sobre esta categoria prevaleceu a dimensão dos instrumentos técnicos, ou seja, a apenas uma das dimensões que compõem a instrumentalidade. Contatamos que existe um embate cotidiano no âmbito das instituições para a materialização da instrumentalidade, conforme preconiza a profissão. Do mesmo modo, algumas profissionais não souberam dar a definição conceitual desta categoria. Reafirmamos que a instrumentalidade é uma importante categoria para atuação profissional dos/as assistentes sociais enquanto capacidade que legitima sua função na sociedade. Os processos de reflexão e apreensão teórica que possibilitam as mediações necessárias às demandas que se apresentam, não foram devidamente contemplados neste estudo e merecem um maior aprofundamento. Assim sinalizamos como proposta para futuras pesquisas a apreensão da categoria instrumentalidade no atuação profissional do/a assistente social, de modo a contribuir com a própria categoria profissional sobre os elementos que compõem esta categoria e, da mesma maneira, para sua efetivação na atuação profissional. 122 Sobre a efetivação do projeto ético-político na atuação profissional, constatamos que os relatos das interlocutoras divergiram entre sua total materialização, sua parcial materialização e a ausência de sua materialidade. Desse modo, concluímos que, apesar do projeto ético-político efetivar-se na realidade e estar sujeito aos determinantes objetivos sua materialização, se deve, exclusivamente, ao corpo profissional que assumiu o compromisso de efetivá-lo na atuação profissional. Os determinantes objetivos, de fato, são entraves, mas podem ser superados através do debate e da (re) definição de estratégias nas instituições. Esses são, portanto, os elementos que procuramos evidenciar, a fim de que compreendamos como se estabelece a atuação profissional do/a assistente social no CREAS Regional. Não temos a intenção de esgotar o assunto com esta discussão e nem que as conclusões sejam imutáveis no universo da pesquisa. Ao contrário, procuramos trazer nosso olhar e o que podemos desvelar de uma pequena parcela da realidade que se apresentou em um dado momento da história. O que concluímos é que cada vez mais que se discute sobre a inserção do Serviço Social nos espaços institucionais, muito mais se afirma a sua concretude enquanto profissão na sociedade e nas relações sociais. Por isso, outros voos devem ser alçados para se refletir sobre este tema, bem como outros posicionamentos e visões. Agradecemos a você leitor/a por ter nos acompanhado até aqui. Esperamos que nestas linhas tenhamos possibilitado que você conheça um pouco mais o Serviço Social e as particularidades que envolvem esta profissão. 123 REFERÊNCIAS AMADOR, Josy Ramos de Oliveira. A prática do Serviço Social no plantão: limites e desafios para a efetivação de direitos. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 97, p.124-142, jan./mar. Cortez, 2009. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boi Tempo, 1999. _______________. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. ARAÚJO, Nailsa Maria Souza. O Serviço Social como trabalho: alguns apontamentos sobre o debate. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 93, p. 5-28, mar. 2008. BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho et al. A categoria "processo de trabalho" e o trabalho do assistente social. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, v.19, n.58, p.109-131, nov., 1998. BARROCO, Maria Lúcia Silva. A inscrição da ética e dos direitos humanos no projeto ético-político do Serviço Social. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 79, p.27-42, set. 2004. BOSCHETTI, Ivanete. A Política de Seguridade Social no Brasil. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ ABEPSS, 2009. p.323-338. BRASIL, Glaucíria Mota; SOUSA, E. B. L. Etnografia das Políticas e Programas de Enfrentamento da Violência Sexual Praticada Contra Crianças e Adolescentes em Fortaleza. In: Segurança, Justiça e Cidadania, v. 4, p. 261-291, 2010. Disponível em: <http://www.uece.br/labvida/dmdocuments/etnografia_das_pol%C3%ADticas_e_pro gramas.pdf>. Acesso em: 20.abr.2013. BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Consolidada com a Lei nº 12.435 de 6 de julho de 2011. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 dez. 1993, p.1-24. Meio eletrônico. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo SUAS 2011: CRAS, CREAS, Gestão Municipal, Gestão Estadual, Conselhos Municipais, Conselhos Estaduais, Rede Privada e Centro POP. Brasília: [s.n], 2011a. Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/Desen/>. Acesso em: 28.mar.2013. 124 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: G. E. Brasil, 2011b. 120 p. Disponível em: < http://www.mds.gov.br/>. Acesso em: 14.set.2012. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. NOB-RH Anotada e Comentada. Brasília: [s.n], 2011c. p. 1-146. Disponível em: < http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-socialsnas/livros/norma-operacional-basica-de-recursos-humanos-do-suas-nob-rh-suasanotada-e-comentada/norma-operacional-basica-de-recursos-humanos-do-suasnob-rh-suas-anotada-e-comentada>. Acesso em: 20. jan. 2013 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS: Guia de orientação nº 1 (1ª Versão). Brasília, [s.n], [2010]. 23 p. Disponível em: <http://www.fecam.org.br/arquivosbd/basico/0.683102001273163950_creas___guia_ de_orientacao.pdf>. Acesso em: 20.abr.213. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: [s.n], 2005a. p. 69-175. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social/2004. Brasília: [s.n], 2005b. p. 1-177. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistenciasocial-snas/cadernos/politica-nacional-de-assistencia-social-2013-pnas-2004-enorma-operacional-basica-de-servico-social-2013-nobsuas>. Acesso em: 20. jan. 2013. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 2009, 48 p. BULLA, Leonia Capaverde. Relações sociais e questão social na trajetória histórica do serviço social brasileiro. In: Textos & Contextos. n. 2, ano II, p. 1-15. dez. 2003. CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2008. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA; CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na Política de Assistência Social. Brasília, CFP/CFESS, 2007. 52 p. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social. Brasília, CFESS, 2009. ________________________________________. Código de ética do/a assistente social Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. rev. e atual. [Brasília]: CFESS, 2012. 60 p. Disponível em: www.cfess.org.br. Acesso em: 05.jun.2013. 125 CONSELHO MUNICIPAL DE ASSITÊNCIA SOCIAL. Regimento Interno da IX Conferência Municipal de Assistência Social. Fortaleza, 2011. COSTA, Francilene Soares de Medereiros. Instrumentalidade do Serviço Social: Dimensões Teórico-Metodológica, Ético-Política e Técnico-Operativa e Exercício Profissional. 2008. 147 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. COUTO, Berenice Rojas. O Sistema único de Assistência Social: uma nova forma de gestão da assistência social. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e Gestão da proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Unesco, 2009. p. 205-217. ___________________ et al. A política Nacional de Assistência Social e o Suas: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, Berenice Rojas et al (Orgs.). O Sistema único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2012. p.54-87. DALLAGO, Cleonilda Sabaini Thomazini. Estado e Políticas Sociais no Brasil: formas históricas de enfrentamento a pobreza. In: III Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2007, São Luís. Anais... São Luís: UFMA, 2007. p. 1-6. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/EixoTematicoC/da432e b1d3cfdb310903Cleonilda.pdf>. Acesso em: 01.ago.2013. FRAGA, Cristina Kologeski. A atitude investigativa no trabalho do assistente social. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 101, p. 40-64, jan./mar. Cortez, 2010. GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. _______________. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Assistente Social. In: Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais. Capacitação em Serviço Social e Política Social, Módulo 4: O trabalho do assistente social e as políticas sociais. CFESS/ABEPSS-UNB, 2000. ________________. A Instrumentalidade do Assistente Social. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Tradução de: Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 8ª ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 126 IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 34. ed. São Paulo: Cortez, 2011. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na cena contemporânea. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ ABEPSS, 2009. p. 125-142. _____________________. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011a. _____________________. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2011b. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Políticas Sociais: acompanhamento e análise, Brasília: Ipea, n.19, 2011. 371 p. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/politicas_sociais/bps_19_comple to.pdf>. Acesso em: 12.jan.2013. JACCOUND, Luciana. Proteção Social no Brasil: Debates e Desafios. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e Gestão da proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Unesco, 2009. p. 57-86. LARA, Ricardo. Pesquisa e Serviço Social: da concepção burguesa de ciências sociais à perspectiva ontológica. In: Revista Katálysis, Florianópolis, v.10, n. especial, p. 73-82, 2007. LESSA, Sérgio. Serviço Social e Trabalho: do que se trata? In: Revista Temporalis, v.1, n.1, p. 35-58, Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.sergiolessa.com/artigos_97_01/ssocial_trabalho_2000.pdf>. Acesso em: 15.mai.2013. __________. Serviço Social e trabalho: porque o Serviço Social não é Trabalho. Maceió: EDUFAL, 2007. LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Tradução de: Lya Luft e Rodnei Nascimento. Supervisão editorial de: Ester Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010. MARTINELLI, Maria Lúcia. O uso de abordagens qualitativas na pesquisa em serviço social. In: MARTINELLI, Maria Lúcia (Org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras Editora, 1999. p. 19-27. ____________________. Serviço Social: identidade e alienação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001. MARX, Karl. O Capital: Crítica a Economia Política. Tradução de: Reginaldo Sant’Anna. 11. ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987. 579 p. 127 MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. MÉSZÁROS, István. Beyond Capital (Towards a Theory of Transition), Merlin Press, Londres, 1995. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, Técnica e Arte: O Desafio da Pesquisa Social. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 6. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994. MOTA, Ana Elizabete. A centralidade da assistência social na Seguridade Social brasileira nos anos 2000. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. p.133-146. _________________ et al. As tendências da política de Assistência Social, o Suas e a formação profissional. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. p.180-198. MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Ângela. Projeto profissional e projeto societário. In: Revista Inscrita. Brasília: CFESS, n. 12, p. 49-55, nov., 2009. MOTA, Alessivânia Márcia Assunção. Projeto Ético-Político do Serviço Social: limites e possibilidades. In: Textos & Contextos. Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 56 - 68, jan./jul. 2011. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/8031/6439>. Acesso em: 01.jun.2013. NETTO, José Paulo. Lukács e a Crítica da Filosofia Burguesa. Lisboa: Seara Nova, 1978. _______________. A Construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social. In: Módulo 1 - Capacitação em Serviço Social e Política Social. CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, Brasília, 1999. Disponível em: < http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto2-1.pdf>. Acesso em: 20.mai.2013. _______________. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011. POCHMANN, Marcio. Proteção Social na Periferia do Capitalismo: considerações sobre o Brasil. In: São Paulo em Perspectiva, n. 18, v. 2, p. 3-16, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v18n2/a02v18n2.pdf>. Acesso em: 15. mai. 2013. RAICHELIS, Raquel. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 107, p. 420-437, jul./set., 2011. 128 RAICHELIS, Raquel. O trabalho do assistente social na esfera estatal. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ ABEPSS, 2009. p. 377-392. SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de economia. 13. ed. São Paulo: Best Seller, 2004. SILVA, Jeane Andreia Ferraz. Serviço Social e Sistema Único de Assistência Social (SUAS): reflexões sobre o trabalho profissional. In: SER Social, Brasília, v. 14, n. 30, p. 155-189, jan./jun. 2012. Disponível em: < http://seer.bce.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/7443/5751>. Acesso em: 01.jun.2013. SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. (Biblioteca Básica do Serviço Social; v.3). SPOSATI, Aldaíza. Modelo Brasileiro de Proteção Social Não Contributiva: Concepções Fundantes. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e Gestão da proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Unesco, 2009. p. 13-56. ______________ et al. Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras: uma questão em análise. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2010. STECANELA, Nilda. O cotidiano como fonte de pesquisa nas ciências sociais. In: Conjectura, v. 14, n. 1, p.63-75. jan./maio, 2009. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/issue/view/2>. Acesso em: 01. Jun. 2013. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará – LabVida et al. Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza: Perfil da SER III, 2011. 20 p. Disponível em: <http://www.uece.br/covio/dmdocuments/regional_III.pdf>. Acesso em: 24. Abr.2013. YAZBEK, Maria Carmelita. Estado, Políticas Sociais e Implementação do SUAS. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. SUAS: Configurando os Eixos de Mudanças. Vol. 1. Brasília: MDS, 2008. p. 79-135. ____________________. O Significado sócio-histórico da profissão. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ ABEPSS, 2009. p. 125-142. 129 ANEXOS 130 ANEXO – A Roteiro de questionário Este questionário fora elaborado com o objetivo de traçar um perfil das assistentes sociais, bem como conhecer o processo de formação das profissionais e as particularidades de sua atuação profissional. 1. Nome:_________________________________________ 2. Idade:_____________ 3. Sexo:____________________ 4. Religião: _______________________ 5. Estado Civil: ________________________ 6. Tipo de vínculo empregatício firmado na instituição: __________________ 7. Carga horária de trabalho:______________________ 8. Nível de atuação profissional: ( ) Coordenador ( ) técnico 9. Antes do trabalho atual teve outra experiência profissional? ( ) sim Especificar: _______________________________ ( ) não. 10. Ano de conclusão do curso:__________ 11. Instituição:________________________ 12. Durante a graduação você participou das seguintes atividades: ( ) Monitoria; ( ) Iniciação Científica; ( ) Atividades de Extensão; ( ) Movimentos Estudantil; ( ) Estágio Obrigatório; ( ) Estágio Não-obrigatório; ( ) Participação em eventos científicos com publicações de trabalhos; ( ) Participação em eventos científicos sem publicações de trabalhos; ( ) Nunca Participou. 13. Em seu exercício profissional já participou das seguintes atividades? ( ) Conselhos de direitos; ( ) Conferências Nacionais; ( ) Conferências Estaduais; 131 ( ) Conferências Municipais; ( ) Encontros do conjunto CFESS-CRESS; ( ) Outros:_________________________________ ( ) nunca participou. 14. Quais os autores de referência do seu exercício profissional? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 15. Exerce supervisão de estágio? ( ) sim; ( ) não. 16. Quais os instrumentos/procedimentos mais utilizados no seu exercício profissional? ( ) relatório; ( ) visita domiciliar; ( ) parecer social; ( ) reunião; ( ) entrevista; ( ) palestra; ( ) outros__________________________________________ 17. Participa de capacitações? ( ) sim - frequência: ( )trimestral ( )semestral ( )anual. ( ) não. 18. Em sua instituição realizam-se reuniões de equipe? ( ) sim - frequência: ( )quinzenal ( ) mensal ( )semestral. ( ) não. 19. Existem atribuições específicas do Serviço Social na instituição? ( ) sim Especifique:_______________________________________________ ( ) não. 20. Quais as questões éticas a serem observadas na execução destas atribuições? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ _______________________________________________________ 22. Você escolheria outra profissão? Por quê? 132 ANEXO – B Roteiro de entrevista – semiestruturada O que é o CREAS? Qual o seu objetivo? Como você avalia à efetivação dos serviços descritos na tipificação dos serviços socioassistenciais? Qual a sua análise acerca da realidade do Plantão Social na Instituição? Qual a sua compreensão/análise sobre a atuação profissional do Assistente Social nesta instituição? Como o Serviço Social organiza a execução de suas atividades? Qual a realidade da Proteção Social Especial nos outros municípios atendidos por este CREAS? (pergunta destinada aos assistentes sociais que trabalham pelo CREAS em outros municípios). O que você entende por instrumentalidade do Serviço Social? Você visualiza a instrumentalidade se materializando em seu exercício profissional? De que forma? Quais as demandas que se apresentam na instituição que exigem um trabalho interdisciplinar? Como se efetiva o trabalho do Assistente Social com os outros profissionais que trabalham no CREAS? Qual a sua avaliação sobre papel o desempenhado pelo CREAS dentro da Política de Assistência Social? Existe distinção entre os objetivos da profissão e os objetivos institucionais? Qual o grau de autonomia das assistentes sociais em seu exercício profissional? Como se materializa o projeto ético-político do Serviço Social em sua prática profissional? Como você avalia as condições de trabalho estabelecidas na instituição para sua atuação profissional? 133 ANEXO – C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE Cara participante, Sou _______________________, da Faculdades Cearenses - FAC. Estou desenvolvendo um estudo, que tem como objetivo _____________________________________________ e será desenvolvido _________________________________. Esclareço que entrevistaremos _____________________________. Neste sentido, estou solicitando sua contribuição nesse estudo. Nesta entrevista conversaremos sobre vários assuntos, como por exemplo: _____________________________________________________e você preencherá um questionário sobre ____________________________________. Gostaria de deixar claro que essas informações são sigilosas, e principalmente seu nome não será em nenhum momento divulgado. Caso se sinta constrangida, envergonhada, durante essa nossa entrevista, você tem o direito de pedir para interrompê-la, sem causar prejuízos. Informo ainda, que: - Mesmo tendo aceitado participar, se por qualquer motivo, durante o andamento da pesquisa, resolver desistir, tem toda liberdade para retirar o seu consentimento. - Sua colaboração e participação poderão trazer benefícios para a compreensão de _____________________________________________. - Estarei disponível para qualquer outro esclarecimento no __________________________________________________________. Diante disso, gostaria muito de poder contar com sua colaboração. Atenciosamente, _________________________________________________ Assinatura da Pesquisadora Fortaleza, _____ de ___________________ de 2013. Via pesquisador 134 ANEXO – D TERMO DE CONSENTIMENTO PÓS–INFORMADO Declaro que tomei conhecimento do estudo que tem como objetivo ____________________________, cujo titulo é: _____________________, a ser realizado pelo/a pesquisador/a ___________________________, compreendi seus propósitos e, concordo em participar da pesquisa, não me opondo a entrevista gravada com a/o ____________________ e estou ciente que em qualquer momento posso retirar meu consentimento em participar da mesma. Fortaleza, _____ de ___________________ de 2013. _________________________________ Assinatura da participante Via participante 135 ANEXO – E TERMO DE CONSENTIMENTO Estamos desenvolvendo uma pesquisa intitulada ___________________. Esta pesquisa é desenvolvida ___________________, aluna/o do curso de Serviço Social da Faculdades Cearenses - FAC, sob a orientação da/o _____________________, caracterizando-se como Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Com este estudo pretendemos apreender ________________________. Dessa forma, gostaríamos de contar com a sua participação, permitindo que realizemos entrevista e que possamos gravá-las para que nenhuma informação seja perdida. Garantimos resguardar o seu anonimato, bem como o nome de pessoas citadas na entrevista. A pesquisa não trará risco a sua pessoa e você poderá desistir de participar da mesma no momento em que decidir, sem que isso lhe acarrete qualquer penalidade. Se necessário, poderá entrar em contato com o/a orientador/a da pesquisa pelo telefone:__________. ____________________________ Orientador/a da Pesquisa Tendo sido informado/a sobre a pesquisa _______________________, concordo em participar da mesma. Nome: _______________________________________________________ Assinatura: ___________________________________________________ Fortaleza, ____ de ______________ de 2013. 136