A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA POLÍTICA DE

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A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: desafios para
a intervenção dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social - Creas
Maria das Graças Rodrigues Mendes 1
Leilane Silva Cavalcante2
Cíntia Raquel da Silva Castro3
RESUMO
As reflexões tecidas neste artigo visam explanar acerca da
centralidade da família no contexto da Política de Assistência Social,
bem como evidenciar os desafios postos no campo interventivo da
Proteção Social Especial, para os Centros de Referência
Especializados da Assistência Social (CREAS).
Palavras-Chave: Família; Políticas Públicas; Assistência Social;
CREAS.
ABSTRACT
The reflections made in this article aim to explain about the centrality
of the family in the context of Social Policy, as well as highlighting the
challenges faced in the field of interventional Special Social
Protection, the Centros de Referência Especializado da Assistência
Social (CREAS).
Keywords: Family; Public Policy; Social Assistence; CREAS.
1
Estudante de Pós-Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Email: [email protected]
Estudante de Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Email: [email protected]
3
Estudante de Graduação. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Email: [email protected]
2
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo destacar a categoria família na discussão das
políticas públicas considerando a perspectiva de centralidade que este grupo ocupa na
Política de Assistência Social, em um contexto de mudanças no plano sócio-econômicocultural da sociedade capitalista.
A abordagem utilizada é qualitativa (Minayo, 2004) com fundamento sobre as
pesquisas bibliográfica e documental. A temática apresenta enquanto eixos investigativos: A
centralidade da família e seus desdobramentos na Política Nacional de Assistência Social. E
no segundo eixo discutimos como os Centros de Referência Especializados da Assistência
Social – CREAS configuram sua intervenção face aos desafios apresentados pelas famílias
na contemporaneidade. É relevante para a análise entender a família como um processo
social em construção e mudança. No âmbito da Proteção Social Especial4 os Centros de
Referência Especializados da Assistência Social – CREAS5 atendem a famílias e indivíduos
com seus direitos violados.
As ações desenvolvidas na PSE devem ter centralidade na família e como
pressuposto o fortalecimento e o resgate de vínculos familiares e comunitários, ou a
construção de novas referências, quando for o caso. A centralidade na família pauta-se no
seu reconhecimento como um lócus privilegiado de atenção, cuidado e solidariedade, nos
quais seus integrantes encontram apoio contra as vicissitudes e inseguranças da existência
(PEREIRA-PEREIRA, 2006). Para tanto, deve ser considerada a heterogeneidade deste
grupo a partir da variedade de formas e arranjos observados na realidade da sociedade
contemporânea, submetidas ao contexto socioeconômico e cultural que imprime tensões
4
Em concordância com a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a Proteção Social Especial (PSE) é a
modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco
pessoal e social, por violação de direitos. É destinada aos sujeitos sociais que tiveram seus direitos violados e,
ou, ameaçados e cuja convivência com a família de origem seja considerada prejudicial a sua proteção e ao seu
desenvolvimento. (MDS, 2011).
5
No âmbito da Proteção Social Especial de Média Complexidade, os Centros de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS), são definidos como uma Unidade pública e estatal de abrangência municipal ou
regional, referência para a oferta de trabalho social a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social,
por violação de direitos, que demandam intervenções especializadas no âmbito do SUAS. Oferta
obrigatoriamente o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI (MDS,
2011).
variadas nas dinâmicas das relações entre seus membros e entre estes e o contexto social,
seja no campo objetivo e/ou subjetivo.
Giddens (2002) afirma que a separação mais concreta entre a era moderna e
qualquer outro período anterior da História humana é o extremo dinamismo da vida social,
sendo que a modernidade é essencialmente uma ordem pós-tradicional. A transformação de
tempo e espaço, coloca as mudanças locais como fenômenos universais constitutivos de
transformações nas relações sociais.
Associado a este pressuposto, a redefinição de riscos e perigos em âmbito local
e global afasta a vida social da influência de práticas e preceitos preestabelecidos. E nesse
contexto é consumado um terceiro elemento: a reflexividade, que ocorre em âmbito
institucional e significa o uso regularizado de conhecimento sobre as circunstâncias da vida
social, como elemento constitutivo de sua organização e transformação.
2. A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA E SEUS DESDOBRAMENTOS NA POLÍTICA
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1
Trajetos e metamorfoses da família
A transformação na família não é uma transformação atual, pois a família é uma
instituição em constante mudança. Um fato de grande importância foi a Revolução Industrial,
que representou marco histórico e transformações ainda mais claras, no que se refere ao
conceito de “família” com a substituição das economias artesanais e agrícolas pelo
maquinário industrial, os papéis familiares divididos e subdivididos com predominância do
homem como provedor do sustento do grupo familiar.
As transformações sofridas pela família configuram a emergência da sociedade
urbana industrial, a qual tinha um padrão de “família nuclear burguesa”, e qualquer família,
considerada “normal” deveria ter em sua composição um homem e uma mulher e filhos, com
os papéis definidos6.
6
Todo o contexto explicitado favorece a mudança no papel da mulher na sociedade, deixando de ser apenas a
pessoa responsabilizada a ficar dentro de casa, para cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos. Após a
Revolução Industrial essa visão foi se modificando, muitas famílias deixaram os campos agrícolas para viverem
nos centros urbanos industriais onde o salário oferecido pelas indústrias já não era mais o suficiente para o
No Brasil, o modelo a família era formada pelo pai, mãe e pelos filhos
consanguíneos, frutos do casamento do casal, e tais denominações eram baseadas nos
princípios bíblicos, morais e religiosos disseminados na sociedade com o trabalho dos
jesuítas. Se as famílias não estivessem dentro desse “modelo” eram tidas como
desajustadas, irregulares fora desta estrutura familiar teriam comprometimentos futuros, de
ordem emocional, social e educacional. Nas décadas de 1980 e 1990, grandes foram os
avanços tecnológicos que também contribuíram para essas transformações, as tecnologias
de reprodução humana, as tecnologias para o reconhecimento da paternidade com os
exames de DNA. Esse contexto favorece a compreensão das transformações sociais e
familiares que estão se expressando nos dias atuais, no qual as relações são cada vez mais
individualizadas.
Para Singly (2007) a individualização das relações familiares, estabelece
associações entre as mudanças da modernidade e seus efeitos na família. Os
comportamentos interpessoais no âmbito conjugal, procuram demonstrar que, nas
sociedades contemporâneas ocidentais, os indivíduos não se parecem com aqueles das
gerações anteriores, devido ao surgimento do indivíduo autônomo, resultante da imposição
dessas sociedades. Um aspecto importante se refere a alteração do significado da criação
dos filhos, cada vez mais raros, devido ao custo elevado, a participação feminina no
mercado de trabalho e a celeridade dos relacionamentos afetivos. Há três áreas principais
em que se evidencia a substituição dos valores tradicionais sendo os relacionamentos de
amor e sexo, de pais e filhos e os relacionamentos de amizade (Giddens, 1993).
Sennett (2009) evidencia que a mudança significa simplesmente deriva, e que
nos dias atuais, a incerteza não precisa de desastres históricos, pois está imersa nas
práticas cotidianas de um vigoroso Capitalismo.
Sierra (2011) afirma que no Século XX a família tida como referencial sofreu uma
série de mudanças a ponto de ser anunciada sua morte, devido ao enfraquecimento da
instituição. Embora façamos uso na contemporaneidade do termo famílias (pluralidade) e
não mais família (modelo nuclear burguês), mantemos a ideia de unidade. Singly (1993)
sustento da família, as mulheres e crianças também vão trabalhar, iniciando assim, a exploração da mão-de-obra
de mulheres e crianças.
relata que embora permeada de conflitos, os elos em família se mantêm fortes, mas é sobre
o indivíduo (individualizado) que se encontra os fundamentos destes conflitos na atualidade.
A compreensão sobre a família como espaço em permanente transformação não
desconsidera o fato de que esta família é responsável pela transmissão de um patrimônio
econômico e cultural. É um lócus de aprendizado e socialização determinante para a
formação de identidade e valores morais.
2.2 A família e sua articulação com as políticas públicas
A família constitui-se como um espaço altamente complexo. Sua história é
construída e reconstruída cotidianamente de forma descontínua, não linear e não
homogênea. É concebida a partir de um determinado contexto histórico e através das
relações estabelecidas nos âmbitos públicos e privados.
O entendimento da família como campo de intervenção de políticas públicas,
emerge no nascimento do Estado Moderno. Para Bourdieu (1993) o Estado ratifica a divisão
dos gêneros quando reproduz em todas as instituições os formatos do patriarcado privado e
os princípios da visão androcêntrica.
Durante o denominado Welfare State, nota-se que o papel da família na
sociedade, era secundário, tendo em vista, as condições apresentadas pelo Estado, tais
como a proposta do pleno emprego e as políticas universalistas, que davam todo um aporte
de proteção social aos seus cidadãos (CARVALHO, 2003).
Na América Latina e no Brasil, no entanto, onde não se teve o Estado de Bem
Estar Social, podemos observar a presença de uma “Sociedade-Providência”, isto é, eram
advindas da sociedade civil, todas suas estratégias de sobrevivência e criações de
organizações solidárias. Assim, “o contexto em que a família passa a ser considerada
central na execução de políticas públicas é caracterizado pela implantação de um Estado
mínimo, ocorrendo redução do investimento público na área social” (HERKENHOFF E
OLIVEIRA, 2006, p. 4).
A fragilidade no acesso aos direitos sociais coloca como principal objetivo para a
família a superação das dificuldades de seus membros, de todo o sofrimento do cotidiano.
De acordo com Osterne (2001, p. 78):
[...] para a população brasileira, a família tem significado abrangente. É tudo e
vale por tudo. Como unidade de vida social e centro de vivência e
convivência da maioria, torna-se ambiente privilegiado para a construção da
‘consciência’ e consequentemente da subjetividade dos indivíduos.
No que concerne à Política de Assistência Social, a família é apresentada como
elemento central na garantia da proteção social brasileira:
A família, independente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora
das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os
deslocamentos entre o público e privado, bem como geradora de
modalidades comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que
ela se caracteriza como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de
convivência é marcada por conflitos e geralmente, também, por
desigualdades, além de que nas sociedades capitalistas a família é
fundamental no âmbito da proteção social (POLÍTICA NACIONAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL 2004, p. 41).
O reconhecimento da importância da matricialidade sociofamiliar no contexto da
Política Nacional de Assistência Social (PNAS)7 ao localizar a família em seu contexto
social, a PNAS reconhece o papel do Estado em propiciar-lhe apoio para o exercício do
papel de cuidado e proteção, incluindo, acesso as diversas políticas públicas.
3. OS CENTROS DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL –
CREAS E SUA INTERVENÇÃO FACE AOS DESAFIOS APRESENTADOS PELAS
FAMÍLIAS NA CONTEMPORANEIDADE
A política de assistência social procura romper com as visões e práticas que,
historicamente, responsabilizaram unicamente as famílias, e que tomaram a pobreza como
justificativa para a organização de ações e serviços de caráter repressor e tutelador que, por
vezes, se refletia na institucionalização de seus membros. Nessa direção, o objetivo da
proteção social no âmbito da assistência social, a todos que dela necessitarem “[...] não
7
O entendimento da complexidade e contraditoriedade das relações familiares e ressalta a importância de uma
política universal voltada ao processo emancipatório dos sujeitos sociais, através da garantia dos direitos sociais
e articulação das diversas políticas públicas. Entretanto, a própria política questiona acerca da efetivação da
proteção social por parte do Estado através dos processos de penalização e desproteção das famílias
brasileiras, no contexto neoliberal.
deve ser de pressionar as pessoas para que assumam responsabilidades além de suas
forças e de sua alçada, mas oferecer-lhe alternativas realistas [...] o Estado tem que se
tornar partícipe, notadamente naquilo que só ele tem como prerrogativa, ou monopólio – a
garantia de direitos (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p.40).
É importante destacar, que a família não é um bloco monolítico e também
apresenta fragilidades por não estar livre de despotismos, violências, confinamentos,
desencontros e rupturas (PEREIRA-PEREIRA, 2006), que podem gerar inseguranças e
violações de direito entre seus membros. A Proteção Social Especial (PSE)8 organiza a
oferta de serviços, programas e projetos de caráter especializado, que tem por objetivo
contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, visando a proteção de
famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de risco pessoal e social, por
violação de direitos.
O papel do CREAS e as competências decorrentes estão consubstanciados
em um conjunto de leis e normativas que fundamentam e definem a política de assistência
social e regulam o SUAS9. Estes serviços, programas e projetos requerem, portanto,
organização técnica e operacional específica, por atenderem situações heterogêneas e
complexas que demandam atendimentos e acompanhamentos personalizados, dentre os
quais se situa o serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais
de seus membros em situação de ameaça e violação de direitos (PAEFI).
As situações vivenciadas pelas famílias e indivíduos atendidos no CREAS
podem ter repercussões diferenciadas, que podem ser agravadas ou não em função de
diversos aspectos (contexto de vida, acesso à rede e direitos, ciclo de vida, deficiência, rede
social de apoio, gênero, orientação sexual, deficiência, uso, abuso ou dependência de álcool
ou outras drogas, condições materiais, etc.). Isso implica reconhecer que, diante das
situações vivenciadas, cada família/indivíduo atendido no CREAS demandará um conjunto
8
Na organização das ações de PSE é preciso entender que o contexto socioeconômico, político, histórico e
cultural pode incidir sobre as relações familiares, comunitárias e sociais, gerando conflitos, tensões e rupturas,
demandando, assim, trabalho social especializado.
9
Constituição Federal, Lei nº 8.742/1993, Lei nº 12.435/2011, PNAS, NOB/SUAS e Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais, além de outras legislações e normativas, como ECA, Estatuto do Idoso, Planos
Nacionais, etc. Devem ser compreendidos a partir da definição do escopo desta política do SUAS, na perspectiva
da proteção social. Frente a isso, o serviço deve considerar a incidência dos riscos pessoais e sociais, por
violação de direitos em cada território e suas complexidades.
de atenções específicas, de acordo com suas singularidades, o que deverá orientar a
construção do Plano de Acompanhamento Individual e/ou Familiar (MDS, 2011).
O trabalho ofertado pelo CREAS exige ainda que a equipe profissional seja
interdisciplinar, habilitada e com capacidade teórico-metodológica, intencionalidade e
sistematicidade no acompanhamento a famílias/indivíduos em situação de risco pessoal e
social, por violação de direitos.
4. CONCLUSÕES
As conclusões decorrentes da pesquisa apontam que a separação entre as
esferas pública e privada, e provocou grandes modificações na essência familiar. Surgiram
novos papéis e rearranjam-se outros (OSTERNE, 2001). A história da família é, portanto,
descontínua, não linear e não homogênea. É constituída em padrões familiares distintos e
com particularidades (POSTER apud SZYMANSKI, 2003). A concepção de família foi
também estritamente cultural e socialmente posta. Ao observarmos a história da família
associada com as políticas sociais, percebemos que a relação mantida entre essas duas
instâncias são bem próximas e relacionais.
A importância da família na política social que foi ratificada na Política Nacional
de Assistência Social (2004, p. 41) consolida a Assistência Social em um papel importante
na execução da matricialidade familiar como princípio base das políticas sociais brasileiras,
pois que atua com princípios de fortalecimento de vínculos sócio familiares, visando a
“emancipação” de famílias em vulnerabilidade social.
Entretanto, no que se refere aos CREAS e aos demais serviços ofertados no
âmbito do SUAS, a atenção especializada e a qualificação do atendimento ofertado no
CREAS se expressam na prevenção do agravamento das situações atendidas através de
ações desenvolvidas na perspectiva da redução dos efeitos e consequências das situações
de risco pessoal e social, por violação de direitos, vivenciadas pelos indivíduos e famílias
atendidos (MDS, 2011).
Nessa direção, podem ser prevenidos, por exemplo, a perpetuação de ciclos
intergeracionais de violência intrafamiliar ou até mesmo o agravamento da violência, a tal
ponto que rupturas ou afastamento do convívio se mostrem as estratégias mais adequadas
para assegurar proteção.
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SINGLY, F. Sociologie de la famille contemporaine. Paris: Nathan, 1993.
SZYMANSKI, Heloisa. Teorias e “teorias” de famílias. In: Família Contemporânea em
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